Processo nº 744/2010
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A “SUCURSAL EM MACAU DO XXXXX”, assistente, não se conformando com o despacho proferido pelo Mm° Juiz de Instrução Criminal que negou o pedido de imposição duma caução económica ao arguido A, veio interpor o presente recurso, motivando para, em sede de conclusões, afirmar o que segue:
“a) deve o despacho do Mmo. Juiz de Instrução Criminal ora impugnado ser revogado, por erro notório na apreciação da prova,
b) visto que, por um lado, não é plausível que todo o dinheiro ilicitamente captado pelo Arguido, graças à burla e falsificação de documentos que praticou, tenha sido perdido na Bolsa e, por outro lado, é bastante plausível que o Arguido tenha organizado meios de movimentar os fundos, bens e valores em que mantém aplicado o produto dos seus crimes, ou parte dele, através de pessoas que não estão privadas da sua liberdade e, sendo assim, a prisão preventiva do Arguido em nada impedirá que essa movimentação se faça, em termos de colocar os referidos fundos, bens e valores fora do alcance da Justiça;
c) deve ordenar-se a realização de todas as diligência de produção de prova necessárias ao apuramento da existência de bens na posse ou titularidade do Arguido, conforme especificado em 12. supra, e ainda,
d) no caso de serem realizadas com sucesso tais diligências e decretada a prestação de caução económica, mas o Arguido não a prestar no prazo fixado pelo Tribunal, deve decretar-se o arresto preventivo de todos os seus bens, sitos na RAEM ou no exterior (pedindo-se então a devida colaboração judiciária às instâncias nacionais ou internacionais relevantes, para garantir o efeito prático do arresto), levando-se então a cabo as diligências especificadas em 13. supra”; (cfr., fls. 7 a 11).
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Respondeu o Exm° Magistrado do Ministério Público, concluindo que:
“1. O n.° 2 do art. 211° do CPPM alude a «fundado receio de falta ou substancial diminuição das garantias de pagamento», supõe a verificação, em concreto, desse fundado receio - a acrescer ao juízo sobre a culpabilidade do arguido relativamente aos factos objecto do processo -, e não como «ilação automática ou presuntiva extraída da mera imputação desses factos» (Ac. RP, processo 9610566,1992/02/05)
2. Sem que o Recorrente articule e prove factos concretos para justificar fundadamente o seu receio, os redigidos pela Recorrente no requerimento não são mais do que suas simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade.
3. Não tendo o recorrente indicado os factos concretos que assenta a aplicação da medida cautelar, nem apresentado qualquer meio de prova sobre o alegado receio de o arguido poder vir a dissipar os seus bens, é evidente que bem andou o Mm.° Juiz a quo ao indeferir o pedido de prestação de caução económica.
4. Portanto, o recurso deve ser julgado improcedente por falta de fundamento ”; (cfr., fls. 16 a 18).
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Remetidos os autos a este T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exm° Representante do Ministério Público o seguinte Parecer:
“Concordamos inteiramente com o entendimento doutamente assumido pelo Exmo colega junto da 1ª instância.
Na verdade, o "fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento da indemnização ou de outras obrigações civis derivadas do crime", a que alude o n° 2 do art° 211° CPPM não pode decorrer, presuntiva e automaticamente, da mera imputação dos factos ou do juízo sobre a culpabilidade do arguido na produção dos mesmos, antes devendo assentar na verificação de factos concretos promovidos pelo mesmo, traduzíveis na dissipação ou ocultação do seu património, de modo a prever-se que o credor ou credores perderão, ou poderão ver seriamente diminuída a garantia do crédito respectivo.
Sendo certo que, no caso, o recorrente se limita a dar conta da sua preocupação, dúvidas, receios e conjecturas, invocando "eventualidades" dessa dissipação, não materializando, minimamente, conduta concreta do visado a tal propósito, ou indicando, sequer, prova nesse sentido, cremos revelar-se inatacável o decidido, não merecendo, pois, em nosso critério, provimento o presente recurso.”; (cfr., fls. 30).
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Nada obstando, cumpre apreciar e decidir.
Fundamentação
2. O presente recurso tem como objecto a decisão pelo Mm° Juiz de Instrução Criminal proferida que indeferiu um pedido pela assistente ora recorrente deduzido no sentido de se impor ao arguido A uma caução económica.
Como nota a própria recorrente, na decisão ora recorrida, (cfr., fls. 23 a 23-v), entendeu-se que provado não estava o justo receio que deveria justificar o decretamento dessa medida.
Atentos os elementos constantes nos presentes autos, e da reflexão que sobre a questão nos foi possível efectuar, cremos que censura não merece a decisão recorrida.
Passa-se a (tentar) explicar este nosso entendimento.
— Sob a epígrafe “caução económica”, prescreve o art. 211° do C.P.P.M. que:
“1. Havendo fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento da pena pecuniária, do imposto de justiça, das custas do processo ou de qualquer outra dívida para com o Território relacionada com o crime, o Ministério Público requer que o arguido preste caução económica, em termos e sob modalidade a determinar pelo juiz.
2. Havendo fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento da indemnização ou de outras obrigações civis derivadas do crime, o lesado pode requerer que o arguido ou o civilmente responsável prestem caução económica, nos termos do número anterior.
3. A caução económica prestada a requerimento do Ministério Público aproveita também ao lesado.
4. A caução económica mantém-se distinta e autónoma relativamente à caução referida no artigo 182.º e subsiste até à decisão final absolutória ou até à extinção das obrigações.
5. Em caso de condenação são pagos pelo valor da caução económica, sucessivamente, a multa, o imposto de justiça, as custas do processo e a indemnização e outras obrigações civis.”
Atento o estatuído no n° 2 do transcrito comando legal, evidente é que a prestação da pretendida caução económica tem como pressuposto a existência de “fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento da indemnização ou de outras obrigações civis derivadas do crime...”.
Dos autos resulta que está o arguido acusado da prática dos crimes de “burla” e “falsificação de documentos”, com os quais terá causado à ora recorrente prejuízos que ascendem MOP$35,000,000.00.
Porém, e como se observa na Resposta e Parecer dos Exm°s Representantes do Ministério Público, elementos não existem nos autos que permitam considerar verificado o já mencionado “fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento da indemnização ou de outras obrigações civis derivadas do crime”.
Não se olvida que em causa está um “montante elevado”.
Todavia, tal, por si, não basta para se avançar para um juízo no sentido da existência do referido “fundado receio...”.
Não se olvida também que, em sede de motivação, alega a recorrente que:
“Não foram descobertos até ao momento bens do Arguido que:
- se encontrem livres e desembaraçados;
- sejam de difícil alienação, e
- sejam em valor suficiente para cobrir o prejuízo económico do Assistente,
- por forma a que a sua execução, após a condenação do Arguido, permita o ressarcimento do Assistente”.
Porém, desconhecem-se – porque dos autos não constam – as razões que levaram a recorrente a considerar verificada tal “inexistência de bens” do arguido.
Aliás, refira-se que na al. d) das conclusões, não deixa a recorrente de referir-se a “diligências especificadas em 13. supra”, sendo que neste mesmo “ponto 13”, pede, nomeadamente, que “se oficie:
- à Conservatória do Registo Predial de Macau, comunicando o arresto sobre todos os bens imóveis registados em nome do Arguido;
- à Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, comunicando o arresto sobre todos os bens móveis, quotas sociais e ou acções em sociedades comerciais registados em nome do Arguido;
- às instituições financeiras sediadas ou com sucursal em Macau, comunicando o arresto sobre todos os depósitos bancários e o conteúdo de quaisquer cofres e, bem assim, carteiras de acções e/ou unidades de participação em fundos de investimento ou fundos privados de pensões de que o Arguido seja titular ou co-titular.”
— Por sua vez, quanto ao alegado “erro notório na apreciação da prova” em virtude de entender a recorrente que “não é plausível que todo o dinheiro ilicitamente captado pelo Arguido, graças à burla e falsificação de documentos que praticou, tenha sido perdido na Bolsa e, por outro lado, é bastante plausível que o Arguido tenha organizado meios de movimentar os fundos, bens e valores…”, cabe dizer que o imputado “vício” implica uma “apreciação objectiva” da prova, não relevando opiniões pessoais e/ou subjectivas.
E, assim, nenhum elemento existindo nos presentes autos quanto a tal matéria, não se vislumbra igualmente o alegado vício.
— Finalmente, quanto às “diligências de produção de prova” e “arresto”.
Eis o que se nos oferece dizer.
Não esclarece a recorrente se tais diligências tinham já sido requeridas e se sobre as mesmas houve pronúncia.
Assim, evidente nos parece que no presente recurso é tal questão uma “questão nova”, sobre a qual não pode este Tribunal emitir pronúncia.
De facto, e tanto quanto resulta dos autos, o objecto do presente recurso é a decisão que negou o pedido de imposição de uma caução económica ao arguido, e não uma decisão que indeferiu um pedido de realização das referidas diligências.
No que tange ao “arresto preventivo”, há que ter em conta o preceituado no art. 212°, n° 1 do C.P.P.M., onde se estatui que “Se o arguido ou o civilmente responsável não prestarem a caução económica que lhes tiver sido imposta, pode o juiz, a requerimento do Ministério Público ou do lesado, decretar arresto, nos termos da lei processual civil.”
Nesta conformidade, sendo o dito arresto, uma medida de garantia patrimonial “sucedânea” à caução económica, à vista está a solução.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará a recorrente 6 UCs de taxa de justiça.
Macau, aos 14 de Outubro de 2010
José Maria Dias Azedo (Relator)
Chan Kuong Seng (Primeiro Juiz-Adjunto)
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira (Segundo Juiz-Adjunto)
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