Processo nº 893/2010
(Autos de recurso em matéria civil e laboral)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. O Digno Magistrado do Ministério Público, em representação de A, com os restantes sinais dos autos, propôs acção de processo comum do trabalho contra a “SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, S.A.R.L.” (S.T.D.M.), pedindo a condenação da R. no pagamento de MOP$84,802.95 e juros; (cfr. fls. 2 a 11-v).
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Oportunamente, por sentença, foi a R. condenada a pagar ao A. o montante de MOP$71,674.94 e juros desde o trânsito da mesma sentença; (cfr., fls. 213).
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Inconformada, a R. recorreu.
Alegou para concluir que:
“I. A Sentença de que ora se recorre é nula por erro na subsunção da matéria de facto dada como provada relativamente ao impedimento, por parte da Ré, do gozo de dias de descanso, por parte do Autor, e bem assim, relativamente ao tipo de salário auferido pelo Autor, ao condenar a Ré ao pagamento de uma indemnização pelo não gozo de dia de descanso anual como se a Ré tivesse impedido o Autor de gozar aqueles dias, e com base no regime do salário mensal;
II. Com base nos factos constitutivos do direito alegado pelo A., ora Recorrido, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que a esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito.
III. E, de acordo com os arts. 20°, 17°, 4, b) e 24° do RJRT, apenas haverá comportamento ilícito por parte do empregador - e consequentemente direito a indemnização - quando, o trabalhador seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e o empregador não o remunere nos termos da lei.
IV. Ora, nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente no sentido que haja obstado ao gozo de descansos pelo A., não podendo, por isso, reconhecer-se o seu direito à indemnização que peticiona.
V. Porque assim é, - e para além do aspecto da falta de prova referido supra - carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização do A., ora Recorrido, i.e., a ilicitude do comportamento da R., ora Recorrente.
VI. O A., ora Recorrido, não estava dispensada do ónus da prova quanto ao não gozo de dias de descanso e devia, em audiência, por meio de testemunhas ou por meio de prova documental, ter provado que dias alegadamente não gozou.
VII. Assim, sendo, o Tribunal a quo errou na aplicação do direito, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pelo A., ora Recorrida.
VIII. Nos termos do n°1 do art. 335° do Código Civil (adiante CC) "Àquele que invoca um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.".
IX. Por isso, e ainda em conexão com os quesitos 10° a 13° da base instrutória, cabia ao A., ora Recorrido, provar que a Recorrente obstou ou negou o gozo de dias de descanso.
X. Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pelo A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse titulo.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XI. O n° 1 do art. 5° do RJRT dispõe que o diploma não será aplicável perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo o art. 6° deste diploma legal que os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
XII. O facto do A. ter beneficiado de um generoso esquema de distribuição de gorjetas que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir mensalmente rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, justifica, de per se, a possibilidade de derrogação do dispositivo que impõe ao empregador o dever de pagar um salário justo, pois caso o Recorrido auferisse apenas um salário justo - da total responsabilidade da Recorrente e pago na integra por esta - certamente que esse salário seria inferior ao rendimento total que o Recorrida, a final, auferia durante os vários anos em que foi empregado da Recorrente.
XIII. Não concluindo - e nem sequer se debruçando sobre esta questão - pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes - consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que o A. auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da sentença ora em crise.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
XIV. A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
XV. Os artigos 24° e seguintes da Lei Básica consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os artigos 64° e seguintes do Código Civil consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso anual e feriados obrigatórios).
XVI. Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
XVII. Donde, deveria o Tribunal ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo. e ainda concluindo:
XVIII. Ao trabalhar voluntariamente - e, realce-se, não ficou em nenhuma sede provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), o Recorrido optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
XIX. E, não tendo o Recorrido sida impedida de gozar quaisquer dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer feriados obrigatórios, é forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da STDM à Recorrida.
Ainda sem conceder, e ainda concluindo:
XX. Por outro lado, jamais pode a ora Recorrente concordar com o regime aplicado pela Mma. Juiz a quo aquando do cálculo do quantum indemnizatório, uma vez que, apesar de se preocupar com a aferição do quantum diário do salário do A., ora Recorrido, acaba por aplicar o regime previsto para o salário mensal, sendo que toda a factualidade alegada pela Ré e confirmada pelas suas testemunhas em sede de Julgamento, indica no sentido inverso, ou seja, do salário diário.
XXI. Com efeito, a proposta contratual oferecida pela ora Recorrente aos trabalhadores dos casinos, como a aqui Recorrida, é a mesma há cerca de 40 anos: auferiam um salário diário fixo de MOP$10.00/dia, ou seja, um salário de acordo com o período de trabalho efectivamente prestado.
XXII. Acresce que o "esquema" do salário diário nunca foi contestado pelos trabalhadores na pendência da relação contratual e, ademais, nunca os trabalhadores impugnaram expressamente a alegação desse facto nas instâncias judiciais nos processos pendentes.
XXIII. Trata-se de uma disposição contratual válida e eficaz de acordo com o RJRT, que prevê, expressamente, a possibilidade das partes acordarem no regime salarial mensal ou diário, no âmbito da liberdade contratual prevista no art. l° do RJRT.
XXIV. Ora, na ausência de um critério legal ou requisitos definidos para aferir a existência de remuneração em função do trabalho efectivamente prestado, ao estabelecer que o A., ora Recorrido, era remunerado com um salário diário, a sentença recorrida desconsidera toda a factualidade trazida aos autos e, de igual forma, as condições contratuais acordadas entre as partes. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, a Recorrente entende que, nessa parte, a decisão em crise não está devidamente fundamentada e é arbitrária, ao tentar estabelecer como imperativo (i.e., o regime de salário mensal em contratos de trabalho típicos) o que a lei define como dispositivo (i.e., as partes poderem livremente optar pelo regime de salário mensal ou diário em contratos de trabalho típicos).
XXV. O trabalho prestado pelo Recorrido em dias de descanso foi sempre remunerado em singelo.
XXVI. A remuneração já paga pela ora Recorrente ao ora Recorrido por esses dias deve ser subtraída nas compensações devidas pelos dias de descanso a que o A. tinha direito, nos termos do DL n.° 32/90/M.
XXVII. Maxime, o trabalho prestado em dia de descanso semanal, para os trabalhadores que auferem salário diário, deve ser remunerado como um dia normal de trabalho (cfr. al. a) e b) do n.° 6 do art.° 17° do RJRT, tendo o Tribunal a quo descurado em absoluto essa questão.
XXVIII. Ora, nos termos do art. 26°, n.° 4 do RJRT, salário diário inclui a remuneração devida pelo gozo de dias de descanso e, nos termos do art. 17°, n. ° 6, al. b), os trabalhadores que auferem salário diário verão o trabalho prestado em dia de descanso semanal remunerado nos termos do que for acordado com o empregador.
XXIX. No presente caso, não havendo acordo expresso, deverá considerar-se que a remuneração acordada é a correspondente a um dia de trabalho.
XXX. A decisão recorrida enferma assim de ilegalidade, por errada aplicação da al. b) do n° 6 do art. 17° e do artigo 26° do RJRT, o que importa a revogação da parte da sentença que condenou a Recorrente ao pagamento relativo às compensações pelo não gozo dos dias de descanso, o que, expressamente, se requer.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo,
XXXI. Não poderia a Recorrente ter sido condenada ao pagamento do dobro do salário para compensar o alegado não gozo de dias de descanso semanal.
XXXII. Veja-se os recentes Acórdãos do Tribunal de Última Instância da RAEM de 21 de Setembro de 2007, de 22 de Novembro de 2007 e de 27 de Fevereiro de 2008 proferidos, respectivamente, nos Processos n.° 28/2007, n.° 29/2007 e n.° 58/2007, nos quais foi consagrado o entendimento de que a compensação pelo não gozo de dias de descanso semanal deve ser paga em singelo, e não em dobro, uma vez que o Autor já foi pago em singelo (...).
XXXIII. Parece claro que, mesmo que a Recorrente tivesse de pagar a compensação do alegado não gozo de dias de descanso semanal, o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago x2, e uma parte já foi paga, então a R. apenas está em falta com o salário diário x 1.
Ainda concluindo:
XXXIV. As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário.
XXXV. Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, onde se destacam os Acórdãos do Tribunal de Última Instância proferidos no âmbito dos Processos n.° 28/2007, 29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente.
XXXVI. Também neste sentido se tem pronunciado a doutrina de uma forma pacificamente unânime.
XXXVII. O ponto essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo do empregador.
XXXVIII. Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade.
XXXIX. A propósito da incidência do Imposto Profissional: "O Imposto Profissional incide sobre os rendimentos do trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não, fixos ou variáveis, seja qual for a sua proveniência ou local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento ". É a própria norma que distingue, expressamente, gorjetas de salário.
XL. Qualifica Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores da STDM como "rendimentos do trabalho", esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
XLI. Na verdade, a reunião e contabilização são realizadas nas instalações dos casinos da STDM, mas com a colaboração e intervenção de croupiers, funcionários da tesouraria e de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a contabilização das gorjetas.
XLII. Salvo o devido respeito pela Mma. Juiz a quo, a posição de sustentar a integração das gorjetas no conceito jurídico de salário, com base no conceito abstracto e subjectivo de "salário justo", não tem qualquer fundamento legal, nem pode ter aplicação no caso concreto.
XLIII. Em primeiro lugar, porque o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gorjetas são montantes, (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos croupiers, juntamente com funcionários da tesouraria e do governo de Macau.
XLIV. E, fortalece a nossa tese, a posição do governo de Macau que nunca considerou necessário a definição de um montante mínimo salarial que pudesse servir de bitola para a apreciação - menos discricionária - do que é um salário justo.
XLV. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gorjetas.”; (cfr., fls. 217 a 239).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Ao abrigo do preceituado no art. 631°, n° 6 do C.P.C.M., remete-se a descrição da matéria de facto provada para a decisão recorrida; (cfr., fls. 205-v a 206-v).
Do direito
3. Como as partes envolvidas no litígio corporizado nos presentes autos, em especial, os seus legais representantes, o devem saber, as questões ora colocadas e trazidas à apreciação deste T.S.I. foram já por inúmeras vezes decididas, nomeadamente, no que toca à “questão-chave” que é a de saber se as “gorjetas” distribuídas aos trabalhadores da ora recorrente constituíam “salário” daqueles.
Sobre a mesma, e de forma unanime, respondeu este T.S.I. no sentido afirmativo, considerando pois que aquelas – gorjetas – integravam o salário dos trabalhadores da ora recorrente.
De entre a fundamentação avançada para tal entendimento, consignava-se, nomeadamente, que “resultando provado que o trabalhador recebia como contrapartida da sua actividade laboral duas quantias, uma fixa e outra variável, em função do montante das gorjetas recebidas dos clientes, era pois de considerar que tais quantias (variáveis) integravam o seu salário”; (cfr., v.g., Acs. de 12.12.2002, Proc. n° 123/2002 e de 30.04.2003, Proc. n° 255/2002).
Outro é porém o entendimento pela ora recorrente assumido, pugnando no sentido de que as gorjetas eram uma mera “liberalidade”, e, como tal, que não integravam o salário dos seus trabalhadores.
Tal entendimento, no sentido de que “as gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário”, veio a ser o assumido pelo Vdo T.U.I. nos seus doutos Acordãos de 21.09.2007, Proc. n° 28/2007, de 22.11.2007, Proc. n° 29/2007 e de 27.02.2008, Proc. n° 58/2007.
Reponderando a questão, e da reflexão que nos foi possível efectuar, mostra-se-nos porém de manter o entendimento que vinhamos assumindo, isto, sem prejuízo do muito respeito pelo doutamente considerado pelo Vdo T.U.I. nos referidos arestos.
É que, e independentemente do demais – e muito se tem escrito sobre a questão – não se nos mostra razoável considerar que alguém se dispusesse a desempenhar um trabalho como o aqui em causa, (em especial, por turnos,) para apenas auferir umas poucas centenas de patacas de salário ao fim de um mês de trabalho.
De facto, a se considerar as gorjetas como uma “liberalidade” que à entidade patronal cabia decidir atribuir (ou não) de acordo com o seu livre arbítrio, ter-se ia que concluir que o salário era então o que assim se deixou assinalado.
E tal, mostra-se-nos contrário ao próprio conceito de “salário justo”, assim como ao estatuído nos art°s 25°, n° 2 e 27°, n° 1 do D.L. n° 24/89/M.
Com efeito, e como – em nossa opinião, adequadamente – se consignou no recente Ac. deste T.S.I. de 26.03.2009, Proc. n° 704/2007, “As gorjetas dos trabalhadores dos Casinos, na sua última ratio devem ainda ser vistas como "rendimentos do trabalho", sendo devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não originariamente como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, sendo que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que na sua base é um salário insuficiente para prover às necessidades básicas resultantes do próprio trabalho”, salientando-se também que “salário justo não é um simples preço dependente do livre consenso das partes, sendo necessário que o salário seja suficiente não só para o sustento, como para o necessário decoro do trabalhador e da sua família, não se reconduzindo ao preço de uma qualquer mercadoria, mas uma retribuição devida por justiça ao trabalhador como cooperador da empresa, dependendo também da situação desta, embora o trabalhador não deva sofrer pela inaptidão dos seus dirigentes, subordinando-se ao bem comum.”
Nesta conformidade, ter-se-ão as “gorjetas” como parte integrante do salário.
Continuemos.
Entende a R. recorrente que incorreu o Mmº Juiz “a quo” em “erro de direito”.
Como se disse, em largas dezenas de acórdãos por esta Instância proferidos em idênticos recursos, foram já tais questões apreciadas; (cfr., v.g., para se citar alguns, o Ac. de 26.01.2006, Proc. nº 255/2005; de 23.02.2006, Proc. nº 296 e 297/2005; de 02.03.2006, Proc. nº 234/2005; de 09.03.2006, Proc. nº 257/2005; de 16.03.2006, Proc. nº 328/2005 e Proc. nº 18, 19, 26 e 27/2006; e, mais recentemente, de 14.12.2006, Proc. nº 361, 382, 514, 515, 575, 576, 578 e 591/2006 e de 01.02.2007, Proc. nº 597/2006).
Acompanhando-se o entendimento assumido – e dando-se também aqui o mesmo como reproduzido – passa-se a decidir.
Considera a R. ora recorrente que “A Sentença de que ora se recorre é nula por erro na subsunção da matéria de facto dada como provada relativamente ao impedimento, por parte da Ré, do gozo de dias de descanso, por parte do Autor, e bem assim, relativamente ao tipo de salário auferido pelo Autor, ao condenar a Ré ao pagamento de uma indemnização pelo não gozo de dia de descanso anual como se a Ré tivesse impedido o Autor de gozar aqueles dias, e com base no regime do salário mensal”; (cfr., concl. I).
Ponderando no assim alegado, somos de opinião que não se verifica o imputado erro na aplicação do direito.
De facto, provado não está que o A. gozou dias de descanso, e, como se consignou no Ac. deste T.S.I. de 08.06.2006, Proc. nº 169/2006, “mesmo que o trabalhador se dispossibilize a não gozar os dias de descanso semanal e/ou anual e/ou feriados obrigatórios a fim de trabalhar voluntáriamente para o seu empregador, a lei laboral sempre o protegerá da situação de prestação de trabalho nesses dias, desde que o trabalhador o reclame”.
Este tem sido o entendimento uniforme deste T.S.I., pelo que ociosas são outras considerações sobre a questão.
Assim, e prosseguindo para o conhecimento das restantes questões colocadas no presente recurso, importa consignar que, tal como tem esta Instância entendido (de forma unânime) – cfr., v.g., os arestos atrás citados – nenhuma censura merece a decisão recorrida na parte que qualificou a relação entre A. e R. havida como um “contrato de trabalho”, pois que atento o preceituado no artº 1152º do C.C. de 1966, hoje, artº 1079º, do C.C.M, e à factualidade dada como provada, presentes estão todos os elementos caracterizadores da referida relação como “contrato de trabalho”.
Por sua vez, não se acolhem também os argumentos pela mesma R. invocados no sentido de que derrogadas pelo regime convencional (do próprio contrato) estavam as normas do R.J.R.L. (D.L. nº 24/89/M) pelo Tribunal “a quo” invocadas como fundamento do seu “dever de indemnização” ao A. pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados obrigatórios, idêntica posição se nos afigurando de se ter em relação aos restantes argumentos (subsidiários) no sentido de que o A. tinha renunciado à remuneração devida por tal trabalho.
A alegada “derrogação” assenta apenas num também alegado “tratamento mais favorável” que não se vislumbra na matéria de facto dada como provada, o que não deixa de se verificar igualmente em relação à referida “renúncia”, pois que o facto de ter o A. trabalhado nos mencionados dias de descanso e feriados não equivale a uma renúncia da sua parte em relação às respectivas compensações.
No que toca à questão do “salário diário ou mensal”, considerando como nasceu e se desenvolveu a relação jurídico laboral, em especial, atento a que o trabalho era desempenhado por turnos, impõe-se considerar que o salário era mensal e não salário desempenhado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado.
Daí, provado estando que não gozou o A. os referidos “descansos”, e motivos não havendo para se dar por inexistente o “dever de indemnização” da recorrente S.T.D.M., apreciemos se correctos estão os montantes a que chegou o Tribunal “a quo”.
Ao montante total de MOP$71,674.94 chegou-se através da soma das parcelas indemnizatórias de MOP$63,710.94 e MOP$7,964.00, arbitradas respectivamente a título de indemnização pelo trabalho pelo A. prestado em período de descanso semanal e feriados obrigatórios.
Atentos os montantes parcelares em causa, calculados com base no “salário médio diário” auferido pelo A., e atento ao que atrás já se deixou escrito, cabe dizer que nenhum reparo merece a decisão do Tribunal “a quo” no sentido de considerar como parte integrante do salário, (para efeitos de cálculo do dito salário médio diário), as gorjetas que pelos clientes da recorrente eram oferecidas.
Nesta conformidade, (sendo de se manter os montantes tidos como “salário médio diário”), vejamos então se são de manter as quantias arbitradas a título de indemnização.
— No que toca à indemnização pelo trabalho prestado em período de “descanso semanal”, o montante de MOP$63,710.94 resultou do seguinte cálculo:
Ano
Dias de descanso vencidos e não gozados
(A)
Salário médio diário
(B)
(MOP$)
Montante da indemnização
(A x B x 2)
(MOP$)
1991
10
253.85
5,077.00
1992
52
275.71
28,673.84
1993
45
332.89
29,960.10
1994
0
330.40
0.00
Total
63,710.94
Face à matéria de facto provada e ao estatuído nos art°s 17°, n° 6 e 26°do D.L. nº 24/89/M, nenhuma censura merecem os montante fixados pelo trabalho desempenhado (no âmbito deste diploma legal), pois que correctos se nos mostram os dias contabilizados, assim como o factor de multiplicação (× 2), que corresponde ao entendimento assumido por este T.S.I., havendo assim que confirmar o montante de MOP$ 63,710.94.
— Vejamos agora da indemnização pelo trabalho prestado em dias de “feriado obrigatório”.
O montante de MOP$7,964.00 resultou do cálculo seguinte:
Ano
Dias de descanso vencidos e não gozados
(A)
Salário médio diário
(B)
(MOP$)
Montante da indemnização
(A x B x 2)
(MOP$)
1991
0
253.85
0.00
1992
6
275.71
3,308.52
1993
6
332.89
3,994.68
1994
1
330.40
660.80
Total
7,964.00
Tem este T.S.I. entendido que o trabalho prestado em dia de feriado obrigatório no âmbito do D.L. nº 24/89/M deve ser compensado com o “triplo da retribuição normal”.
Porém, como pelo A. não foi interposto recurso, mantém-se o montante fixado pelo Mmº Juiz “a quo”, e, assim, resolvidas que ficam todas as questões colocadas, resta decidir pela improcedência do recurso.
Decisão
4. Nos termos expostos, e em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Macau, aos 25 de Novembro de 2010
_________________________
José Maria Dias Azedo
(Relator)
_________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
(na esteira de um conjunto de acórdãos por mim lavrados desde 26/1/2006 em recursos civis congéneres a partir do Processo n.º 255/2005).
_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)
Proc. 893/2010 Pág. 24
Proc. 893/2010 Pág. 1