打印全文
Processo nº 670/2010
(Recurso Cível)

Data: 11/Novembro/2010

   
   Assuntos:

- tráfico de estupefacientes; medida da pena
- Sucessão de leis; comparação de regimes
- Atenuação especial

    
    SUMÁRIO :

1. A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo, donde decorre a sua excepcionalidade.
2. Fortíssimas razões de prevenção geral se impõem nos casos dos chamados correios de droga que a transportam até no próprio corpo, por via aérea,, vista a abertura da RAEM ao exterior e daí a sua vulnerabilidade, começando a ser usuais estes correios de droga em Macau, com origem ou passagem por outros locais, Tailândia, Índia e Malásia, servindo esses correios os fins criminosos das mafias internacionais da droga.

3. Quando dizemos que a nova lei da droga só num certo segmento é mais favorável é porque não nos podemos esquecer que há outros segmentos em que a nova lei não é seguramente mais favorável. Basta pensar naqueles crimes mais graves em que anteriormente a pena nunca podia ultrapassar os 12 anos e agora há uma margem que permite ir até aos 15 anos.
    
    4. Numa banda de crimes a punir mais gravemente, situados entre os 10 e os 12 anos, o aplicador da lei tem agora uma banda de escolha entre os 9 e os 15 anos. Alarga-se o espectro de aplicação, o que significa que nos crimes mais graves a punir do meio para cima, mesmo em termos de lógica matemática, a cada medida de tempo, na lei velha, corresponde uma medida 3X superior na lei nova, isto é, v. g. 3 anos da nova por cada 1 ano da lei velha.
     5. A uma pena de 10 anos na lei nova não tem de corresponder exactamente uma pena de 9 anos na lei nova; basta pensar que numa outra óptica, estaríamos ali, para efeitos de graduação da ilicitude e da culpa, apenas a 2 anos de prisão do máximo possível, enquanto na nova lei, ficaríamos a 6 anos de distância daquele limite máximo. A aplicar o mesmo critério, em função da máxima gravidade, em termos de distância em relação ao máximo, a pena correspondente seria o máximo menos 2 anos e aí a pena correcta seria de 14 anos.
    Isto demonstra bem a ilógica da aplicação de critérios matemáticos.

6. Temos afirmado e reafirmado que cada caso é um caso e o nosso ordenamento penal não assenta na casuística da Common Law. Cada caso é um caso e mesmo que pareça que é quase igual a um outro o certo é que diferentes são as pessoas, o modo, circunstâncias, o lugar e o tempo do julgamento. O que é hoje pode já não ser o mesmo amanhã, bastando mudar a sociedade e as necessidades de intervenção.

O Relator,


João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 670/2010
(Recurso Penal)

Data: 11/Novembro/2010

Recorrente: A

Objecto do Recurso: Acórdão condenatório da 1ª Instância

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO

    A, arguido do presente processo, melhor identificado nos autos, não se conformando com a decisão condenatória proferida no Tribunal Judicial de Base em 20 de Julho de 2010, que o condenou, em autoria material e na forma consumada, na pena de 10 anos de prisão e na multa de MOP$20.000,00, convertível em 133 dias de prisão no caso de não ser paga ou substituída por trabalho, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 8.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, dela vem recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, alegando fundamentalmente e em síntese:
         
     Em 20 de Julho de 2010, o recorrente foi condenado pelos MM.ºs Juízes do Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, em autoria material e na forma consumada, na pena de 10 anos de prisão e na multa de MOP$20.000,00, convertível em 133 dias de prisão caso não seja paga ou substituída pelo trabalho pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 8.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M;
Na audiência de julgamento, o recorrente confessou integralmente e sem nenhuma reserva todos os factos, pelo que, existe circunstância atenuante especial;
O recorrente entende que face à aplicação da Lei n.º 17/2009, o acórdão recorrido aplicou um critério não uniforme para determinar a pena do recorrente, fazendo com que o acórdão recorrido enferme do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
Assim, o acórdão da primeira instância deve ser nulo por enfermar do aludido vício, ou, face à aplicação da Lei n.º 17/2009, deve-se aplicar o critério conforme o princípio de uniformidade para determinar a medida da pena do recorrente, de forma a ponderar novamente o regime jurídico aplicável e proferir a devida decisão.

    Nestes termos defende a procedência do recurso.

    O Digno Magistrado do MP oferece douta resposta, defendendo, em síntese:
    Nos termos do artigo 66.º n.º 1 do Código Penal, constitui o pressuposto necessário da atenuação especial pena quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
    Tal como a posição assumida pela jurisprudência dominante, a simples confissão, por si só, não constituem um factor necessário para desencadear uma atenuação especial da pena (vide o Acórdão do TSI no Processo n.º 1018/2009), além disso, somente está provada a confissão dos factos, desacompanhada por um contributo para a descoberta da verdade nem pelo seu arrependimento, não podemos concluir tal mera confissão diminuir de forma acentuada a ilicitude do facto a sua culpa ou a necessidade de punição, como exigido pelo artigo 66º nº 1 do Código Penal (Vide o Acórdão do TSI no Processo n.º 70/2003).
    O recorrente foi detectado em flagrante delito que escondia heroína com peso total de 973,15 gramas. Dado que as provas do presente caso são suficientes, não há nenhuma circunstância que pode revelar que a confissão do recorrente deu contributo relevante na descoberta da verdade do presente caso.
    Além disso, o Ministério Público também não concorda com o entendimento do recorrente, segundo o qual, o recorrente entende que o regime mais favorável ao recorrente pode ser simplesmente calculado de maneira proporcional.
    Nos termos do artigo 65.º n.º 1 do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
    Na determinação da medida da pena, deve-se atender a todos os factores, nomeadamente ter em conta se a pena pode alcançar os efeitos da prevenção geral e especial.
    Não se pode ignorar que, os crimes ligados às drogas trazem grande influência à paz social e à saúde pública, por isso, a salvaguarda da prevenção geral mostra-se muito importante. Na determinação da medida da pena, o tribunal deve aplicar aos traficadores uma pena que pode levar a comunidade a compreender a gravidade do crime de tráfico de drogas e as suas consequências e restabelecer a confiança da comunidade na defesa da paz social da norma jurídica, por isso, na determinação da medida da pena, deve-se aplicar uma pena a mais adequada.
    Na sucessão da lei antiga por uma lei nova, os limites mínimo e máximo da moldura penal abstracta do mesmo crime podem ser reajustados, pelo que, ao fazer a comparação, caso a medida da pena concreta seja determinada segundo uma das leis e a da outra lei seja determinada, de maneira puramente proporcional, pode-se concluir uma pena relativamente elevada ou baixa.
    Na determinação da medida da pena, ao tribunal a quo não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada (vide o Acórdão do TUI no Processo n.º 33/2007).
    Pelo que, o recorrente não pode, só com base no cálculo matemático, entender que o tribunal a quo aplicou um critério não uniforme e assim conclui que o acórdão recorrido enferma do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
    Porém, tendo em conta que o legislador baixou consideravelmente o limite mínimo legal para o crime de tráfico de estupefacientes e as circunstâncias concretas do presente caso, inclusivamente os actos demonstrativos do recorrente no presente caso e a qualidade de droga envolvida no caso, bem como comparando com os acórdãos judiciais supracitados, entendemos que face à nova lei, seria justa a aplicação ao recorrente de uma pena que se deveria situar entre 9 a 10 anos de prisão.

Nos termos acima expostos, solicita que o Tribunal julgue parcialmente procedente o recurso interposto pelo recorrente e determine novamente a pena a aplicar ao recorrente nos termos da nova lei.

    A Exma Senhora Procuradora Adjunta emite o seguinte douto parecer:
     Na sua motivação de recurso, o recorrente A considera que a pena que lhe foi imposta é excessiva, pedindo a sua redução.
     Analisando as circunstâncias concretas do caso, estamos em concordância com os pontos de vista e os argumentos aduzidos pelo Magistrado do Ministério Publico na sua resposta à motivação de recurso, não se opondo ao pedido de redução da pena formulado pelo recorrente.
     No caso sub judice, o tribunal a quo condenou o recorrente na pena de 10 anos de prisão e na multa de MOP$20.000,00 pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 8.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
     Com a entrada em vigor da Lei n.º 17/2009 (ou seja, lei sobre proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substancias psicotrópicas) e para o cumprimento do artigo 2.º n.º 4 do Código Penal, o tribunal a quo entendeu que face à aplicação do artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, o recorrente deveria ser condenado na pena de 11 anos de prisão.
     Após a comparação, o tribunal a quo decidiu aplicar uma pena que se mostra concretamente mais favorável ao recorrente e condenou o recorrente na pena de 10 anos de prisão e na multa de MOP$20.000,00 nos termos do artigo 8.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M,.
     Porém, atendendo às circunstâncias concretas do caso, à moldura pena abstracta aplicável e ao critério da determinação da medida da pena estabelecido nos artigos 40.º e 65.º do Código Penal, bem como tomando como referência as penas aplicadas pelos Tribunal de Última Instância e Tribunal de Segunda Instância nos casos semelhantes conforme a quantidade de estupefacientes (como as penas aplicadas nos Acórdãos do TUI nos processos de recurso penal n.ºs 28/2009, 38/2009 e 35/2010, nos Acórdãos do TSI nos processos de recurso penal n.ºs 617/2009 e 1024/2009), a pena de 11 anos de prisão condenada pelo tribunal a quo nos termos do artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009 parece-nos demasiado pesada.
     A moldura penal abstracta estabelecida no artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009 deixa um espaço discricionário mais alargado ao tribunal e são muito graves o grau de culpa subjectiva do recorrente e a ilicitude do facto de que o recorrente tentou utilizar Macau como posto intermédio para transportar os estupefacientes para Cantão, bem como são elevadas as exigências da prevenção geral no que respeito ao mesmo tipo de crime, porém, considerando a redução sensível do limite mínimo legal da pena do crime de tráfico de estupefacientes e as circunstâncias concretas do presente caso, incluindo a personalidade e a conduta anterior ao facto e a posterior a este demonstrativas pelo recorrente no presente caso (o recorrente é primário e confessou integralmente e sem nenhuma reserva os factos na audiência de julgamento) e a quantidade de droga envolvida no presente caso (heroína com peso líquido de 973,15 gramas), entendemos que pode o recorrente ser condenado na pena não superior a 10 anos de prisão.
     Assim sendo, a pena prevista no artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009 mostra-se concretamente mais favorável ao recorrente, por isso, é de condenar o recorrente na pena não superior a 10 anos de prisão.
     Pelos acima expostos, entendemos que é de julgar procedente o recurso interposto pelo recorrente e alterar a pena já imposta ao recorrente para uma pena mais leve.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Com pertinência, respiga-se do acórdão recorrido o seguinte:
    “(...)
     Realizada a audiência de julgamento, foram provados os seguintes factos:
     Em 13 de Dezembro de 2008, pelas 15h00, no Hall de Chegadas do Aeroporto Internacional de Macau, agentes da Polícia Judiciária interceptaram o arguido A, que acabara de chegar ao Aeroporto Internacional de Macau às 14h45, no voo MH362 de Air Malaysia, e levaram-no para o gabinete da Polícia Judiciária no Aeroporto Internacional de Macau para realizar inspecção.
     Dentro do gabinete da Polícia Judiciária no Aeroporto Internacional de Macau, os agentes da PJ encontraram, no interior das meias vestidas pelo arguido A, 12 objectos contendo pó creme (6 em cada meia), em forma oval, embrulhados em fita adesiva de cor prateada, e na sua posse também encontraram a quantia monetária de USD2.700,00, um telemóvel de marca Nokia, 2 cartões “SIM”, 3 canhotos de bilhete de avião, 2 documentos de bilhete de avião electrónico e 1 pedaço de papel onde estavam escritos em inglês o nome e o endereço dum hotel (vide o auto de apreensão a fls. 8 a 10 dos autos).
     Submetidos a exame laboratorial, confirmou-se que os aludidos 12 objectos contendo pó creme, embrulhados em forma oval, continham substância de “heroína” abrangida pela Tabela I-A anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com o peso líquido total de 143,28 gramas, e após a análise quantitativa, revelou-se que o peso líquido de “heroína” era de 108,19 gramas.
     Tendo suspeitado de que o arguido A estava com estupefacientes guardados no interior do corpo, os agentes da PJ levaram-no ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário para ser examinado.
     Efectuado o exame de Raios X à cavidade abdominal do arguido A no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, foi verificada a existência de grande quantidade de objectos estranhos no interior do corpo do arguido (vide o relatório médico a fls. 13 dos autos).
     Das 17h15 do dia 13 de Dezembro de 2008 às 08h15 do dia 14 de Dezembro de 2008, no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, o arguido A excretou do seu corpo 70 objectos contendo pó creme, em forma oval, embrulhados em fita adesiva de cor amarela (vide o auto de apreensão a fls. 14 dos autos).
     Submetidos a exame laboratorial, confirmou-se que os aludidos 70 objectos contendo pó creme, em forma oval, continham substância de “heroína” abrangida pela Tabela I-A anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com o peso líquido total de 829,87 gramas, e após a análise quantitativa, revelou-se que o peso líquido de “heroína” era de 619,00 gramas.
     Os supracitados estupefacientes, com o peso líquido total de 973,15 gramas, foram entregues ao arguido A por um indivíduo de identidade desconhecida, para que o arguido os transportasse para Macau.
     O arguido A transportou os aludidos estupefacientes para Macau no interior das meias e do seu corpo, com a finalidade de entregá-los a outro indivíduo de identidade desconhecida e obter remuneração pecuniária.
     O arguido A bem sabia a natureza e as características dos referidos estupefacientes.
     As condutas do arguido A não são permitidas por lei.
     Os referidos quantia monetária, telemóvel (incluindo os cartões “SIM”) e os bilhetes de avião electrónicos foram entregues ao arguido A por um indivíduo de identidade desconhecida e eram remuneração, instrumentos de comunicação e bilhetes de avião dessa actividade de tráfico de estupefacientes, bem como o referido pedaço de papel registou o percurso do tráfico de estupefacientes.
     O arguido A, agindo de forma livre, voluntária e consciente, praticou dolosamente as condutas acima referidas.
     O arguido A bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
     Antes de ser preso, o arguido era atleta, auferindo mensalmente USD100,00.
     O arguido é solteiro, tendo a seu cargo dois irmãos mais novos.
     O arguido confessou sem nenhuma reserva todos os factos e é primário.
    
     Factos não provados: nada a assinalar.
    ***
     Convicção do tribunal:
     A convicção deste Tribunal Colectivo baseou-se na confissão integral e sem nenhuma reserva dos factos imputados feita pelo arguido A na audiência de julgamento, no relatório do exame laboratorial da PJ (vide fls. 89 a 94 dos autos) e noutras provas documentais (nomeadamente o relatório da análise quantitativa).
    ***
     3. Conforme os factos provados, o arguido A transportou os aludidos estupefacientes para Macau no interior das suas meias e do seu corpo, com a finalidade de entregá-los a outro indivíduo de identidade desconhecida e obter remuneração pecuniária, por isso, o arguido cometeu, em autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 8.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
(...)”
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa fundamentalmente pela análise da questão relativa à medida concreta da pena.
    Indevidamente o recorrente configura a questão enunciada como insuficiência da matéria de facto provada, mas não conseguimos alcançar onde está aquela insuficiência.
    No fundo, o que o recorrente pretende, e isso percebemos nós, é que a factualidade apurada não era de molde a suportar uma condenação em 10 anos de prisão, defendendo uma pena inferior.
    
    2. Atentemos nas passagens da argumentação pertinente do recorrente:
    “O recorrente praticou os aludidos factos em 13 de Dezembro de 2008 enquanto a Lei n.º 17/2009 que aprova a lei sobre proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substancias psicotrópicas entrou em vigor em 10 de Setembro de 2009, pelo que, quer o antigo regime (Decreto-Lei n.º 5/91/M), quer o novo regime (Lei n.º 17/2009), ao determinar concretamente a medida da pena, deve dar-se preferência ao regime que se mostre mais favorável ao recorrente.
    (...)
    Realizada a audiência de julgamento, o recorrente A confessou integralmente e sem nenhuma reserva todos os factos imputados. Além disso, o recorrente é primário e por ter sofrido pressão da vida e viver em Senegal que é o país pobre da África, ele praticou tal facto, e apesar de bem saber que corria risco da vida, ele ainda transportou, por “meio extremamente perigoso” e “desumano”, para Macau os referidos estupefacientes cuja quantidade já foi provada.
     (...)
    A questão suscitada no presente processo reside exactamente na determinação da pena a aplicar ao recorrente face à aplicação da Lei n.º 17/2009. In casu, o acórdão recorrido aplicou o critério estabelecido no Decreto-Lei n.º 5/91/M para determinar a pena do recorrente e assim condenou o recorrente na pena de 10 anos de prisão, pena essa equivalente à mediana da moldura penal abstracta estabelecida nesta lei que é de 8 a 12 anos de prisão. Quanto a isso, pode-se considerar que ao determinar a medida concreta da pena do recorrente, os juízes do Tribunal Colectivo já ponderaram todas as circunstâncias e factores existentes no caso.
    Porém, face à aplicação da nova lei, isto é, a Lei n.º 17/2009, o critério para determinar a pena do recorrente é superior à mediana da moldura penal abstracta estabelecida nesta lei. De facto, a moldura penal abstracta da nova lei é de 3 anos a 15 anos de prisão, cuja mediana deve ser de 9 anos de prisão, contudo, o acórdão recorrido entendeu que o recorrente deveria ser condenado na pena de 11 anos de prisão, pena essa é 2 anos superior à mediana de 9 anos de prisão, pelo que, manifestamente, existem diferentes critérios da determinação da medida da pena em diferentes enquadramentos jurídicos.
    Consequentemente, ao aplicar o regime que se mostra mais favorável ao recorrente, o interesse do recorrente relativo à determinação da medida de pena conforme o princípio de objectividade foi prejudicado.
    O que assim provoca que o acórdão ora recorrido padece do vício irreparável de injustiça – “Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, pelo que, vem o recorrente propor que seja reajustada esta parte do acórdão – face à aplicação da Lei n.º 17/2009, o recorrente deve ser condenado numa pena não superior a 9 anos de prisão.
    Quanto a isso, temos razões e fundamentos, tal como foi decidido no acórdão do Tribunal de Última Instância, de 23 de Setembro de 2009 proferido no Processo n.º 27/2009, face às circunstâncias semelhantes às do presente caso, o Tribunal de Última Instância ainda manteve a condenação da pena de 9 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes.
    (...)”
    3. Perante esta alegação cuidemos da nulidade do acórdão por via da alegada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
    É manifesta a insubsistência de tal pedido.
    Chama-se aqui muito sumariamente a Jurisprudência do TUI1, definidora de princípios orientadores, ao sancionar a doutrina no sentido de que ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando, no decurso da audiência, resulta fundada suspeita da verificação de factos relevantes e necessários para uma boa decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, mas não descritos na acusação ou na pronúncia, e que não importem uma alteração substancial dos factos descritos e o tribunal os não considera na sentença, não procedendo nos termos do art. 339.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal.
    Ou numa outra asserção, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada só ocorrerá quando, da factualidade vertida na dita decisão, se colher faltarem elementos que, podendo e devendo serem indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de não condenação.2
    Para que este fundamento se tenha por verificado é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.3
    Ora, como está bem de ver nenhuma destas situações se observa no presente caso, mostrando-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de tráfico de estupefacientes, realidade que, a bem ver, nem o arguido contesta.

    4. Estando em causa, a questão da medida da pena passemos a analisar essa questão.
É verdade que o arguido confessou sem nenhuma reserva os factos na audiência de julgamento, pelo que, o recorrente chega a falar na possibilidade de configurar uma possibilidade de atenuante especial.
Sem razão alguma, porém.
Como se sabe, a atenuação especial prevista no art. 66º do CPM tem como pressuposto a existência de circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, ou seja, a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.
“O Tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena” ( reza o artigo 66º, nº 1 do CP).
Esta previsão baliza os limites da atenuação especial e há-de orientar na concretização de quais sejam essas circunstâncias, de que o nº 2 do citado preceito elenca alguns exemplos.
Dir-se-á ainda que o uso da faculdade de atenuação especial da pena só pode ter lugar quando, ao lado das circunstâncias previstas, não concorram outros factos que lhes diminuam, por forma acentuada, tal efeito atenuativo.
A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo, donde decorre a sua excepcionalidade.
A Jurisprudência tem entendido que o número das circunstâncias atenuantes nunca implica necessariamente a atenuação especial, sendo preciso demonstrar-se a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena. Ou seja, só depois de valorizar todas as circunstâncias verificadas no caso concreto, se da imagem global do facto resulta a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, é que se deve utilizar a atenuação especial da pena.
Tal como a posição assumida pela Jurisprudência dominante, a simples confissão, por si só, não constitui um factor necessário para desencadear uma atenuação especial da pena. Além disso, somente vem provada a confissão dos factos, desacompanhada por um contributo para a descoberta da verdade ou de um arrependimento actuante, donde não podermos concluir no sentido de que tal mera confissão possa diminuir de forma acentuada a ilicitude do facto, a sua culpa ou a necessidade de punição, como exigido pelo artigo 66º nº 1 do Código Penal.4
Aliás, o circunstancialismo agravativo, seja em termos da quantidade de estupefaciente, seja da destinação, seja do modo de actuação, seja da motivação da conduta, afastam, de todo, tal possibilidade.
    
5. 1. O recorrente invoca ainda falta de uniformidade de critério na determinação da medida concreta da pena, no cotejo entre a lei velha e a lei nova aplicável ao caso.
In casu, o recorrente praticou o crime no momento em que estava em vigor o Decreto-Lei n.º 5/91/M enquanto a Lei n.º 7/2009 entrou em vigor no decurso do processo, pelo que se coloca a questão da aplicação da lei penal no tempo.

5.2. No acórdão ora recorrido, atendendo às circunstâncias do caso, o Tribunal Colectivo entendeu que face à aplicação do Decreto-Lei n.º 5/91/M, o recorrente devia ser condenado na pena de 10 anos de prisão e na multa de MOP$20.000,00, convertível em 133 dias de prisão nos termos do artigo 8.º n.º 1 do referido Decreto-Lei, enquanto face à aplicação da Lei n.º 7/2009, o recorrente deveria ser condenado na pena de 11 anos de prisão, pelo que, à luz do artigo 2.º n.º 4 do Código Penal, o tribunal a quo pronunciou-se no sentido de que o Decreto-Lei n.º 5/91/M era mais favorável ao recorrente e assim condenou o recorrente na pena de 10 anos de prisão e na multa de MOP$20.000,00, convertível em 133 dias de prisão.

5.3. Porém, o recorrente entende que o tribunal a quo aplicou um critério não uniforme para determinar a medida de pena, pois a pena de 10 anos de prisão corresponde à média da moldura penal abstracta da antiga lei (nos termos do artigo 8.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, a moldura penal abstracta é de 8 a 10 anos de prisão) enquanto face à nova lei, a pena de 11 anos de prisão é superior à mediana da moldura penal abstracta da nova lei (em conformidade com o artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 7/2009, a moldura penal abstracta é de 3 a 15 anos de prisão e a média é de 9 anos de prisão).

    5.4. Em certo sentido percebe-se qual o raciocínio do recorrente e numa lógica aritmética não deixa ele de ter razão.
    Isto é, se se considera adequada a pena de 10 anos, face à lei antiga e a pena nunca deve ultrapassar a medida da culpa, isto significa que o Tribunal situou a gravidade do caso no ponto médio e aplicou-lhe em termos da respectiva medida o índice situado ao nível correspondente da moldura abstracta.
Ora, se assim é, não é por se aplicar a lei nova que a culpabilidade se altera e se ela se situa ao nível médio deveria ter a mesma correspondência no âmbito da lei nova, sendo certo que aqui o nível mediano da moldura abstracta se situa nos 9 anos.
Algo se afigura errado naquele cálculo, em termos de matemática pura, e a determinação da pena rege-se por critérios próprios.
Vejamos quais e procuremos a pena concreta em cada um dos regimes aplicáveis, tal como determina o art. 2º, n.º 4 do CP.
A pena concreta não deve deixar de reflectir os critérios plasmados nos artigos 40º e 65º do CP.
    
    5.5. Perante estas linhas orientadoras, descendo ao concreto, o recorrente, é um homem maduro.
Não é um ignorante, tem experiência de vida e era atleta.
A quantidade de produto estupefaciente é muito expressiva, importando não esquecer o número de pessoas que podiam ser abrangidos por esse malefício.
A confissão não se mostra relevante, já que os factos evidenciavam por si só a prática do crime.
O modus operandi é altamente reprovável, bastando pensar no percurso deste correio de droga.

5.6. Fortíssimas razões de prevenção geral se impõem na presente situação, vista a abertura da RAEM ao exterior e daí a sua vulnerabilidade, começando a ser usuais estes correios de droga em Macau, com origem ou passagem por outros locais, Tailândia, Índia e Malásia, servindo esses correios os fins criminosos das mafias internacionais da droga.
E ainda que dizendo-se vítimas, nos dias de hoje, ninguém pode ignorar esses malefícios e consequências, em particular aqueles que se dispõem a colaborar com tais organizações sabem bem àquilo a que se sujeitam, enfrentando por causa disso penas pesadíssimas, nalguns ordenamentos, com a própria vida.
Pelo que urge estar atento e não comtemporizar com essa chaga social.
A pena adequada deve corresponder a uma censurabilidade forte com expressão na respectiva pena concreta.
E não choca que essa censurabilidade se situe ao nível mediano - o que não significa ponto exacto em termos aritméticos do meio da pena - da moldura abstractamente aplicável, deixando ainda margem para cenários de mais alta criminalidade em termos de meios de transporte, organização, pessoas, quantidades, valores, consequências e demais circunstâncias agravantes envolvidas.

5.7. O problema residirá no cotejo entre as duas leis aplicáveis.
E à partida afigura-se que a lei nova, num certo segmento, é mais favorável, na medida em que o limite mínimo parte de 3 anos, o meio da pena situa-se nos 9 anos, enquanto na velha lei aquele limite mínimo era de 8 anos e o meio era de 10 anos.
Esta afirmação de princípio encontrada-se sufragada pelo nosso V.º TUI.5
Mas quando dizemos num certo segmento não nos podemos esquecer que há outros segmentos em que a nova lei não é seguramente mais favorável. Basta pensar naqueles crimes mais graves em que anteriormente a pena nunca podia ultrapassar os 12 anos e agora há uma margem que permite ir até aos 15 anos.
    Casos havia em que a pena de 12 anos era curta e por isso o legislador estendeu a pena até aos 15 anos.
    Daí que numa banda de crimes a punir mais gravemente, situados entre os 10 e os 12 anos, o aplicador da lei tem agora uma banda de escolha entre os 9 e os 15 anos. Alarga-se o espectro de aplicação, o que significa que nos crimes mais graves a punir do meio para cima, mesmo em termos de lógica matemática, a cada medida de tempo, na lei velha, corresponde uma medida 3X superior na lei nova, isto é, v. g. 3 anos da nova por cada 1 ano da lei velha.
    É por isso que não é possível fazer uma transposição aritmética entre as duas leis.
    A uma pena de 10 anos na lei nova não tem de corresponder exactamente uma pena de 9 anos na lei nova; basta pensar que numa outra óptica, estaríamos ali, para efeitos de graduação da ilicitude e da culpa, apenas a 2 anos de prisão do máximo possível, enquanto na nova lei, ficaríamos a 6 anos de distância daquele limite máximo. A aplicar o mesmo critério, em função da máxima gravidade, em termos de distância em relação ao máximo, a pena correspondente seria o máximo menos 2 anos e aí a pena correcta seria de 14 anos.
    Isto demonstra bem a ilógica da aplicação de critérios matemáticos.
    
    6. Ensaiemos, por isso, uma outra via.
Antes de tomar posição no caso concreto, revisitemos a Jurisprudência pertinente.6
    - No acórdão do TUI no Processo n.º 25/2010, de 15/6/2010, a recorrente transportou, por via aérea, dentro do seu corpo, heroína com peso de 384,89 gramas para Macau, sem ter qualquer circunstância atenuante. Em sede da primeira instância, o recorrente foi condenado na pena de 10 anos e 6 meses de prisão e na multa de MOP$20.000,00, convertível em 133 dias de prisão nos termos do artigo 8.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M; em sede de recurso, o Tribunal de Segunda Instância manteve a decisão recorrida, mas, o Tribunal de Última Instância passou a condenar o recorrente na pena de 8 anos e 6 meses de prisão ao abrigo do artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009.
    
    - No acórdão do TUI no Processo n.º 34/2010, de 21/7/2010, o recorrente transportou heroína com peso de 273,58 gramas para Macau, também por via aérea, vindo da Malásia, sem ter qualquer circunstância atenuante. Em sede da primeira instância, o recorrente foi condenado na pena de 9 anos de prisão nos termos do artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009; e em sede de recurso, o Tribunal de Segunda Instância e o Tribunal de Última Instância confirmaram o decidido pelo Tribunal Judicial de Base.
    
    - No acórdão do TUI no Processo n.º 36/2010, de 21/7/2010, também por via aérea, vindo da Malásia, o recorrente transportou heroína com peso de 1.368,62 gramas para Macau, sem ter qualquer circunstância atenuante. Em sede da primeira instância, o recorrente foi condenado na pena de 9 anos de prisão nos termos do artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009; e em sede de recurso, o Tribunal de Segunda Instância manteve tal decisão, e no recurso para o Tribunal de Última Instância, o Tribunal de Última Instância entendeu, nos seus fundamentos, que a pena de 10 anos de prisão e MOP10,000,00 patacas de multa nos termos do artigo 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M) não seria desproporcional, concluindo, no entanto, pela pena de 9 anos de prisão, ao abrigo da lei nova por mais favorável.
    
    - No acórdão do TUI no Processo n.º 38/2009, o recorrente transportou, dentro do seu corpo, heroína com peso de 1.084,16 gramas para Macau, sem ter qualquer circunstância atenuante. Em sede da primeira instância, o recorrente foi condenado na pena de 9 anos e 3 meses de prisão e na multa de MOP$20.000,00, convertível em 120 dias de prisão nos termos do artigo 8.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M; em sede de recurso, o Tribunal de Segunda Instância passou a condenar o recorrente na pena de 9 anos de prisão nos termos do artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009 e o Tribunal de Última Instância manteve o decidido pelo Tribunal de Segunda Instância.

    - No acórdão do TUI no Processo n.º 38/2010, de 21/7/10, o recorrente transportou, também por via aérea, vindo da Tailândia, dentro do seu corpo, heroína com peso de 981,01 gramas para Macau. Em sede da primeira instância, o recorrente foi condenado na pena de 10 anos de prisão nos termos do artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009; e em sede de recurso, o Tribunal de Segunda Instância e o Tribunal de Última Instância também mantiveram tal decisão, pronunciando-se, no entanto este Tribunal no sentido de que, em princípio, não lhe cabe imiscuir-se na medida concreta da pena, a não ser que ela se revele desproporcionada.
    
7. Temos afirmado e reafirmado que cada caso é um caso e o nosso ordenamento penal não assenta na casuística da Common Law. Cada caso é um caso e mesmo que pareça que é quase igual a um outro o certo é que diferentes são as pessoas, o modo, circunstâncias, o lugar e o tempo do julgamento. O que é hoje pode já não ser o mesmo amanhã, bastando mudar a sociedade e as necessidades de intervenção.
    Daí que aquela incursão pela jurisprudência tem o valor que tem, sendo certo que não deixa de constituir um farol que ilumina o aplicador do Direito e que ministra a Justiça.
    Posto isto, voltando ao caso sub judice, afigura-se que, repetindo o que já se disse, nos podemos situar ao nível de uma culpabilidade acentuada e de uma ilicitude expressiva, não chocando que nos situemos ao nível de uma banda mediana da respectiva moldura abstracta. Tendo presente que dentro da moldura abstracta, estabelecer-se-á o máximo constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do agente e o mínimo que resulta do “quantum” da pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e expectativas comunitárias (“moldura de prevenção”). E será dentro desta moldura de prevenção que irão actuar as considerações de prevenção especial (função de socialização, advertência individual ou segurança).7

A situação configura-se como muito grave.
    In casu, o recorrente transportou dentro do seu corpo heroína com peso de 829,87 gramas, para Macau, com o peso líquido de 619,00 gr, para além daquela que transportava nas meias, esta com o peso total de 143,28 gr e peso líquido de 108,19 gr, sem ter qualquer circunstância atenuante actuante, e no acórdão recorrido, o tribunal condenou o recorrente na pena de 10 anos de prisão e na multa de MOP$20.000,00 ao abrigo da antiga lei enquanto face à nova lei, o recorrente deveria ser condenado na pena de 11 anos de prisão.
Independentemente do aparente tropeço nesta transposição, como acima demonstrado, entende-se que aquela linha mediana se pudesse traduzir até numa pena de 10 anos e 2 meses na lei velha e ainda na pena de multa de MOP$30.000,00, convertível em 100 dias de prisão, caso não fosse paga, e na lei nova aplicável a pena ajustada adequada seria a de 10 anos e 6 meses de prisão.
Na verdade, a pena de 9 anos pretendida como correspondente à lei velha não contém a virtualidade de expressar a censura ínsita ao acto praticado e às fortíssimas razões de prevenção geral que devem actuar na banda primeiramente encontrada, visto o concreto circunstancialismo apurado.

8. Ora, face a todo o circunstancialismo acima descrito e analisado, tudo visto e ponderado, a justiça relativa em relação aos outros casos - que por sua vez exponenciam a gravidade do presente -, não esquecendo a quantidade de heroína detida e a forma de actuação do arguido, entende-se que, face ao disposto na nova lei, artigo 8º, n.º 1, a pena adequada será a de 10 anos e 6 meses de prisão, importando relevar os aludidos fins das penas.
Nesta conformidade, somos a concluir pela lei velha como mais favorável no caso concreto, sendo, contudo, de manter a pena encontrada na 1ª Instância, em nome do princípio da reformatio in pejus, já que o recorrente não pode ver agravada a pena que lhe foi aplicada por via do recurso por si interposto e que cria as expectativas de tal instrumento de apelo não se virar em instrumento contra si próprio - art. 399º, n.º 1 do CPP.
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso de A, mantendo-se, em nome do princípio da reformatio in pejus, a decisão condenatória proferida, objecto do presente recurso.
    Taxa de justiça a cargo do recorrente que se fixa em 6 Ucs.

Macau, 11 de Novembro de 2010,


João A. G. Gil de Oliveira
(Relator)
   
Tam Hio Wa
(Primeira Juiz-Adjunta)
   
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)


1 - Proc. 7/2002, de 30/5/2002, proc. 3/2002, de 20/3/2002
2 - Ac. do STJ de 14/03/2002, proc. nº. 3261/01-5
3 - Germano Marques da Silva, Processo Penal III, 1ª ed., 325
4 - Acórdão do TSI, processo n.º 70/2003
5 - Cfr- Proc. 45/2010
6 - Servimo-nos aqui, em parte do ensaio, tentado pelo Digno Magistrado do MP na sua douta resposta
7 Figueiredo Dias in Dto. Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, ob. cit., pág. 238 e 242.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

670/2010 1/28