Processo nº 872/2010
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, de nacionalidade filipina, com os restantes sinais dos autos e ora presa no estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, nos termos seguintes:
“1. O objecto do recurso interposto pela Recorrente fundamenta-se na questão de saber se foram atendidos os pressupostos para a concessão da liberdade condicional, e em consequência se a decisão está devidamente fundamentada, ou pelo contrário se existe uma contradição insanável da fundamentação e um erro notório na apreciação dos referidos pressupostos.
2. A douta decisão de que se recorre considera que a Reclusa não reune os pressupostos para a concessão da liberdade condicional, ponderada a sua conduta dentro da prisão e ainda o facto da mesma não ter ainda procedido ao pagamento das custas devidas.
3. Todavia, não se poderá certamente concordar com tal raciocínio feito, pois tal fundamentação não se afigura coerente, nem tão pouco suficiente para neutralizar circunstancialismos de facto evidentes de bom comportamento da reclusa e que constituem os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional.
4. A este propósito cumpre recordar que, sempre foi notório pelas diversas cartas dirigidas aos autos, o seu sincero arrependimento, tendo confessado os factos cometidos, interiorizando todo o mal que tinha cometido.
5. Factos que não deixam de constituir factores atenuantes, e demonstrativos do seu comportamento, da evolução da sua personalidade e da sua consciencialização de que deve reparar o mal que fez.
6. Por outro lado, e no que diz respeito ao não pagamento das custas devidas por parte da Reclusa, tal situação deve-se unicamente ao facto da Recorrente não ter solicitado ajuda financeira à sua família, não querendo abusar da sua bondade, pois a mãe e o seu irmão estão a ajudá-la a tomar conta dos seus três filhos, suportando todas as despesas.
7. E por outro lado, a Recorrente também ainda não conseguiu com que lhe fossem atribuídas algumas funções remuneradas na prisão, em virtude do seu problema de saúde, pelo que ainda não conseguiu poupar algum dinheiro para pagar as custas. Comprometendo-se a pagar com a ajuda de alguns amigos caso obtenha a liberdade condicional.
8. Por outro lado, tem também projectos de trabalho, nomeadamente, a possibilidade da Recorrente trabalhar com o seu irmão numa empresa que este tem nas Filipinas, numas funções adequadas ao seu estado de saúde, podendo estar novamente junto da sua família e dos seus filhos.
9. Ora, tendo presente a factualidade retratada, vislumbra-se que a ora recorrente tem projecto de emprego, aliada a uma vontade de adaptação à vida honesta, e por outro lado o seu comportamento ao longo do cumprimento da pena tem vindo a ser considerado satisfatório.
10. Sendo que a querela a que se faz menção na decisão que negou a concessão da liberdade condicional, trata-se de um caso singular em que a Recorrente foi vítima de agressão gratuita, tendo sido a própria Recorrente quem apresentou uma reclamação contra a pessoa que a agrediu, pelo que este facto não deve servir de impedimento para a concessão da sua liberdade.
11. É importante não esquecer que a par da prevenção da segurança social está também o dever de educar, ensinar e de reinserção dos que saíram do caminho da vida social honesta e que de alguma maneira estão a tentar e a lutar para conseguirem reentrar novamente nessa vida social honesta.
12. Nestes termos se considera que adequado seria e compatível com as finalidade de punição e de exigência de punição no ponto de vista de prevenção geral do crime, conceder-se a liberdade condicional à ora reclusa, por estarem preenchidos todos os pressupostos formais e subjectivos capazes de neutralizar o grau de risco de perigo e ataque contra os princípios da defesa da ordem jurídica e da paz social.”
Pede, assim, a revogação da decisão recorrida; (cfr., fls. 112 a 118 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, pronunciando-se no sentido de se dever manter a decisão recorrida; (cfr., fls. 136 a 136-v).
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Nesta Instância, juntou o Exm° Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“O regime de liberdade condicional, visando permitir aos reclusos que reúnam os respectivos requisitos legais, reintegrar-se antecipadamente na comunidade, não é, como se toma óbvio, de aplicação mecânica, devendo, para além dos pressupostos formais, mostra-se reunidos os requisitos materiais, onde avultam os fins das penas,
E se, em termos de prevenção geral, não descortinamos registo de que se tomem evidentes grave perturbação da segurança e paz social, com grande impacto negativo nos níveis e confiança pública no sistema jurídico decorrentes da eventual antecipação da libertação da recorrente, já se nos suscitam serias reservas em termos de prevenção especial, dado não se tratar de deli quente primária, tendo praticado crime da mesma natureza no período de suspensão da pena, não ter pago as custas judiciais relativamente a ambos os processos, ter-se a mesma envolvido (pelo menos em termos de suspeição) em disputa com outra reclusa, com parecer negativo do director do EPM relativamente à medida almejada, tudo indicando, pois, revelarem-se ainda insuficientes os dados atinentes a uma evolução positiva na possibilidade de a recorrente viver de modo responsável no seio da sociedade, razões por que nos não merece reparo o decidido.”; (cfr. fls. 164).
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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por acórdão do T.J.B. de 21.02.2006, (Proc. n° CR2-05-0008PCC), foi A, de nacionalidade filipina, e ora recorrente, condenada pela prática em concurso real de 1 crime de “furto” e 1 outro de “burla”, na pena única de 9 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos;
– por acórdão de 14.02.2008, (Proc. n° CR2-07-00184PCC), foi a mesma recorrente condenada pela prática, em concurso real, de 1 crime de “burla agravada”, outro de “falsas declarações” e 1 outro de “desobediência à ordem de expulsão” na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão;
– por decisão de 03.03.2009, foi-lhe revogada a suspensão de execução da pena de 9 meses de prisão imposta pelo Acórdão de 21.02.2006;
– por sentença de 26.04.2010, foi também a ora recorrente condenada pela prática de 2 crimes de “falsas declarações” e outros 3 de “violação da ordem de expulsão”, na pena única de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos;
– a ora recorrente deu entrada no E.P.C. em 13.03.2007, como preventivamente presa, encontrando-se a cumprir a pena única de 5 anos e 3 meses de prisão fixada pela sua autoria dos crimes cometidos no âmbito dos Procs. n° CR2-05-0008PCC e n° CR2-07-0184PCC;
– em 11.09.2010, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 11.06.2012; e,
– em caso de vir a ser libertada tenciona regressar às Filipinas.
Do direito
3. Insurge-se a ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Cremos que o recurso não merece provimento.
Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).
“In casu”, atenta a pena única que à recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente presa desde 13.03.2007, expiada está já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.
Na verdade, e na esteira do decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 31.01.2002, Proc. nº 6/2002, de 18.04.2002, Proc. nº 53/2002, e, mais recentemente, os de 25.01.2007, Proc. nº 11/2007, de 08.02.2007, Proc. nº 17/2007, e o de 15.02.2007, Proc. nº 10/2007).
No caso, entendeu o Tribunal a quo que verificados não estavam ambos os pressupostos do referido art. 56°, n° 1, al. a) e b) do C.P.M..
E, ponderando na factualidade atrás retratada, será de censurar o assim entendido, sendo de afirmar que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Ora, sem prejuízo do muito respeito por opinião diversa, cremos que de sentido negativo terá de ser a resposta.
Com efeito, ponderando no teor do C.R.C. da ora recorrente, viável não nos parece um juízo de prognose favorável sobre a sua futura conduta, mostrando-se-nos pois que verificado não está o pressuposto da alínea a) do atrás transcrito art. 56° do C.P.M..
Por sua vez, e ainda que assim não fosse, (o que não cremos), tendo presente os tipos de crime cometidos, nomeadamente o de “burla qualificada”, afigura-se-nos também que se impõe ter em conta a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “ Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).
Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56° do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao presente recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Macau, aos 25 de Novembro de 2010
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
João A. G. Gil de Oliveira
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