Processo nº 984/2009-I
(Autos de recurso contencioso)
(Incidente)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por acórdão de 13.05.2010 decidiu-se rejeitar o recurso contencioso por A interposto para este T.S.I.; (cfr., fls. 251 a 294-v que como as que se vierem a referir dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Notificado do assim decidido, veio o recorrente “arguir a nulidade da omissão de um acto que influiu no exame e decisão da causa”, alegando o que segue:
“Nos termos do artigo 61.° do CPAC, "o recorrente é ouvido sobre outras questões, suscitadas oficiosamente ou sobre alegação das entidades previstas no n.° 1 do artigo 59.°, que obstem ao conhecimento do recurso".
Nos termos do dispositivo legal em causa, foi o Recorrente notificado do despacho de fls. 217, para se pronunciar, entre outras, sobre a questão levantada oficiosamente relativa a "uma possível qualificação do acto administrativo proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, como "acto confirmativo", com as demais consequências legais".
Em cumprimento do referido despacho, veio o Recorrente pronunciar-se exclusivamente sobre as questões suscitadas, conforme requerimento apresentada no dia 27 de Abril de 2010, tendo, quanto à questão oficiosa colocada pelo presente Tribunal, contra a qualificação do acto recorrido como acto meramente confirmativo.
Posteriormente veio a ser proferida decisão final, na qual se reconhece, efectivamente que o acto recorrido não é um acto confirmativo, como se pode ler:
"Face ao que se deixou consignado, e à primeira vista, tentados seríamos a considerar que é o acto recorrido em causa "meramente confirmativo" do (anterior) acto do Exmo. Chefe do Executivo (...). Porém, um outro aspecto importa aqui ponderar. É o seguinte: Os ditos "actos confirmativos" são tipicamente praticados pelo superior hierárquico e pelo próprio autor do acto confirmado. No caso, verifica-se situação diversa. E, ponderando no assim expendido (assim como no teor dos referidos despachos), mais adequado se nos mostra de considerar o acto do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças como um "acto consequente", ou, quiçá, mais concretamente, um «acto de execução do acto do Exmo. Chefe do Executivo»."
Acontece que não foi dada a palavra ao Recorrente para se pronunciar sobre a qualificação oficiosa feita em sede de decisão final do acto recorrido como "acto consequente" ou "acto de execução", questão essa bem diversa da qualificação do acto como "confirmativo", como, aliás, bem reconhece o presente Tribunal na decisão proferida ao dizer a esse propósito que "No caso, verifica-se situação diversa".
O Acórdão proferido violou, assim, o artigo 69.° do CPAC, bem como do n.° 3 do artigo 3.° do CPC.
Face ao exposto, a não notificação do Recorrente para se pronunciar sobre uma questão suscitada oficiosamente (em sede de decisão final) e diferente das anteriormente suscitadas corresponde a uma verdadeira nulidade processual, nos termos do n.° 1 do artigo 147.° do Código de Processo Civil, uma vez que a irregularidade cometida, ou seja, a falta de oportunidade para o Recorrente se pronunciar sobre a nova qualificação do acto recorrido, influenciou nitidamente a instrução, a discussão, e, bem assim, a decisão da causa em sede de recurso. ”; (cfr., fls. 298 a 301).
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Em resposta, alega a entidade administrativa recorrida o seguinte:
“1. Diz o recorrente que não lhe foi dada a oportunidade de se pronunciar sobre a classificação do acto do SEF constante do parágrafo 3 do Despacho 8/SEF/2009, de 09.10.2009 (doc. 1 anexo à p.i.) como acto consequente, apenas tendo sido ouvido sobre a eventual classificação desse acto como confirmativo,
2. e que portanto o acórdão desse Tribunal de 13.05.2010, que rejeitou o recurso contencioso, é nulo por violação do disposto no art. 61°,1, do CPAC e no art. 3°,3, do CPC.
3. Quer-nos parecer que não tem razão, pelo seguinte:
4. A correcta determinação da classificação doutrinal do acto administrativo (acto confirmativo, acto consequente ou qualquer outra) não era questão que prejudicasse o conhecimento do recurso.
5. O que era necessário ao conhecimento do recurso era determinar se o acto tinha ou não efeitos externos lesivos dos direitos do recorrente, pois só assim seria o mesmo susceptível de recurso.
6. Por outras palavras, a questão relevante e subjacente era a mesma, quer o acto fosse confirmativo, quer fosse consequente.
7. Como bem se diz no acórdão em causa, "Na verdade, o fundamento da irrecorribilidade dos actos de execução (bem como dos actos confirmativos), radica na consolidação da definição jurídica estabelecida em acto anterior...".
8. Ora sobre essa questão dos efeitos do acto teve já o recorrente ampla oportunidade de se pronunciar, na sequência do despacho do senhor Relator a pgs. 217, despacho esse que de forma alguma restringia o recorrente à questão estrita da classificação doutrinal do acto administrativo como confirmativo ou não.
9. Era assim manifestamente desnecessário ouvi-lo de novo sobre uma matéria já discutida no processo - os efeitos do acto - e não houve, portanto, violação do n° 3 do art. 3° do CPC ou do n° 1 do art. 61° do CPAC.
10. Isto é, tendo sido já discutido nos autos se o acto tinha ou não efeitos externos lesivos - e sendo, de resto, esses efeitos um requisito de recorribilidade - não pode entender-se que, pelo mero facto de o TSI ter entendido que o acto é consequente e não confirmativo, foi o recorrente apanhado de surpresa pela decisão,
11. e o facto de esta lhe ter sido desfavorável também não basta, por si só, para a qualificar como "surpresa" .
12. Aliás parece-nos mesmo que o recorrente nem sequer teria de ter sido convidado, como foi, a pronunciar-se sobre a confirmatividade do acto, pois que também aí não havia questão prejudicial ao conhecimento do recurso,
13. na medida em que, em matéria de efeitos do acto, nada de útil poderia ele ter acrescentado ao que já constava dos autos.
14. Julgamos mesmo que terá sido precisamente esta opinião que levou o senhor Relator a usar a expressão "quod abundat non nocet" no despacho a fls. 217.
Pelas razões expostas, entendemos não se verificar a nulidade arguida pelo recorrente.”; (cfr., fls. 306 a 308).
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Seguidamente, e em sede de vista, juntou o Exm° Representante do Ministério Público o seguinte Parecer:
“Cremos não assistir qualquer razão ao recorrente quanto à nulidade suscitada.
Ao contrário do que parece pretender, o mesmo não foi apenas notificado sobre "uma possível qualificação do acto administrativo praticado pelo Exmo Secretário para a Economia e Finanças como acto administrativo", mas também sobre "as questões (excepções) suscitadas em sede de contestação da entidade recorrida assim como do douto Parecer do Exmo Mag. M° P°"(cfr fls 217).
Ora, a questão da irrecorribilidade do acto em questão, devido à sua natureza, foi suscitada também pela entidade recorrida. E, embora a "classificação formal" do acto por aquela empreendida não coincida com a acolhida pelo douto acórdão em crise, o certo é que o recorrente teve plena oportunidade de se pronunciar sobre a substância da matéria, não se nos afigurando que, por um lado, o recorrente tenha, como sustenta, sido colhido "de surpresa" perante o decidido e, por outro, que o tribunal, aderindo, na substância, aos motivos da irrecorribilidade do acto, mas classificando-o de forma diversa ("acto de execução", que não "acto interno" ou "acto confirmativo") tivesse, forçosamente, que de tal notificar antecipadamente, de novo o recorrente para se pronunciar, nos termos do n° 1 do art° 61 ° CPAC e, daí, a nosso ver, o não registo de qualquer nulidade do acórdão.”; (cfr., fls. 310 a 311).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
2. Vem o recorrente arguir a nulidade do acórdão por este T.S.I. proferido em 13.05.2010, alegando que omitida foi a prática de um acto que influiu no exame e decisão da causa.
Alega, em síntese, que esta Instância rejeitou o recurso contencioso que interpôs do acto pelo Exm° Secretário para a Economia e Finanças praticado, qualificando-o de “acto consequente” ou “acto de execução”, sem que sobre tal qualificação tenha dado ao recorrente oportunidade para se pronunciar, constituindo assim a decisão proferida uma “decisão surpresa”, por omissão do contraditório.
Admitindo que a questão possa comportar outro entendimento, que se respeita, cremos que ao recorrente, ora requerente, não assiste razão.
De facto, no acórdão objecto do presente pedido, considerou esta Instância que o acto administrativo em causa era “irrecorrível”, (dada a sua natureza), questão esta sobre a qual não deixou o recorrente de ter oportunidade para se pronunciar como por bem entendeu.
Assim, adequado não nos parece a consideração no sentido de que foi o recorrente “apanhado de surpresa”, pois que a (verdadeira) questão sobre a qual se emitiu pronúncia foi sobre a “recorribilidade” do mencionado acto administrativo, e, sobre esta, teve o recorrente oportunidade de emitir pronúncia nos termos que entendeu adequado e conveniente.
É verdade que no acórdão em questão se qualificou o dito acto como “acto consequente” ou “acto de execução”.
Porém, e em nossa opinião, não é pois uma (mera) diversa qualificação jurídica atribuída ao acto que torna nulo o acordão proferido.
Aliás, também no n° 3 do art. 3° do C.P.C.M. se preceitua que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”, sendo de se notar que também aí se referiu o legislador a “questões de direito e de facto”.
Ora, sendo a “questão da recorribilidade” uma questão de direito, e, como se viu, certo sendo que sobre esta ao recorrente foi dada oportunidade para se pronunciar, há que decidir pela improcedência do ora peticionado.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, e em conferência, acordam julgar improcedente o pretensão apresentada.
Custas pelo requerente com taxa que se fixa em 3 UCs.
Macau, aos 22 de Julho de 2010
José Maria Dias Azedo (Relator) Presente
Chan Kuong Seng Vitor Coelho
(sem prejuízo da minha declaração
de voto então feita ao Acórdão).
João A. G. Gil de Oliveira
(remetendo-me para a minha posição
assumida na declaração de voto vencido
quanto à natureza do acto em causa).
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