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Processo nº 326/2010
(Autos de recurso contencioso)




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:




Relatório

1. A, com os sinais dos autos, vem recorrer do despacho de 04.02.2010, proferido pelo EXM° SECRETÁRIO PARA A SEGURANÇA, com o qual se indeferiu o recurso hierárquico que interpôs da decisão do Exm° Comandante do C.P.S.P. que lhe interditou a entrada em Macau por um período de 3 anos.

Alegou para concluir nos termos seguintes:
“1) Em 28 de Outubro de 2009, o director do CPSP considerou o recorrente como indivíduo referido pelo artigo 4.º n.º 2 alínea 2) da Lei n.º 4/2003, de 17 de Março e conjugação com o artigo 12.ºn.ºs 2, 3 e 4 da Lei n.º6/2004, de 2 de Agosto, ordenou, no exercício do poder subdelegado pelo Secretário para a Segurança, interditar a entrada do recorrente na RAEM por três anos (vide documento 1)
2) O despacho recorrido foi proferido em consonância com as informações exaradas em 3 de Setembro de 2009 e em 20 de Janeiro de 2010, com o esclarecimento em relação ao 4.º parágrafo, de que se trata da competência das autoridades do Continente para a emissão do salvo-conduto singular para a fixação da residência em Macau, pelo que, nos termos do artigo 161.º n.º 1 do CPAM. (vide anexo 2)
3) Todavia, para além do devido respeito, o acto recorrente incorreu em erro na qualificação de factos descritos no aludido artigo 4.º n.º 4, isto é porque:
4) O recorrente discordou sempre da decisão do CPSP a respeito da interdição do mesmo na entrada da RAEM por três anos e resolveu impugnar, no entanto não impugnou o despacho que indeferiu o pedido de fixação da residência do Secretário para a Segurança.
5) Uma vez que lhe surgiu enormes dúvidas sobre a afirmação do Secretário para a Segurança no seu despacho, segundo a qual Concordo com o despacho e a informação do Cmdt, do CPSP, de 03-09-2009 e 20-01-2010, respectivamente, com o esclarecimento, em relação ao parágrafo 4.º da informação, de que nesta fase o recorrente é ainda candidato à emissão de salvo-conduto singular, por parte das autoridades do Continentes, para fixação de residência na RAEM.
6) Na realidade, o recorrente foi, pela prática do crime de sequestro, condenado na pena de 6 meses de prisão pelo tribunal de competência genérica. O recorrente já assumiu responsabilidade e pagou o preço através do cumprimento da pena. Além disso, decorreu mais que 15 anos desde a prática dos actos ilícitos penais e conforme o nosso regime jurídico, nomeadamente as disposições legais da Lei n.º 27/96/M de 3 de Junho, tanto numa óptica legal quanto numa óptica judiciária, é de reconhecer que o agente reconstitui o seu direito, porque para nos, a reconstituição do direito é automática, não sendo anulável.
7) Além disso, nos termos do artigo 40.º do CPM, a pena visa proteger os bens jurídicos e reintegrar o agente na sociedade.
8) O recorrente é gerente geral duma fábrica de produtos de alumínio “XXX”, do distrito Shunde, da cidade Fo Shan, por cerca de 10 anos, auferindo rendimento estável. Em 23 de Fevereiro de 2005, o recorrente contraiu casamento com uma senhora de nome B.
9) Entretanto, o irmão mais velho do recorrente C, portador do BIRM n.º XXXXXXX(X) e a irmã mais velha D portadora do BIRM n.º XXXXXXX(X) ambos moram em Macau, pelo que o recorrente precisou de os visitar em Macau.
10) A autorização da entrada do recorrente em Macau na qualidade do visitante destina-se a possibilitar que este possa cumprir o seu dever conjugal e familiar, não se verifica, de modo algum, a perigosidade eventual para o ordenamento social e regional. Pelo que cremos que não é correcta a decisão do órgão administrativo recorrido de indeferir o seu pedido.
11) Mais, nos termos do artigo 38.º da Lei Básica de Macau, o casamento e a família dos residentes de Macau são protegidos nos termos legais.
12) Portanto, no despacho recorrido, não se efectuou, aquando da decisão, diligências suficientes de investigação, nem se considerou os factos verdadeiramente ocorridos, ou padeceu do que foi doutrinalmente designado como erro de facto.
13) O despacho recorrido com base do artigo 4.º n.º 2 alínea 2) da Lei n.º 4/2003 de 17 de Março, em conjugação com o artigo 12.º n.ºs 2, 3 e 4 da Lei n.º 6/2004 de 2 de Agosto, decidiu a interdição da sua entrada na RAEM por três anos.
14) No entanto, o despacho recorrido todavia revelou que o Secretário para a Segurança aplicará sempre a medida de interdição da entrada àquele em relação ao qual se verifica as provas referidas no artigo 4.º n.º 2 alínea 2) da Lei n.º 4/2003 de 17 de Março, em conjugação com o artigo 12.º n.ºs 2, 3 e 4 da Lei n.º 6/2004 de 2 de Agosto. Não pressupõe necessariamente o perigo efectivo constituído para a segurança pública ou a ordem social da RAEM.
15) Pelo que, na aplicação da referida lei pela autoridade, deve-se ter em conta o disposto do artigo 12.º n.º 3 da Lei n.º 6/2004, se aquela pessoa implica efectivamente perigo efectivo para a segurança pública ou a ordem social da RAEM, não significa que a aplicação deste artigo ocorrerá sempre com violação da lei de Macau.
16) Seja erro de facto ou erro de direito, que, na óptica tanto da doutrina como da jurisprudência, consubstancia no vício de violação de lei, e nos termo do artigo 124.º do CPAM pode reconduzir à anulabilidade do acto.
17) Não obstante, a lei permite que o Secretário para a Segurança possa aplicar a medida inibitória da entrada das pessoas referidas no artigo 4.º n.º 2 alínea 2) da Lei n.º 4/2003 de 17 de Março, conjugado com o artigo 12.º n.º 2 alíneas 3) e 4) da Lei n.º 6/2004 de 2 de Agosto, a concernente sanção não é da aplicação coactiva.
18) Trata-se da primeira vez em que o recorrente infringiu as leis de Macau, tendo decorrido 15 anos desde a execução da pena. Desde então, o recorrente tem vivido de forma cumpridora das regras sociais, trabalha de forma responsável e ama a sua família.
19) Pelo que, o Secretário para a Segurança deve, em cumprimento ao princípios fundamentais aplicáveis nos termos do direito administrativo, particularmente os princípios de adequação e proporcionalidade, escolher a sanção mais leve na sua determinação.
20) O acto administrativo recorrido violou manifestamente o princípio de proporcionalidade estabelecido no artigo 5.º do CPAM, e deve, ao abrigo dos artigos 124.º e 125.º do CPAM, ser anulado.
21) Ao abrigo do artigo 114.º n.º 1 do CPAM, o órgão administrativo tem o dever de fundamentação.
22) Nos termos do artigo 115.º n.º 1 do CPAM, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto. ...Porém, no despacho recorrido, não foram assinaladas os articulados concernentes ou regras jurídicas como fundamento desta decisão.
23) Ao abrigo do artigo 115.º n.ºs 1 e 2 do CPAM, equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
24) Não há qualquer fundamentação de direito quando se não invoca, no acto administrativo, norma legal ou princípio de direito como justificativos do sentido decisório, apresentando, deste modo, insuficiente a fundamentação do acto que equivale à falta de fundamentação e determina consequentemente a sua anulação. É reconhecida à obrigatoriedade da fundamentação uma dimensão formal autónoma que se apresenta como uma condição de validade dos actos administrativos, em termos de que a sua falta pode ter por consequência a anulação deles, mesmo que não contenham, ou independentemente de conterem ou não, vícios substanciais. (vide acórdão do T.U.I n.º 14/2002, de 6 de Dezembro de 2002).”; (cfr., fls. 2 a 16 e 45 a 64)

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Respondendo afirma a entidade recorrida:
“1.° O recorrente vem impugnar a decisão do Secretário para a Segurança de 04/02/2010, que lhe aplicou a medida de interdição de entrada pelo período de 3 anos com fundamento no perigo para a segurança e ordem públicas que nele se potencia por virtude da sua condenação, em Macau, pela prática dos crimes de usura e cárcere privado.
2.° Alegando fundamentalmente que a mesma decisão enferma dos vícios de violação de lei (por erro nos pressupostos de facto, por ignorar a sua reabilitação e reintegração social, e pela inexistência de perigo para a segurança e ordem públicas) e de falta de fundamentação, e que viola, ainda., o princípio da proporcionalidade.
3.° O despacho do Secretário para a Segurança apropria-se dos fundamentos de facto e de direito do despacho e da informação do Cmdt. do CPSP de 03/09/2009 e 20/01/2010, respectivamente, mas esclarecendo, quanto ao parágrafo 4.° desta, que o recorrente é apenas canditado à emissão de salvo-conduto singular por parte das autoridades do Continente1 (e não ainda requerente de autorização de residência na RAEM), o que não configura qualquer erro, pelo contrário, consistindo na rectificação de um elemento, aliás secundário, daquela informação.
4.° Os crimes de usura e cárcere privado, pese embora cometidos há cerca de 15 anos, punidos com pena de prisão efectiva, por si só potenciam no seu agente uma perturbação manifesta e não menosprezável da segurança e ordem públicas e fazem com que a sociedade tema pela prática futura de crimes da mesma ou idêntica natureza.
5.° Tratando-se, como se trata, de um não residente, é adequada e necessária a aplicação da medida de interdição de entrada, como a única forma de remover esse perigo, essa ameaça
6.° Medida essa que a lei (disposições conjugadas dos art.°s 4.° da Lei n.° 4/2003 e 11.° e 12.° da Lei n.° 6/2004) exactamente prevê com o fim de acorrer aos casos, como o presente, em que a sociedade se vê lesada e ameaçada da forma grave e criminalmente punível.
7.° O processo administrativo de interdição de entrada não se rege pelos institutos do direito penal. Se bem que por vezes possa observar-se alguma coincidência nos princípios que presidem à aplicação das penas e medidas e sua dosimetria, o facto é que inexiste qualquer relação de dependência entre ambos.
8.° Um e outro divergindo claramente, aliás, quanto à natureza, e forma de cumprimento das penas e medidas administrativas, atentos, designadamente, os fins/objectivos por cada um deles prosseguidos.
9.° Concretizando, o facto de se mostrar cumprida a pena imposta ao recorrente, e o tempo já decorrido desde o cumprimento, não condiciona, preclude ou extingue a aplicação da medida administrativa da interdição de entrada, nem legalmente, nem doutrinalmente, por força das noções de reabilitação e ressocialização, não aplicáveis neste âmbito, pelo menos em toda a sua extensão e quanto aos seus efeitos vinculativos.
10.° O acto administrativo impugnado, em face das circunstâncias do caso aqui e no processo instrutor descritas, é adequado uma vez que se mostra apropriado para a prossecução do interesse público consubstanciado na defesa da segurança e ordem públicas.
11.° É igualmente necessário uma vez que se traduz no único meio (aliás legalmente consagrado para esse fim) de prosseguir a defesa do interesse público da forma menos inconveniente para o interesse individual privado.
12.° E é também proporcional em sentido estrito porque totalmente contido nos limites, que são amplos, da "justa medida" para o alcançar dos fins pretendidos.
13.° O despacho de 04/02/2010 do Secretário para a Segurança é de concordância com o despacho e a informação do Cmdt. do CPSP de 03/09/2009 e 20/01/2010, respectivamente.2
14.° Naqueles, são apresentados, de forma suficiente, clara e congruente, os fundamentos de facto e de direito da decisão originária, agora apropriados pelo referido despacho que, confirmando-a nos termos do art.° 161.° do CPA, consubstancia o acto de que se recorre contenciosamente.
15.° O que conjugadamente com o disposto no art.° 115.° do CPA, "mutatis mutandis", faz com que o acto administrativo recorrido, também em sede de fundamentação, se não ofereça a qualquer reparo.
16.° Concluíndo-se, pelo exposto, não ser assacável ao acto administrativo impugnado qualquer dos vícios alegados pelo recorrente, devendo por isso haver-se por inteiramente válido e eficaz.”; (cfr., fls. 33 a 36).

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Em douto Parecer, considera o Exm° Representante do Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 66 a 68).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Consideram-se assente os factos seguintes (com interesse para a decisão):
– A, ora recorrente, natural de SON TAC, R.P.C., foi titular do “Título de Permanência Temporária” n° XXXXXX, emitido pelo C.P.S.P. em 30.08.1990, e sucessivamente renovado nos anos de 1991, 1992, 1993 e 1994;
– por factos ocorridos em Março de 1995, e por Acórdão do então Tribunal de Competência Genérica de 02.10.1995 proferido no Processo Querela n° 485/95, foi condenado como co-autor de um crime de “cárcere privado” p. e p. pelo art. 330° do C.P. 1886, na pena de 6 meses de prisão;
– por sentença de 26.10.1996 proferida no Proc. Sumário n° 648/96, foi também condenado por 1 crime de “violação à proibição de reentrada” p. e p. pelo art. 14°, n° 1 da Lei n° 2/90/M de 03.05 na pena de MOP$3,000.00 ou, em alternativa, 2 meses de prisão;
– por despacho do Comandante do C.P.S.P. de 28.10.2009 foi o recorrente interdito de entrar em Macau por um período de 3 anos;
– inconformado com o assim decidido, do mesmo interpôs o recorrente recurso hierárquico para o Exm° Secretário para a Segurança;
– no âmbito deste recurso, elaborou-se a seguinte informação:
“ASSUNTO: Recurso Hierárquico
RECORENTE: A
TERMOS LEGISLATIVOS: Art° 159° do CPA
1. O recorrente, cidadão da RPC, vem impugnar o despacho através do qual lhe foi aplicada a medida de interdição de entrada na RAEM por 3 anos, juntando em síntese para o efeito, os seguintes fundamentos:
2. Que as dívidas para com a justiça já foram liquidadas, quer dizer já decorreram cerca de catorze anos da pena de seis meses de prisão efectiva em que incorreu, e portanto deve ser aceite a sua reinserção na sociedade.
3. requerendo assim, a revogação do mesmo.
4. O recorrente interpôs um pedido de fixação de residência uma vez que contraiu matrimónio com uma residente da RAEM,
5. donde se verificaram os referidos antecedentes criminais do recorrente, ligados a prática de crimes de usura e cárcere privado e, por não estar assim afastado de todo, os riscos que a presença do recorrente pode trazer para a ordem e segurança públicas da RAEM, decidiu-se aplicar uma medida de interdição de entrada por 3 anos, nos termos das disposições conjugadas dos art°s 12° da Lei n° 6/2004 e 4° da Lei n° 4/2003.
6. Assim, além dos fundamentos expostos, considera-se que o acto recorrido não sofre de qualquer vício que possa levar à sua anulabilidade, pelo que se propõe que não deva ser concedido provimento ao presente recurso.
7. À consideração de V.Exa..
CPSP, aos 20 de Janeiro de 2010.
(...)”;
– seguidamente proferiu o Exm° Secretário para a Segurança o despacho seguinte:
“Assunto: Recurso hierárquico necessário
Recorrente: A
Concordo com o despacho e a informação do Cmdt. do CPSP, de 03/09/2009 e 20/01/2010, respectivamente, com o esclarecimento, em relação ao parágrafo 4.° da informação, de que nesta fase o recorrente é ainda somente candidato à emissão de salvo-conduto singular, por parte das autoridades do Continente, para fixação de residência na RAEM.
Pelo que ao abrigo do art° 161.°, n.° 1, do CPA confirmo o acto recorrido, negando provimento ao presente recurso.
Gabinete do Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 04 de Fevereiro de 2010.”;
(...);(sendo este o acto ora recorrido).

Do direito

3. Vem A recorrer do despacho do Exm° Secretário para a Segurança que indeferiu o seu recurso hierárquico da decisão do Exm° Comandante do C.P.S.P. que o interditou de entrar em Macau por um período de 3 anos.

Imputa à decisão objecto do seu recurso os vícios de “falta de fundamentação”, “erro nos pressupostos de facto e de direito” e “violação do princípio da proporcionalidade”.

Cremos que não lhe assiste razão, sendo antes de se julgar improcedente o presente recurso.

Passa-se a expor este nosso ponto de vista.

— Quanto à “falta de fundamentação”.

Cremos que só por equívoco se terá entendido padecer o acto em causa do apontado vício.

Com efeito, sobre a questão da fundamentação de um acto administrativo tem esta Instância entendido que:
– “A fundamentação, ao servir para enunciar as razões de facto e de direito que levaram o autor do acto a praticá-lo com certo conteúdo, encobre duas exigências de natureza diferente: a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respectiva consequência e uma outra exigência, nas decisões discricionárias, de motivar a decisão, ou seja, explicar a escolha da medida adoptada, de forma a compreender-se quais foram os interesses e os factores considerados na opção tomada.” (cfr., v.g., o Ac. de 21.09.2006, Proc. n° 201/2004);
– “A fundamentação de um acto administrativo é uma exigência flexível e necessariamente adaptável às circunstâncias do acto em causa, nomeadamente, ao tipo e natureza do acto.
Todavia, em qualquer das circunstâncias, tem de ser facilmente intelegível por um destinatário dotado de um mediana capacidade de apreensão e normalmente atento” (cfr., v.g., o Ac. de 08.02.2007, Proc. n° 296/2006); e que,
– “É admissível exprimir uma fundamentação por referência, feita com remissão, mesmo parcial até essencialmente, expressa e inequívoca, de concordância acolhe as razões informadas que passam a constituir parte integrante do acto, nos termos do artigo 115º nº 1 do CPA.
Para a insuficiência da fundamentação equivaler à falta (absoluta) de fundamentação), é preciso ser manifesta a insuficiência, no sentido de ser tal que fiquem por determinar os factos ou as considerações que levaram o órgão a agir ou a tomar aquela decisão, ou então, que resulte evidente que o agente não realizou um exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais, por não ter tomado em conta interesses necessariamente implicados.” (cfr., v.g., o Ac. de 02.12.2004, Proc. n° 70/2004).

Ora, no caso, tendo em conta o teor do acto recorrido, dúvidas não parece haver que o mesmo, absorveu a fundamentação exposta na informação elaborada e datada de 20.01.2010, onde, com clareza se colhem os seus motivos de facto e de direito, pois que, como se salienta no Parecer do Exm° Representante do Ministério Público, “a decisão de interdição de entrada do recorrente na RAEM se ficou a dever ao potencial perigo para a segurança e ordem públicas da Região advenientes da condenação do interessado em Macau pela prática de crimes, sendo a medida tomada ao abrigo das disposições conjugadas dos art°s 12° da Lei 6/2004 e 4° da Lei 4/2003, ficando um cidadão médio através do extemado, em perfeitas condições de se aperceber das razões de facto e de direito que determinaram a decisão de interdição de entrada, percebendo-se nitidamente o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente e apresentando-se a medida como o corolário lógico dos pressupostos adiantados e, daí, sem necessidade de maiores considerações ou explanações, poder concluir-se encontrar-se o acto devidamente fundamentado”.

Com efeito, lendo-se o teor do despacho em questão assim como a mencionada informação, evidente é que, expostos estão os motivos de facto e de direito da solução adoptada.

Pode-se, obviamente, discordar das razões aí expostas.

Porém, tal não equivale a falta de fundamentação.

Dito isto, à vista está a solução quanto à questão, sendo pois de se considerar o recurso improcedente na parte em apreciação.

— Quanto ao “erro nos pressupostos de facto e de direito”.

O dito erro nos pressupostos de facto “consiste na (ou resulta da) representação errónea de elementos materiais relevantes para a decisão, ou seja, o que resulta da consideração pela Administração de factos materialmente inexistentes ou erroneamente apreciados” e “a sua procedência exige a demonstração de desconformidade entre a realidade e a ideia que sobre ela a Administração formou para decidir o que decidiu”; (cfr., v.g., o Ac. do S.T.A. de 18.01.2001, Proc. n° 45271).

Porém, e como se vê, nem a Administração baseou, por erro, ou lapso, a sua decisão em factos inverídicos, nem a recorrente demonstrou que a factualidade tida em conta na mesma decisão não corresponde à realidade.

De facto, constata-se que verdadeira é a factualidade em que assenta a decisão de interdição, e, assim, não se vê como considerar-se verificado o erro assacado.

No que toca ao “erro nos pressupostos de direito”, da mesma forma, não tem o recorrente razão.

De facto, prescreve o art. 4° da Lei n° 4/2003 que:
“1. É recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
1) Terem sido expulsos, nos termos legais;
2) A sua entrada, permanência ou trânsito estar proibida por virtude de instrumento de direito internacional aplicável na RAEM;
3) Estarem interditos de entrar na RAEM, nos termos legais.
2. Pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
1) Tentarem iludir as disposições sobre a permanência e a residência, mediante entradas e saídas da RAEM próximas entre si e não adequadamente justificadas;
2) Terem sido condenados em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior;
3) Existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes;
4) Não se encontrar garantido o seu regresso à proveniência, existirem fundadas dúvidas sobre a autenticidade do seu documento de viagem ou não possuírem os meios de subsistência adequados ao período de permanência pretendido ou o título de transporte necessário ao seu regresso.
3. A competência para a recusa de entrada é do Chefe do Executivo, sendo delegável.”

Assim, sendo que na decisão de interdição ora em causa se invoca o que prescrito está no transcrito art. 4°, e atento o estatuído no seu n° 2, alínea 2°, também na parte em questão não merece o recurso provimento.

— Por fim, quanto ao “princípio da proporcionalidade”.

Temos entendido que o dito princípio implica que “os meios utilizados devem situar-se numa «justa medida» em relação aos fins obtidos, impedindo-se assim a adopção de medidas desproporcionais, excessivas ou desequilibradas. Pretende-se pois saber se o custo ou o sacrifício provocado pela decisão é proporcional ao benefício com ela conseguido.”; (cfr., v.g., o Ac. de 11.03.2010, Proc. n° 756/2009).

Da mesma forma, adquirido é que “A intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem”; (cfr., vg., os Acs. do Vdo T.U.I. de 15.10.2003, Proc. n° 26/2003, de 29.06.2005, Proc. n° 15/2005 e de 06.07.2005, Proc. n° 14/2005).

No caso, a decisão de interdição do ora recorrente de entrar em Macau por 3 anos insere-se no exercício do poder discricionário da Administração.

E, como evidente nos parece ser, não encerra a mesma um “erro grosseiro” ou “manifesta injustiça”.

Dest’arte, e outras questões não havendo a apreciar, improcede o recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixaram expostos, em conferência, nega-se provimento ao recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.

Macau, aos 07 de Outubro de 2010

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José Maria Dias Azedo Vitor Manuel CarvalhoCoelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)
_________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 Documento exigido para a instrução do ulterior pedido de autorização de residência na RAEM (art.° 10.°, n.° 3, da Lei n.° 4/2003)
2 Ressalvado o esclarecimento a que se alude no art.° 3.° desta contestação.
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