打印全文
Processo n.º 724/2010 Data do acórdão: 2010-12-02
Assuntos:
– opção entre a multa e a prisão
– art.o 64.o do Código Penal
– substituição da pena de prisão pela multa
– art.o 44.o, n.o 1, do Código Penal
– suspensão da execução da pena de prisão
– art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal
S U M Á R I O

1. Tendo os factos em causa nos autos subjacentes à presente lide recursória sido praticados pelo arguido ainda durante o período de um ano de suspensão da execução da pena de quatro meses de prisão imposta por uma decisão penal anterior, não deveria ter o tribunal a quo, em relação ao crime de desobediência, optado por aplicar a pena de multa em detrimento da pena de prisão, posto que essa escolha pela pena de multa não seria susceptível de prevenir o arguido da prática de novo delito no futuro (cfr. o critério material na escolha da pena plasmado no art.o 64.o do Código Penal).
2. No respeitante ao crime de condução em estado de embriaguez, tendo em conta que esta já é a terceira vez em que o arguido cometeu este crime, não deveria ter o tribunal a quo decidido pela substituição da pena de prisão pela pena de multa (cfr. o art.o 44.o, n.o 1, do Código Penal).
3. Quanto à questão de suspensão da execução da pena única de prisão, tendo o arguido praticado nesta vez, que é terceira, o crime de condução sob estado de embriaguez, ainda dentro do período de suspensão da pena de prisão imposta por uma decisão penal anterior pelo mesmo crime, é realmente pouco credível que a mera ameaça, nesta vez, da execução da prisão possa já fazer com que ele não venha a praticar mais delito congénere no futuro, pelo que é de executar imediatamente a pena de prisão, por ele não poder merecer mais do benefício da suspensão da execução da pena de prisão a que alude sobretudo o art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal.
O relator,

Chan Kuong Seng

Processo n.º 724/2010
(Autos de recurso penal)
  Recorrente: Ministério Público
  Arguido recorrido: A


ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
1. Inconformada com a sentença proferida pelo 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base nos respectivos autos de processo sumário n.o CR3-10-0167-PSM que condenou o arguido A, aí já melhor identificado, como autor material de um crime consumado de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR) (Lei n.o 3/2007, de 7 de Maio), na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de MOP$70,00, no montante total de MOP$12.600,00, e como autor material de um crime consumado de desobediência qualificada, p. e p. pelo art.o 312.o, n.o 2, do Código Penal (CP), ex vi do art.o 92.o, n.o 1, da LTR, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de MOP$70,00, no montante total de MOP$9.800,00, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, e com cassação da carta de condução nos termos do art.o 108.o da LTR, veio a Digna Delegada do Procurador junto desse Tribunal recorrer para esta Segunda Instância, para pedir a revogação parcial dessa decisão condenatória nos termos alegados na sua motivação (de fls. 41 a 45v dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o arguido no sentido de manutenção do julgado (cfr. a resposta de fls. 47 a 50).
Subido o processo, opinou a Digna Procuradora-Adjunta pelo provimento do recurso (cfr. o parecer de fls. 58 a 59).
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, realizou-se a audiência de julgamento.
Cumpre decidir.
2. Com pertinência à solução do recurso, é de considerar os seguintes factos e elementos assentes:
– no dia 21 de Agosto de 2010, cerca das 05:13 horas, junto ao Casino Sands em Macau, pela Polícia de Segurança Pública, foi mandado parar o ciclomotor de matrícula CM-XXXXX, conduzido pelo arguido;
– feito o teste de alcoolemia no sangue, o arguido apresentou uma taxa de 1,23 gramas/litro;
– quando solicitados os documentos de condução, pelo arguido foi informado que não era portador dos mesmos por estarem apreendidos no Comando da Polícia de Segurança Pública, por ter sido condenado por duas vezes pelo Tribunal, ficando assim inibido de conduzir qualquer veículo motorizado;
– agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida;
– o arguido é desempregado, vive com os seus pais, e tem como habilitações literárias o ensino secundário incompleto;
– confessou os factos e mostrou-se arrependido.
– outrossim, do teor do certificado de registo criminal do arguido (a fls. 26 a 30 dos autos), dado por reproduzido na parte da fundamentação fáctica da sentença recorrida, consta nomeadamente que:
– por decisão proferida em 22 de Julho de 2009 no Processo Sumário n.o CR2-09-0242-PSM do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, foi o arguido condenado, pela prática do crime do art.o 90.o, n.o 1, da LTR, na pena de 2 (dois) meses de prisão, substituída por 60 dias de multa, à taxa diária de MOP60,00, perfazendo MOP$3.600,00, já pagas;
– e por decisão proferida em 27 de Outubro de 2009 no Processo Comum Singular n.o CR2-09-0344-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, foi o arguido condenado, pela prática do mesmo crime de condução em estado de embriaguez do art.o 90.o, n.o 1, da LTR, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano.
3. Na sua motivação do recurso, diz a Digna Delegada do Procurador recorrente discordar da decisão recorrida no tocante à aplicação concreta da pena, por ela tida como violadora do disposto nos art.os 40.o, 44.o, 64.o e 48.o do CP.

Para este Tribunal ad quem, tem razão a Digna Delegada do Procurador, porquanto:
– estando provado que os factos em causa nos autos subjacentes à presente lide recursória foram praticados pelo arguido ainda durante o período de um ano de suspensão da execução da pena de quatro meses de prisão imposta por uma decisão penal anterior (qual seja, a do Processo Comum Singular n.o CR2-09-0344-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base), não deveria ter o Mm.o Juiz a quo, em relação ao crime de desobediência, optado por aplicar a pena de multa em detrimento da pena de prisão, posto que essa escolha pela pena de multa não seria susceptível de prevenir o arguido da prática de novo delito no futuro (cfr. o critério material na escolha da pena plasmado no art.o 64.o do CP). E ponderando em conjunto todas as circunstâncias fácticas já apuradas no texto da decisão recorrida, com pertinência à medida concreta da pena de prisão aplicável ao crime de desobediência qualificada (dentro da moldura legal de um mês até dois anos) nos parâmetros dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do CP, é de passar a impor ao arguido, para este crime, a pena de 4 (quatro) meses de prisão, tal como peticionou, no mínimo, pela Digna Delegada do Procurador recorrente;
– e agora no respeitante ao crime de condução em estado de embriaguez, também procede a posição do Ministério Público recorrente, visto que tendo em conta que esta já é a terceira vez em que o arguido cometeu o crime de condução em estado de embriaguez, não deveria ter o M.mo Juiz a quo decidido pela substituição da pena de prisão pela pena de multa. De facto, nessa circunstância concreta, como seria possível entender que a multa já conseguiria satisfazer a necessidade de prevenir o arguido do cometimento de futuros crimes? Assim sendo, por dever operar concretamente a excepção prevista na segunda parte do n.o 1 do art.o 44.o do CP, é de revogar a decisão de substituição da prisão pela multa, ficando o arguido condenado na mesma pena de prisão de 6 (seis) meses, inicialmente imposta na sentença recorrida, para o crime de condução em estado de embriaguez, com manutenção da decisão de cassação da carta de condução já tomada na sentença recorrida nos termos do art.o 108.o da LTR.

Assim, operando o cúmulo jurídico destas duas penas parcelares de prisão por comando do art.o 393.o, n.o 3, do Código de Processo Penal, é de passar a impor ao arguido a pena única de 7 (sete) meses de prisão, depois de ponderados em conjunto os factos e a personalidade do arguido agente nos termos ditados pelo art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP.

Por fim, quanto à questão de suspensão da execução da pena única de prisão, também assiste razão ao Ministério Público: tendo o arguido praticado nesta vez, em terceira vez, o crime de condução sob estado de embriaguez, ainda dentro do período de suspensão da pena de prisão imposta por uma decisão penal anterior pelo mesmo crime, é realmente pouco credível que a mera ameaça, nesta vez, da execução da prisão possa já fazer com que ele não venha a praticar mais delito congénere no futuro, pelo que é de executar imediatamente a pena de prisão, por o arguido não poder merecer mais do benefício da suspensão da execução da pena de prisão a que alude sobretudo o art.o 48.o, n.o 1, do CP.
4. Em sintonia com o exposto, acordam em julgar procedente o recurso do Ministério Público, reformulando consequentemente a decisão recorrida para os seguintes termos: fica o arguido A finalmente condenado na pena de 4 (quatro) meses de prisão, pela autoria material de um crime consumado de desobediência qualificada, p. e p. pelo art.o 312.o, n.o 2, do Código Penal, ex vi do art.o 92.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, e na pena de 6 (seis) meses de prisão, pela autoria material de um crime consumado de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, e, em cúmulo jurídico destas duas penas parcelares, na pena única de 7 (sete) meses de prisão efectiva, com cassação da carta de condução nos termos do art.o 108.o da Lei do Trânsito Rodoviário.
Sem custas nesta Segunda Instância.
Fixam em mil e duzentas patacas os honorários a favor do Ilustre Defensor Oficioso do arguido, a suportar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique ao Processo Comum Singular n.o CR2-09-0344-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, para os efeitos tidos por convenientes.
E passe mandados de detenção e condução contra o arguido, para efeitos de cumprimento da pena única de 7 (sete) meses de prisão.
Macau, 2 de Dezembro de 2010.
____________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)

____________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)

____________________________
Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)



Processo n.º 724/2010 1/9