Processo nº 143/2010
(Autos de recurso contencioso)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. “A”, sociedade comercial matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, sob o n.° XXX, veio interpor o presente recurso contencioso de anulação do despacho do EXM° SECRETÁRIO PARA A ECONOMIA E FINANÇAS, datado de 23.12.2009 que, em sede de recurso hierárquico, manteve a decisão de indeferimento do pedido de renovação da contratação do trabalhador não residente B.
Alega para, a final, concluir que:
1. Foi concedida à Recorrente autorização para contratação de um trabalhador não residente.
2. Nos termos da referida autorização, a Recorrente ficou obrigada ao cumprimento de diversos deveres, designadamente, a proceder à contratação de 4 trabalhadores residentes para prestarem serviço durante o período de trabalho autorizado, bem como assumir a responsabilidade pelo pagamento das contribuições junto do Fundo de Segurança Social;
3. A Recorrente contratou os trabalhadores residentes B, C, D e E, inscreveu-os devidamente no Fundo de Segurança Social, bem como na Direcção dos Serviços de Finanças.
4. Os trabalhadores residentes desempenham as funções de contabilista, empregada de limpeza e dois recepcionistas.
5. Em 15 de Julho de 2009, deu-se a cessação da relação laboral do trabalhador residente C, tendo o mesmo sido substituído por outro trabalhador residente.
6. Estes 4 trabalhadores residentes em termos de horário trabalham em regime parcial, não necessitando de prestar 8 horas de laboração contínua diária.
7. Colaboram também em regime parcial na empresa F, Limited, cujo escritório funciona no XX andar X, da Avenida da XXX, XXX, no Edifício XXX.
8. Os funcionários do Gabinete para os Recursos Humanos deslocaram-se à actual sede da ora Recorrente sita na Avenida da Praia Grande, n.° 369-371, Edif. Keng Ou, 19.° andar A, nos dias 14 de Setembro e 30 de Novembro de 2009 e não encontraram os referidos trabalhadores residentes.
9. No dia 14 de Setembro de 2009, o trabalhador não residente B, não se encontrava nas instalações, por ter saído de Macau, em negócios, no dia 9, conforme se vê da fotocópia da respectiva página do seu passaporte.
10. No dia da segunda visita, o trabalhador não residente encontrava-se em reuniões com clientes fora do escritório, tendo dispensado os trabalhadores residentes, por não necessitar dos seus serviços.
11. Em finais de Setembro de 2009, a ora Recorrente promoveu a trabalhadora não residente, B, para o cargo de Gerente de Escritório, ficando aquela responsável pela gestão da sede, bem como do armazém, onde se mostram guardados os produtos que a Recorrente comercializa, sito na Avenida XX, Edifício XXX, Bloco X, X/ X, em Macau.
12. No início de Dezembro, a trabalhadora começou a trabalhar a tempo inteiro, nesta função.
13. A Recorrente procedeu à contratação de mais uma trabalhadora residente, G.
14. Pelo que a Recorrente tem ao seu dispor 5 trabalhadores residentes.
15. A ora Recorrente não desrespeitou, não violou, nem omitiu qualquer dos deveres a que ficou obrigada aquando da autorização da contratação do trabalhador não residente.
16. O facto de os trabalhadores residentes não se encontrarem no local à data da deslocação dos funcionários do Gabinete para os Recursos Humanos, não significa que os mesmos não trabalhem no local.
17. O contrato de trabalho é o contrato pelo qual "uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta."
18. Pelo contrato de trabalho, o trabalhador obriga-se a desempenhar o seu trabalho, a colocar a sua disponibilidade ao empregador, contra o pagamento de um salário.
19. O facto de os trabalhadores não terem estado no local às horas a que os funcionários do Gabinete para os Recursos Humanos se deslocaram às suas instalações, não é razão suficiente para indeferimento do pedido de renovação.
20. O objecto social da Recorrente é o comércio por grosso e a retalho, importação e exportação, instalação e prestação de serviços relativos a bens duradouros e não duradouros, designadamente, na área do jogo.
21. Os produtos não se encontram nos escritórios, mas sim no armazém arrendado pela Recorrente, sito na Avenida XX, Edifício XX, Bloco X, X/X, em Macau.
22. Pelo que não se compreende como pôde a entidade recorrida considerar que "não foi possível localizar qualquer actividade comercial", se não se encontrava ninguém na data e hora em que os funcionários se deslocaram ao local, encontrando-se, por conseguinte, as portas fechadas!
23. A entidade recorrida considerou ainda que "existe disponibilidade de mão-de-obra local encontrando-se inscritos na Bolsa de Emprego um total de 45 candidatos, dos quais 2 pretendem exercer funções de director e 43 de gerente", como razão para indeferimento do pedido.
24. Consta do contrato que o trabalhador desempenhará o cargo internacionalmente conhecido como Customer Solutions Director, o qual se pode traduzir como Director de Soluções para Clientes, o qual tem por objectivo a apresentação de soluções e resolução de questões estratégicas dos clientes.
25. Trata-se de funções extremamente específicas, exigentes e técnicas, que requerem formação profissional, para além de vasta experiência na área, que vão muito para além das que são exigidas a um mero gerente ou director.
26. O trabalhador não residente encontra-se qualificado para o efeito, tendo uma experiência superior a 8 anos, na área de Casinos e respectivos equipamentos, sendo reconhecido com um perito na sua área.
27. Depois de desempenhar, com sucesso, as funções de desenvolvimento e implementação dos negócios para que foi contratado na Europa, foi promovido para desempenho na Ásia das mesmas funções., por forma a desenvolver e fazer prosperar os negócios da Recorrente.
28. Actualmente, o seu cargo compreende as funções de desenvolvimento e gerência do escritório de Macau; gestão das contas de casinos e estratégia técnica nas regiões da Ásia, África, Austrália e América do Sul; integração dos produtos da Recorrente no mercado asiático, desenvolvimento de ideias e tecnologias patenteáveis, entre outras, que requerem uma vasta experiência.
29. É licenciado pela Universidade de XX, em Engenharia Mecatrónica, tendo terminado o seu curso em 1998, no entanto trabalha em áreas de gestão e estratégia desde 1996.
30. Verifica-se pela experiência profissional e qualificações académicas que o trabalhador não residente é altamente qualificado.
31. Não basta que existam 45 candidatos locais que "pretendam" exercer os cargos de gerente e de director para o indeferimento da renovação da sua autorização de contratação.
32. É fundamental que os candidatos inscritos na Bolsa de Emprego reúnam os requisitos necessários ao desempenho da função!
33. Ressalvado o devido respeito por opinião contrária, afigura-se à ora Recorrente ser manifestamente excessiva, desrazoável, desproporcionada e injusta a decisão ora recorrida.
34. Pelo que deve a mesma ser invalidada por pôr em causa tais exigências fundamentais.
35. No caso em apreço, é fácil de constatar que a entidade recorrida incorreu em erro na apreciação dos factos, o que determinou a prolação do despacho sob censura.
36. Ao abrigo do princípio da participação previsto no art. 10° do Código supra referido, cumpria à entidade Recorrida, de forma a prosseguir as suas atribuições de forma célere e eficaz, contactar a Recorrente, solicitando os elementos em falta para a decisão, se fosse o caso, ou certificar-se se os trabalhadores se encontram ou não ao serviço da Recorrente, bem como se a Recorrente pretendia contratar um mero gerente ou director, ou um Costumer Solutions Director, como aliás consta do contrato.
37. Concluindo-se que caso a entidade Recorrida tivesse respeitado os princípios a que está adstrita, certamente que a sua decisão teria sido de modo diverso, cumprindo assim com os deveres de justiça e imparcialidade, boa fé, colaboração com os particulares, participação e desburocratização, por forma a alcançar a eficiência e a celeridade que lhe são exigidas.
38. Apesar de não ser residente desta RAEM e, para além da sua qualificação profissional, a sua vasta experiência rio ramo de actividade da Recorrente, o trabalhador não residente revela-se um elemento essencial para a Recorrente.
39. Ao não permitir a contratação do trabalhador não residente, a Administração encontra-se em clara violação dos princípios acima aludidos.
40. A decisão tomada violou a al. b) do n.° 2 do Despacho n.° 49/0M/88, de 16 de Maio, bem como padece dos vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e por total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários, previstos na al. d) do n.° 1 do art.° 21.° do Código de Processo Administrativo Contencioso, bem como a violação dos princípios da justiça, cooperação, participação e desburocratização e eficiência.”; (cfr., fls. 3 a 25).
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Em contestação, em síntese, afirma a entidade recorrida que:
“a) A decisão recorrida reporta-se ao Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, exarado em 23/12/09 na Inf. N° 0298/GRH/2009 e vertido no Despacho n° 00215/REC/GRH/2010, através do qual foi mantida a decisão de indeferimento do pedido para a renovação da contratação do trabalhador não-residente B, deduzido ao abrigo do Despacho n° 49/GM/88, de 16 de Maio, para desempenhar funções como Gerente de Desenvolvimento Comercial na sociedade designada A.
b) À sociedade já havia sido concedida autorização para a contratação de um trabalhador não-residente, tendo criado as condições necessárias, no que aos recursos humanos respeita, para o início de actividade e, por outro lado, proporcionado que a utilidade dessa contratação servisse para efeitos de formação de trabalhadores residentes.
c) A decisão recorrida não se apresenta ilegal por violação do princípio da participação, previsto no artigo n° 10° do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que a Recorrente foi contactada pela Administração, quer por ofício, quer pessoalmente, por mais que uma vez, tendo tido, por isso, a oportunidade de colaborar no desempenho da função administrativa e que conduziu à tomada de decisão.
d) A decisão recorrida também não enferma do vício de violação de Lei por erro nos pressupostos de facto. O erro nos pressupostos de facto verifica-se quando na decisão se dão como assentes factos que assim não deveriam estar ou que os mesmos não correspondem à verdade. Ora, a decisão recorrida assentou em factos que se verificaram e que correspondiam à verdade, ou seja, a ausência de actividade económica e dos trabalhadores ao seu serviço, bem como no facto de existir disponibilidade de mão-de-obra local.
e) O acto recorrido não viola o princípio da proporcionalidade, na medida que não se encontrava ao dispor da Administração qualquer outro meio de resolução do conflito de interesses que, em simultâneo com a defesa do interesse público fosse menos gravoso para a Recorrente, por forma a que se pudesse dizer que o meio - o indeferimento - foi desproporcionado. O meio é proporcional e como tal adequado se não for mais gravoso do que o estritamente necessário para a. defesa do interesse público.
f) O sentido da decisão assentou em preocupações de ordem social, fundada na protecção dos direitos e interesses dos trabalhadores residentes, uma vez que existia disponibilidade de mão-de-obra local e, por conseguinte, escorada em razões de Paz Social, pelo que a mesma não foi proferida com violação de qualquer preceito legal ou manifestando desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários que a Administração dispõe.
g) Assentou, igualmente, na análise de factos, que se prenderam com a ausência de actividade comercial por parte da sociedade Recorrente, bem como no facto de não ter sido possível localizar os trabalhadores residentes que declarou ter ao seu serviço, aquando das visitas efectuadas por parte da Administração, bem como no facto de existir disponibilidade de mão-de-obra inscrita na Bolsa de Emprego, não se vendo, por isso, que a decisão tenha sido injusta ou proferida em ofensa a qualquer um dos princípios legalmente consagrados.”
Pugna, assim, pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 45 a 58).
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Oportunamente, após inquirição das testemunhas pela recorrente arroladas, e alegações facultativas da recorrente e entidade recorrida, juntou, o Exm° Magistrado do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Vem “A” impugnar o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 23/12/09 que, em sede de recurso hierárquico, manteve decisão de indeferimento de renovação de contratação do trabalhador não residente, B, assacando-lhe vícios de ofensa da participação e colaboração, consagrado no artº 10º, CPA, erro nos pressupostos de facto, errada aplicação da al b) do artº 2º do Despacho 49/GM/88 de 16/5, violação do disposto no artº 2º da Lei 21/2009 de 27/10, total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e afronta da proporcionalidade.
Cremos, porém, não lhe assistir qualquer razão.
Uma análise meramente perfunctória do procedimento administrativo permite concluir, com segurança, que o trabalhador não residente em questão foi autorizado a exercer funções como gerente de desenvolvimento comercial ao serviço da recorrente segundo o regime previsto no Despacho 49/GM/88, tendo essa autorização ficado condicionada à contratação de 4 trabalhadores residentes para prestarem serviço nessa sociedade, no prazo de 3 meses, a contar de Julho de 2008.
Daí que, aquando da análise do pedido de renovação dessa autorização, os serviços competentes tenham efectuado várias visitas, nas horas normais de expediente, aos locais onde a recorrente informava que aqueles prestavam serviço, nunca os tendo encontrado, não registando, sequer, qualquer actividade laboral.
Na verdade, na 1ª visita ao local ao local indicado como o da actividade da recorrente, detectou-se tratar-se de escritório de advogados. Pedidos esclarecimentos à recorrente, foi por esta indicado novo local, onde os serviços se dirigiram em 14/9/09, nada tendo encontrado, seja trabalhadores, seja actividade. Contactada, mais uma vez a recorrente, já após a interposição do recurso hierárquico necessário, mais uma vez esta indica local onde, de novo, em 30/11/09, às normais horas de expediente, não se detectou rasto de actividade ou trabalhadores..
Não pode, pois, a recorrente esgrimir com falta de colaboração da Administração ou participação sua no procedimento, encontrando-se, como se encontra, demonstrado ter o mesmo sido contactado, por várias vezes, pessoalmente ou por escrito, para os trâmites do procedimento, tendo disposto de plena oportunidade de se pronunciar, o que de resto, como se viu, aconteceu.
Depois, na apreciação do requerimento da recorrente, atinente à contratação de trabalhador não residente, os normativos aplicáveis deixam, como é evidente, ao órgão decisor certa liberdade de apreciação àcerca da conveniência e da oportunidade sobre o respectivo deferimento.
Encontramo-nos, pois, face a acto produzido no exercício de poderes discricionários que, constituindo embora uma peculiar maneira de aplicar as normas jurídicas se encontram, todavia, sempre vinculados a regras de competência, ao fim do poder concedido, a alguns princípios jurídicos como a igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, a regras processuais e ao dever de fundamentação, não existindo, como é óbvio, qualquer excepção ao princípio da legalidade, mesmo na vertente da reserva de lei.
E, como é evidente, o erro sobre os pressupostos de facto subjacentes à decisão, releva também no exercício de poderes discricionários, pois que a livre apreciação pretendida pelo legislador ao conceder aqueles poderes falseia-se se os factos em que assenta a decisão não forem correctos.
Daí que se entenda que constitui sempre um momento vinculado do acto discricionário a constatação dos factos realmente ocorridos : os factos que sirvam de motivo de um acto administrativo discricionário devem ser sempre verdadeiros.
Só que, não se vê que no caso vertente o não sejam : na verdade, nem sequer a própria recorrente contesta ou infirma a veracidade da sequência dos acontecimentos relativos às “visitas” a que supra se aludiu.
Procura, é certo, dar justificações ou explicações para o sucedido, mas não nega que assim sucedeu : e, o certo é que, neste segmento, o acto se limitou a dar expressão a essa mesma constatação. Nada mais.
Quanto ao outro segmento, também nada permite invalidar a asserção de que, de facto, existiam na altura inscritos na Bolsa de Emprego os residentes, no número apontado, aptos para o desempenho da categoria pela própria recorrente indicada, tal seja a de gerente de desenvolvimento comercial, sendo que, a existir quanto a essa designação qualquer inexactidão (pretensamente, tratar-se-ia de “director de soluções para clientes”) à própria recorrente é assacável, não se vendo, de todo o modo, que também para esta categoria não existissem inscritos residentes aptos.
A decisão recorrida estribou-se, pois, em factos correspondentes com a realidade, ou seja, ausência de actividade económica e de trabalhadores nas visitas de fiscalização efectuadas e disponibilidade de mão de obra residente para o exercício das funções pretendidas, não procedendo o pretenso erro nos pressupostos de facto subjacentes à decisão.
É certo ter a recorrente adiantado algumas “explicações” para as “ausências” detectadas, tais como o trabalho em tempo parcial dos trabalhadores, sua localização num outro andar, funções específicas desempenhadas com necessidade de deslocações no exterior, etc : contudo, em nosso critério, tais justificações não detêm o carácter de seriedade e pertinência que permitam vàlidamente pôr em crise a correspondência com a realidade dos pressupostos em que se estribou a decisão controvertida.
Não faz, também, qualquer sentido argumentar-se com a errada aplicação da al b) do artº 2º do Despacho 49/GM/88 de 16/5, ou com a violação do preceituado no artº 2º da Lei 21/2009 de 27/10 : é que, por um lado, a apreciação das funções a desempenhar e das qualificações académicas e profissionais foram efectuadas (ou deveriam tê-lo sido) aquando da análise do primitivo pedido de contratação, que não em sede de renovação, sendo que, em todo o caso, tal matéria não constituiu motivo do indeferimento do pedido e, por outro, à data dos factos o último normativo citado ainda se não encontrava em vigor.
Finalmente, como é evidente, o fim que a lei visou ao conferir à entidade recorrida o poder de autorizar a contratação de trabalhadores não residentes não coincide, necessàriamente, com os fins especìficamente visados pelas entidades privadas que procuram o deferimento de tal pretensão : só reflexamente (uma vez que interessa também à Administração um efectivo e salutar desenvolvimento das actividades levadas a cabo na Região) e dependendo do interesse comum e colectivo é que tais interesses privados poderão ser contemplados.
Ora, do conteúdo do acto em crise consegue descortinar-se, com clareza, que o que essencialmente motivou o indeferimento questionado foi, para além do devido controle e fiscalização dos condicionalismos de autorização da contratação de trabalhadores não residentes, a defesa de postos de trabalho para os residentes da RAEM, numa altura em que a situação do mercado de trabalho se apresenta desfavorável, sendo certo que existem trabalhadores locais disponíveis e aptos para o desempenho das funções pretendidas, afigurando-se, pois, a decisão como adequada, já que deve ser apanágio dos órgão de Estado responsáveis a defesa dos postos de trabalho dos respectivos cidadãos nacionais, só autorizando a contratação de mão de obra não residente no caso de insuficiência ou incapacidade daqueles
E, não se esgrima com a afronta da proporcionalidade : face ao comprovado não cumprimento dos pressupostos a que estava subordinada a contratação do trabalhador não residente em causa e atenta a disponibilidade de mão de obra residente para o exercício das funções pretendidas, o meio usado revela-se adequado e não mais gravoso que o estritamente necessário para a defesa do interesse público.
Tudo razões por que, não se vislumbrando a ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, somos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.”; (cfr., fls. 119 a 124).
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Mostram-se provados os seguintes factos (com interesse para a decisão a proferir):
– “A”, ora recorrente, é uma empresa que se dedica ao comércio por grosso e a retalho, importação e exportação, instalação e prestação de serviços relativos a bens duradouros e não duradouros, e, designadamente, na R.A.E.M., à actividade de venda, instalação e manutenção de impressoras de Jogo;
– após a usa instalação em Macau, em 05.05.2008, requereu a ora recorrente a autorização para a contratação de um trabalhador não residente, B, que já pertencia aos seus quadros desde inícios de 2005;
– por decisão de 14.07.2008 foi-lhe deferido o pedido, autorizando-se a requerida contratação até Agosto de 2009;
– nos termos da referida autorização de renovação, a recorrente ficou obrigada ao cumprimento dos seguintes deveres, (entre outros):
- a proceder, no prazo de 3 meses a contar daquela data, à contratação de pelo menos 4 trabalhadores residentes para prestarem serviço durante o período de trabalho autorizado, bem como a assumir a responsabilidade pelo pagamento das contribuições junto do Fundo de Segurança Social;
- a observar o disposto nas al. d.1 a d.5 do número 9 do Despacho n.° 12/GM/88;
- a cumprir o contrato de trabalho celebrado com o trabalhador não residente e aprovado pelo Gabinete de Recurso Humanos.
– no dia 01.09.2008, a recorrente contratou 4 trabalhadores residentes (B, C, D e E);
– em 30.07.2009, a recorrente solicitou autorização para a renovação da contratação de B, invocando, à semelhança do seu primeiro pedido, “dificuldade em contratar trabalhadores residentes adequados ou em número suficiente”, bem como no facto de “ser extremamente difícil a contratação de um residente com as qualificações profissionais que o trabalhador a contratar reúnia...”;
– O pedido foi objecto de análise e pareceres técnicos, mas não mereceu aprovação, tendo sido indeferido e cancelada a autorização para a renovação da contratação do mencionado trabalhador não-residente, através do despacho do Senhor Coordenador do Gabinete para os Recursos Humanos n° 14900/IMO/GRH/2009, de 21.09.2009, sustentado nas seguintes razões:
“1. Considerando que na morada indicada no pedido não foi possível localizar a sociedade requerente, bem como os 4 trabalhadores que a mesma declarou ter ao seu serviço;
2. Considerando que no local de trabalho constante do contrato de trabalho também não foi possível localizar qualquer trabalhador, nem qualquer actividade comercial relacionada com o objecto social da sociedade”.
– em sede do recurso hierárquico do assim decidido elaborou-se a seguinte informação:
“Em 30 de Julho último, a sociedade denominada A, apresentou um pedido para a renovação da contratação do trabalhador não-residente (B), segundo o regime previsto no Despacho n° 49/GM/88, de 16 de Maio, para desempenhar funções de Gerente de Desenvolvimento Comercial.
O pedido foi objecto de análise e pareceres técnicos, mas veio a ser indeferido, através do Despacho n° 14900/IMO/GRH/2009, de 21 de Setembro, fundamentado nas seguintes razões:
1. Considerando que na morada indicada no pedido não foi possível localizar a sociedade requerente, bem como os 4 trabalhadores residentes que a mesma declarou ter ao seu serviço;
2. Considerando que no local de trabalho constante do contrato de trabalho também não foi possível localizar qualquer trabalhador, nem qualquer actividade comercial relacionada com o objecto da sociedade .
Inconformada com o sentido da decisão e o consequente indeferimento do pedido, o Despacho n° 14900/IMO/GRH/2009, de 21 de Setembro, foi objecto do presente Recurso Hierárquico Necessário, onde a Recorrente alega que o acto administrativo deverá ser anulado, por violação da lei, requerendo o deferimento do pedido de autorização para a contratação do trabalhador não-residente em causa.
Alega a Recorrente que o acto administrativo padece do vício de violação de lei por erro na apreciação dos factos, por violação do princípio da boa-fé, por violação do princípio da colaboração entre a Administração e os particulares, bem como do da desburocratização e da eficiência, previstos nos artigos n° 8°,9° e 12°, respectivamente, do Código do Procedimento Administrativo.
Relativamente ao vício apontado pela Recorrente, relativamente à violação de lei por erro na apreciação dos factos, somos de parecer que o mesmo não se verifica, uma vez que os factos valorados resultaram das visitas efectuadas, em 14 de Setembro, quer ao local onde se situa a sede da sociedade, quer ao local que consta do contrato de trabalho do trabalhador não residente e que demonstraram a não existência de qualquer actividade comercial, bem como de qualquer trabalhador .
Posteriormente, no dia 30/11/2009, pelas 15H35, foi efectuada uma nova visita à morada constante do contrato de trabalho - Av. Da Praia Grande, n° 369-371, Edif. Keng Ou, 19° andar A, mas continuou a não ser possível localizar qualquer trabalhador residente.
Face ao que precede, somos de parecer que deverá ser negado provimento ao presente Recurso Hierárquico, mantendo-se a decisão anteriormente proferida, ou seja, o indeferimento do pedido para a renovação da contratação do trabalhador não-residente B, sustentado nas seguintes razões:
a) Considerando que das visitas efectuadas aos escritórios da sociedade, situados na Av. Da Praia Grande, n° 369-371, Edif. Keng Ou, 19° andar A, nos dias 14 de Setembro e 30 de Novembro de 2009, não foi possível localizar qualquer actividade comercial, nem qualquer trabalhador ao serviço.
b) Considerando ainda que existe disponibilidade de mão-de-obra local, encontrando-se inscritos na Bolsa de Emprego um total de 45 candidatos, dos quais 2 pretendem exercer funções de director e 43 de gerente.”; (cfr., fls. 5 a 8).
– seguidamente, por despacho do Exm° Secretário para a Economia e Finanças de 23.12.2009, e concordando com o teor da referida informação, decidiu-se indeferir a peticionada renovação da contratação de B; (sendo este o acto ora recorrido).
Do direito
3. Inconformada com a decisão em 23.12.2009 proferida pelo Exm° Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o pedido de renovação da contratação de um seu trabalhador não residente, da mesma vem a “A” recorrer para este T.S.I..
Colhe-se da petição inicial e posterior alegações facultativas da recorrente que, em sua opinião, padece o acto administrativo recorrido dos vícios de “violação ao princípio da participação e colaboração consagrado no art. 10° do C.P.A.”, “erro nos pressupostos de facto”, “errada aplicação da al. b) do art. 2º do Despacho 49/GM/88 de 16/5 e violação do disposto no art. 2º da Lei 21/2009 de 27/10”, “desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e afronta ao princípio da proporcionalidade”.
Porém, ponderando no alegado e na factualidade dada como provada e atrás retratada, não cremos que tenha a recorrente razão.
Aliás, de uma mera leitura ao douto Parecer do Exm° Representante do Ministério Público se chega a esta conclusão, e, sendo o mesmo claro na abordagem das questões pela recorrente colocadas, e até por uma questão de economia processual, mostra-se pois de aqui se dar desde já o mesmo como reproduzido para todos os efeitos legais.
Seja como for, e de qualquer modo, não se deixa de dizer o que segue:
— Quanto à “ofensa ao princípio da participação e colaboração”.
Só por equívoco se poderá considerar ter a entidade administrativa recorrida incorrido no assacado vício.
De facto, em todo o procedimento que culminou com a decisão ora recorrida, não deixou a entidade administrativa de contactar a ora recorrente, tentando obter esclarecimentos sobre a situação da mesma, efectuando diversas visitas aos vários locais pela referida recorrente indicados como “local de trabalho”..., bastando para tal ler-se o que consta da “informação” transcrita na factualidade provada.
É aliás caso para dizer que “mais não se podia fazer”, pois que, em boa verdade, à recorrente é que cabia o ónus de fornecer, por iniciativa própria, toda a matéria que considerasse favorável à sua pretensão, e, não o tendo feito, (mesmo quando solicitada para tal), “sibi imputed”.
— Do alegado “erro nos pressupostos de facto”.
O vício em questão tem sido definido como uma das causa de invalidade do acto administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material, pois, “neste caso, é a própria substância do acto administrativo, é a decisão em que o acto consiste, que contraria a lei. A ofensa não se verifica aqui nem na competência do órgão, nem nas formalidades ou na forma que o acto reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objecto do acto” – Prof. Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, Vol. II, pág. 390”.
De facto, “tal vício consiste na divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para prolatar a decisão administrativa final e a sua efectiva verificação na situação em concreto, resultando do facto de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade, isto é, os fundamentos da motivação do acto em causa não existiam ou não tinham dimensão que foi por ele suposta”; (cfr., v.g., o Ac. do S.T.A. de 03.12.2009, in “www.dgsi.pt”).
E, assim sendo, evidente é que inexiste a apontada maleita.
Com efeito, a factualidade em que assentou a decisão ora recorrida confirma-se, pois que não foi infirmada.
É verdade que apresenta a recorrente uma outra versão – diga-se, algo curiosa – do seu funcionamento, porém, não cremos que tal permita a conclusão a que chega.
Importa ter em conta que a decisão recorrida teve como pressuposto fáctico o teor da “informação” a que já se fez referência, e, a mesma, quanto aos factos aí reportados, confirma-se, não sendo de censurar a entidade administrativa em consequência de circunstâncias que não dispunha na altura da decisão e que apenas à recorrente se pode imputar.
Seja como for, atento o regime legal a que estava submetida a inicial autorização para a contratação do trabalhador não residente em causa, não se pode olvidar que a mesma decisão assentou também no facto de existir mão de obra local disponível, “motivo de facto” este que, na sua íntegra, se mantém.
Daí, sermos também de considerar que improcede o recurso na parte em questão.
— Quanto ao “erro de direito”.
Entende também a recorrente que houve errada aplicação da al b) do artº 2º do Despacho 49/GM/88 de 16/5 e violação do disposto no artº 2º da Lei 21/2009 de 27/10.
E, no que toca ao primeiro dos preceitos em questão, alega que: “Aquando da apreciação do requerimento, a entidade recorrida estava obrigada, nos termos da cláusula 2.ª, b.2 do Despacho 49/GM/88, de 16 de Maio a efectuar "Uma apreciação sobre a descrição de funções das categorias profissionais dos trabalhadores a contratar" bem como a apreciar as "qualificações indicadas para efeito da formação profissional", sendo aqui que reside a violação imputada à entidade recorrida”.
Pois bem, desde já há que dizer que a decisão em causa foi de “renovação” (da autorização), e não de uma (inicial) autorização.
Por sua vez, e para não nos alongarmos, mostra-se de dizer apenas que não cremos que quando se afirma que existem em Macau “45 candidatos...” não se tenha ponderado sobre o referido “perfil académico e profissional”.
Quanto à violação do art. 2° da Lei n° 21/2009 de 27.10, começa-se por consignar que tal diploma legal ainda não estava em vigor aquando da prolação da decisão recorrida, (cfr., o seu art. 44°, sendo de se recordar que é aquela datada de 23.12.2009), e, para além disso, que não se mostra de olvidar que tal vício vem apenas invocado em sede de “alegações facultativas”, não nos parecendo que observado esteja o pressuposto ínsito no art. 68°, n° 3 do C.P.A.C..
— Por fim, quanto à “desrazoabilidade da decisão e afronta ao princípio da proporcionalidade”.
Também aqui, e como já se deixou dito, improcede o recurso.
A decisão foi proferida no âmbito do exercício do poder discricionário.
Em relação ao princípio da proporcionalidade, tem este T.S.I. entendido que “os meios utilizados devem situar-se numa «justa medida» em relação aos fins obtidos, impedindo-se assim a adopção de medidas desproporcionais, excessivas ou desequilibradas. Pretende-se pois saber se o custo ou o sacrifício provocado pela decisão é proporcional ao benefício com ela conseguido.”; (cfr., v.g., o Ac. de 11.03.2010, Proc. n° 756/2009).
Da mesma forma, adquirido é que “A intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem”; (cfr., vg., os Acs. do Vdo T.U.I. de 15.10.2003, Proc. n° 26/2003, de 29.06.2005, Proc. n° 15/2005 e de 06.07.2005, Proc. n° 14/2005).
In “casu”, não há motivos para assim se considerar, não nos parecendo pois que com a decisão recorrida se tenha incorrido em “erro grosseiro” ou que com o mesmo se tenha originado uma situação de “manifesta injustiça”.
Dest’arte, apreciadas que ficaram as questões colocadas, e sendo de se considerar que improcedem os argumentos pela recorrente apresentados, à vista fica a decisão a proferir.
Decisão
4. Em face do exposto, e em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.
Macau, aos 22 de Julho de 2010
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José Maria Dias Azedo Vitor Manuel Carvalho Coelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)
Proc. 143/2010 Pág. 32
Proc. 143/2010 Pág. 1