Processo nº 1017/2009
(Recurso Penal)
Data: 11/Novembro/2010
Assuntos:
- Injúria qualificada
SUMÁRIO :
Se a injúria se consubstancia tão somente nas palavras objectivamente proferidas, sendo aí que se materializa a ofensa, a injúria, e delas se recorta clara e expressamente o conhecimento daquela especial qualidade da ofendida, sendo até as palavras proferidas com o intuito de atingir esse desempenho profissional da pessoa atingida estaremos perante uma injúria qualificada.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 1017/2009
(Recurso Penal)
Data: 11/Novembro/2010
Recorrente: Ministério Público
Objecto do Recurso: Sentença condenatória da 1ª Instância
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
O Digno Magistrado do Ministério Público interpõe recurso contra a sentença proferida, em 22 de Outubro de 2009, pelo Tribunal a quo, onde se condenou o arguido A, pela prática de um crime de injúria, previsto no art.º 175º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 mês de prisão e com a suspensão da execução da pena por 1 ano.
Para tanto, alega, em síntese:
O Tribunal a quo devia condenar o arguido pelo crime de injúria qualificada, já que, não obstante a ofendida não participasse directamente o arguido, na dada altura, ela estava a exercer as suas funções e, daí, foi insultada pelo arguido por ter impedido um rapaz de fotografar, com o seu telemóvel, o processo do trabalho, isto é, o facto foi praticado por causa das funções da ofendida.
A sentença do Tribunal a quo deve ser considerada nula, por padecer do vício de errada interpretação da lei e pela violação dos dispostos no art.º 175º, n.º 1, art.º 178º, art.º 129º, n.º 2, al. h) e art.º 336º do Código Penal.
Por um lado, o Tribunal a quo considerou que a ofendida não estava a exercer funções contra o arguido A e, também, não foi insultada por causa do exercício das funções e, por outro lado, pelos factos provados, o Tribunal a quo também considerou que a ofendida, dois colegas dela e um guarda da PSP B, n.º XXX, exerciam funções de participação na Praça do Tribunal de Última Instância. Mas, de facto, na altura a ofendida estava a exercer funções ou estava de folga?
Efectivamente, a sentença do Tribunal a quo padece da contradição insanável da fundamentação, por isso, deve ser considerada nula.
A sentença do Tribunal a quo acaba por ser declarada nula, devido ao vício de violação da lei, mesmo que considere, tal como a interpretação do Tribunal a quo, que o exercício das funções não era a causa que provocou o insulto da ofendida pelo arguido.
Nos termos dos art.ºs 175º, n.º 1 e 182º do Código Penal, o crime de injúria é um crime privado, ou seja, o procedimento penal depende de acusação particular.
In casu, embora o Tribunal a quo considerasse que o arguido tinha cometido o crime de injúria, previsto no art.º 175º, n.º 1 do Código Penal, o mesmo não podia instaurar qualquer procedimento penal, uma vez que a ofendida não se constituiu assistente, nem deduziu a acusação particular. Assim sendo, a sentença do Tribunal a quo deve ser considerada nula pela violação dos art.ºs 175º e 182º do Código Penal e art.º 267º do Código de Processo Penal.
Nestes termos, requer se julgue procedente o recurso interposto e se declare nula a sentença recorrida.
Contra alega o arguido A, em conclusão:
O arguido A foi condenado, pela prática do crime de injúria, previsto no art.º 175º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 mês de prisão; e, com suspensão da execução da pena por 1 ano, ao abrigo do art.º 48º do Código Penal.
O Recorrido tem como habilitações literárias o 2º ano do ensino primário, por isso, habituou-se a falar palavras grosseiras. O Recorrido achou que as palavras dirigidas à ofendida – “Vocês, pessoal do IACM, não servem para nada, caralho!” – não lhe causaram ofensa de honra e consideração.
Mesmo que os Venerandos Juizes do TSI tenham opinião diferente, verifica-se que, de facto, o Recorrido cometeu o crime de injúria, previsto no art.º 175º, n.º 1 do Código Penal, que foi imputado pelo TJB.
Quanto à douta convicção da Digna Delegada do Procurador, o defensor manifesta concordância com a motivação exposta na petição de recurso, designadamente os pontos 5, 6 e 7 da conclusão da referida petição.
Na audiência de julgamento, o Tribunal a quo violou os dispostos nos art.ºs 106º, al. b), 37º, 39º e 267º do Código de Processo Penal, sendo nulidade insanável.
Nos termos acima expostos, vem requerer se julgue improcedente o recurso.
O Exmo Senhor Procurador Adjunto emitiu o seguinte douto parecer:
Acompanhamos, em termos essenciais, as criteriosas explanações da nossa Exmª Colega.
Cremos, desde logo, que se verifica a situação de agravação prevista no art. 178º do C. Penal.
A ofendida, na verdade, encontrava-se no exercício das suas funções.
E é certo, também, que o arguido, aquando da injúria, sabia da sua qualidade de funcionária do IACM.
Basta atentar, para tanto, nos termos da própria ofensa.
Se assim não se entender, entretanto, a decisão condenatória não pode manter-se.
Estar-se-á, de facto, perante uma situação de ilegitimidade do MºPº para o exercício da acção penal, que dá lugar à absolvição da instância (cfr. artigos 413º, al. e) e 412º, n.º 2, do C. P. Civil).
Este o nosso parecer.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Com pertinência, respiga-se o seguinte da acta onde foi proferida a sentença recorrida:
“(...)
Em seguida, ao abrigo do art.º 323º, n.º 3 do Código de Processo Penal, o Juiz advertiu o arguido de que a falta de resposta às perguntas feitas quanto à sua identidade e aos seus antecedentes criminais, ou a falsidade da mesma o poderia fazer incorrer em responsabilidade penal.
Alegado o arguido: A, do sexo masculino, casado, desempregado, nascido a 23 de Dezembro de XXXX na província Guangdong da R.P.C., filho de C e de D, titular do BIRP n.º XXX, residência em Macau: Rua de João de Araújo, Vila Nova de Entre Campos, Xº andar X, tel.: XXX e XXX.
O arguido alegou que não tem antecedente criminal, não há nenhum processo pendente contra ele.
Em diante, nos termos do art.º 324º n.º 1 do Código de Processo Penal, o Juiz informou o arguido de que tem direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do processo, sem que no entanto a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo.
O arguido prestou voluntária e activamente declarações sobre o objecto do processo, alegando que, na dada altura, estava a entreter com o seu sobrinho, E, na beira do lago, situada na Praça do Tribunal de Última Instância. Pouco depois, viu que E estava a chorar e que se encontrava ao pé de E uma mulher (ora ofendida do caso, F), que retirou dele o telemóvel, pelo que se aproximou deles e entrou nas discussões com a ofendida. O arguido alegou que não tinha dito à ofendida: “Foda-se a cona da tua mãe!”. Ele disse que, em princípio, não sabia que a ofendida era trabalhadora do IACM, uma vez que a mesma não estava com uniforme, nem lhe exibia qualquer cartão de identificação profissional. Pouco depois das discussões, chegou um guarda policial e só, a partir daí, é que soube que a ofendida era trabalhadora do IACM. Depois de ter o conhecimento sobre a profissão da ofendida, o arguido parou a discussão.
Mais, admitiu que, ao abandonar o local em causa, tinha dito à ofendida: “Vocês, pessoal do IACM, não servem para nada, caralho!”.
O arguido referiu que tem como habilitações literárias o 2º ano do ensino primário, é desempregado, tem a seu cargo os três filhos que estão a estudar.
*
Segue, o Tribunal ouve as seguintes testemunhas:
Primeira
F, ofendida, do sexo feminino, Fiscal técnica do IACM, n.º XXX, reside em Macau.
A testemunha alegou que antes não conhecia o arguido e não tinha qualquer relação de boa ou má fé com o arguido.
Depois, a testemunha prestou juramento, ao abrigo do art.º 81º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Em seguida, a testemunha declarou perante o objecto do processo, alegando que, na dada altura, participou, nos termos do Regulamento Geral dos Espaços Públicos, as pessoas que estavam a pescar na beira do lago da Praça do Tribunal de Última Instância. O grupo em acção era composta pela ofendida, outros dois trabalhadores do IACM e um guarda policial. Naquele momento, a distância entre o arguido e as pessoas, que estavam a pescar, era de 6 a 7 metros. Não sabia se o arguido reparou ou não que a ofendida estava a exercer as suas funções. A ofendida viu que um rapaz, que tinha uma distância de cerca de 6 a 7 metros com ela, estava a fotografar com o seu telemóvel, pelo que se aproximou daquele rapaz e interrompeu-o a fotografar. Pouco depois, um homem G (pai do rapaz) aproximou-se dela e perguntou-lhe por que razão ralhou o rapaz. Depois, o arguido A também se aproximou dela e disse: “Foda-se a cona da tua mãe!”. Pois, a ofendida recuou-se e chamou o guarda. Em seguida, o arguido ainda disse à ofendida: “Vocês, pessoal do IACM, não servem para nada, caralho!”.
A ofendida alegou que pretendia o procedimento criminal contra o arguido, mais, dizendo que não ia requerer nenhuma indemnização por dano moral, mas pretendia que o arguido pedisse desculpas ao pessoal do IACM, por meio de anúncio.
Segunda
B, do sexo masculino, guarda da PSP, n.º XXX, reside em Macau.
A testemunha alegou que antes não conhecia o arguido e não tinha qualquer relação de boa ou má fé com o arguido.
Depois, a testemunha prestou juramento, ao abrigo do art.º 81º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Em seguida, a testemunha declarou perante o objecto do processo, alegando que, na dada altura, estava, no local da ocorrência dos factos, a prestar apoio à ofendida e aos dois trabalhadores do IACM para participarem as pessoas que estavam a pescar. Pouco depois, a ofendida deslocou-se ao pé dum rapaz e conversou com ele. Pois, a testemunha não ligou com isso e continuou a exercer as suas funções. Passado um instante, a testemunha viu que a ofendida e o arguido entraram nas discussões, por isso, aproximou-se deles e separou-os.
A testemunha alegou que não ouviu que o arguido tinha dito à ofendida: “Foda-se a cona da tua mãe!”, mas, ao separá-los, ouviu que o arguido ralhava a ofendida.
Ao perguntar sobre se a ofendida usou ou não o uniforme e se exibiu o cartão de identificação profissional ao arguido, a testemunha alegou que, na altura, a ofendida não usou uniforme, nem exibiu qualquer documento de identificação ao arguido, e o cartão de identificação profissional, pendurado no pescoço, estava com a sua face virada para a ofendida.
Pouco depois, o arguido entrou nas discussões com a ofendida e ralhou-a, bem como, ao abandonar o local em causa, disse-lhe: “Vocês, pessoal do IACM, não servem para nada, caralho!”.
*
Em seguida, a Delegada do Procurador prescindiu de ouvir as restantes testemunhas.
*
Depois, por força do art.º 336, n.º 1 do Código de Processo Penal, o Juiz examinou as provas constantes dos autos e as produzidas na audiência.
Finda a produção de provas, nos termos do art.º 370º, n.º 6 do Código de Processo Penal, o Juiz concedeu a palavra ao MºPº e à defensora oficiosa do arguido.
Mais, segundo a tramitação prevista no art.º 342º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o Juiz perguntou ao arguido se tem mais alguma coisa a alegar em sua defesa, ouvindo-o em tudo o que declarar a bem dela.
*
Enfim, nos termos do art.º 370º, n.º 7 do Código de Processo Penal, o Juiz proclamou o seguinte:
O MºPº acusou o arguido A pela prática de um crime de injúria qualificada, previsto no art.º 175º, n.º 1, conjugado com o art.º 178º do Código Penal.
***
Factos provados:
Em 21 de Outubro de 2009, às cerca das 16H30, a ofendida F, dois colegas dela e um guarda da PSP B, n.º XXX, exerciam funções de participação na Praça do Tribunal de Última Instância.
Daí, a ofendida reparou que um rapaz (E, ora 2º envolvente), que tinha uma distância de cerca de 6 a 7 metros com ela, tentou fotografar, com o seu telemóvel, o processo do trabalho, por isso, a referida trabalhadora do IACM aconselhou-o que não devia fotografar a sua cara. Na altura, o 1º envolvente G (pai do 2º envolvente) aproximou-se do rapaz e entrou nas discussões com a ofendida quando lhe perguntou por que razão ralhou o rapaz E. Pouco depois, o arguido A entrou também nas discussões com a ofendida.
Na altura, a ofendida não usou uniforme, nem exibiu qualquer documento de identificação ao arguido A, deste modo, o arguido não sabia que a ofendida era trabalhadora do IACM.
No momento, a ofendida pendurou o seu cartão de identificação profissional no pescoço, mas a face do cartão estava virada para a ofendida.
O arguido só tinha conhecimento de que a ofendida era trabalhadora do IACM, quando o guarda chegou ao local em causa.
O arguido, ao abandonar o local em causa, disse à ofendida: “Vocês, pessoal do IACM, não servem para nada, caralho!”.
As referidas palavras do arguido ofenderam a honra e consideração da ofendida.
O arguido agiu consciente, livre e voluntariamente os referidos actos.
O arguido sabia perfeitamente que os referidos actos eram proibidos e punidos por lei.
Mais, se provaram as condições pessoais do arguido:
O arguido A tem como habilitações literárias o 2º ano do ensino primário, é desempregado.
O arguido tem a seu cargo os três filhos que estão a estudar.
O arguido é primário, em conformidade com o Certificado de Registo Criminal.
Factos não provados: O arguido disse à ofendida: “Foda-se a cona da tua mãe!”; e, o arguido sabia desde o início que a ofendida F era trabalhadora do IACM.
*
Segundo as declarações prestadas pelo arguido e os depoimentos fornecidos pela ofendida F e pelo guarda B, este Tribunal formula a sua convicção.
*
Com base nos factos provados supramencionados, nas alegações prestadas pelo arguido, ofendida e testemunhas, o Tribunal considera que a acusação foi parcialmente provada. O arguido dirigiu palavrões à ofendida F quando os dois encontravam-se nas discussões na beira do lago, situada na Praça do Tribunal de Última Instância, e, por sua vez, a ofendida não lhe exibiu o seu cartão de identificação profissional, nem estava a exercer funções profissionais, por isso, logo no início, o arguido A não sabia que a ofendida F era trabalhadora do IACM.
O acto do arguido não se constituiu o crime de injúria qualificada, p. e p. pelo art.º 175º, n.º 1, conjugado com o art.º 178º do Código Penal, já que, na altura, a ofendida F não estava a exercer funções contra o arguido A e, também, não foi insultada por causa do exercício das suas funções.
***
É desnecessária conhecer o pedido da ofendida, uma vez que ao arguido não foi imputado o crime de injúria qualificada e que a ofendida manifestou que não pretendia a indemnização por dano moral.
Contudo, pelos factos provados acima expostos, embora o arguido não soubesse, desde o início, que a ofendida era funcionária pública, foi assente que o arguido tinha dito palavrões à ofendida e isto foi confessado pelo mesmo na audiência de julgamento, assim sendo, verifica-se que o arguido praticou, em dolo directo, um crime de injúria, previsto no art.º 175º, n.º 1 do Código Penal, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.
(...)”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa por saber tão somente se se verifica ou não uma situação de injúria qualificada.
2. E não vale a pena tecer grandes considerações perante uma questão que se afigura simples e que só alguma desatenção, porventura mais desculpável em função do desenvolvimento e descrição fáctica do ocorrido poderá ter levado o Mmo Juiz a considerar apenas uma situação de injúria simples, enquanto disse que
“Contudo, pelos factos provados acima expostos, embora o arguido não soubesse, desde o início, que a ofendida era funcionária pública, foi assente que o arguido tinha dito palavrões à ofendida e isto foi confessado pelo mesmo na audiência de julgamento, assim sendo, verifica-se que o arguido praticou, em dolo directo, um crime de injúria, previsto no art.º 175º, n.º 1 do Código Penal ...”
Compreende-se que o Mmo Juiz se centrou na dinâmica dos factos, não estando ciente ou convencido de que o arguido sabia desde o início daquela especial qualidade da ofendida, enquanto trabalhadora do IACM.
Mas importa não esquecer que a injúria se consubstancia tão somente nas palavras objectivamente proferidas, sendo aí que se materializa a ofensa, a injúria, e delas se recorta clara e expressamente o conhecimento daquela especial qualidade da ofendida, sendo até as palavras proferidas com o intuito de atingir esse desempenho profissional da pessoa atingida:
“Vocês, pessoal do IACM, não servem para nada, caralho!”
3. O quadro legal pertinente é o seguinte:
Nos termos do art.º 175º, n.º 1 do Código Penal:
“Quem imputar factos a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, ou lhe dirigir palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.”
Nos termos do art.º 178º do Código Penal:
“As penas previstas nos artigos 174º, 175º e 177º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea h) do n.º 2 do artigo 129º, no exercício das suas funções ou por causa delas.”
Mais, nos termos do art.º 129º, n.º 2, al. h) do Código Penal:
“Ter praticado o facto contra funcionário, docente, examinador público, testemunha ou advogado, no exercício das suas funções ou por causa delas.”
E, nos termos do art.º 336º, n.º 1 do Código Penal:
“1. Para efeitos do disposto no presente Código, a expressão funcionário abrange: a) O trabalhador da administração pública ou de outras pessoas colectivas públicas; b) O trabalhador ao serviço de outros poderes públicos; c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar ou colaborar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional.”
4. Ora, como está bem de ver, verifica-se no caso uma situação de agravação, pelo que o arguido deve ser condenado pelo crime de injúria com a previsão e punição decorrente do art. 178º em conjugação com o art. 175º, n.º 1 do CP, por que, aliás, vinha acusado.
Posto isto, há que encontrar a medida concreta da pena, o que se fará, tendo em conta que a moldura abstracta aplicável ao caso é de 1 mês a 4 meses e 15 dias de prisão ou multa de 10 a 180 dias.
5. A pena concreta não deve deixar de reflectir os critérios plasmados nos artigos 40º e 65º do C. Penal.
A lei aponta quais as finalidades das penas no artigo 40º do C. Penal:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.”
6. A primeira operação a que se terá de proceder passa pela escolha entre a pena detentiva e não detentiva, devendo seguir-se o critério do art. 64º do CP. Assim, se há um primeiro momento em que se encontra o tipo e a moldura abstracta da pena (no caso das penas compósitas em alternativa), logo se coloca a questão de ter de se optar por uma das espécies das penas ali previstas: prisão ou multa.
O artigo 64º do CP estatui: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.”
Com tal critério orientador dá-se corpo, como assinala Robalo Cordeiro1 “a um dos pensamentos fundamentais do novo sistema punitivo, subjacente a este e «particularmente grato» ao autor do projecto: o da reacção contra as penas institucionalizadas ou detentivas, por sua própria natureza lesivas do sentido ressocializador que deve presidir à execução das reacções penais.”
Realça-se a ideia de reinserção do delinquente e dos malefícios das penas detentivas, em particular quanto às penas curtas de prisão e nos casos menos graves, tanto mais reforçada quanto o legislador entendeu assim não se limitar às reacções penais substitutivas de prisão num momento posterior (multa, suspensão de execução de pena, regime de prova, dispensa da pena).
A razão de o preceito em análise não referir expressamente as finalidades da punição - tal como era previsto na redacção originária do artigo 71º do C. Penal em vigor em Portugal e onde expressamente se referia a recuperação social do delinquente e as exigências de reprovação e prevenção do crime - dever-se-á ao facto de eles virem referidos numa outra disposição, o já referido artigo 40º.
Uma vez que a medida da pena depende fundamentalmente da culpa, a escolha entre a pena de prisão e a alternativa dependerá unicamente de considerações de prevenção geral e especial2 3, escolha que não deixará de dever ser fundamentada, apesar da ausência a tal referência expressa.
Questão que se coloca não raras vezes ao Juiz é a necessidade de ter de ponderar por diversas vezes os mesmos critérios de prevenção geral e especial, seja no momento da escolha da pena do artigo 64º, seja no momento da determinação da medida da pena no artigo 65º, nº 1, seja no momento da ponderação da suspensão de execução da pena de prisão no artigo 48º, nº 1 todos do CP. E se neste contexto será ou não legítimo optar por uma pena detentiva para a suspender mais adiante?
Estamos em crer que não é fácil responder linearmente a tal questão e só perante a ciência do caso concreto - cada caso é um caso - será possível descortinar as razões que conduzirão a uma ou outra solução.
É neste enquadramento que não desfeitearemos o entendimento tido pelo Mmo Juiz a quo, enquanto optou por uma pena detentiva, o que se justificará neste caso perante uma ineficácia de uma pena de multa arbitrada a esta pessoa, desempregada, com filhos a sustentar, - note-se que não dizemos que não se aplica a multa porque o arguido a não pode pagar, o que seria perverso -, numa situação de manifesto desrespeito por quem sossegadamente estava a trabalhar e não queria ser incomodado.
Entendemos que se impõe se dê um sinal à Comunidade de que o respeito pelos outros, pela sua individualidade e sossego é um valor a preservar e assim emerge como adequada a escolha por uma pena detentiva.
7. Seguidamente, dentro da moldura abstracta, estabelecer-se-á o máximo constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do agente e o mínimo que resulta do “quantum” da pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e expectativas comunitárias (“moldura de prevenção”). E será dentro desta moldura de prevenção que irão actuar as considerações de prevenção especial (função de socialização, advertência individual ou segurança).4 5
Na quantificação da medida da pena, estabelece o n.º 2 do artigo 65º que “o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo do crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”. E concretiza nas alíneas seguintes, exemplificativamente, algumas dessas circunstâncias relativas à gravidade da ilicitude, à culpa do agente e à influência da pena sobre o delinquente.
Ponderando e projectando todos este factores no caso concreto, vista a culpa concreta, a gravidade da actuação, as situações pessoais familiares económicas, não esquecendo a ausência de antecedentes criminais do arguido, vista a desproporcionalidade do tom e conteúdo da ofensa, o posicionamento de terceiro do arguido em relação ao rapaz que procurou tirar a foto da trabalhadora em questão e em relação ao pai deste, o desrespeito até pela presença de um agente da autoridade que estava próximo e se aproximou à discussão, mantida durante algum tempo, um menor impacto social do caso, tudo visto e ponderado, a pena de prisão de 2 meses, afigura-se adequada.
Não se pode esquecer a forma de cometimento do crime e o tempo que houve para pensar naquilo que se ia dizer.
8. Importa agora apreciar se, neste caso, a simples censura de facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, de forma a suspender a execução da pena de prisão como pretende o recorrente.
O que vale por indagar se se verifica o pressuposto material exigido pelo art. 48°, n.° 1, do C. Penal que prevê:
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
(...)”
Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável, ou seja, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e de que não cometerá no futuro nenhum crime6.
Juízo de prognose favorável que não temos dificuldade em formar neste caso.
A primariedade, a personalidade apurada, as responsabilidades familiares, o grau de instrução, aproximando o que foi dito com esse grau elementar educacional, a ameaça de cumprimento da pena e a menor gravidade das consequências do crime, apontam no sentido de se prognosticar favoravelmente a uma postura regenerativa e a uma aceitação desta decisão pela Comunidade em geral.
Por todas estas razões não se vê que o recorrente não possa beneficiar de uma suspensão na execução da pena de prisão, que foi fixada, por um período de um ano, e tal como já fora ponderado na 1º Instância.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, e em consequência, condenam o arguido A pela prática de um crime de injúria qualificada p. e p. pelo art. 178º, em conjugação com o artigo 175º, n.º 1 do C. Penal, numa pena de 1 (um) mês e 15 (quinze) dias, suspensa na sua execução por um período de 1 (um) ano, ao abrigo do disposto no artigo 48º do C. Penal, assim revogando nessa parte a decisão recorrida, mantendo o mais que ali foi decidido.
Custas pelo arguido com taxa de justiça de 3 Ucs
Macau, 11 de Novembro de 2010,
João A. G. Gil de Oliveira
Tam Hio Wa
Lai Kin Hong
1 Ob. cit., pág. 238.
2 Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 1996, p. 354.
3 Ac. STJ de 21/3/90, BMJ 395/296.
4 Figueiredo Dias in Dto. Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, ob. cit., pág. 238 e 242.
5 Ac. STJ de 24/02/88, BMJ 374/229.
6 - JESCHECK, citado a fls. 137 do Código Penal de Macau de Leal-Henriques/Simas Santos
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