Processo n.º 394/2009
(Recurso Cível)
Data: 7/Outubro/2010
Assuntos :
- Revisão de divórcio celebrado no Exterior, celebrado perante autoridade administrativa
SUMÁRIO :
1. É passível de revisão a decisão administrativa que enquadra um divórcio por mútuo consentimento, registado na China, em Shenzen, junto da autoridade competente, ainda que não consubstanciado numa decisão judicial.
2. Mas já não assim um acordo complementar desse divórcio relativo à partilha dos bens, nomeadamente sitos em Macau, acordo esse que pode ser lavrado em qualquer lugar e em qualquer momento, sujeitando-se o seu reconhecimento às regras dos documentos lavrados no Exterior.
O Relator,
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
Processo n.º 394/2009
(Revisão de Sentença do Exterior)
Data: 7/Outubro/2010
Requerente: A
Requerida: B
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, de nacionalidade chinesa, residente em XXX, XXXX, Rua de Xiangmei da Zona de Futian, Cidade de Shenzhen da Província de Guangdong, China, portador do Bilhete de Identidade de Residente Não-Permanente de Macau, no XXXX,
vem solicitar a revisão e confirmação de registo do divórcio, registo esse que se relaciona com a dissolução dos laços matrimoniais
entre o requerente e a requerida, B, de sexo feminino, de nacionalidade chinesa, residente no Apartamento no XXXX, Edifício XXXX, no XX, Zona de Futian, Cidade de Shenzhen da Província de Guangdong, China, portadora do Bilhete de Identidade do Residente da República Popular da China, no XXXXXXXXXXX.
O que faz com os seguintes fundamentos:
Artigo 10
O requerente e a requerida efectuaram o registo do casamento em 12 de Setembro de 2000, junto do governo popular de Futian da Cidade de Shenzhen , sem ter nenhum registo e reprodução em Macau .
Mas
Artigo 20
Em 9 de Março de 2006, o requerente e a requerida puseram termo a essa relação matrimonial por mútuo consentimento junto do Departamento para os Assuntos Cívicos na Zona de Futian da Cidade de Shenzhen da Província de Guangdong da República Popular da China, o que foi registado num certificado, e para os devidos efeitos legais, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. (Ver documentos 1 e 2).
Artigo 30
Este registo é o registo final e transitado em julgado— considera–se como uma “decisão judicial” transitada em julgado—está preenchido o disposto na alínea b) do no 1 do artigo 12000 do Código de Processo Civil.
Por outro lado,
Artigo 40
Não há nenhuma dúvida sobre a autenticidade dos documentos do registo acima mencionado.
Artigo 50
Sendo competente o departamento governamental que efectuou o registo e verifica–se que não há vícios ou circunstâncias questionáveis.
Artigo 60
Não se invocou a excepção de litispendência ou de caso julgado no seio do tribunal de Região Administrativa Especial de Macau.〔alínea d) do no 1 do artigo 12000 do Código de Processo Civil〕
Artigo 70
Já foram observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes.〔alínea e) do no 1 do artigo 12000 do Código de Processo Civil〕
Artigo 80
Finalmente, não contem decisão cuja confirmação conduz a um resultado manifestamente incompatível com as ordens públicas.〔alínea f) do no 1 do artigo 12000 do Código de Processo Civil〕
Assim sendo, em plena conformidade com os condicionalismos enumerados no artigo 12000 do Código de Processo Civil, solicita a revisão e confirmação deste registo do requerente sobre a dissolução dos laços matrimoniais por mútuo consentimento, autorizada pelo Departamento para os Assuntos Cívicos da Zona de Futian da Cidade de Shenzhen da Província de Guangdong da República Popular da China, no sentido de poder produzir eficácia na RAEM.
Foi oportunamente citada a Requerida que não deduziu qualquer oposição.
O Digno Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido de não vislumbrar obstáculo à revisão em causa.
Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
Vem certificado notarialmente:
“Cartório Notarial da Cidade de Shenzhen da Província de Guangdong da República Popular da China
Certificado Notarial
No da série XXXX Shen Zhen Zi (2007)
Certifica–se, por este meio, que A (A, de sexo masculino, nascido a XXde Novembro de 1969) e B (B, de sexo feminino, nascida a XX de Junho de 1976) efectuaram o registo do divórcio em 9 de Março de 2006 na Cidade de Shenzhen da Província de Guangdong. .
30 de Janeiro de 2007
Cartório Notarial da Cidade de Shenzhen da Província de Guangdong da República Popular da China
Notário: (Ass. vide o original )
XXXX
(Carimbo) Cartório Notarial da Cidade de Shenzhen XXXXX”
É do seguinte teor o acordo de divórcio1:
离婚协议书
立协议双方 :
A, 男, 一九六九年十一月XX日出生, 现住深圳市福田区景田南路聚豪园XXXXXXX, 身份证号码 : XXXXXXXXX。
B, 女, 一九七六年六月XX日出生, 现住深圳市福田区XX大厦 XX 栋 XXXX。身份证号码 : XXXXXXXXXX。
A与B于二000年九月十二日在深圳市依法登记结婚, 现因双方性格不合, 已无法共同生活, 径协商, 特向婚姻登记机关申请离婚, 现就双方离婚问题及财产公平分割逹成如下协议 :
一、 关于离婚 : A与B自愿申请离婚。
二、 关于财产分割 :
1、 2000 年 4 月, 以A名义购置的日产风度小汽车一辆 (车辆号牌为粤 XXXX ), 离婚后归A所有。
2、 2000 年 11 月, 以A及其姐姐C的名义 (A与C各占 50% 产权) 购置的“深圳市华侨海景山庄别墅 XXXXXX" 房产, 其中属于A所有的房产份额, 离婚后归A所有。
3、 2004 年 8 月, A及其姐姐C为办理澳门投资移民手续, 以A名义购置“澳门伦敦街 7 至 115 号, 罗马街 8 至 116 号, 东南亚花园 XXXXXX" 单位一套, 以A和C名义 (各 50% 比例) 购置“澳门伦敦街 7 至 115 号, 罗马街 8 至 116 号, 东南亚花园 XXXXX" 单位一套。对于上述房产中属于A名下的房产份额离婚后均归A所有。
4、 2003 年 5 月12日以A名义购置的 “深圳福田区景田路景蜜村 XXXXXX” 的房产, 离婚后归B所有。A应在离婚手续办理完毕之日起 15 天内与B共同到政府主管部门办理完成该房产过户双方当事人应当履行的全部登记手绩。如A未在约定时间内到政府主管部门办理完上述A应履行的手续或因A的原因导致房产不能过户给B, 属A违约, 依本协议约定承担违约责任, 但因B有意不到场签字、配合的情况或A在前述约定时间届满 前两次依本协议约定的方式, 以书面形式通知B到场办理手续后, B仍不能按照规定时间到场签字、配合A履行登记手续的情况以及双方协议同意延长办理期限等情况造成A未在约定时间内办理完房产登记手续的, A不承担违约责任。双方同意办理房产过户的全部相关费用由A承担。
5、 截至本协议签署之日, 已在B名下的银行存款及债权归B所 有。 另由A在本离婚协议正式生效后另行支付给B 50 万元人民币现金。具体操作方法为 : 在双方到婚姻登记机关正式办理离婚手续前 5 天 , 双方共同指定并委托广东XXX律师事务所XXX律师作为该笔款项的监管人, 由A、B及广东XXX律师事务所共同共同签订资金监管协议, 约定由A将前述 50 万元款项交付该律师事务所, 该律师事务所XXX律师在资金监管协议约定的时间内如见到A和B的合法离婚证明手续原件后, 实时将该笔款项支付给B账户: 工商银行 : 卡号 : XXXXXXX。 如未能在协议约定期限内见到上述离婚手续, 该律师事务所XXX律师应将该笔款项归还给A。 否则 , 由律师事务所依法承担相应的法律责任。
6、 A已征得其父母D、E的同意, 由其父母D、E另赠于B福田区长城大厦 XXXXXX 的房产一套, 并由A负责过户到B名下, 归B所有。此房产须于正式离婚手续办理后由A的父母D、E与B签订经公证证明的“赠与协议", A应负责在离婚手续办理完毕之日起 15 天内与B共同到政府主管部门办理完成该房产过户双方当事人应当履行的全部登记手续。 为保证赠与的实际履行 , A同意在《离婚协议书》答署后、 正式离婚登记办理前提供 80 万元人民币作为赠与履行的保证金 (具体操作方式见《资金监管协议二》) 。 如前述房产在 2006 年 12 月 31 日仍未赠与过户到B名下, 广东XXX律师事务所XXX律师将该 80 万元款项支付给乙方B账户 (开户 : 工商银行, 户名 : B , 卡号 : XXXXXXXX), 同时A还应依本协议约定承担违约责任 , 但因B有意不到场签字、配合的情况或A在前述约定时间届满前两次以本协议约定的方式, 书面形式通知B到场办理手续后 , B仍不能按照规定时间到场签字、配合A履行登记手续的情况以及双方协议同意延长办理期限等情况造成A未在约定时间办理完房产登记手续的, A不承担违约责任。如前述房产在 2006 年 12 月 31 日前已经赠于过户到B名下 , 则XXX律师须在前述房产过户登记到B名下后 10 日内将该 80 万元款项归还给甲方A (开户银行 : 招商银行 户名 : A , 账号 : XXXXXXX)。 否则 , 由广东XXX律师事务所依法承担相应的法律责任。双方同意办理房产过户的全部相关费用由A承担。 在办理房产过户之前, A有权将该房产中属A的私人物品带走 (该房屋内的其它财物归B所有)。
7、 A及B确认并同意 , 截至双方签署本离婚协议之日止, 除前述已经予以约定内容外的在A个人或B个人名下的银行存款, 在离婚后均属于A和B各自所有。在A个人或B个人名下的债券 (含为履行《资金监管协议二》 第 2 条所借人民币 80 万款项), 在离婚后均由A和B各自承担。
三、 关于子女 : A与B婚后未生育子女 , 双方不存在婚生子抚养的问题。
四、 档案、 户口及社保 : B存放在A及其母亲单位的人事档案、 户口和社会保险手续, B可在任何时候办理转出手续。 本协议生效后, A对此应予积极配合, 如因A原因致使B不能办理前述转出手续的, 即为违约 , 由A依约承担违约责任。
五、 费用承担 : 履行本协议及办理本协议相关事项所产生的全部费 用由A承担。 如因一方违约造成本协议不能完全履行吋, 违约方除应继续按协议履行、赔偿对方包括但不限于符合规定律师费等全部经济损失之外, 还应向对方支付违约金人民币 30 万元。
六、 本《离婚协议书》自婚姻登记机关颁发《离婚证》之日起生效。
七、 双方确认在办理本协议约定事项手续过程中的通知、 文件往来均由双方以下所指定的代理律师送达与签收。不能当面送达的或任何一方拒绝签收的, 可通过特快专递送达。 通过特快专递送达的, 当日视作送达。送达地址为以下指明的双方代理律师事务所所在地址, 如任何一方地址变更, 应及时书面通知对方, 否则, 另一方发给该方地址的特快专递仍视作已送达。 B指定的文件签收人: 广东XXX律师事务所XXX律师, 送达地址 : 深圳市福田区滨河大道 XXX号XXXXX; A指定的文件签收人: 广东XXX律师事务所XXX律师, 送达地址: 深圳市华强北路XX酒店 XXX 座 XXX 室。
立协议人 : B
A
2006年3月9日
IV - FUNDAMENTOS
O objecto da presente acção – revisão e confirmação de registo de divórcio autorizado pelo Departamento para os Assuntos Cívicos da zona de Futiam da cidade de Shenzen da Província de Guandong da República Popular da China -, de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
1. Requisitos formais necessários para a confirmação;
2. Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
3. Compatibilidade com a ordem pública;
*
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, nº2 do CPC.
A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades estrangeiras, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade2, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Autenticidade e inteligibilidade da decisão.
Parece não haver dúvidas de que se trata de um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se uma decisão relativa a uma autorização de um registo de um divórcio por mútuo consentimento proferida pelo Departamento respectivo da República Popular da China, cujo conteúdo facilmente se alcança, em particular no que respeita aos efeitos jurídicos da dissolução do casamento, sendo certo que são estes que devem relevar.3
É certo que não se trata de uma sentença proferida por um Tribunal do Exterior, mas não deixamos de estar perante uma decisão proferida por uma autoridade administrativa que não deixa de produzir os mesmos efeitos, adoptando-se o critério que já tem seguido pelos Tribunais de Macau4 para confirmação de divórcios ocorridos perante autoridades administrativas ou até em termos de Jurisprudência Comparada.5
Sob pena até de os interessados se verem na impossibilidade de reconhecimento na ordem interna relativamente ao seu próprio estado civil.
Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal ou autoridade do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
“O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior6, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam7.
É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.8
Ora, nada resulta dos autos ou do conhecimento oficioso do Tribunal, no sentido da não verificação desses requisitos que assim se têm por presumidos.
2. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CC:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Ora, facilmente se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice, tratando-se aqui da revisão de um divórcio acordado por ambos os cônjuges.
3. Da ordem pública.
Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”9E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
No caso em apreço, em que se pretende confirmar a decisão em que se autorizou o registo do divórcio, reconhecendo tais efeitos como extintivos da relação matrimonial em causa, não se vislumbra que haja qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública. Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo prevê a dissolução do casamento, igualmente por mútuo consentimento, por mera manifestação de vontade de ambos os cônjuges nesse sentido, preenchidos os respectivos requisitos.
À luz das leis da RPC mostra-se comprovada a dissolução do casamento, o que não fere os princípio do nosso ordenamento.
4. Mas se isto é válido para o divórcio em si, estas razões já não são válidas para o acordo de partilha dos bens que consta de um mero acordo, não se vendo razões para confirmar esse acordo que pode ser firmado em qualquer lugar, nomeadamente em Macau.
As razões válidas para a confirmação do divórcio já não se estendem a um acordo notarial, sob pena de os Tribunais de Macau terem de ser chamados a ter de confirmar todos os documentos lavrados no exterior quando eles não deixam de ter força por si ou não sejam observados os requisitos da lei geral para os documentos e contratos celebrados no Exterior.
O pedido de confirmação do divórcio ocorrido na RPC não deixará, pois, de ser procedente, confirmação essa que não se estende ao acordo de partilha, situação que se aparta daqueles casos em que a partilha é homologada judicialmente.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam conceder a revisão e confirmar o divórcio entre A e B, registado pelo Departamento da Cidade de Shenzhen da Província de Guangdong da República Popular da China, em 9 de Março de 2006, no sentido de poder produzir eficácia na RAEM, nos seus precisos termos, julgando improcedente o pedido de confirmação relativo ao acordo de partilha dos bens pelas razões acima aduzidas.
Custas pelo requerente.
Macau, 7 de Outubro de 2010,
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira (Relator)
Tam Hio Wa (Primeira Juiz-Adjunta)
Lai Kin Hong (Segundo Juiz-Adjunto)
1 “Acordo de Divórcio
As partes do Acordo:
A de sexo masculino, nascido a XX de Novembro de 1969, residente no 深圳市福田區景田南路XXXXXX, titular do Bilhete de Identidade de Residente n.º: XXXXXXX.
B de sexo feminino, nascida a XX de Junho de 1976, residente de 深圳市福田區XXXXXX, titular do Bilhete de Identidade de Residente n.º: XXXXXXXXXXXX.
No dia 12 de Setembro de 2000, A e B procederam ao registo de casamento conforme a lei na cidade de Shenzhen. Agora, devido à grande divergência nas personalidades das partes, já não podendo viver em conjunto, e, após uma negociação, vêm pedir particularmente o divórcio à autoridade de registo de casamento, além disso, concluem os seguintes acordos quanto à questão do divórcio entre as partes e duma justa partilha de bens:
I. Divórcio: A e B pedem voluntariamente o divórcio.
II. A partilha de bens:
1. O carro japonês de marca Cefiro (n.º da matrícula: XXXXX) comprado em nome de A em Abril de 2000, fica para A após o divórcio.
2. Quanto ao imóvel de 深圳市華僑海景山庄別墅XXXXcomprado em nome de A e da irmã mais velha C (A e C são titulares de 50% da propriedade) em Novembro de 2000, a parte de propriedade a A pertence fica para ele mesmo após o divórcio.
3. No Agosto de 2004, em virtude de procederem à imigração via investimento de Macau, A e a irmã mais velha C compraram, em nome de A, um apartamento no XX andar XXX do Jardim Tong Nam Ah da Rua de Londres, n.º 7-115, Rua de Roma, n.º 8-116, Macau; e compraram ainda, em nome de A e C (50% de cada um), mais um apartamento no XX andar XX do Jardim Tong Nam Ah da Rua de Londres, n.xxx, Rua de xxx, n.º 8-116, Macau. A propriedade dos prédios acima mencionados a A pertence fica para ele mesmo depois do divórcio.
4. O apartamento em 深圳福田區XXXXXXXX comprado em nome de A em 12 de Maio de 2003 passa a ser da posse de B depois do divórcio. A obriga-se a ir com B à autoridade competente do governo, dentro de 15 dias a contar da data de conclusão dos procedimentos de divórcio, para completar todos os procedimentos de registo que as partes de transferência predial devem cumprir. Caso A não for à autoridade competente do governo completar os procedimentos a ele devidos dentro do prazo combinado, ou, caso o apartamento não puder ser transferido para B por causa da razão a A imputada, nesta medida, constitui-se inadimplemento de A e o mesmo incorrerá em responsabilidade nos termos do presente acordo; entretanto, A não assumirá a responsabilidade de inadimplemento quando não conseguir concluir os procedimentos de registo predial dentro do prazo combinado por: B não ir, de propósito, a assinar ou cooperar com A, e por B ainda não poder ir assinar e não cooperar com aquele para completar os respectivos procedimentos na hora marcada apesar de A tê-la comunicado por duas vezes, em forma escrita e com o meio acordado, para irem juntos a tratar os procedimentos antes do termo do prazo combinado, ou por ambas as partes concordar prolongar o prazo de tratamento. Por outro lado, de acordo com o consentimento mútuo, todas as respectivas custas geradas por causa da transferência de propriedade ficam a cargo de A.
5. Até à data da assinatura do Acordo em causa, o depósito bancário em nome de B e o respectivo crédito ficam para ela mesma. Mais ainda, A obriga-se a pagar a B um montante de numerário de 500 mil de RMB após a entrada em vigor do presente acordo. As operações efectuar-se-ão na seguinte forma: cinco dias antes de irem tratar os procedimentos de divórcio à autoridade de registo de casamento, as duas partes designam e contratam em conjunto o advogado XXX do Escritório de Advogado XXX de Guangdong como depositário daquela verba. Cabe ao A, B e o Escritório de Advogado XXX de Guangdong estipular o Acordo de Depósito da Verba, convencionando o seguinte: A entregue o dito montante de RMB$500.000 ao aludido Escritório de Advogado, e o Adv. XXX, depois de conferir os documentos originais do atestado do divórcio legal entre A e B dentro do prazo combinado no Acordo de Depósito de Verba, paga tempestivamente o valor à conta bancária de B: Banco Industril e Comercial da China: conta n.º: XXXXXXXXX. Caso não venha a ser-lhe mostrado os respectivos documentos dentro do prazo combinado, o Adv. XXX obriga-se a devolver a mesma verba a A. Caso contrário, incorrerá o escritório em responsabilidade nos termos legais.
6. A já pediu ao consentimento dos pais D e E para darem a B um apartamento de 福田區長城大廈XXXXXX, basta que A transferi-lo para B para que fique de posse da mesma. Depois de ter concluído os procedimentos de divórcio oficial, cabe aos pais de A: D e E assinar com B um “Acordo de Doação” notarial; A obriga-se a ir com B ao departamento competente do governo dentro de 15 dias contados desde a data de conclusão dos procedimentos de divórcio, com vista a tratarem todos os procedimentos devidos de registo que ambas as partes de transferência predial devem cumprir. A fim de garantir o cumprimento prático de doação, A concordou com uma prestação de garantia a favor de cumprimento de doação após a assinatura de Acordo de Divórcio e antes de tratamento dos procedimentos de divórcio oficial, com o valor registado em oitocentos mil de RMB (vd. o “Acordo de Fiscalização de Verba II” para o meio concreto de efectuação). Se o dito apartamento acima apresentado ainda não tiver doado e transferido para B no dia 31 de Dezembro de 2006, o Adv. XXX designado pelo Escritório de Advogado XXX de Guangdong depositará o montante de oitocentos mil de RMB para a conta bancária da parte B, B (Banco: Banco Industrial e Comercial, depositante: B, conta n.º: XXXXXXXX), ao mesmo tempo, A tem que assumir a responsabilidade de inadimplemento de acordo com os dispostos do presente acordo. Entretanto, A não assumirá a responsabilidade de inadimplemento quando não conseguir concluir os procedimentos de registo predial dentro do prazo combinado por: B não ir, de propósito, a assinar ou cooperar com A, e por B ainda não poder ir assinar e não cooperar com aquele para completar os respectivos procedimentos na hora marcada apesar de A tê-la comunicado por duas vezes, em forma escrita e com o meio acordado, para irem juntos a tratar os procedimentos antes do termo do prazo combinado, ou por ambas as partes concordar prolongar o prazo de tratamento. Se o apartamento em questão já tiver doado e transferido para B antes de 31 de Dezembro de 2006, o Adv. XXX é obrigado a devolver, dentro de dez dias depois da efectuação de transferência do dito apartamento para B, a garantia de oitocentos mil de RMB à parte A, A ( Banco: Banco Mercantil da China, Depositante: A, conta n.º:XXXXXXX), caso contrário, devendo o Escritório de Advogado XXX de Guangdong assumir a respectiva responsabilidade jurídica nos termos legais. Ambas as partes concordam que todas as custas a favor da transferência da aludida propriedade ficam por A. Para além disso, antes do procedimento da transferência predial, A tem direito de levar do apartamento os artigos particulares dele (os bens restantes ficam de posse de B).
7. A e B confirmam e concordam que, até ao dia da assinatura do presente Acordo de Divórcio, salvo os conteúdos acima combinados, os depósitos bancários em nome de A e de B ficam respectivamente a cargo de eles próprios depois do divórcio. E as dívidas em nome de A e de B ( compreendendo o valor de oitocentos mil de RMB efectuado em favor do cumprimento do art.º 2 do “Acordo de Fiscalização de Verba II”) ficam respectivamente a cargo de eles próprios após o divórcio.
III. Filhos: A e B não têm filho depois do casamento, pelo que não existe nenhuma questão de alimento do filho legítimo entre as partes.
IV: Arquivo, registo de residência habitual e segurança social: B pode efectuar a qualquer tempo procedimento de transferência do seu arquivo pessoal, registo de residência habitual e segurança social guardados em A e na entidade da mãe dele. A obriga-se a prestar activamente cooperação a isso depois da entrada em vigor do presente acordo, se B não consegue fazer o procedimento de transferência acima mencionado por causa da razão a A imputada, constituir-se-á inadimplemento e A tem que assumir a respectiva responsabilidade nos termos legais.
V. Assunção das custas: Ficam por A todas as custas geradas a favor de cumprimentos do acordo em questão e de outros assuntos relativos ao acordo. A incapacidade de cumprimento total do presente acordo por causa de inadimplemento de uma das partes não só exige que o inadimplente continue a cumprir o acordo consoante a forma combinada, indemnize todos prejuízos económicos incluindo o honorário da outra parte e as outras custas eventuais, mas também deve-se efectuar para a outra parte uma compensação por inadimplemento em valor de trezentos mil de RMB.
VI. O presente Acordo de Divórcio entra em vigor desde o dia em que a autoridade de registo de casamento emite o Certificado de Divórcio.
VII. Ambas as partes combinam que, os seguintes advogados designados respectivamente pelas partes são responsáveis de remeter e assinar por recepção de todas as notificações e documentos a favor de realização dos assuntos referidos no presente acordo. Os documentos que não possam ser entregues pessoalmente ou de que a outra parte recuse receber, podem ser enviados por correio rápido. Os documentos enviados por correio rápido são considerados como efectuados no mesmo dia. Os seguintes endereços de escritórios dos advogados designados pelas partes são considerados como endereços de entrega; deve-se notificar a outra parte por escrito no caso de seja mudado o endereço, caso contrário, os que enviados mediante correio rápido e endereçados para o local anterior ainda serão considerados como efectuados. O destinatário responsável pela assinatura de recepção de documentos indicado por B é: Adv. XXX do Escritório de Advogado XXXX de Guangdong, endereço de entrega: 深圳市福田區濱河大道XXXXXX; o destinatário responsável pela assinatura de recepção de documentos indicado por A: Adv. XXX do Escritório de Avogado XXXde Guangdong (廣東XXX律師事務所), endereço de entrega: 深圳市華強北路聖XXX酒店XXXXX.
Contraente: (ass.: B, A)
Aos 9 de Março de 2006
(Carimbo: vd. o original )
Aos 9 de Março de 2006”
2 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002
3 - Ac. STJ de 21/12/65, BMJ 152, 155
4 - AC. TSJ de Macau, de 29/1/97, proc. 536 e 19/11/97, proc. 632; TSI, de 11/7/02, proc. 76/2002, CJTSI, 2002, II, 1285; Acs. do TSI, proc. 121/09, de 4/6/09; proc.79/09, de 14/5/09
5 - Acs da RL, de 15/1/82, proc. 14857, BMJ 322, 369; RP, de 12/7/83, CJ 83, 4º, 221
6 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
7 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
8 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
9 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
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394/2009 1/23