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Processo n.º 621/2010 Data do acórdão: 2010-10-07
  Assuntos:
 – prova
 – livre convicção do julgador
S U M Á R I O

1. Não pode o Tribunal de Segunda Instância alterar o resultado de julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal Judicial de Base, quando depois de examinados todos os elementos referidos na fundamentação probatória do aresto impugnado, não pode tirar a conclusão de que a Primeira Instância tenha julgado patentemente mal a matéria de facto em questão.
2. No caso, não se mostrando o resultado de julgamento da matéria de facto inaceitável aos olhos das regras da experiência da vida humana na normalidade das situações da vida quotidiana, nem se afigurando violador de quaisquer legis artis ou de qualquer norma legal sobre o valor da prova, sendo que a livre convicção a que chegou o Tribunal recorrido se baseou na análise crítica e global das declarações dos arguidos do processo, dos depoimentos prestados pelas testemunhas e inclusivamente pelo pessoal investigador da Polícia Judiciária, e de demais elementos documentais então carreados aos autos, não pode o arguido recorrente vir insistir, com base principalmente nas suas declarações prestadas na audiência da Primeira Instância, na sua versão de “não ser o fornecimento da droga a outrem o fim de detenção da droga”, já assumida então nessa audiência, para pretender a alteração do julgado a quo.
O relator,

Chan Kuong Seng

Processo n.º 621/2010
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A (XXX)



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Em 10 de Junho de 2010, foi proferido acórdão em primeira instância no âmbito do Processo Comum Colectivo n.° CR3-09-0259-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, inclusivamente condenatório do primeiro dos arguidos chamado A, já aí melhor identificado, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão e na multa de MOP$6.000,00 (seis mil patacas), convertível em 40 (quarenta) dias de prisão, pela autoria material de um crime consumado de tráfico de quantidade diminuta de estupefaciente, p. e p. pelo art.o 9.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 5/91/M, de 28 de Janeiro, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de prisão, pela autoria material de cada um dos dois crimes consumados de detenção ilícita de estupefaciente para consumo, p. e p. pelo art.o 23.o, alínea a), do mesmo Decreto-Lei, e na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão, pela autoria material de um crime consumado de tráfico, punido concretamente nos termos, aí tidos por mais favoráveis, do art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, e, em cúmulo jurídico dessas quatro penas parcelares, na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, e de MOP$6.000,00 (seis mil patacas) de multa, convertível esta em 40 (quarenta) dias de prisão (cfr. o teor original desse acórdão, a fls. 338 a 345 dos presentes autos correspondentes, que se dá por aqui integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
Inconformado, veio esse 1.o arguido A recorrer para esta Segunda Instância, imputando à decisão recorrida – na sua motivação ora a fls. 362 a 365 dos autos – a falta de prova sobre o acusado fim de cessão a outrem de droga por ele detida em 2 de Março de 2009, o que imporia a absolvição dele do imputado crime de tráfico concretamente punido pela Primeira Instância nos termos do art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, para além de opinar, a título subsidiário, que no caso de assim não se entender, a pena concreta de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão aplicada para esse crime de tráfico no acórdão recorrido se mostrava exagerada, já que deveria esta pena parcelar reduzida a 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, o que faria nascer uma nova pena única a ser consequentemente graduada em 4 (quatro) anos de prisão, com multa de MOP$6.000,00 (seis mil patacas).
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido no sentido de manutenção da decisão recorrida (cfr. a resposta ao recurso, a fls. 368 a 371 dos autos).
Subidos os autos, emitiu a fl. 420 o Ministério Público parecer concordante com essa resposta, pugnando pela improcedência do recurso.
Feito subsequentemente o exame preliminar e corridos depois os vistos legais, procedeu-se à audiência em julgamento com observância do formalismo previsto no art.° 414.° do Código de Processo Penal de Macau (CPP).
Cumpre, pois, decidir agora do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Como questão primordial do seu recurso, o arguido A começa por apontar que as suas declarações prestadas em audiência e os depoimentos das testemunhas ouvidas não conseguem provar que a droga por si detida no dia 2 de Março de 2009 era para ser fornecida a outrem, pelo que ele deve ser absolvido do então correspondentemente e também acusado crime de tráfico, previsto pelo então vigente art.o 8.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 5/91/M, e concretamente punido pelo Colectivo a quo nos termos do art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009.
Trata-se de um ataque infundado à decisão recorrida, porquanto está a pretender o recorrente fazer sindicar a livre convicção formada pelo Colectivo recorrido à luz do art.o 114.o do CPP.
É que ao contrário do que preconiza o recorrente, não se pode, depois de examinados todos os elementos decorrentes dos autos e referidos na fundamentação probatória do aresto impugnado (cfr. os últimos quatro parágrafos da página 7 do texto decisório recorrido, a fl. 341), tirar a conclusão de que a Primeira Instância tenha julgado patentemente mal o ponto da matéria de facto em questão.
Aliás, o resultado de julgamento da matéria de facto inclusivamente neste ponto (acerca do fim da detenção da droga pelo recorrente no dia 2 de Março de 2009) não se mostra inaceitável aos olhos das regras da experiência da vida humana na normalidade das situações da vida quotidiana, nem se afigura violador de quaisquer legis artis ou de qualquer norma legal sobre o valor da prova, sendo que a livre convicção a que chegou o Colectivo recorrido se baseou na análise crítica e global das declarações dos arguidos do processo, dos depoimentos prestados pelas testemunhas e inclusivamente pelo pessoal investigador da Polícia Judiciária, e de demais elementos documentais então carreados aos autos, pelo que não pode o recorrente vir insistir, com base principalmente nas suas declarações prestadas na audiência da Primeira Instância, na sua versão de “não ser o fornecimento da droga a outrem o fim de detenção da droga”, já assumida então nessa audiência, para pretender a alteração do julgado dos Mm.os Juízes do Colectivo a quo.
Naufraga, pois, esta primeira questão, e principal, do objecto do seu recurso.
E agora quanto ao subsidiariamente assacado exagero da pena aplicada pela Primeira Instância ao crime de tráfico (relativo à detenção da droga no dia 2 de Março), afigura-se a este Tribunal ad quem que tendo em conta que a quantidade de Ketamina em questão para ser destinada a outrem não é muito pouca, e que o recorrente usou do seu direito de não confessar o facto respeitante ao fim de cessão de droga a outrem (direito esse cujo exercício em concreto acabou por não ter a virtude de fazer graduar a pena a impor em termos mais favoráveis ainda para o próprio recorrente), por um lado, e, por outro, ponderadas em especial as elevadas exigências de prevenção maxime geral do crime de tráfico, a pena aplicada pelo Tribunal recorrido, vistos os padrões da medida da pena plasmados nos art.os 40.o, n.o s 1 e 2, e 65.o do CP, já não é susceptível de mais redução, dentro da moldura penal do art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009.
É, assim, de julgar improcedente o recurso no seu todo, por improcedentes todas as duas questões concretamente levantadas pelo recorrente como objecto limitado do seu recurso (veja-se o art.o 393.o, n.o 1, e n.o 2, alínea b), e a alínea d), do CPP), por um lado, e, por outro, por inexistência de outras questões de que cumpra a este Tribunal de recurso conhecer oficiosamente.
III – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em negar provimento ao recurso do 1.o arguido A.
Custas do recurso pelo recorrente, com quatro UC de taxa de justiça, e com mil patacas de honorários devidos ao trabalho da sua Ilustre Defensora na presente lide recursória, honorários esses a serem adiantados pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 7 de Outubro de 2010.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)



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