Processo n.º 349/2008 Data do acórdão: 2010-11-11
Assuntos:
– burla qualificada
– art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do Código Penal
– procedimento penal
– prazo da prescrição
– momento de enriquecimento ilegítimo
– venda judicial da fracção hipotecada
– erro notório na apreciação da prova
– dano não patrimonial
– art.o 489.o, n.o 1, do Código Civil
S U M Á R I O
1. Sendo o crime consumado de burla qualificada em questão nos autos punível, nos termos do art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do Código Penal (CP), com pena de prisão de dois a dez anos, o prazo normal da prescrição do respectivo procedimento penal é de dez anos, a contar desde o dia em que o facto se tiver consumado (art.os 110.o , n.o 1, alínea c), e 111.o , n.o 1, do CP).
2. No caso, como o enriquecimento do arguido apenas se tornou ilegítimo a partir, e só a partir, do momento em que o empréstimo então contraído a um banco saiu liquidado, em todo ou em parte, através do produto da venda judicial da fracção dos autos no âmbito da acção executiva posteriormente instaurada pelo banco com base na garantia hipotecária outrora concedida pelo pai do arguido antes da venda do mesmo imóvel à ofendida com tal ónus hipotecário intencionalmente ocultado, é o momento da conclusão do processo de venda judicial da fracção que deve relevar para efeitos de início do curso do prazo normal da prescrição do procedimento penal pelo crime consumado de burla qualificada, já que só nessa precisa altura é que o arguido conseguiu a inicialmente visada desoneração, por via ilícita, à custa da ofendida, da sua obrigação de pagar o empréstimo ao banco.
3. Não há erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal a quo, se depois de examinados todos os elementos dos autos e referidos na fundamentação probatória da decisão ora recorrida, não se vislumbra ao Tribunal ad quem que aquele tenha violado qualquer norma sobre o valor probatório legal, ou qualquer regra da experiência da vida humana, ou quaisquer legis artis aquando da valoração da prova.
4. O Código Civil manda, no seu art.o 489.o, n.o 1, indemnizar o lesado por todos os danos não patrimoniais sofridos que mereçam a tutela do direito em razão da gravidade dos mesmos.
5. No caso, as extremas e grandes perturbações psicológicas de que comprovadamente tem sofrido a ofendida ao longo de mais de dez anos devem merecer, sem dúvida nenhuma, tutela do direito, por serem graves para qualquer homem médio colocado na situação concreta da ofendida.
O relator por vencimento,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 349/2008
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A (A)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
1. Inconformado com o acórdão proferido pelo 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base nos respectivos autos de processo comum colectivo n.o CR2-07-0044-PCC que o condenou como co-autor material de um crime consumado de burla qualificada, p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do Código Penal (CP), na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por três anos, com o dever de pagar à ofendida B (B), no prazo de três meses, a indemnização de danos patrimonial e morais no valor total de MOP$700.000,00 (do qual MOP$234.840,00 se destinando ao dano patrimonial), com juros legais desde o trânsito em julgado da decisão até efectivo e integral pagamento, veio o arguido A, já aí melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para pedir a revogação dessa decisão condenatória, por entender ele, antes do mais, que o procedimento penal pelo crime de burla qualificada em questão já tinha ficado extinto, por prescrição, em 28 de Julho de 2000 (já que o crime foi consumado em 28 de Julho de 1990), e que, em segundo lugar, existiu erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal a quo, por este ter violado o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.o 114.o do Código de Processo Penal (CPP), e que, por último, era ilegal a atribuição de indemnização por danos morais em crime de burla, e, mesmo que assim não se entendesse, sempre seria excessivo o montante indemnizatório arbitrado a esse nível (cfr. o teor da motivação do recurso, a fls. 348 a 364 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público no sentido de oferecer o merecimento dos autos em matéria da suscitada prescrição do procedimento penal, para além de se opor ao demais pretendido pelo arguido (cfr. a resposta de fls. 366 a 370).
Subido o processo, opinou o Digno Procurador-Adjunto que procederia o recurso na matéria de prescrição do procedimento penal (cfr. o parecer de fls. 394 a 387).
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, realizou-se a audiência de julgamento. E como o douto Projecto de Acórdão do Mm.o Juiz Relator do processo não conseguiu ser aprovado, cumpre decidir da presente causa penal nos termos constantes do presente acórdão definitivo, lavrado pelo primeiro dos juízes-adjuntos de acordo com a posição da maioria.
2. Como ponto de partida, é de relembrar aqui a seguinte matéria de facto inclusiva e materialmente já dada por provada no texto do acórdão recorrido (e constante de fls. 332 a 336v):
– em 27 de Abril de 1990, o arguido A (A) e o seu pai C (C) (aliás D (D)) contraíram conjuntamente um empréstimo ao Banco Luso Internacional, no valor de cento e oitenta mil dólares de Hong Kong. O referido empréstimo foi contraído em nome de A, servindo-se de hipoteca a fracção do seu pai, sita no Bairro de Fai Chi Kei, Estrada Concórdia, Edif. ……..., ....o andar ….;
– a supracitada hipoteca teve registo feito na Conservatória do Registo Predial em 13 de Junho de 1990;
– em 22 de Junho de 1990, C e a ofendida B (B) assinaram um contrato-promessa de compra e venda, segundo o qual C se comprometeu a vender o referido imóvel à ofendida B pelo preço de duzentos e vinte e oito mil dólares de Hong Kong, mas ele nunca disse à ofendida que o imóvel estava hipotecado. Depois de ter recebido todo o preço, C assinou com a ofendida o contrato de compra e venda em 28 de Julho de 1990 e vendeu o imóvel à ofendida;
– o arguido tinha conhecimento do processo acima referido, o qual foi por ele organizado de propósito com o pai, a fim de conjugar com o acto de não pagar empréstimo ao Banco Luso Internacional;
– em 26 de Fevereiro de 1998, como o arguido não cumpriu a obrigação de dívida, o Banco Luso Internacional intentou acção de execução no Tribunal de Competência Genérica de Macau, o que levou à penhora e à alienação do referido imóvel pertencente à ofendida;
– em 9 de Setembro de 2003, o Tribunal concluiu a venda em hasta pública da dita fracção, que foi adjudicada ao representante do Banco Luso Internacional pelo preço oferecido de oitenta e sete mil patacas;
– o arguido sabia que ele tinha que cumprir a obrigação de liquidar a dívida, e sabia que o seu pai, aquando da venda da fracção em causa à ofendida, ocultou o empréstimo bancário e a hipoteca, e sabia ao mesmo tempo que se ele não pagasse o empréstimo, isto iria fazer com que a fracção da ofendida viesse a ser vendida em hasta pública com prejuízo a acarretar à ofendida;
– o arguido, de modo livre, voluntário e com planeamento das coisas, e conjuntamente com o seu pai, agiu nos termos supra referidos em vontade comum e com divisão de tarefas, com o intuito de fazer, através de astúcia, com que a ofendida tomasse a decisão de comprar a dita fracção, a fim de obter para si benefício patrimonial com prejuízo patrimonial a acarretar à ofendida;
– o arguido sabia que a sua conduta era violadora da lei e seria punida por lei;
– a ofendida, por causa do ocorrido, tem sofrido, ao longo de mais de dez anos, de extremas e grandes perturbações psicológicas, e pretende que o arguido indemnize os danos patrimonial e moral sofridos;
– de acordo com o certificado de registo criminal, o arguido é delinquente primário;
– o arguido dedica-se, na China, a negócios de obras de construção e de fomento imobiliário, auferindo por mês algumas dezenas de milhares, e possui vários imóveis dispersos em Macau e na China;
– da relação com a sua ex-mulher, o arguido tem dois filhos menores, os quais, após o divórcio do próprio arguido, vivem com ele na China, e com alojamento em escola internacional;
– e o arguido vive maritalmente com a sua namorada.
3. Juridicamente falando, e com pertinência à solução da primeira questão posta no recurso, é de observar, de antemão, que sendo o crime de burla qualificada em questão punível, nos termos do art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do CP, com pena de prisão de dois a dez anos, o prazo normal da prescrição do respectivo procedimento penal é de dez anos, por comando do art.o 110.o, n.o 1, alínea c), do CP.
Tratando-se de um crime consumado, o prazo de prescrição do procedimento penal corre “desde o dia em que o facto se tiver consumado” (art.o 111.o, n.o 1, do CP).
Na tese do arguido, o prazo de prescrição do procedimento deve ter corrido desde 28 de Julho de 1990, ou seja, desde a data da assinatura do contrato final de compra e venda, tese essa que, porém, não pode ser acolhida como boa pelo presente Tribunal ad quem, porquanto:
– como o enriquecimento do arguido apenas se tornou ilegítimo a partir, e só a partir, do momento em que o empréstimo então contraído ao Banco Luso Internacional saiu liquidado, em todo ou em parte, através do produto da venda judicial da fracção dos autos no âmbito da acção executiva instaurada por esse banco com base na garantia hipotecária outrora concedida pelo pai do arguido, é o momento da conclusão do processo de venda judicial da fracção que deve relevar para efeitos de início do curso do prazo normal da prescrição do procedimento penal pelo crime consumado de burla qualificada em questão, já que só nessa precisa altura é que o arguido conseguiu o inicialmente visado enriquecimento ilegítimo (traduzido na desoneração, por via ilícita, à custa da ofendida, da sua obrigação de pagar o empréstimo ao Banco Luso Internacional).
De facto, até antes da conclusão do processo de venda da dita fracção no seio da referida acção executiva, sempre poderia subsistir a hipótese de vir o arguido honrar a sua obrigação de dívida com vista a expurgar a hipoteca ou pagar a dívida exequenda, sem qualquer prejuízo patrimonial a acarretar à ofendida. E como não foi isto que sucedeu, o crime de burla qualificada em causa consumou-se aquando da conclusão do processo de venda judicial da fracção na acção executiva. Por outras palavras, se o arguido tivesse cumprido antes a sua obrigação de dívida para com o Banco Luso Internacional ou pago voluntariamente a dívida exequenda a fim de fazer matar o ónus hipotecário, não teria consumado a burla, até porque nessa hipótese, a propriedade da fracção teria continuado na esfera jurídica da ofendida.
Assim sendo, na melhor das hipóteses para o arguido, o termo inicial para contagem do prazo normal de dez anos da prescrição do procedimento penal pelo referido crime consumado seria o dia 9 de Setembro de 2003, pelo que mesmo que se abstraía de todas e quaisquer causas de interrupção e/ou de suspensão desse prazo, o procedimento penal respectivo está longe de ficar extinto por prescrição.
Por aí se vê a improcedência da primeira questão-fundamento do recurso do arguido.
E agora no concernente ao também assacado erro notório na apreciação da prova:
O arguido entende que o Tribunal a quo violou o princípio da livre apreciação da prova, ao ter dado como provado que ele sabia do processo de venda da fracção pelo seu pai e que ele o planeou com o pai de propósito.
Contudo, depois de examinados todos os elementos dos autos e referidos na fundamentação probatória da decisão ora recorrida, tecida concretamente a partir da última linha da pág. 5 (a fl. 334) até à 16.a linha da pág. 6 (a fl. 334v) do texto do acórdão impugnado, não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha violado qualquer norma sobre o valor probatório legal, ou qualquer regra da experiência da vida humana, ou quaisquer legis artis aquando da valoração da prova, não se mostrando sequer inaceitável, aos olhos do homem médio, o resultado de julgamento da matéria de facto a que chegou o mesmo Colégio de Juízes, pelo que não pode o arguido vir questinoná-lo através da sua visão pessoal das coisas.
Há-de naufragar também o recurso nesta segunda parte.
Por fim, o arguido disse não concordar também com a decisão de fixação de indemnização de danos morais a favor da ofendida.
Mas, mais uma vez, sem razão, por estar a defender a sua posição pessoal, contra a matéria de facto dada por provada no acórdão recorrido, segundo a qual a ofendida, ao longo de mais de dez anos, tem sofrido extremas e grandes perturbações psicológicas por causa do acontecido.
Na verdade, o Código Civil manda, no seu art.o 489.o, n.o 1, indemnizar o lesado por todos os danos não patrimoniais sofridos que mereçam a tutela do direito em razão da gravidade dos mesmos.
No caso, as extremas e grandes perturbações psicológicas de que comprovadamente tem sofrido a ofendida ao longo de mais de dez anos devem merecer, sem dúvida nenhuma, tutela do direito, por serem graves para qualquer homem médio colocado na situação concreta da ofendida.
É, assim, legalmente devida a fixação de indemnização por danos morais da ofendida, ao contrário da tese defendida pelo arguido.
Depois, quanto à justeza ou não do montante indemnizatório arbitrado a esse nível, afigura-se ser de manter a decisão recorrida, visto que não havendo qualquer fórmula sacramental a seguir nessa matéria, há que confiar no juízo de valor já formado pelo Tribunal recorrido, em função da matéria de facto já dada por assente.
Em suma, é de improceder o recurso do arguido no seu todo.
4. Em sintonia com o exposto, acordam em negar provimento ao recurso do arguido A, mantendo, por conseguinte, o julgado final da Primeira Instância.
Custas do recurso por este arguido, com doze UC de taxa de justiça.
Macau, 11 de Novembro de 2010.
____________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto vencedor)
____________________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
____________________________ (segue declaração de voto).
José Maria Dias Azedo
(Relator do processo)
Processo nº 349/2008
(Autos de recurso penal)
Declaração de voto
Vencido, pois que considero que tem o recorrente razão quanto à invocada “prescrição do procedimento criminal”, passando a expor – ainda que abreviadamente – o que sobre a questão fiz constar no meu projecto de acórdão que (em 23.09.2008) submeti a apreciação da conferência.
1. Sob a epígrafe “prazos de prescrição”, prescreve o art. 110° do C.P.M. que:
“1. O procedimento penal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos:
a) 20 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for superior a 15 anos;
b) 15 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for superior a 10 anos, mas que não exceda 15 anos;
c) 10 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 5 anos, mas que não exceda 10 anos;
d) 5 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 1 ano, mas inferior a 5 anos;
e) 2 anos, nos casos restantes.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes.
3. Quando a lei estabelecer para qualquer crime, em alternativa, pena de prisão ou de multa, só a primeira é considerada para efeitos do disposto neste artigo.”
Por sua vez, (e quanto ao “início do prazo”) dispõe o art. 111° do mesmo código que:
“1. O prazo de prescrição do procedimento penal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.
2. O prazo de prescrição só corre:
a) Nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação;
b) Nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde o dia da prática do último acto;
c) Nos crimes não consumados, desde o dia do último acto de execução.
3. No caso de cumplicidade atende-se sempre, para efeitos do disposto neste artigo, ao facto do autor.
4. Quando for relevante a verificação de resultado não compreendido no tipo de crime, o prazo de prescrição só corre a partir do dia em que aquele resultado se verificar.”
Assim, tendo-se presente o preceituado nos comandos legais transcritos – aqui aplicáveis, por preverem um prazo mais curto que o estatuído no art. 125° do C.P. de 1886; neste sentido, cfr., v.g o Assento do S.T.J. de 19.11.1975, in B.M.J. 251°-75 e o Ac. deste T.S.I. de 29.01.2004, Proc. n° 308/2003 – vejamos.
In casu, foi o ora recorrente condenado pela prática de 1 crime de “burla” p. e p. pelo art. 211°, n° 4 do C.P.M..
Como já tivemos oportunidade de afirmar no âmbito do supra referido Ac. deste T.S.I., de 29.01.2004:
“1. A construção do crime de “burla” supõe a concorrência de vários elementos, todos constituindo os seus elementos típicos, a saber: (1) o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado; (2) a fim de determinar outrem à prática de actos que lhe causam, ou a terceiro, prejuízo patrimonial – (elementos objectivos) – e, por fim, (3) a intenção do agente de obter para si ou terceiro um enriquecimento ilegítimo (elemento subjectivo). Impõe-se assim num primeiro momento, a verificação de uma conduta (intencional) astuciosa que induza directamente em erro ou engano o lesado, e, num segundo momento, a verificação de um enriquecimento ilegítimo de que resulte prejuízo patrimonial do sujeito passivo ou de terceiro.
2. O facto previsto na Lei como crime diz-se consumado quando praticados estiverem os actos de execução que realizam e integram os elementos constituivos do tipo legal de crime, produzindo também as consequências previstas que integram o respectivo tipo. A consumação, é pois execução acabada e completa e a integração por inteiro dos elementos do tipo do crime, a que pertencem, para além da menção do sujeito activo e passivo, a descrição de uma acção típica com indicação do resultado (nos crimes de resultado), ou com a simples descrição da actividade (nos crimes de mera actividade).
3. Desta forma, constituindo o dito crime de “burla” um crime de “dano” ou de “resultado”, cujo bem jurídico protegido consiste no património do ofendido, é de considerar que o mesmo se consuma com a ocorrência do prejuízo no património do sujeito passivo da infracção, ou dito de outro modo, quando a coisa objecto da burla sai da esfera patrimonial do defraudado e entra no círculo de disponibilidades do agente do crime.”; (cfr., v.g., o Ac. de 29.01.2007, Proc. n° 308/2003).
Mostrando-se-nos de manter este entendimento, e atenta a factualidade dada como provada, crê-se que ao recorrente assiste razão.
De facto, somos de opinião que o crime de “burla” em causa consumou-se em 28.07.1990, data do contrato de compra e venda do imóvel com a ofendida dos presentes autos celebrado, no âmbito do qual pagou a mesma o preço de H.K.D.$228.000,00 desconhecendo que estava o imóvel onerado com uma hipoteca efectuada como garantia de um anterior empréstimo no montante de H.K.D.$180.000,00 pelo arguido contraído junto do Banco Luso Internacional.
Na verdade, temos para nós que o “enriquecimento” do arguido ocorreu aquando do recebimento do preço pela venda do imóvel onerado com a hipoteca que não era do conhecimento da ofendida (compradora), e que o correspondente “prejuízo” desta ocorreu igualmente neste momento, com o pagamento do dito preço, no desconhecimento da referida hipoteca e que, como é óbvio, se tivesse sido considerada, implicaria, no mínimo, uma grande redução daquele.
A não se entender assim, então ter-se-ia que considerar também que consumado não estaria o crime de “burla” no caso de venda de coisa alheia com pagamento do preço da mesma e ainda que verificados estivessem os elementos subjectivos por parte do vendedor...
Nesta conformidade, e por não ter havido “suspensão”, (cfr., art. 112° do C.P.M.), ou “interrupção da prescrição” (cfr., art. 113°), a mesma ocorreu pois em 28.07.2000, (dez anos após a celebração do contrato), e, constatando-se assim que prescrito está o procedimento criminal quanto ao crime de “burla” pelo qual foi o ora recorrente condenado, impõe-se a revogação do Acórdão recorrido.
2. Nos termos do exposto, concedia provimento ao presente recurso.
Macau, aos 11 de Novembro de 2010
José Maria Dias Azedo
Processo n.º 349/2008 1/16