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Processo nº 46/2010
(Autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa, fiscal e aduaneira)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:




Relatório

1. “A, LIMITADA” e “B LIMITED”, vieram recorrer da decisão pelo Mm° Juiz do Tribunal Administrativo proferida que rejeitou o recurso contencioso que aí interpuseram da deliberação do Conselho de Administração do Instituto dos Assuntos Cívicos e Municipais datada de 29.05.2009.
Alegam para concluir nos termos seguintes:
“1. O objecto do presente recurso é o “despacho de rejeição do recurso contencioso interposto pelas recorrentes” proferido pelo juiz do tribunal a quo no dia 23 de Setembro de 2009 e constante de fls. 67 dos autos.
2. Segundo o decorrer dos factos acima referidos podemos saber que, a ocorrência dos factos tem uma sequência. A A Ltd., a B Ltd., a C Ltd. e a D Ltd., sendo particulares, interessadas do procedimento administrativo, são “atadas em conjunto” com a Administração (aqui o IACM e a DSSOPT), estabelecendo-se entre elas uma relação jurídica administrativa.
3. De acordo com as respectivas disposições do CPAC, a A Ltd. estabelece uma relação com o IACM, conforme o princípio de iniciativa, participação e de cooperação.
4. O processo de acusação conduzido pelo IACM (sobre a instalação sem licença de letreiros publicitários) devia ter como destinatários a A Ltd., a B Ltd., a D Ltd., e a C Ltd., as quais deviam ter sido citadas para intervirem no processo, uma vez que em termos do acto de instalação, existe entre elas uma relação de interesses directa e necessária, e o acto não podia ser praticado na falta de qualquer uma delas. A aplicar uma multa, tem que multar as três solidariamente.
5. Mesmo que se entenda que a C Ltd. e a D Ltd. não têm uma relação directa com o procedimento administrativo, ainda assim, tem que afirmar que a A Ltd. e a B Ltd. são obviamente autoras do acto, na medida em que aquela autorizou, e que esta criou. Pelo que, a aplicar uma multa, tem que multa as três solidariamente.
6. Na realidade, o interessado, quer do procedimento do requerimento da licença, quer do procedimento da sanção, deve ser a A Ltd., e o IACM devia multar apenas esta e não a B Ltd.
7. Relativamente ao princípio de proporcionalidade, nós por maioria das vezes chamamo-lo por “princípio de adequação e de proporcionalidade”, o qual está concretizado na nossa ordem jurídica através do artigo 5.º, n.º 2 do CPAC.
8. No recurso contencioso de anulação interposto pelas recorrentes ao tribunal a quo (por não estarem conformadas com a aplicação da multa do IACM) foi invocado justamente este princípio como fundamento de direito.
9. Para além deste princípio, as recorrentes invocaram ainda outros fundamentos de direito. É lamentável que, o tribunal a quo julgou que não foi indicado fundamento de direito na petição de recurso.
10. Juridicamente, a legitimidade é em si mesma questão complicada, e as leis substanciais e processuais de diferentes entidades jurídicas têm preceitos diferentes sobre a legitimidade.
11. É sabido por todos que, as normais jurídicas têm natureza de generalidade e de abstração, e muitas vezes só fixam princípios, isto porque, o legislador nunca pode prever todas as situações que se vão acontecer na vida social. Portanto, ao fazer a subsunção dos factos concretos nas leis, incluindo a questão de legitimidade da presente acção, ter que considerar as situações do caso concreto.
12. Relativamente à questão de legitimidade, o seu princípio geral está no artigo 58.º do CPC, onde estipula que têm legitimidade os sujeitos de relações jurídicas. E nos artigos 59.º~67.º do mesmo código, são ainda previstas umas situações especiais.
13. Um dos códigos daí derivados – CPAC, dispõe sobre a legitimidade de recurso nos seus artigos 33.º, 35.º e 36.º.
14. A ordem jurídica tem unidade, e a legitimidade para intentar acção civil não tem nada de contraditório com a legitimidade para intentar acção administrativo, os quais podem coexistir.
15. Para julgar se tem legitimidade numa acção administrativa, não se deve limitar a procurar soluções apenas nos artigos 33.º, 35.º e 36.º do CPAC.
16. O facto de não estar previsto no CPAC não significa que inexiste estipulações nesta matéria.
17. Se as leis fossem perfeitas, como é que haveria “lacunas”, e para que é que serviria a “interpretação extensiva”?
18. O nosso legislador já previu claramente (como se soubesse que as recorrentes interporiam este recurso) no artigo 1.º do CPAC que “o processo do contencioso administrativo rege-se pelo disposto, ..., subsidiariamente e com as necessárias adaptações, na lei de processo civil.”
19. “O disposto na lei de processo civil” engloba de certeza o artigo 58.º deste código, o qual estipula que os sujeitos das relações jurídicas têm legitimidade.
20. Pelo que, os sujeitos das relações jurídicas administrativas (na presente causa a A Ltd. como sendo interessado) têm legitimidade activa.
21. Na realidade, se fizermos uma interpretação da lei atendendo à função das acções administrativas na salvaguarda dos direitos fundamentais dos residentes e tutela dos mesmos contra o poder público, chegamos à conclusão de que, a legitimidade de acção administrativa só pode ser mais ampla que a de acção civil, nunca pode ser reduzida.
22. Pelo que, o despacho recorrido limitou-se a procurar soluções nos artigos 33.º, 35.º e 36.º do CPAC, e desconsiderou o disposto no art.º 1.º do CPAC, cometendo necessariamente um erro.
23. Mesmo que se procure soluções nos artigos 33.º e 35.º do CPAC, o despacho recorrido também não está imune de erro, isto talvez tem a vez com a interpretação da lei.
24. De entre os quais, o artigo 33.º, alínea a) do código prevê de forma expressa que a) as pessoas singulares ou colectivas que se considerem titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tivessem sido lesados pelo acto recorrido ou que aleguem interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso têm legitimidade para interpor recurso contencioso. A relação existentes entre as pessoas singulares ou colectivas que se considerem titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tivessem sido lesados pelo acto recorrido e as pessoas que aleguem interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso é “ou” mas não “e”. Assim sendo, a A Ltd. e a B Ltd., como sendo pessoas colectivas que se considerem titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tivessem sido lesados pelo acto recorrido, têm legitimidade activa.
25. O artigo 35.º do CPAC dispõe o seguinte: podem coligar-se vários recorrentes quando recorram do mesmo acto ou, com os mesmos fundamentos de facto e de direito, de actos contidos, formalmente, num despacho ou outra forma de decisão únicos. Dispõe este artigo que os vários recorrentes podem coligar-se quando recorram do mesmo acto, isto é, podem coligar-se, podem não, a faculdade está na disposição dos recorrentes. Se assim é, qual é a razão de ser da opinião do despacho recorrido de que “em relação à legitimidade do sujeito plural, o CPAC “apenas permite” a interposição de recurso contencioso na forma de coligação.”?
26. Mesmo que assim não entenda, deve considerar que a afirmação de “apenas permite” deveu-se obviamente à não consideração do artigo 1.º do CPAC (“o processo do contencioso administrativo rege-se pelo disposto, ..., subsidiariamente e com as necessárias adaptações, na lei de processo civil.”), e por conseguinte, deixou de considerar situações especiais de legitimidade plural prevista nos artigos 58.º~67.º do CPC.
27. Na nova petição apresentada pelas recorrentes, apesar de não ter feito uma separação distintiva entre os “fundamentos de facto” e os “fundamentos de direito” de modo a facilitar a leitura, foram realmente indicados nos artigo 1.º~26.º da petição os respectivos fundamentos de facto e nos artigos 27.º~48.º os fundamentos de direito, e também na “conclusão”, embora duma forma sumária. Não houve, como indicou o despacho recorrido, o vício de ineptidão da petição.
28. Invocando o ponto de vista do Juiz do 2.º Juízo Cível do TJB formulado num despacho proferido no âmbito da acção de declaração comum n.º CV2-08-0045-CAO, mesmo que as recorrentes não tenham indicado qualquer fundamento de direito, a petição também não deve ser rejeitada. Alegar a excepção de não ter indicado na petição os fundamentos de direito é violador do princípio da cooperação.
29. Se a opinião deste Juiz é razoável e plausível, então, o tribunal a quo terá violado também o princípio da cooperação previsto no artigo 8.º do CPC ao indicar no dito despacho recorrido que faltam-lhe os fundamentos de direito na petição apresentada pelas recorrentes, e rejeitar a mesma por a achar inepta.
30. A falta de legitimidade é uma excepção dilatória, em princípio cabendo ao tribunal conhecer da questão ex officio a qualquer momento durante a pendência do processo. Porém, conjugado com o artigo 3.º, n.º 3 do CPC (“o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”), ex vi do artigo 1.º do CPAC, podemos saber que, antes de conhecer da excepção dilatória da falta de legitimidade, o tribunal a quo devia ouvir a outra parte, isto é, ouvir a entidade recorrida. É por este motivo que, o momento do conhecimento de excepção dilatória parece dever ser, por muito cedo que fosse, depois da contestação da entidade recorrida.
31. Por outro lado, como está preenchida a situação prevista no artigo 230.º, n.º 2 do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPAC, não se deve rejeitar a petição.
32. O tribunal a quo fez uma reserva no despacho recorrido de que a acção judicial pode ser salvado porque o vício da falta de legitimidade é uma excepção dilatória que pode ser suprida. O tribunal a quo aceitou tacitamente a participação da A Ltd. no processo na qualidade de assistente, mas depois indeferiu a petição, verificando-se aqui uma contradição.
33. A estipulação no CPA ora vigente em Macau no sentido de que o Juiz convida o recorrente a suprir os vícios é a manifestação dum poder vinculativo, isto é, o Juiz obriga-se a convidar o recorrente a suprir o vício. Mas o tribunal a quo assim não fez.
34. Assim, o tribunal a quo não convidou as recorrentes a suprir o vício que é suprível, violando não só as respectivas disposições legais mas também provavelmente o princípio da cooperação.
35. Da harmonia com o princípio de pro actione, um dos princípios gerais do direito administrativo, o tribunal a quo podia, pela 2.ª vez, convidar as recorrentes a aperfeiçoar a petição.
36. O principal objectivo do instituto de indeferimento liminar previsto no art.º 46.º do CPAC é o princípio da economia nas acções de execução. Porém, o legislador não prescindirá dos outros princípios importantes, tal como o princípio de imparcialidade, e o valor nuclear das leis em prol do “princípio da economia”. Tal como as recorrentes não prescindirão da imparcialidade em prol do “princípio da economia” (isto é, pagar uma multa de MOP 12.000 é muito mais económico que apresentar reclamação, interpor recurso administrativo, contencioso e jurisdicional).
37. O tribunal a quo recusou as recorrentes por duas vezes, fazendo com que as mesmas não pudessem obter uma decisão justa.
38. Concluindo, o despacho recorrido está eivado pelo menos dos seguintes vícios: a) no que diz respeito à questão de legitimidade activa, apenas foi atendido o disposto nos artigos 33.º, 35.º e 36.º do CPAC, ignorando as disposições subsidiariamente aplicáveis nos artigos 58.º~67.º do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPC, isto é, se as disposições relativas a litisconsórcio comum e necessário são aplicáveis ao caso concreto. b) Mesmo fazendo uma aplicação formal dos art.ºs 33.º, 35.º e 36.º do CPAC, as recorrentes ainda têm legitimidade nos termos do art.º 33.º, alínea a), primeira parte. c) Ao analisar o artigo 33.º, alínea a) e o artigo 35.º do CPAC, o despacho recorrido interpretou a palavra “ou” como “e”, interpretou a palavra “pode” como “apenas permite”, o que constitui uma má interpretação. d) Já se indicou na petição os respectivos fundamentos de facto e de direito, não se verificando assim a excepção dilatória de ineptidão da petição. e) relativamente à legitimidade, o despacho recorrido, por um lado, aceitou a participação da A Ltd. no processo na qualidade de assistente (suprindo assim o vício de falta de legitimidade e conduzindo o processo à fase de apreciação da questão substancial), e por outro lado, não lhes concedeu oportunidade de sanar os vícios. De acordo com o princípio de pro actione, e atendendo a que se trata aqui um pode vinculativo, o tribunal a quo não tem espaço de manobra, mesmo que se trate da sanação da 2.ª vez. Assim, a omissão por parte do tribunal a quo violou as disposições segundo o qual ele obriga-se a convidar as partes a suprir o vício. f) A falta de legitimidade pode ser suprida, e o vício de falta de fundamentos de direito também pode ser sanado, estando assim violado o princípio da cooperação previsto no artigo 8.º do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPAC. g) Atendendo ao princípio de contraditório previsto no artigo 3.º do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPAC, sabe-se que teoricamente o momento do conhecimento de excepção dilatória deve ser, por muito cedo que fosse, depois da contestação da entidade recorrida, isto porque, o legislador deseja que o tribunal, antes de tomar a decisão final, ouça a opinião da entidade recorrida, o que também se trata duma vinculação ao poder do tribunal, e é garantia duma decisão justa e objectivamente proferida, ainda que formalmente. O despacho recorrido não o cumpriu, violando o artigo 3.º do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPAC. h) O principal objectivo do instituto de indeferimento liminar previsto no art.º 46.º do CPAC é o princípio da economia nas acções de execução, mas ele não prescindiu dos outros princípios jurídicos que são muito mais importantes que o princípio da economia, tal como o princípio de imparcialidade, e o valor essencial das leis.”; (cfr., fls. 71 a 96 e 218 a 243).

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Em sede de vista, emitiu o Exm° Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Tanto quanto nos é dado apreender, a rejeição liminar do recurso contencioso ficou a dever-se a duas ordens de razões :
- ilegalidade da coligação dos recorrentes -art° 46°, n° 2, al e) CPAC
- ineptidão da petição – n° 1 da mesma norma.
Quanto a esta última, entendeu o julgador "a quo" não terem os recorrentes alegado os "respectivos fundamentos de facto e de direito sobre o objecto do recurso e o pedido ", pelo que tal ineptidão resultaria do disposto no art° 139° CPC, aplicável "ex vi" do art° 1°, CPAC.
Não alcançamos, contudo, que assim possa ser.
Assistirá, concerteza, razão ao julgador ao entender que, tendo sido aplicada uma multa por falta de licença para a instalação de letreiros publicitários e assumindo o destinatário tal falta de licença, não faça sentido e se revele inócuo esgrimir com o direito à mesma, mesmo que por parte da 1ª recorrente, havendo antes que atacar o acto que, porventura negou a concessão respectiva : simplesmente, não vemos que tal matéria, assim analisada, constitua, por si, motivo válido da rejeição liminar registada, mesmo à luz do previsto no art° 139°, CPC, atinente à ineptidão da petição inicial, não se divisando que os fundamentos de facto e de direito e o pedido não tenham sido formulados: poderão não ser válidos ou suficientes, efectuado o escrutínio respectivo no momento próprio, mas tal não acarreta, por si, a ineptidão da petição alcançada.
Quedará a questão da coligação dos recorrentes.
A este propósito, cremos que o Mmo Juíz "a quo" labora em equívoco ao pretender associar à pretendida ilegalidade na coligação, nos termos conjugados da al e) do art° 46° e 35°, ambos do CPAC, o disposto no art° 33°, do mesmo diploma, respeitante à ilegitimidade activa.
Trata-se de diferentes realidades, assim, aliás, consagradas nas alíneas d) e e) do n° 2 do art° 46° CPAC atrás citado e, daí, que haja que analisá-los de forma autónoma e independente, assim se alcançando, desde logo, não se ver como ocorra a ilegal coligação dos recorrentes, dado terem recorrido do mesmo acto.
O problema poderá, é certo, pôr-se em termos de ilegitimidade do 1 ° recorrente: só que não foi esse o motivo da rejeição operada, sendo certo que, para além de o mesmo ter adiantado as suas razões para o efeito, ainda que tal ilegitimidade se configurasse, nada inibiria a prossecução do processo quanto à outra interessada.
Razões que nos impelem à consideração do merecimento de provimento do presente recurso.”; (cfr., fls. 245 a 246).

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Adequadamente processados os autos, vieram os mesmos à conferência.

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Cumpre decidir.

Fundamentação

2. O presente recurso tem como objecto a decisão pelo Mm° Juiz do Tribunal Administrativo proferida que rejeitou o recurso pelos ora recorrentes aí interposto de uma deliberação proferida pelo Conselho de Administração do Instituto dos Assuntos Cívicos e Municipais, datada de 29.05.2009, e com a qual se decidiu aplicar uma multa de MOP$60,000.00 à 2ª recorrente, “B LIMITED”.

Tem a decisão ora recorrida o teor seguinte:
“A A, Limitada (adiante designada por 1.ª recorrente) e a B Ltd. (adiante designada por 2.ª recorrente), melhor identificadas nos presentes autos, apresentaram nova petição, interpondo recurso contencioso contra a resolução n.º 58 tomada pelo Conselho de Administração do IACM na sessão n.º 27 de 29 de Maio de 2009 que rejeitara o seu recurso administrativo, solicitando a anulação do respectivo acto administrativo.
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Ora o tribunal vem pronunciar-se sobre as respectivas questões.
Na petição, as 1.ª e 2.ª recorrentes interpuseram recurso tendo como alvo o mesmo objecto, assim existindo pluralidade de recorrentes.
Em relação à legitimidade do sujeito plural, o CPAC apenas permite a interposição de recurso contencioso na forma de coligação. De acordo com o artigo 35.º do CPAC, são duas as situações de coligação no recurso contencioso: primeiro, quando recorrem do mesmo acto; segundo, quando recorrem de actos contidos, formalmente, num despacho ou outra forma de decisão únicos com os mesmos fundamentos de facto e de direito.
Para além dos dois requisitos acima referidos, também não podemos deixar de considerar o artigo 33.º do CPAC, o qual estipula os requisitos de legitimidade activa quando o recorrente for pessoa singular ou colectiva, ou seja, o recorrente tem que ter um interesse directo, pessoa e legítimo.
Analisada a petição, sabemos que o objecto do recurso é um acto administrativo que multou a instalação de publicidades sem autorização prévia, mas o destinatário do acto foi apenas a 2.ª recorrente, e não tinha a ver com a 1.ª recorrente. Apesar de que a 1.ª recorrente declarou ter que responder perante a 2.ª recorrente pela multa, isto é apenas relação interna entre elas; em termos jurídicos, a 1.ª recorrente não é sujeito passivo de multa, pelo que não tem legitimidade para interpor recurso contencioso, quando muito, pode participar na qualidade de assistente (cfr. o disposto no artigo 40.º do CPAC).
Em relação à causa de pedir, na nova petição, a 2.ª recorrente não negou ter instalado letreiros publicitários sem licença, e todos os fundamentos de facto e de direito bem como as conclusões apontam no sentido de que a 1.ª recorrente tem direito a instalar letreiros publicitários no respectivo espaço, e a relação entre as duas recorrentes, e não foram expostos os fundamentos relativos ao pedido de anulação do acto recorrido, ou seja, quais os vícios de que padece o acto recorrido que causem a sua anulabilidade.
Se entender que tem direito a instalar os respectivos letreiros publicitários, e que a DSSOPT e o IACM não deviam recusar a emissão da respectiva certidão e licença, então, devem recorrer da não emissão da licença. Mesmo que se entenda que o acto de indeferimento da emissão da licença e certidão padece de qualquer vício de anulabilidade, isto não significa que a recorrente pode instalar letreiros publicitários sem licença sem ser multada. Concluindo, a resposta à pergunta se o acto recorrido padece do vício de anulabilidade não tem qualquer relação directa com se a 1.ª recorrente tem direito a instalar letreiros publicitários no respectivo espaço.
No primeiro recurso contencioso, este tribunal já se pronunciou explicitamente sobre o assunto (v. fls. 28 dos presentes autos), porém, este vício continuar a existir na petição nova.
De acordo com o artigo 46.º do CPAC e o artigo 139 do CPC, aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 1.º do CPAC, como as recorrentes não alegaram respectivos fundamentos de facto e de direito sobre o objecto do recurso e o pedido, a petição é manifestamente inepta.
Pelo exposto, nos termos do artigo 46.º, n.º 2, alínea e) e artigo 46.º, n.º 1 do CPAC, este tribunal rejeita novamente o recurso contencioso interposto pelas recorrentes.”; (cfr., fls. 67-v e 215 a 217).

Que dizer?

Pois bem, quanto à “ilegitimidade da 1ª recorrente”, cremos que, de facto, assim sucede.

Com efeito sendo apenas a 2ª recorrente a destinatária da “deliberação de 29.05.2009”, à 1ª recorrente não assiste legitimidade para da mesma recorrer; (cfr., v.g., sobre a legitimidade em recurso contencioso, o Ac. deste T.S.I. de 25.03.2010, Proc. n° 310/2009).

E, motivos também não havendo para uma eventual “coligação de recorrentes” – cfr., art. 35° do C.P.A.C. – pois que verificados não estão os pressupostos legais para tal, há que reconhecer que adequada foi a decisão quanto à ilegitimidade da 1ª recorrente.

— Porém como se viu, na decisão ora recorrida considerou também o Mm° Juiz que “inepta” era a petição inicial apresentada, pois que considerou que as recorrentes não alegaram na dita petição os fundamentos de facto e de direito do pedido de anulação do acto objecto do seu recurso.

Sem embargo do muito respeito devido a entendimento em sentido diverso, cremos que não se pode manter o assim considerado.

De facto, de uma leitura à petição inicial, verifica-se que na mesma vem expostas as razões de facto e de direito pelas quais se entende que a referida deliberação de 29.05.2009, na opinião das recorrentes, devia ser objecto de anulação.

Na verdade, constata-se que, nomeadamente, nas alíneas J), K) e L) das conclusões da dita petição inicial vem alegado um eventual “direito de uso” do espaço com base num contrato de concessão celebrado com o Governo da R.A.E.M., que nas alíneas M) e N) se alega que a instalação de publicidade naquele mesmo espaço – e que deu lugar à multa aplicada com a deliberação em causa – não afecta o interesse público nem provoca danos, e que, (em termos de direito), se alega, também, nomeadamente, nas alíneas U) e V), que o acto administrativo em causa viola o art. 4° e 5° do C.P.A. (princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos residentes e da igualdade e da proporcionalidade).

Não se nega que uma coisa é o assim alegado, e, outra, o mérito da pretensão apresentada.

Porém, perante o exposto, adequado não é considerar-se que alegadas não foram as “razões de facto e de direito” para o pedido deduzido.

Nesta conformidade, e na parte em questão, visto está que não é de confirmar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida nos exactos termos atrás expostos, devendo os autos prosseguir para conhecimento do recurso interposto pela (2ª) recorrente, “B LIMITED”, (se outro motivo a tal não obstar).

Custas pela (1ª) recorrente “A, LIMITADA”.

Macau, aos 30 de Setembro de 2010
_________________________ _________________________
José Maria Dias Azedo Vitor Manuel CarvalhoCoelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)

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