Processo n.º 32/2011. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: Consórcio formado por A e B.
Recorrido: Chefe do Executivo.
Assunto: Suspensão da eficácia de actos administrativos. Artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Data da Sessão: 8 de Julho de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.
SUMÁRIO:
Havendo recurso jurisdicional da decisão que indefere pedido de suspensão da eficácia de actos administrativos, o tribunal não conhece dos requisitos que foram julgados verificados se o recorrido não pedir a sua apreciação, para o caso de o recurso obter provimento, nos termos previstos no artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
O Consórcio formado por A e B (doravante designado Consórcio, requerente ou recorrente) requereu a suspensão da eficácia do despacho do Chefe do Executivo, de 4 de Novembro de 2010, que indeferiu recurso hierárquico interposto pelo Consórcio da deliberação da Comissão de Abertura de Propostas que excluiu a sua proposta apresentada ao Concurso Internacional para Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau.
Por Acórdão de 19 de Maio de 2011, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) indeferiu o requerido.
Inconformado, interpõe o Consórcio recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI).
Termina a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões úteis:
- não existem indícios de ilegalidade do recurso – al. c) do art. 121.º n.º 1 do CPAC;
- a suspensão não causa qualquer prejuízo ao interesse público mas, pelo contrário, até o beneficia na medida em que, suspendendo-se a eficácia do acto, permite-se prosseguir com o concurso com as recorrentes na situação de admitidas condicionais até decisão do recurso (cit sentença e pareceres do MP quer a fls. 156-157 quer a fls 188-189) e, desse modo, se beneficiando o interesse público quer em termos de nunca a Administração ter que vir a indemnizar despesas de ninguém por adjudicação indevida, quer termos de ficar com leque de oferta de qualidade técnica mais amplo que o de apenas duas admitidas e preço muito mais económico - o das recorrentes é de Mop$581.386.871,00 (fls. 47) enquanto que o das duas admitidas definitivamente são de Mop$604.863.768,90 (uma - fls. 44) e Mop$664.037.758,00 (a outra- fls. 44) - al. b) do art. 121° n° 1 do CPAC;
- os elementos dos autos mostram à saciedade que os interesses que as recorrentes defendem no recurso (e aqui) é ganhar o negócio da adjudicação dos serviços objecto do concurso, que as recorrentes se propõem fornecer à Administração pelo referido preço de Mop$581.386.871,00 (fls. 47) em competição com opositores que se propõem fornecer os mesmos serviços mas por preços muito mais caros para a Administração: - Mop$604.863.768,90 (o consórcio da C- fls. 44) e Mop$664.037.758,00 (o da D - fls. 44);
- o factor preço dá o negócio às recorrentes e nada consta do acto recorrido, da actas e dos autos quanto a diferenças noutros factores, nomeadamente o da qualidade técnica, entre as 3 concorrentes em causa que nos dê suporte para inverter essa previsão.
- face aos elementos dos autos e se o concurso prosseguir apenas com as duas referidas opositoras admitidas (avaliação técnica, selecção e adjudicação a uma delas), é previsível e evidente que as recorrentes perderão a referida adjudicação e negócio - arts. 9º e 10º da p.i. da suspensão -, pelo menos enquanto o recurso contencioso não for decidido;
- e, porque o valor é de Mop$581.386.871,00 (art. 4° da p.i. e certidão de fls. 46-47) perdem assim esse montante como prejuízo irreparável ou de difícil reparação);
- e mesmo que decidido e executado o recurso favoravelmente aos recorrentes, também se afigura previsível e evidente que estas perderão a receita ou proventos - art. 10º da p.i. - referentes ao período que mediar entre a adjudicação à concorrente que agora for seleccionada e a data em que a adjudicação seja anulada e entregue às recorrentes;
- dado que o valor é de Mop$581.386.871,00 por 5 anos (certidão de fls. 46-47) o prejuizo previsível daí resultante será da média de perto de um milhão de patacas por mês ($581.386.871,00:5 anos:12m=$968.981,16 por mês);
- uma segunda avaliação que venha a afastar uma concorrente já adjudicatária (ou seleccionada para isso) vai provocar a esta prejuízos que a Administração terá que enfrentar, sendo de prever em consequência afectação da liberdade ou predisposição psicológica do órgão ou agente a quem couber fazer tal avaliação selecção que sabe que vai pôr a Administração a desembolsar milhões de indemnização, principalmente órgãos ou agentes com todo o empenho no bem público e mesmo que na imparcialidade e isenção coloquem todo o seu empenho como acreditamos que porão;
- além de que a maturação, apreciação e convencimento sobre a bondade das soluções propostas pelas concorrentes em termos e tempo igualitários, resultam necessariamente beneficiadas com o dobro do tempo necessariamente aquelas que estão a ser avaliadas pela segunda vez (ainda que em pé de absoluta igualdade e imparcialidade) e com metade do tempo delas quanto à das aqui recorrentes.
A entidade recorrida e a contra-interessada Consórcio formado entre C, E e F defendem a manutenção do Acórdão recorrido.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.
II - Os Factos
Resulta dos autos que:
- Por deliberação da Comissão de Abertura das Propostas, de 30/6/2010, excluiu-se a proposta da requerente ao Concurso Público Internacional para “Modernização, operação e manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”.
- Inconformada com a decisão de exclusão, interpôs o recurso hierárquico necessário impróprio para o Senhor Chefe do Executivo, o qual, por despacho de 04/11/2010, negou o mesmo, mantendo a deliberação da exclusão da Comissão de Abertura das Propostas.
III – O Direito
1. As questões a apreciar
Trata-se de saber se o Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), que fixa os requisitos para que seja concedida a suspensão da eficácia de actos administrativos.
O Acórdão recorrido julgou que o acto tinha conteúdo negativo, com uma vertente positiva, pelo que nada obstava à suspensão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 120.º, alínea b) do CPAC.
O Tribunal não apreciará esta questão na medida em que favorece o recorrente, sendo certo que nem a entidade recorrida nem a contra-interessada particular suscitaram a sua apreciação para o caso de o recurso obter provimento, nos termos previstos no artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
O Acórdão recorrido julgou que não se verificava o requisito da existência de prejuízos de difícil reparação e, por isso, não apreciou os outros dois requisitos previstos nas alínea b) e c) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, por os considerar prejudicados face àquela solução.
No caso de este Tribunal julgar verificado aquele primeiro requisito conhecerá dos restantes, por força da regra da substituição consignada no n.º 2 do artigo 630.º do Código de Processo Civil.
Apreciar-se-ão os prejuízos alegados na petição e não os factos novos alegados na alegação de recurso.
2. A suspensão jurisdicional da eficácia de actos administrativos
A Administração dispõe do chamado privilégio da execução prévia, podendo executar coercivamente os actos administrativos sem recurso prévio aos tribunais (artigo 136.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo).
Nos sistemas administrativos de características europeias continentais, como o nosso, a interposição do recurso contencioso de anulação de actos administrativos não suspende a eficácia do acto, salvo disposição em contrário. Isto porque, para além de ser prejudicial para o interesse público a suspensão automática dos actos que fossem impugnados, tal também poderia potenciar recursos com efeitos meramente dilatórios.
Explica MARIA FERNANDA MAÇÃS1 que “Contudo, reconheceu-se desde logo que tal sistema podia ter inconvenientes graves para os direitos e interesses dos particulares, muitas vezes não ressarcíveis economicamente.
O problema punha-se com grande acuidade sobretudo naquelas situações em que, por virtude da demora que caracterizava a solução dos processos de anulação, se corria o risco de a situação de facto, criada ao abrigo de um acto inválido, se consolidasse de tal modo que tornaria inútil a sua posterior anulação pelo tribunal.
Passou então a admitir-se a possibilidade de suspensão judicial da eficácia ou, melhor dito, segundo a terminologia tradicional, da executoriedade dos actos pelo tribunal a pedido do particular lesado, como forma de assegurar a integridade do objecto litigioso até à anulação do mesmo”.
“A suspensão jurisdicional da eficácia de actos administrativos visa assegurar a utilidade prática das sentenças definitivas”2.
Importa mencionar que a lei actual (artigo 121.º do CPAC), na sequência da anterior (Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho), continua a exigir como requisitos para a concessão da suspensão da eficácia dos actos administrativos objecto de recurso contencioso, que:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
3. Prejuízo de difícil reparação. O caso dos autos.
O recorrente alega os seguintes prejuízos na petição:
- Se a eficácia do acto não for suspensa, não poderá ganhar o concurso e ficará impedida de arrecadar a receita (artigo 10.º);
- Mesmo que a adjudicação a uma das outras empresas venha a ocorrer, a recorrente não disporá do mesmo tempo de maturação e ponderação face às duas que foram admitidas, nem da mesma predisposição psicológica da autoridade recorrida para a ponderar favoravelmente;
- Despesas feitas com a preparação do concurso.
Começando logo por este últimos prejuízos alegados, é evidente que estes são reais, mas não são de difícil reparação.
Quanto à impossibilidade de ganhar o concurso, esta não é exacta, já que se a sua exclusão for anulada será integrada no concurso, podendo ser a respectiva vencedora.
A alegação de que não disporá do mesmo tempo de maturação e ponderação face às duas que foram admitidas, é altamente obscura. Se se refere ao tempo da recorrente, isso não é exacto já que, apresentada a proposta, as empresas não têm mais tempo para melhorarem as propostas. Se se refere ao tempo de maturação do júri do concurso, este só irá apreciar as propostas quando se passar a essa fase e terá certamente todo o tempo que julgar necessário.
A tese de que não disporá da mesma predisposição psicológica da autoridade recorrida para ponderar favoravelmente a sua proposta, que terá relativamente às duas empresas já admitidas, afigura-se altamente especulativa e sem suporte para ser considerada.
Não fez prova, pois, a recorrente, da existência de prejuízos de difícil reparação causados pela execução do acto.
IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 3 UC.
Macau, 8 de Julho de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
1 MARIA FERNANDA MAÇÃS, A Suspensão Judicial da Eficácia dos Actos Administrativos e a Garantia Constitucional da Tutela Judicial Efectiva, Stvdia Ivridica, Universidade de Coimbra, 1996, p. 11 e 12.
2 PEDRO MACHETE, A Suspensão Jurisdicional da Eficácia de Actos Administrativos, O Direito, ano 123.º, 1991, II-III, p. 302.
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