Processo n.º 201/2009 Data do acórdão: 2010-11-11
Assuntos:
– condução em estado de embriaguez
– art.o 90.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
– crime em flagrante delito
– confissão integral e sem reservas dos factos
– atenuação especial da pena
– art.o 89.o da Lei do Trânsito Rodoviário
– habilitações académicas
– redução da pena
– substituição da pena
– suspensão da execução da pena
S U M Á R I O
1. Tratando-se de um crime em flagrante delito, pouco valor tem a confissão integral e sem reservas dos factos pelo arguido para a descoberta da verdade.
2. A confissão integral e sem reservas dos factos integradores do crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da vigente Lei do Trânsito Rodoviário (LTR), também não tem a pretendida virtude de accionar o mecanismo de atenuação especial da pena previsto no art.o 66.o do Código Penal (CP), já que há grande necessidade da aplicação da pena dentro da sua moldura normal, por causa das elevadas exigências de prevenção deste tipo de crime.
3. A não fuga do arguido do local do acidente de viação dos autos não pode funcionar como um atenuante propriamente dito, posto que, aliás, uma eventual conduta em sentido inverso o faria incorrer também na prática do crime de fuga à responsabilidade, p. e p. pelo art.o 89.o da LTR.
4. Para o crime de condução sob estado de embriaguez, o grau de cumprimento do dever de não condução sob efeito de álcool deve ser igual para toda a gente, independentemente do nível das suas habilitações literárias, já que para se candidatar ao exame de condução com vista à obtenção da licença de condução, a lei também não exige grande nível de habilitações académicas, sendo prova viva disto o facto de o arguido ter conseguido a licença apesar de ter somente a 4.a classe do ensino primário como instrução escolar.
5. Entretanto, no caso, atendendo especialmente ao grau leve do dano causado a terceiro, é de reduzir a duração da pena de prisão aplicada pelo Tribunal recorrido.
6. Não se pode substituir a pena de prisão nos termos do art.o 44.o, n.o 1, do CP, dado que por força da necessidade de prevenir o arguido da prática, no futuro, de mais actos de condução sob influência do álcool, é inviável qualquer juízo de valor favorável à almejada substituição da prisão por multa ou outra pena não privativa da liberdade.
7. Embora seja verdade que no período entre o cometimento do anterior crime de homicídio por negligência grosseira devido à condução sob influência do álcool e a presente vez de condução sob estado embriaguez, o arguido não cometeu nenhum outro crime ou condução sob influência do álcool, e que nesta vez não se verificou danos relevantes, não se mostra juridicamente plausível a suspensão da execução da prisão, posto que atendendo à elevada taxa de álcool detectada nesta vez no sangue do arguido, e considerando em especial que o seu anterior crime de homicídio foi devido precisamente à condução sob influência do álcool, não se pode considerar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão consigam realizar agora de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 201/2009
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A (XXX)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
1. Inconformado com a sentença proferida pelo 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base nos respectivos autos de processo sumário n.o CR2-09-00XX-PSM que o condenou como autor material de um crime doloso consumado de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR) (Lei n.o 3/2007, de 7 de Maio), na pena de seis meses de prisão efectiva e na inibição de condução pelo período de dois anos, veio o arguido A, já aí melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para pedir a revogação dessa decisão condenatória, com pretendida atenuação da pena de prisão, com subsequente substituição da pena de prisão nos termos do art.o 44.o, n.o 1, do Código Penal (CP), ou, subsidiariamente, com suspensão da execução da pena de prisão (cfr. o teor da motivação do recurso a fls. 29 a 34 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público no sentido de dever proceder apenas a pretensão de suspensão da execução da pena de prisão de seis meses (cfr. a resposta de fls. 37 a 41).
Subido o processo, opinou a Digna Procuradora-Adjunta pela aceitabilidade de suspensão da execução da pena de prisão de seis meses por um período não inferior a quatro anos (cfr. o parecer de fls. 48 a 49v).
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, realizou-se a audiência de julgamento.
Cumpre decidir.
2. Com pertinência à solução do recurso, é de coligir dos autos os seguintes elementos assentes:
– após ocorrido o embate do seu motociclo na parte traseira de um outro ciclomotor numa via pública em 21 de Janeiro de 2009, cerca das seis horas e meia, o arguido foi detectado pela Polícia como agente de condução sob estado de embriaguez, por lhe ter sido detectada, nessa altura, uma taxa de álcool no sangue em 2,09 gramas por litro;
– o arguido confessou integralmente e sem reservas todos os factos na audiência de julgamento a respeito da condução sob estado de embriaguez, tem a 4.a classe do ensino primário como habilitações académicas, declara trabalhar como empregado de reparação de artigos eléctricos, com rendimento mensal de cerca de quatro a cinco mil patacas, é casado, sendo a sua mulher residente e desempregada na China, e sem descendente;
– o arguido tem seguintes antecedentes:
– 1) por decisão de 28 de Julho de 2003 do processo comum colectivo então n.o PCC-0XX-02-6, foi condenado como autor de um crime de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo art.o 134.o, n.os 1 e 2, do CP e pelos art.os 66.o, n.os 2 e 3, alínea a), do anterior Código da Estrada (CE), na pena de dois anos e nove meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, e como autor de uma contravenção ao art.o 23.o, alínea b), do CE (por não moderação, em especial, da velocidade na aproximação de via estreita ou marginada por edificações), e de uma contravenção ao art.o 68.o, n.o 1, do mesmo CE (por condução sob influência do álcool), no total de sete mil e quinhentas patacas de multa (cfr. o teor do certificado de registo criminal do arguido, referido materialmente na fundamentação fáctica da sentença recorrida);
– 2) e em 12 de Fevereiro de 2003, violou o art.o 91.o, n.o 1, alínea c), do CE (por não conformidade dos pneus e da cor do corpo do veículo com os registados no respectivo livrete), com multa aplicada em duzentas patacas (cfr. o teor da “listagem das transgressões” de fl. 7, já dado por reproduzido na fundamentação fáctica da sentença recorrida).
3. Na sua motivação do recurso, o arguido começa por pedir a atenuação especial da pena ao abrigo da alínea c) do n.o 2 do art.o 66.o do CP, por entender que merece isto, já que confessou, na audiência de julgamento em primeira instância, integralmente e sem reserva os factos acusados, o que denotou a sua colaboração com o Ministério Público com vista à descoberta da verdade, e representou o sincero e profundo arrependimento pelos factos praticados, para além de não ter fugido do local dos factos.
Contudo, para este Tribunal ad quem, tratando-se de um crime detectado pela Polícia em flagrante delito, pouco valor tem a confissão integral e sem reservas dos factos para a descoberta da verdade.
Por outro lado, a confissão integral e sem reservas dos factos e o falado arrependimento não têm também a pretendida virtude de accionar o mecanismo de atenuação especial da pena previsto no art.o 66.o do CP, já que há grande necessidade da aplicação da pena dentro da sua moldura normal, por causa das elevadas exigências de prevenção sobretudo geral, e também especial, dos actos de condução em estado de embriaguez.
Por fim, a não fuga do local do acidente de viação dos autos não pode funcionar como um atenuante propriamente dito, posto que, aliás, uma eventual conduta em sentido inverso faria incorrer o arguido também na prática do crime de fuga à responsabilidade, p. e p. pelo art.o 89.o da LTR.
Improcede, assim, o recurso nesta primeira parte.
Outrossim, o arguido assaca ao Tribunal recorrido o exagero da medida da pena, com violação do disposto nos art.os 40.o e 65.o do CP, porquanto entende ele que como no caso os danos causados são muito leves, e atenta a sua confissão integral e sem reservas dos factos, demonstradora do sincero arrependimento, e considerada a sua postura responsável de não fugir do local após o acidente de viação dos autos, e ponderado também o seu baixo nível de habilitações académicas (pois só tem a 4.a classe do ensino primário), o que lhe reclama naturalmente um menor grau de cumprimento do seu dever se comparado com outros indivíduos com habilitações literárias mais elevadas, e considerando, por outro lado, que desde a data de prática do anterior crime em Junho de 1998 já decorreram mais de dez anos, sem cometimento de novo crime ou nova contravenção estradal com excepção do delito por que se encontra condenado nesta vez, a pena a aplicar merece ser reduzida.
Quanto a isto, cabe observar, desde já, que para o crime de condução sob estado de embriaguez, o grau de cumprimento do dever de não condução sob efeito de álcool deve ser igual para toda a gente, independentemente do nível das suas habilitações literárias, já que para se candidatar ao exame de condução com vista à obtenção da licença de condução, a lei também não exige grande nível de habilitações académicas, sendo prova viva disto o facto de o arguido ter conseguido a licença apesar de ter somente a 4.a classe do ensino primário como instrução escolar.
Entretanto, no caso, atendendo especialmente ao grau leve do dano causado nesta vez a terceiro, afigura-se ser de reduzir a duração da pena de prisão aplicada pelo Tribunal recorrido a três meses.
O arguido pede também a substituição da pena de prisão nos termos do art.o 44.o, n.o 1, do CP, mas sem razão, porquanto por força da necessidade de prevenir o arguido da prática, no futuro, de mais actos de condução sob influência do álcool, é inviável qualquer juízo de valor favorável à almejada substituição da pena de prisão por multa ou outra pena não privativa da liberdade.
Por fim, e subsidiariamente, o arguido deseja ver suspensa a execução da prisão.
Quanto a isto, embora seja verdade que no período entre o cometimento do homicídio por negligência grosseira devido à condução sob influência do álcool e a presente vez de condução sob estado embriaguez, o arguido não cometeu nenhum outro crime ou condução sob influência do álcool, e que nesta vez não se verificou danos relevantes, não se mostra juridicamente plausível a suspensão da execução da pena de prisão, dado que atendendo à elevada taxa de álcool detectada nesta vez no sangue do arguido (que foi de 2,09 gramas por litro, ultrapassando, pois, em grande medida o limite de 1,2 gramas a partir do qual é punível pelo art.o 90.o, n.o 1, da LTR a conduta de condução sob influência do álcool), e considerando em especial que o seu anterior crime de homicídio por negligência grosseira foi devido precisamente à condução sob influência do álcool, não se pode considerar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão consigam realizar agora de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. De facto, nesta vez agiu o arguido com elevado grau da culpa, porque depois da anterior condenação penal pelo crime de homicídio por causa da condução sob influência do álcool, com benefício até de suspensão da execução da pena de prisão então imposta, não deveria ter voltado a cometer mais novo acto de condução sob influência do álcool.
4. Em sintonia com o exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso do arguido A, com o que este passa a ser condenado na pena de três meses de prisão efectiva, como autor material de um crime consumado de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, sendo intacta a pena de inibição de condução já aplicada na sentença recorrida.
Custas do recurso pelo arguido na parte que decaiu, com seis UC de taxa de justiça.
Passe mandados de detenção e condução à cadeia contra o arguido.
Macau, 11 de Novembro de 2010.
____________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
____________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
____________________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 201/2009 1/10