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Processo nº 984/2009
(Autos de recurso contencioso)




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:




Relatório

1. Em 13.11.2009, registou-se a entrada na Secretaria deste T.S.I. do expediente que se passa a transcrever:
“A, casado, desempregado, ex-assessor do Gabinete do Secretário para a Economia e Finanças e coordenador do Núcleo de Apoio Jurídico da Direcção dos Serviços de Finanças, residente na Rua de Coimbra, Edifício XXX, Bloco XX, XXX.º andar “X”, Taipa, em Macau, vem, ao abrigo do art. 20.º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso interpor

RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO

do Despacho n.º 8/SEF/2009, do Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças do Governo da RAEM, de que foi notificado em 12.10.2009, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

Questão prévia: da delimitação do âmbito do recurso

º
No dia 12.10.2009, foi o Recorrente notificado – conforme respectivo termo de notificação e entrega - do Despacho n.º 8/SEF/2009 (cfr. doc. n.º 1, que se protesta juntar), exarado em 9.10.2009, por Ex.mo Senhor o Secretário para a Economia e Finanças, com efeitos a partir de 12.10.2009, no uso das competências delegadas pela Ordem Executiva n.º 6/2005, com o seguinte teor:

1) “É denunciado o contrato de trabalho celebrado entre a Região Administrativa Especial de Macau e o Dr. A, com justa causa e pelos fundamentos constantes do relatório referido no preâmbulo, que se anexa ao presente despacho;
2) São revogados todos os actos de nomeação do Dr. A o exercício de funções públicas.
3) A Direcção dos Serviços de Finanças procederá, no prazo de 15 dias, ao cálculo das remunerações provenientes do exercício de funções públicas auferidas pelo A e exigirá o reembolso daquilo que ultrapassar o limite previsto no artigo 176.º do ETAPM, sem prejuízo do disposto em matéria de prescrição de créditos da Região Administrativa Especial de Macau.
4) O presente despacho produz efeitos a partir de 12 de Outubro de 2009.”

º
São actos administrativos “as decisões dos órgãos da administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta” (art. 110.º Código do Procedimento Administrativo, doravante referido apenas como “CPA”).

º
Fazendo apelo a um critério ou noção funcional, acto administrativo é aquele que aplica normas de direito administrativo e cujo contencioso é da competência dos tribunais administrativos, i.e. da jurisdição administrativa.
º
Assim, a contrario, “não são actos administrativos os actos jurídicos praticados pela Administração no desempenho de actividade de gestão privada, onde relevam normas de direito privado” - vide Santos Botelho e outros, “CPA Anotado e Comentado”, 4.ª Edição, Almedina, pp. 493.

º
Tendo em conta o exposto, o Despacho recorrido poderá ser dissecado em três partes distintas: a alínea 1), que contém um acto de gestão privada da Administração, as alíneas 2) e 3) a que correspondem dois actos administrativos distintos, e a alínea 4) que lhes fixa a data de produção de efeitos.

º
Não se conformando embora com a decisão contida na alínea a) do Despacho recorrido – porque ilícita e injusta - é, no entanto, entendimento do Recorrente que a mesma encerra um acto de gestão privada da Administração, cuja sindicância está reservada aos tribunais judiciais.

º
Isto porque, como melhor explanará infra, o Recorrente entende que a relação laboral que estabeleceu com a Administração não configura uma relação jurídico-administrativa, mas antes uma relação jurídica de direito privado.

º
O acto administrativo vertido na alínea 2) do citado Despacho foi exarado ao abrigo de um poder discricionário da Administração, pelo que o Recorrente, se bem que o repute injusto, não lhe imputa qualquer vício, conformando-se.

º
Ao invés, não pode o Recorrente conformar-se com a decisão, tanto injusta quanto ilegal, vertida na alínea 3) do Despacho recorrido.

º
Pelo exposto, o Recorrente restringe o âmbito do presente recurso à decisão da alínea 3) do Despacho recorrido, integralmente reproduzida no artigo 1.º do petitório.
Na verdade,

º
A referida decisão unilateral do Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, tomada ao abrigo de normas de direito público, in casu, o Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (adiante designado apenas por “ETAPM”), produzindo efeitos jurídicos (negativos) na esfera jurídica do administrado, ora Recorrente, é verdadeiro acto administrativo (sancionatório), que vai aqui desde já impugnado.

º
Deste modo, ao abrigo do princípio da impugnação unitária, vão também impugnados, ora por vícios próprios, ora pelos mesmos vícios de que padece o acto recorrido, todos os actos antecedentes e consequentes do acto administrativo em crise, em especial:

- o Despacho de S. Exa. o Chefe do Executivo, de 29.09.2009, exarado no Relatório para arquivamento do procedimento disciplinar, de que o Recorrente foi notificado por ofício n.º 37/GCE/PD/ACMS/2009 (vide doc. n.º 2, que se protesta juntar);

- o Despacho da Ex.ma. Senhora Directora substituta dos Serviços de Finanças, de 23.10.2009, exarado sobre a Informação n.º 30381/DAF/SRH/2009, de 22.10.2009, de que o Recorrente foi notificado em 27.10.2009, por ofício n.º 10034/DAF/09, e respectivo mapa de cálculo anexo e guia de liquidação no montante de MOP698.085,00, para reembolso, no prazo de 15 dias, de remunerações alegadamente auferidas em excesso do limite legal previsto no n.º 1 do art. 176.º do ETAPM, conforme (cfr. doc. n.º 3, que se protesta juntar).

Dos pressupostos processuais: recorribilidade do acto, legitimidade, competência e prazo

º
Delimitado o âmbito do presente recurso contencioso à decisão vertida na alínea 3) do Despacho recorrido e aos actos antecedentes e consequentes supra identificados, cumpre demostrar, resumida mas claramente, a verificação dos pressupostos processuais da recorribilidade contenciosa do acto administrativo.

º
“São actos administrativos contenciosamente recorríveis os que, produzindo efeitos externos, não se encontram sujeitos a impugnação administrativa necessária.” v. art. 28.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, abreviadamente designado como “CPAC”.

º
O acto recorrido é inválido – como se demonstrará - mas eficaz, porque susceptível de produzir os seus efeitos negativos na esfera jurídica do Recorrente, tendo a alínea 4) do Despacho recorrido fixado-lhe os efeitos “a partir de 12 de Outubro de 2009”,

º
e não está sujeito a impugnação administrativa necessária, conforme o disposto no art. 154.º do CPA, porquanto foi praticado ao abrigo de competências (delegadas) próprias.

º
Assim sendo, porque inválido e dotado de eficácia externa e lesividade própria (v. art. 28.º CPAC), o aludido acto é contenciosamente recorrível para esse Venerando Tribunal.

º
Efectivamente, o acto recorrido é lesivo da esfera jurídica patrimonial do Recorrente, porquanto lhe impõe uma obrigação de reposição de montantes a que, por lei, não está obrigado.

º
Sobre o conceito de lesividade, veja-se, inter alia, a título de boa doutrina, a seguinte jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal:

“Só acto lesivo, no sentido de acto que atinge por forma negativa direito ou interesse legalmente protegido do administrado, é susceptível de recurso contencioso” - vide Ac. do STA de 21/3/1996 – Rec. n.º 39.097;

“Entende-se por acto lesivo aquele que atinge por forma negativa direito ou interesse legalmente protegido do administrado” - vide Ac. STA de 7/7/1998 – Rec. 42.215.

º
No mesmo sentido vai a boa doutrina: “o importante agora não é saber se um acto administrativo é ou não definitivo e executório, mas sim se ele é ou não lesivo dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, tudo se acabando, por isso, por centrar à volta dos efeitos do acto em causa” – vide Santos Botelho, Contencioso Administrativo, 4.ª Edição, Almedina, pp. 286.

º
Deste modo, dúvidas não restam de que o acto administrativo que cria na esfera jurídica do administrado um vínculo jurídico, uma obrigação de prestar com conteúdo patrimonial, capaz de prejudicar os seus interesses patrimoniais (e morais), é um acto administrativo lesivo imediatamente recorrível.

º
Ademais, e não obstante tal não constituir um critério definidor da impugnabilidade contenciosa, dir-se-á que o acto recorrido é executório - porque obrigatório e passível de imediata execução coerciva por via administrativa - e material, horizontal e verticalmente definitivo (não se encontrando, portanto, sujeito a impugnação administrativa necessária).

º
O acto recorrido, definindo a situação jurídica do Recorrente (definitividade material), constitui a decisão final do procedimento administrativo (definitividade horizontal), praticado pelo órgão que constitui o topo da hierarquia administrativa (definitividade vertical), ao abrigo de competências (delegadas) próprias, nos termos da Ordem Executiva n.º 6/2005.

º
Tem legitimidade passiva no recurso contencioso “o órgão que tenha praticado o acto” vide art. 37.º do CPAC.

º
Sendo que, como é sabido, nos actos praticados ao abrigo de delegação de poderes, a autoridade recorrida deve ser o autor do acto administrativo e não a entidade delegante, sob pena de ilegitimidade.

º
Por outro lado, o Recorrente é titular de um interesso directo, pessoal e legítimo na procedência do presente recurso, porquanto o acto recorrido é susceptível de lesar os seus direitos e interesses legalmente protegidos (v.g. integridade do seu património) sendo, portanto, parte legítima (art. 33.º alínea a) do CPAC).

º
O acto recorrido foi notificado ao Recorrente em 12.10.2009 (cfr. fls. 1 do doc. n.º 1)

º
No entanto, a referida notificação omitiu por completo as indicações obrigatórias previstas as alíneas c) e d) do artigo 70.º do CPA. Pelo que,

º
em 22.10.2009, usando a faculdade concedida pelo n.º 2 do art. 27.º do CPAC, o Recorrente endereçou ao Ex.mo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças um pedido de notificação “das indicações obrigatórias a que aludem as alíneas c) e d) do artigo 70.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), por se encontrarem em falta no referido Despacho” – conforme melhor consta do requerimento que se protesta juntar como doc. n.º 4.

º
Por ofício com a referência n.º 1345/GSEF/2009, de 23.10.2009, foi o Recorrente informado das referidas indicações obrigatórias em falta relativas ao “acto administrativo contido no n.º 2 do despacho do senhor Secretário de 09.10.2009” – cfr. doc. n.º 5, que se protesta juntar.

º
Atenta a restrição infundada dos esclarecimentos prestados ao “acto administrativo contido no n.º 2”, o Recorrente viu-se na necessidade de dirigir novo requerimento ao Ex.mo Senhor Secretário para Economia e Finanças solicitando a notificação das menções obrigatórias em falta respeitantes às restantes decisões contidas no Despacho ora recorrido - cfr. doc. n.º 6, que se protesta juntar.

º
Em consequência, o prazo de recurso ficou, pelo menos, suspenso nos dias 22 e 23 de Outubro de 2009, pelo que o presente recurso é tempestivo, nos termos conjugados do disposto no art. 25.º, n.º 2, al. a), art. 26.º, n.º 2, al. a) e art. 27.º n.º 2 do CPAC.

º
O Tribunal é competente, conforme dispõe a al. 8) do art. 36.º da Lei de Bases da Organização Judiciária (Lei n.º 9/1999, de 20 de Dezembro).

Dos factos e iter processual

º
Por contrato individual de trabalho, datado de 1 de Junho de 2000, celebrado com o Governo da RAEM, representado pelo Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, foi o Recorrente contratado para “exercer funções de assessoria jurídica no âmbito da Direcção dos Serviços de Finanças da Região Administrativa Especial de Macau, de acordo com as instruções directamente recebidas da Direcção, assegurando, ainda, a coordenação do Núcleo de Apoio Jurídico, com apoio especializado às diversas subunidades da Direcção dos Serviços.” vide cláusula 1.ª do contrato de trabalho que se protesta juntar como doc. n.º 7).

º
Actividade que vinha desenvolvendo, desde então, de forma contínua e ininterrupta até à rescisão unilateral do seu contrato de trabalho.

º
No dia 13 de Junho de 2003, foi celebrado, entre as mesmas partes, averbamento ao Contrato acima referido, introduzindo, entre outras, alterações à cláusula 1.ª, nos termos da qual “o segundo outorgante é contratado como assessor do Gabinete do Secretário para a Economia e Finanças (...)” v. cláusula 1.ª do averbamento ao contrato de trabalho que se protesta juntar como doc. n.º 8.

º
Nos termos da alínea 1) do n.º 1 dos Despachos n.ºs 81/2004, 76/2005, 72/2006, 95/2007 e 94/2008, do Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, foi o Recorrente nomeado membro da Comissão de Avaliação de Avaliação de Veículos Motorizados (doravante referida abreviadamente como “CAVM”), como vogal efectivo a que alude a alínea 3) do n.º 1 do art. 15.º do Regulamento do Imposto Sobre Veículos Motorizados (RIVM), aprovado pela Lei n.º 5/2002.

º
Em 8 de Setembro de 2009, foi divulgado o teor do relatório da auditoria de resultados à CAVM do Comissariado de Auditoria (doravante designado apenas por “CA”), datado de Julho de 2009, descrevendo alegadas irregularidades no funcionamento desta Comissão, e que pode ser consultado no sítio electrónico do CA, em http://www.ca.gov.mo/pt/main.php.

º
Nessa altura, já tivera início o processo disciplinar n.º 1/GCE/PD/ACMS/2009, instaurado ao ora Recorrente e outros dois membros daquela Comissão, por Despacho de 30 de Junho de 2009, de Sua Exa. o Chefe do Executivo, exarado sobre a Informação n.º 11/SEF/2009.

º
O processo correu os seus termos – ao arrepio da natureza secreta prevista no art. 294.º do ETAPM - e, realizada a instrução, foi proferida acusação contra os aludidos membros da CAVM, entre eles o Recorrente.

º
No entanto, relativamente ao Recorrente, foi decidido não prosseguir com o processo disciplinar, nos termos do relatório de arquivamento a que se refere o n.º 1 do artigo 332.º do ETAPM.
Efectivamente,

º
Em 6.10.2009, foi o Recorrente notificado - por ofício n.º 37/GCE/PD/ACMS/2009 - do relatório para arquivamento anexo, que se protestou juntar como doc. n.º 2, com Despacho de S. Exa. o Chefe do Executivo, que é do seguinte teor:

“Para os devidos efeitos, nos termos conjugados dos artigos 277.º e 332.º, n.º 1 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, e do n.º 3 do artigo 259.º do Código de Processo Penal, informo V. Ex.ª que pelo Despacho do Chefe do Executivo, de 29 de Setembro de 2009, exarado sobre o relatório para arquivamento, o qual é do seguinte teor “Concordo. Remeta-se ao Secretário para a Economia e Finanças para proceder à rescisão do contrato individual de trabalho de A, cumprindo as formalidades legais, e para apuramento e reposição, nos termos da lei dos montantes indevidamente recebidos”, foi decidido não prosseguir com o procedimento disciplinar que lhe tinha sido instaurado ao abrigo do ETAPM, pelo facto de este a penas ser aplicável aos funcionários e agentes (artigo 276.º)”.

º
Nessa senda, em cumprimento da ordem de S. Exa. o Chefe do Executivo, referida no artigo anterior, o Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças exarou, ao abrigo das competências delegadas pela Ordem Executiva n. 6/2005, o Despacho melhor identificado no intróito desta petição de recurso (vide doc. n.º 1).

º
Finalmente, em consequência, no dia 27.10.09, foi o ora Recorrente notificado, por ofício n.º 10034/DAF/09, do Despacho da Ex.ma. Senhora Directora substituta dos Serviços de Finanças, de 23.10.2009, que autorizou a emissão de uma Guia para pagamento, no prazo de 15 dias, do montante de MOP698.085,00 (seiscentas e noventa e oito mil e oitenta e cinco patacas), referentes aos montantes auferidos pelo Recorrente entre 1 de Janeiro de 2005 e 11 de Outubro de 2009, alegadamente em excesso do limite previsto no artigo 176.º do ETAPM, conforme o respectivo mapa de “Cálculo dos montantes auferidos que excedem o limite anual máximo – art. 176.º do ETAPM”,– vide Ofício que se protestou juntar como Doc. n.º 3.

Dos Fundamentos do Recurso

Do vício de forma: preterição de formalidade essencial

º
Sob a epígrafe “Principio da participação”, o art. 10.º do CPA reza o seguinte: “Os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência, nos termos deste Código.” (sublinhado nosso).

º
A norma citada consagra, de forma cristalina aliás, o princípio de que as decisões da Administração devem ser precedidas da audiência dos interessados. O direito de participação dos administrados na formação das decisões administrativas é uma regra elementar de justiça, corolário do direito de defesa, que a todos assiste.

º
O dever de audiência é o modo, por excelência, de concretizar o aludido princípio da participação dos interessados no procedimento administrativo até à tomada da decisão final, leia-se, do acto administrativo.
º
Conforme dispõe o art. 93.º do CPA, “salvo o disposto nos artigos 96.º e 97.º, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.”

º
Ora, o direito de audiência nunca foi exercido pelo interessado, não por sua inércia mas por nunca lhe ter sido concedida essa possibilidade.

º
Tendo o instrutor do processo disciplinar concluído que o regime disciplinar previsto no ETAPM não era aplicável ao Recorrente, e elaborado o respectivo relatório para arquivamento, então, a formação da vontade da administração, no que se refere à decisão unilateral e lesiva de ordenar a reposição de determinados montantes, estaria sujeita às regras do procedimento administrativo “comum” previsto no CPA.

º
A audiência do interessado, ora Recorrente, quer oral, quer escrita, foi completamente omitida, não se verificando qualquer das situações que a excluem, previstas no art. 96 e 97.º do CPA.

º
Não se conformando com a situação descrita, no dia 7.10.2009, o Recorrente escreveu ao Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, terminando por solicitar “que lhe seja dada oportunidade para o exercício do direito ao contraditório e que, em qualquer dos casos, nenhuma decisão concreta seja tomada, pelo menos até que sejam decididos os processos disciplinares em curso.” - cfr. doc. n.º 9, que se protesta juntar.

º
Não obstante o empenho e esforços prosseguidos, nunca o Recorrente pôde exercer o seu direito de defesa e do contraditório nem tão-pouco a ser simplesmente ouvido na formação de decisões da Administração que directamente o afectam.

º
Conforme defende a melhor doutrina e jurisprudência, a preterição da audiência dos interessados, fora dos casos previstos na lei, torna os actos anuláveis por vício de forma – vide uma síntese das diferentes correntes doutrinais quanto às consequências da falta de audiência dos interessados em Santos Botelho e outros, op. cit., pp. 383.

º
E esse Venerando Tribunal, na sequência aliás da douta jurisprudência do TUI, decidiu, no processo n.º 234/2003, que “vistas as circunstâncias concretas do caso em análise, tendo sido, postergado, de forma absoluta, o direito de defesa do Recorrente de contraditar a posição da Administração, entende-se ter ocorrido vício de forma por preterição de norma procedimental. (...) E tanto basta para anular o acto recorrido (...).”

º
Assim sendo, o despacho recorrido padece de vício de forma, por violação do princípio da participação e preterição absoluta do dever de audiência dos interessados, constantes, respectivamente, no art. 10.º e art. 93.º do CPA, devendo ser anulado por esse venerando Tribunal, com as legais consequências.

º
Do mesmo vício padecem todos os actos antecedentes e consequentes do acto recorrido, porquanto também quanto a esses foi o direito do recorrente a ser ouvido injustificadamente arredado pela Administração.

º
À guisa de conclusão, refira-se que o procedimento administrativo legitima os actos da Administração, pelo que as decisões tomadas com total desrespeito das regras consagradas no CPA são, para além de inválidas, ilegítimas.

Do vício de violação de lei
º
A decisão vertida na alínea 3) do Despacho recorrido, que ordena o cálculo das remunerações provenientes do exercício de funções públicas pelo Recorrente, e consequente reembolso daquilo que ultrapassar o limite previsto no artigo 176.º do ETAPM, é inválida e ilegal, porque – para além do invocado vício de forma – tem por base um dispositivo legal inaplicável no caso concreto.

º
Efectivamente, o ETAPM não se aplicava ao Recorrente, quer no âmbito da relação laboral baseada no contrato individual de trabalho, quer no âmbito das funções exercidas na CAVM (e outras comissões fiscais), para a qual foi nomeado.

º
Conforme concluiu o instrutor do processo disciplinar, o regime disciplinar previsto no ETAPM apenas se aplica a funcionários e agentes, sendo que o ali arguido, ora Recorrente, havia sido contratado por contrato individual de trabalho – cfr. doc. n.º 7 e 8.

º
Ora, não só o regime disciplinar previsto no ETAPM não era aplicável ao Recorrente, como também não o era o disposto no artigo 176.º do ETAPM.
Senão vejamos,

º
No Relatório de actividades do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), de 2002, a págs. 135, disponível em http://www.ccac.org.mo/pt/, lê-se o seguinte:
“Com base na análise dos regimes jurídicos vigentes, das informações fornecidas pelos serviços públicos e dos modelos de contratos apresentados pelos serviços/institutos públicos, entendeu-se, que, em termos gerais, existem na contratação do pessoal não permanente ou temporário os seguintes problemas:
(...)
- Ausência de regime ou critérios reguladores do conteúdo do contrato, em termos, por exemplo, de limites máximos e mínimos de remunerações e de definição de regalias e deveres.” (sublinhado nosso).

º
Ou seja, é o próprio CCAC que reconhece expressamente que a contratação de pessoal não permanente ou temporário da Administração (ao abrigo de contrato individual de trabalho ou contrato de prestação de serviços, por exemplo), não está sujeita a quaisquer limites remuneratórios como acontece para os funcionários públicos (e agentes).
De igual forma,

º
No Parecer n.º 2/III/2009, da Comissão eventual para análise de iniciativas legislativas relativas ao funcionalismo público, sobre a Proposta de Lei intitulada “Regime das carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos”, disponível no sítio electrónico da Assembleia Legislativa, em http://www.al.gov.mo/lei/leis/2009/14-2009/po.htm, consta que:

“A extensão do regime de carreiras a todos os trabalhadores da Administração independentemente do vínculo que com esta mantêm, nomeadamente o contratual, constitui uma inovação face ao regime actual, que apenas consagra o direito à carreira ao pessoal do quadro. (...)

Contudo, se a aplicação do regime de carreiras aos vínculos contratuais precários – contratos além do quadro e de assalariamento – se entende uma vez são contratos administrativos celebrados ao abrigo do direito público, já a sua aplicação aos contratos individuais de trabalho, sujeitos ao direito privado, suscitou dúvidas. Há que ter presente que a disciplina que rege os contratos individuais de trabalho não é a mesma que rege os contratos administrativos de provimento na administração.

Os contratos individuais de trabalho regem-se pelo regime de direito privado, vale no processo de negociação a vontade das partes, não estando estas sujeitas a quaisquer espartilhos que não sejam os de não poderem inserir nos contratos cláusulas ilegais, ou seja, contrárias à ordem jurídica. Assim, estes contratos individuais de trabalho, quando celebrados com a Administração não estão sujeitos aos pressupostos contratuais que regem os contratos administrativos de provimento, nomeadamente ao limite mínimo e máximo de idade, à fixação da remuneração com relação a um índice da tabela indiciária, etc. (...)

Acresce a falta de previsão legal no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública (ETAPM) deste tipo de contrato. Este Estatuto, no seu artigo 2.º, prevê que são trabalhadores da Administração Pública, os funcionários, os agentes (trabalhadores providos por contrato além do quadro) e os assalariados. Esta delimitação está consagrada nos artigos 19.º e 21.º que prevê que as formas de provimento na administração são a nomeação ou o contrato, sendo as formas de contrato o além do quadro e o assalariamento.
Assim, a consagrar-se o contrato individual de trabalho como uma nova forma de provimento deveria ter-se alterado o artigo 21.º daquele Estatuto, o que não foi feito.

A estas preocupações o Governo respondeu com a necessidade de introduzir alguma regulação nesta matéria, ainda que esta proposta de lei não fosse o instrumento jurídico mais adequado. Isto porque, de há alguns anos a esta parte, alguns serviços começaram a utilizar este tipo de contrato de forma generalizada e sem salvaguardarem sempre, devidamente, os direitos dos trabalhadores em matérias tão importantes como sejam, por exemplo, o direito a salário igual para trabalho igual. Ou seja, existe na Administração uma certa falta de critério uniforme na forma de utilização deste tipo de contratos que o governo quer agora disciplinar.” (sublinhado e negrito nossos).

º
Em nota de rodapé ao último parágrafo acabado de citar, diz-se o seguinte: “A falta de critério nesta matéria com a consequente imposição aos trabalhadores – cuja capacidade negocial não é a mesma que a da Administração – de condições de trabalho pouco favoráveis e pouco consentâneas com a tradicional prática da Administração, levou a que o Chefe do Executivo, através do Despacho n.º 6/2009, determinasse que a Lei das Relações de Trabalho (Lei n.º 7/2008) fosse aplicada aos trabalhadores dos serviços e entidades públicas providos em contrato individual de trabalho naquilo que lhes for mais favorável. (...)”

º
Por outro lado, refira-se que nos termos do art. 69.º n.º 1 do Regime das Carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos, aprovado pela Lei n.º 14/2009, “Os contratos individuais de trabalho celebrados antes da data da entrada em vigor da presente lei e as suas renovações, continuam sujeitos à disciplina emergente desses contratos”.

º
E o n.º 2 do art. 69.º da mesma Lei consagra que “As partes, por sua iniciativa e mútuo acordo, podem optar por celebrar um novo contrato individual de trabalho regido pela presente lei.” Ora,

º
o contrato a que alude o citado n.º 2 do art. 69.º nunca foi celebrado com o Recorrente pelo que, não lhe sendo aplicável o regime das carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos, tão-pouco o ETAPM, continuou sujeito à disciplina emergente do seu contrato de trabalho e às normas de direito privado que o regem, em especial, a já referida Lei das Relações de Trabalho.

º
Como bem frisou o referido parecer, o Despacho do Chefe do Executivo n.º 6/2009 manda que “o disposto na Lei n.º 7/2008 (Lei das Relações de Trabalho) é aplicável aos trabalhadores dos serviços e entidades públicas providos em regime de contrato individual de trabalho naquilo que lhes for mais favorável.”

º
Ao contrário do ETAPM, a Lei das Relações de Trabalho não dispõe de qualquer limite máximo de remunerações, pelo que, sendo, nesse aspecto, mais favorável, terá necessariamente de aplicar-se ao Recorrente.

º
Atentos os princípios da igualdade e imparcialidade expressamente consagrados no CPA, não pode a Administração considerar o ETAPM inaplicável quando confere direitos aos trabalhadores (como seja o direito a um processo disciplinar, que foi negado ao Recorrente) e aplicável quando lhes impõe sacrifícios (por exemplo, limites de remunerações ou exclusividade de funções).

º
Sendo certo que o contrato individual de trabalho é utilizado pela Administração pública porque permite às partes maior liberdade de estipulação, libertando-as dos espartilhos legais aplicáveis aos funcionários públicos.

º
O âmbito de aplicação da norma do art. 176.º do ETAPM deve ser restringido aos trabalhadores da Administração Pública de Macau: funcionários, agentes e pessoal assalariado (art. 2.º do ETAPM), o que não é o caso do Recorrente.

º
Pelo exposto, é mister concluir que o ETAPM não era aplicável ao Recorrente, nem no âmbito das funções exercidas ao abrigo de contrato individual de trabalho, nem no âmbito de quaisquer outras funções exercidas.

º
Assim, o Despacho recorrido padece de vício de violação de lei – v. al. d) do n.º 1 do art. 21.º do CPAC - por erro nos pressupostos de Direito, porquanto a Administração entendeu, erradamente, aplicar as previsões do ETAPM ao Recorrente.

º
Neste sentido, veja-se Santos Botelho, op. cit., págs. 744:“O vício de violação de lei mais usual é o que se prende com o erro de direito e com a errada qualificação jurídica dos factos”, sendo que uma das causas capazes susceptíveis de gerar o erro de direito é o “erro quanto à base legal sobre a qual a decisão foi tomada aplicando-se, por exemplo, norma não susceptível de ser invocada na situação concreta”.

º
Em consequência, deve o acto recorrido ser anulado in totum (incluindo todos os actos antecedentes ou preparatórios e consequentes) por padecer de vício de violação de lei, tornando-o, em consequência, ilegal e anulável.

º
Mesmo que assim não se entenda, o que se concebe, sem conceder, apenas por dever de patrocínio, as remunerações auferidas pelo exercício de funções na CAVM (e outras comissões fiscais) sempre estariam abrangidas pela norma excepcional do n.º 2 do art. 176.º do ETAPM.

Da legalidade e natureza da remuneração paga aos membros da CAVM

º
Nos termos do artigo 175.º do ETAPM, apenas as remunerações permitidas por Lei podem ser processadas, liquidadas e pagas aos trabalhadores da Administração.
º
A remuneração dos membros da CAVM tem previsão legal, nos termos do artigo 15.º do RIVM.

º
Em todos estes anos de funcionamento da CAVM estas despesas não foram alvo de crítica ou reparo pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças ou por S. Exa. o Chefe do Executivo, que homologam a proposta do Orçamento; pela Assembleia Legislativa, que o aprova; ou pelo próprio Comissariado da Auditoria, o qual tem como missão realizar “auditoria financeira sobre a execução do orçamento do Governo da Região Administrativa Especial de Macau e elabora[r] o relatório de Auditoria da Conta Geral da Região Administrativa Especial de Macau” ã conforme dispõe o artigo 3.º da Lei Orgânica daquele Comissariado (Lei n.º 11/1999).

º
Estes factores, associados ao princípio da legalidade a que está adstrita a Administração Pública e à presunção de legalidade dos seus actos, levaram o Recorrente a não questionar a natureza da remuneração recebida como membro da CAVM, tendo sempre entendido que essa remuneração não era atendida para os efeitos do n.º 1 do artigo 176.º do ETAPM, caso ainda assim, este lhe fosse aplicável.

º
Quanto à natureza da remuneração auferida pelo exercício de funções na CAVM, foi sempre entendimento do Recorrente e da Direcção dos Serviços de Finanças (doravante apenas designada por “DSF”), incluindo os seus técnicos juristas, que esta remuneração é equivalente à das senhas de presença.

º
Para facilidade de raciocínio, transcreve-se na íntegra o art. 176.º do ETAPM, que dispõe o seguinte:
1. O limite anual máximo de remuneração, em consequência do exercício de funções públicas, a qualquer título, é o que resulta da seguinte fórmula:
V × 125
L =
————
× 14
100
em que L = limite máximo fixado
e V = vencimento máximo da tabela indiciária.
2. Não são consideradas para efeitos do limite fixado no número anterior apenas as importâncias recebidas a título de prémio de antiguidade, subsídio de turno, subsídio de família, subsídio de residência, subsídio de refeição, abono para falhas, despesas de representação, senhas de presença e ajudas de custo, bem como as devidas pelo exercício de funções de deputado e de vogal do Conselho Consultivo e membro das Assembleias Municipais.
3. Quando as funções tenham sido exercidas por período inferior a 1 ano, o limite de remuneração é igual ao duodécimo do limite anual estabelecido no n.º 1 multiplicado pelo número de meses completos em que, no respectivo ano civil, foram exercidas as funções.
4. As contravenções ao disposto neste artigo obrigam à reposição das quantias indevidamente recebidas, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar e criminal que ao caso couber. (negrito nosso).

º
Em primeiro lugar, há que ter em conta o Decreto-Lei n.º 14/98/M, de 27 de Abril, que regula o exercício das funções de representação da DSF junto de entidades autónomas, incluindo as comissões fiscais como seja a CAVM.

º
Este diploma, por se aplicar em concreto aos representantes da DSF junto dessas comissões, é de natureza “especial” face às regras gerais estabelecidas para os funcionários públicos no ETAPM, pelo que, sendo lei especial, se sobrepõe à lei geral – a qual, de resto, como visto, é inaplicável ao Recorrente.

º
Nos termos do artigo 4.º do referido Decreto-Lei, a remuneração dos representantes da DSF em entidades autónomas pode ter por referência o pagamento, por reunião, de senhas de presença, e isto independentemente de os mesmos terem ou não isenção de horário ou exercerem cargos de chefia ou direcção.

º
Desta forma, derrogando esta norma especial o princípio geral estabelecido no n.º 3 do artigo 215.º do ETAPM (que regula a atribuição de senhas de presença) é claro que, assim sendo, os representantes da DSF na CAVM, incluindo o ora Recorrente, têm direito a receber senhas de presença ou remuneração equivalente à de senhas de presença.

º
Para além disso, esta questão foi já abordada num Memorando elaborado em conjunto pela DSF, pelo CCAC e pelo próprio CA, ao longo de três reuniões ocorridas em Março e Abril de 2004.

º
O Memorando em causa teve em atenção várias questões de aplicação duvidosa, nomeadamente a questão do limite remuneratório previsto no n.º 1 do artigo 176.º do ETAPM e da natureza das remunerações recebidas por trabalho desenvolvido como membro de comissões para efeitos de exclusão desse limite, nos termos do n.º 2 do preceito em causa.

º
Nesse documento, as entidades autoras (DSF, CCAC e CA) reconhecem que não é claro que essa remuneração esteja sujeita ao limite do artigo 176.º do ETAPM, para depois concluir que há grande dificuldade em aplicar esse mesmo limite a esse tipo de remuneração.

º
A esse propósito, reconhece-se no Memorando que existem remunerações com características análogas às previstas no n.º 2 do artigo 176.º do ETAPM (onde se incluem as remunerações a título de senha de presença), mas que não estão ali previstas ou comportadas, e que esse aspecto pode contribuir para um tratamento desigual entre trabalhadores da mesma função pública.

º
Na verdade, e como reconhecido pelo próprio CA, o tratamento diferenciado de remunerações com características idênticas poderá levar ao tratamento desigual de trabalhadores.

º
Pois que, se essas remunerações análogas são contabilizadas para efeitos de limite anual máximo de remuneração, nos termos do artigo 176.º do ETAPM, quem ultrapassar esse limite, deixará de ser pago pelo trabalho desenvolvido nessas comissões.

º
Isto significa que passará a haver trabalho produzido à parte do trabalho realizado no âmbito da sua função principal, que deixará de ser pago a determinados funcionários, enquanto que outros, membros da mesma Comissão, na mesma qualidade de funcionários públicos, estarão a receber.

º
Aqui não só se viola o princípio básico de que o trabalho deve ser remunerado, como se verifica uma verdadeira discriminação entre trabalhadores de uma mesma função pública.

º
Para além do que ficou dito, também se refere no aludido Memorando que não existe um regime geral da Administração Pública relativa ao contrato individual de trabalho e que se a Administração Pública quiser generalizar esta política, de forma a enquadrar o contrato individual de trabalho, deve actualizar o regime, através de inclusão deste contrato como uma das formas de recrutamento e definir, por exemplo, a tabela de vencimento, dos direitos e dos deveres.

º
Ora, não obstante o acima dito, a DSF solicitou ainda ao seu Núcleo de Apoio Jurídico um parecer sobre a natureza da remuneração paga a membros de comissões, conselhos, equipas de projecto ou grupos de trabalho para efeitos do artigo 176.º do ETAPM, de forma a esclarecer, de uma vez por todas, esta questão.

º
Em resposta ao solicitado foi emitido pelo Dr. B o parecer jurídico, cuja conclusões, por pertinentes, aqui se transcrevem: “(...) Não estando as actividades que originam a percepção destas remunerações sujeitas à autorização da acumulação das funções públicas e considerando a natureza, finalidade e modo de funcionamento destas Comissões, a que nos referimos, afigura-se, pela mesma “ratio legis”, que a disposição do n.º 2 do artigo 176.º do ETAPM, que exclui expressamente as senhas de presença do cômputo do limite remuneratório previsto no número anterior, deve ser aplicada extensivamente (artigo 10.º do Código Civil) às remunerações atribuídas aos membros e secretários dessas Comissões, nos termos da regulamentação especial prevista para o funcionamento das mesmas sob a respectiva proposta do Director dos Serviços de Finanças, superiormente aprovada para o efeito. De sublinhar que estas propostas (...) seguiram o critério de remuneração dos membros dessas Comissões, idêntico ao fixado de acordo com o regime geral para o pagamento de senhas de presença (...). Concluímos, em face do quadro exposto, dentro do princípio da legalidade, que a interpretação adequada do artigo 176.º do ETAPM, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, exige que os suplementos à remuneração principal devidos aos membros e secretários destas Comissões não sejam considerados para efeitos do cômputo do limite remuneratório fixado no número 1 do referido artigo”.

º
Este parecer jurídico teve a concordância do Recorrente, na qualidade de coordenador do Núcleo de Apoio Jurídico, e foi dado a conhecer pela DSF ao seu superior hierárquico, que não se opôs às suas conclusões, nem emitiu quaisquer instruções ou directivas sobre a matéria.

º
Face a tudo quanto acima foi dito, ou seja, (i) à existência de uma regra especial para os representantes da DSF em entidades autónomos, através da qual estes estão autorizados a receber senhas de presença ou equivalente; (ii) do Memorando elaborado pela DSF, CCAC e CA, do qual se conclui que é difícil aplicar o limite do n.º 1 do 176.º às remunerações recebidas por membros de comissões e ao reconhecimento de que a não aplicação do regime de senhas de presença a remunerações análogas poderia levar a situações de discriminação e desigualdade: (iii) do parecer jurídico emitido pelo Núcleo de Apoio Jurídico que concluí pela natureza análoga da remuneração dos membros de comissões a senhas de presença e pela interpretação extensiva do n.º 2 do artigo 176.º a essa remuneração; o Recorrente e demais membros da CAVM sempre entenderam que as remunerações recebidas pela presença nas reuniões da CAVM eram de natureza equivalente às de senhas de presença, pelo que não deveriam ser tidas em conta para efeitos do limite remuneratório fixado no artigo 176.º do ETAPM.

º
Ainda que com fundamento um pouco diferente, este entendimento acabou também por ser perfilhado por Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças ao emitir recentemente instruções quanto ao funcionamento e remuneração das comissões e conselhos, as quais foram distribuídas pela Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública, através de comunicação datada de 11 de Setembro de 2009.

º
Nos termos das novas instruções, a remuneração a receber pelos membros das comissões e conselhos deverá obedecer ao Regime da Função Pública, nomeadamente no que diz respeito ao limite de remunerações, caso se trate de remuneração de montante fixo.

º
Isto significa que apenas as remunerações de montante fixo recebidas por via de participação em comissões e conselhos estão sujeitas ao limite remuneratório do artigo 176.º do ETAPM.

º
Ora, se bem que o critério de fixação do montante de remuneração por sessão da CAVM seja fixo, correspondendo a 10% do índice 100 da tabela indiciária da Função Pública,

º
o certo é que a remuneração auferida por cada um dos membros não é de montante fixo, mas sim variável e indeterminável a priori.

º
Isto porque o montante que cada membro da CAVM aufere depende directamente (i) do número de reuniões ocorridas em cada mês e, ainda, (ii) do número de presenças nessas mesmas reuniões, já que as ausências não são remuneradas.

º
Desta forma, a remuneração auferida pelos membros da CAVM é variável, e não fixa, pelo que, de acordo com as novas instruções emitidas por Ex.mo Senhor o Secretário para a Economia e Finanças, não deverá, também por isso, ser tida em conta para efeitos do artigo 176.º do ETAPM.

º
É, portanto, legalmente inadmissível impor ao Recorrente uma ordem de reposição de remunerações recebidas, por factos cuja interpretação e subsunção ao regime do artigo 176.º do ETAPM a própria Administração Pública entendeu ser pouco clara e de aplicação difícil, podendo conduzir a situações de discriminação e injustiça.


º
Tanto que, por esse motivo, Ex.mo Senhor o Secretário para a Economia e Finanças se viu na necessidade de emitir instruções a esclarecer o âmbito de aplicação do referido artigo no que respeita às remunerações devida a membros de comissões e conselhos – instruções que, ainda assim, se afiguram afastar a aplicabilidade do limite de remuneração dos membros da CAVM, e como tal ao Recorrente, por não ser de montante fixo.

º
Em face do que acima se disse, mesmo concebendo a aplicabilidade do ETAPM ao Recorrente, sempre teria de se entender que as remunerações auferidas pelas funções exercidas na CAVM e, mutatis mutandis, noutras comissões fiscais, são de natureza equivalente à das senhas de presença e de montante variável, pelo que estariam excluídas, nos termos do n.º 2 do art. 176.º do ETAPM, do limite remuneratório estabelecido no n.º 1 do mesmo preceito.

º
Ora, essa exclusão das remunerações auferidas pelas funções exercidas na CAVM não foi tida em conta na elaboração do mapa de cálculo que acompanha o Ofício n.º 10034/DAF/09 (vide doc. n.º 3), que enferma de errados pressupostos de facto e de Direito, sendo incorrecto o cálculo do valor do montante total a repor (constante da respectiva Guia de liquidação), que vai desde já impugnado.

Do cálculo do limite estabelecido no n.º 1 do artigo 176.º do ETAPM

º
Nos termos do n.º 1 do artigo 176.º do ETAPM, o limite máximo de remunerações em consequência do exercício de funções públicas é o que resulte do cálculo do vencimento máximo da tabela indiciária, a multiplicar por 125, devendo esse resultado ser dividido por 100 e depois multiplicado por 14.

º
Aceitam-se como correctos os limites anuais máximos de remuneração nos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008, constantes do aludido mapa de cálculo.

º
Pelo contrário, existem inexactidões e erros nos montantes considerados nas rubricas “remunerações auferidas” e “montantes recebidos e não considerados de acordo com o n.º 2 do artigo 176.º do ETAPM”.

º
Antes de mais, as remunerações auferidas pelo exercício de funções privadas estão, como não poderia deixar de ser, expressamente excluídas da previsão da norma do art. 176.º n.º 1 do ETAPM. A letra da lei é clara: “O limite anual máximo de remuneração, em consequência do exercício de funções públicas (...)”.

º
Depois, o montante de remuneração total auferido para efeitos do artigo 176.º do ETAPM tem de ser entendido como o montante líquido de imposto profissional ou seja, o montante efectivamente recebido após os descontos legais aplicáveis, sob pena de violação do princípio estabelecido no artigo 98.º da Lei Básica.

º
Por fim, há que ter em consideração que as senhas de presença e demais prémios, subsídios e ajudas de custo expressamente previstos no n.º 2 do art. 176.º do ETAPM estão excluídos do cômputo do limite fixado no n.º 1 do mesmo preceito.

º
E foram precisamente as regras acabadas de explicitar que foram claramente violadas na elaboração do mapa de “Cálculo dos montantes auferidos que excedem o limite anual máximo – Art. 176.º do ETAPM”.

º
Pelo exposto, para alcançar a remuneração efectivamente auferida pelo Recorrente para efeitos do n.º 1 do artigo 176.º do ETAPM, é necessário ter em conta a remuneração total auferida e, de seguida, descontar: (i) o imposto profissional pago; (ii) os montantes recebidos fora do exercício de funções públicas, bem como (iii) todos os montantes recebidos nos termos do n.º 2 do citado preceito.

º
Como se referiu, o artigo 176.º do ETAPM só se aplica a montantes auferidos “em consequência do exercício de funções públicas”, o que, no caso do Recorrente, exclui logo à partida as remunerações auferidas junto de entidades de direito privado, no exercício de funções privadas, ainda que possam ser de interesse público, como é o caso, das que desempenhou no COMITÉ ORGANIZADOR DOS 4.OS JOGOS DA XXXX DE MACAU,S.A (C), no COMITÉ ORGANIZADOR DOS 2.OS JOGOS XXXX DE MACAU, S.A. (D), no INSTITUTO POLITÉCNICO DE MACAU (IPM), e no CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA E JUDICIÁRIA (CFJJ) ) v. Nota 2 da tabela infra.

º
Em primeiro lugar, refira-se o Regulamento Administrativo n.º 33/2001, que constituiu o Comité Organizador dos 4.os Jogos da XXXX - Macau, S.A. como sociedade anónima de capitais públicos que “goza de personalidade jurídica de direito privado” (art. 1 n.º 2 do Regulamento).

º
O artigo 6.º n.º 1 do supra referido Regulamento dispõe que ao “pessoal contratado pela C aplica-se o regime das relações de trabalho privadas.”

º
Assim sendo, o trabalho desenvolvido na C, ao abrigo do contrato de trabalho que se protesta juntar como doc. n.º 10, terá forçosamente de ser caracterizado como exercício de funções privadas, excluído, portanto, do âmbito de aplicação do art. 176.º do ETAPM.

º
No mesmo sentido vai o Regulamento Administrativo n.º 15/2004, que constitui o Comité Organizador dos 2.os Jogos XXXX de Macau, S.A, onde se prevê expressamente que “ao pessoal contratado pela D aplica-se o regime das relações de trabalho privadas” (art. 5.º), ficando expressamente excluída a aplicação do ETAPM aos trabalhadores do Comité contratados por contrato de trabalho.

º
Pelo exposto, também o trabalho prestado na D, ao abrigo do contrato individual de trabalho, que se protesta juntar como doc. n.º 11, corresponde ao exercício de funções privadas, excluído do âmbito de aplicação do art. 176.º do ETAPM.

º
Também andou mal a Administração ao ter em consideração no mapa de cálculo a que se vem fazendo referência as remunerações auferidas pelo Recorrente pelo trabalho de docência e formação prestado no Instituto Politécnico de Macau e no CFJJ que, nos termos do ETAPM, não configuram o exercício de funções públicas.

º
Assim, no entender do Recorrente, o cálculo das remunerações por si auferidas para efeitos do limite remuneratório do n.º 1 do artigo 176.º do ETAPM deve ser feito de acordo com a tabela seguinte:




2005
2006
2007
Total recebido (e declarado)
1.332.300,60
1.415.579,40
1.443.022,80
Imposto Profissional
61.809,00
67.010,00
73.706,00
Remuneração de funções não públicas
110.580,00
98.080,00
98.080,00
Prémio de Antiguidade
2.280,00
2.280,00
2.280,00
Subsídio de Família
4.680,00
4.680,00
4.680,00
Subsídio de Residência
104.400,00
104.400,00
104.400,00
Ajudas de Custo Diárias
111.428,80
120.160,70
46.426,50
Ajudas de Custo Embarque
5.000,00
2.500,00
5.000
Senhas de Presença ou equivalente
285.350,00
385.875,00
431.275,00
Subtotal a descontar
MOP685.527,80
MOP784.985,70
MOP765.847,50
Total para efeitos do art. 176.º ETAPM
MOP646.772,80
MOP630.593,70
MOP677.175,30

Notas:
1 IP efectivamente pago depois de actualização e correcção dos montantes retidos na fonte (v. declarações fiscais, que protesta juntar)
2 C; D; IPM; CFJJ
3 CAVM; Comissão de Revisão do Imposto Profissional; e Comissões de Revisão de Imposto Complementar de Rendimentos;

º
Idêntico cálculo se alcança com a observância das novas instruções emitidas em 11 de Setembro de 2009 pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças.

º
Nos termos da tabela supra apresentada, o Recorrente ficou muito aquém dos limites máximos remuneratórios anuais para efeitos do artigo 176.º do ETAPM, estabelecidos em MOP918.750,00 para os anos de 2005 e 2006, em MOP1.010.625,00 para 2007 – sendo que nos anos de 2008 e 2009 nenhum excesso de remunerações é imputado ao Recorrente.

º
Ainda que, como erradamente se fez, se contabilizassem as remunerações auferidas pelo Recorrente por via da sua participação nas comissões de imposto, incluindo a CAVM, o que se concebe por mera hipótese académica, os valores totais de excesso de remuneração seriam de, respectivamente, MOP13.372,80, no ano de 2005, de MOP97.718,70, no ano de 2006, e de MOP78.778,50, e não os montantes que constam do mapa de cálculos e respectiva guia de liquidação.

º
Pelo exposto, o Despacho da Ex.ma Senhora Directora substituta dos Serviços de Finanças, de 23.10.2009, exarado na Informação n.º 30381/DAF/SRH/2009, e mapa de cálculos (e respectiva Guia de liquidação e reembolso) anexo ao Ofício n.º 10034/DAF/09, é inválido, ilegal e anulável porque praticado “com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis” (vício de violação de lei) – art. 124.º do CPA.

º
Na verdade, assumindo o Despacho acima referido e respectivo mapa de cálculos e guia de liquidação a natureza de actos consequentes, deverão estes ser anulados, para além dos vícios próprios de que enfermam, como consequência necessária da anulação do acto contido na alínea 3) do Despacho de Ex.mo Senhor o Secretário para a Economia e Finanças, melhor identificado no intróito.

º
Com efeito, conforme estabelece o art. 122.º n.º 2 do CPA, são nulos “Os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente”.

º
São actos consequentes os “actos administrativos praticados, ou dotados de certo conteúdo, em virtude da prática de um acto administrativo anterior.”, Diogo Freitas do Amaral, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, p. 84 , citado no Ac. do TUI no recurso n.º 11/2007.

º
Assim sendo, e não se verificando a condição prevista no n.º 2 in fine do citado preceito, são nulos todos os actos consequentes do Despacho recorrido.

CONCLUSÕES

A. O presente recurso contencioso vai interposto do Despacho n.º 8/SEF/2009, de Ex.mo Senhor o Secretário para a Economia e Finanças, de que o Recorrente foi notificado em 12.10.2009;

B. O Recorrente limita o âmbito do recurso ao acto administrativo vertido na alínea 3) do Despacho recorrido e aos respectivos actos antecedentes e consequentes;

C. O acto recorrido é dotado de eficácia externa e lesiva pelo que é imediatamente recorrível (art. 28 CPAC);

D. O Recorrente é titular de um interesso directo, pessoal e legítimo na procedência do presente recurso porquanto o acto recorrido é susceptível de lesar os seus direitos e interesses legalmente protegidos sendo, portanto, parte legítima (art. 33.º alínea a) do CPAC).

E. O Recorrente exerceu as funções de assessor do Gabinete do Secretário para a Economia e Finanças de assessoria jurídica no âmbito da Direcção dos Serviços de Finanças, ao abrigo de contrato individual de trabalho que celebrou com o Governo da RAEM em 1.06.2000;

F. Por Despacho de 30 de Junho de 2009, de Sua Exa. o Chefe do Executivo, exarado sobre a Informação n.º 11/SEF/2009, foi instaurado ao ora Recorrente e outros dois membros da CAVM o processo disciplinar n.º 1/GCE/PD/ACMS/2009;

G. Por Despacho de 29 de Setembro de 2009, de S. Exa. o Chefe do Executivo exarado no Relatório de arquivamento do Sr. Instrutor do processo, foi decidido não prosseguir com o procedimento disciplinar instaurado ao abrigo do ETAPM, pelo facto de este apenas ser aplicável aos funcionários e agentes bem como a remessa “ao Secretário para a Economia e Finanças para proceder à rescisão do contrato individual de trabalho de A, cumprindo as formalidades legais, e para apuramento e reposição, nos termos da lei dos montantes indevidamente recebidos”;

H. Ulteriormente, Ex.mo Senhor o Secretário para a Economia e Finanças exarou, ao abrigo das competências delegadas pela Ordem Executiva n. 6/2005, o Despacho recorrido, em que ordena que “A Direcção dos Serviços de Finanças procederá, no prazo de 15 dias, ao cálculo das remunerações provenientes do exercício de funções públicas auferidas pelo Dr. A e exigirá o reembolso daquilo que ultrapassar o limite previsto no artigo 176.º do ETAPM, sem prejuízo do disposto em matéria de prescrição de créditos da Região Administrativa Especial de Macau.”;

I. O acto recorrido está ferido de vício de forma, porque proferido sem ter sido assegurada a participação do Recorrente na formação da decisão, nomeadamente através da respectiva audiência (art. 10.º e 93.º do CPA);

J. Efectivamente, a preterição da audiência dos interessados, fora dos casos previstos na lei, torna os actos anuláveis por vício de forma;

K. Os contratos individuais de trabalho, ainda que celebrados com a Administração, regem-se pelo regime de direito privado, em que as partes gozam de ampla liberdade de estipulação, sujeitas apenas à proibição de inserir nesses contratos cláusulas ilegais;

L. O Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM) aplica-se apenas aos funcionários e agentes da Administração;

M. O Recorrente foi contratado por contrato individual de trabalho, com retribuição emnsal fixa sem correspondência na tabela indiciária, pelo que não lhe era aplicável o ETAPM, em especial, o limite de remunerações previsto no art. 176.º deste diploma;

N. De qualquer forma, o Despacho n.º 6/2009, de S. Exa. o Chefe do Executivo, manda aplicar a Lei das Relações de Trabalho (Lei n.º 7/2008) aos trabalhadores dos serviços e entidades públicas providos em contrato individual de trabalho naquilo que lhes for mais favorável;

O. Tendo em conta que a Lei das Relações de Trabalho não consagra qualquer limite de remunerações, é mais favorável ao trabalhador, ora Recorrente, sendo, portanto, o regime legal que rege o contrato de trabalho que celebrou com o Governo da RAEM;

P. De qualquer forma, a Administração ao considerar o ETAPM inaplicável quando confere direitos aos trabalhadores (como seja o direito a um processo disciplinar, que foi negado ao Recorrente) e aplicável quando lhes impõe sacrifícios (por exemplo, limites de remunerações), violou os princípios da igualdade, da imparcialidade e da Boa-fé (artigos 5.º, 7.º e 8.º do CPA);

Q. O acto recorrido está ferido de vício de violação de lei porquanto a base legal invocada (art. 176.º do ETAPM) não tinha aplicação no casso concreto;

R. Todas as remunerações pagas ao Recorrente pelo exercício de funções públicas, ao abrigo do contrato individual de trabalho ou nomeação, têm previsão legal e orçamental;

S. O mapa de cálculo dos montantes auferidos que alegadamente excedem o limite previsto no art. 176.º do ETAPM (anexo ao ofício n.º 10034/DAF/09) contém inexactidões e erros porque assenta em errados pressupostos de facto e de Direito;

T. Para além do mais, o montante de remuneração total auferido para efeitos do artigo 176.º do ETAPM tem que ser entendido como o montante líquido de imposto profissional ou seja, o montante efectivamente recebido após os descontos legais aplicáveis

U. As remunerações recebidas pela presença nas reuniões da CAVM e restantes comissões fiscais é de natureza equivalente às senhas de presença, pelo que não deveriam ser tidas em conta para efeitos do limite remuneratório fixado no artigo 176.º do ETAPM, conforme o disposto no n.º 2 do mesmo preceito;

V. Além disso, o artigo 176.º do ETAPM só se aplica a montantes auferidos “em consequência do exercício de funções públicas”, estando excluídas quaisquer remunerações pelo exercício de funções privadas;

W. Assim sendo, o montante de MOP698.085,00 exigido ao Recorrente a título de reembolso de remunerações auferidas em excesso ao limite do art. 176.º do ETAPM, está errado porquanto toma em conta retribuições pelo exercício de funções privadas e, por outro lado, não considera o imposto pago e os montantes excluídos ao abrigo do n.º 2 daquele preceito (senhas de presença);

X. O acto recorrido e demais actos subsequentes (de liquidação) padecem de vício de forma e de violação de lei, por violação dos artigos 5.º, 7.º, 10.º, 93.º do CPA e, subsidiariamente, o art. 176.º do ETAPM.

NESTES TERMOS, e nos mais de Direito que V. Ex.as certamente suprirão, deve o presente recurso contencioso ser julgado procedente por provado, anulando-se o acto contido no n.º 3 do Despacho n.º 8/SEF/2009 do Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, por violação, designadamente, dos artigos 5.º, 7.º, 8.º, 10.º e 93.º do CPA, com todas as consequências legais, anulando-se também o Despacho da Senhora Directora substituta dos Serviços de Finanças, de 23.10.2009, exarado sobre a Informação n.º 30381/DAF/SRH/2009 e os actos consequentes de cálculo e liquidação das remunerações, por violação das mesmas normas e, subsidiariamente, do art. 176.º do ETAPM.
Mais requer, respeitosamente, a V. Ex.as se dignem ordenar a citação da Entidade Recorrida, o Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças do Governo da Região Administrativa Especial de Macau, com domicílio na Av. da Praia Grande, Sede do Governo da RAEM, para responder, querendo, à presente petição de recurso
(...)”; (cfr., fls. 2 a 53).

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Efectuada a requerida citação, veio o EXMO SECRETÁRIO PARA A ECONOMIA E FINANÇAS contestar.
Em sede de conclusões, afirma que:
“1) A petição cumula ilegalmente a impugnação de um acto do CE, de um acto do SEF e de um acto da DSF;
2) O TSI não tem competência para apreciar em primeira instância recursos contenciosos de actos dos directores de serviços;
3) O recurso foi interposto mais de 30 dias após a notificação ao interessado quer do Despacho 8/SEF/2009, quer do despacho do CE de 29.09.2009;
4) O acto administrativo constante do n° 3 do Despacho 8/SEF/2009 é irrecorrível, por não ter efeitos externos,
5) e o mesmo se diga do acto contido no despacho do CE de 29.09.2009 que consiste também numa mera instrução interna;
6) O órgão citado não tem legitimidade processual passiva para recursos contenciosos de actos do CE ou da DSF;
7) O despacho de 23.10.2009 da Directora substituta dos Serviços de Finanças foi entretanto revogado e já notificado ao recorrente;
8) Os interessados não têm o direito de audiência sobre meras instruções internas da Administração;
9) O recorrente, embora ao abrigo de um contrato de trabalho, era um profissional da função pública;
10) O recurso a contratos de trabalho não legitima a evasão dos profissionais da função pública e da própria Administração a normas imperativas de Direito Público, as quais não estão na disponibilidade dos contraentes, como seja o caso do art. 176°, 1, do ETAPM;
11) A Administração, ao contratar, está sujeita a restrições que não impendem sobre os particulares;
12) O recorrente, por força da equiparação estabelecida pelo seu contrato de trabalho, gozou, sem reclamar, os direitos e as regalias que o ETAPM concede aos trabalhadores da Administração em geral, e aos chefes de departamento em especial, não podendo vir agora, em boa fé, repudiar as desvantagens que o mesmo ETAPM lhe impõe (ubi commoda ibi incommoda);
13) As condições de trabalho asseguradas ao recorrente pelo contrato de trabalho e pelo ETAPM, para o qual aquele remetia, eram muito superiores as que resultariam da aplicação da lei laboral;
14) A lei não concebe a remuneração dos membros da CAVM como uma senha de presença, pelo que não é possível aplicar a essa remuneração o regime especial que a lei criou para as senhas de presença;
15) O n° 2 do art. 176° do ETAPM é uma norma excepcional e, além disso, emprega o significativo termo "apenas", não admitindo interpretação extensiva;
16) Se concluirmos que a remuneração paga aos membros da CAVM é uma verdadeira senha de presença, teremos também de concluir que o recorrente a não podia receber, pois tinha isenção de horário e estava equiparado a chefe de departamento - pois não pode essa remuneração ser tida como senha de presença naquilo que convém ao recorrente e já não ser naquilo que lhe não convém;
17) O DL 14/98/M só é aplicável aos representantes da DSF nas entidades financeiramente autónomas, o que não é o caso da CAVM;
18) A haver um representante da DSF na CAVM, é ele o respectivo director, por inerência do cargo;
19) Ninguém pode ser formalmente acusado de uma infracção cuja sanção não lhe é aplicável (nulla poena sine lege);
20) Não há base legal para o entendimento de que só montantes líquidos de Imposto Profissional podem ser levados em conta para efeito do art. 176°, 1, do ETAPM.
21) O órgão citado não aceita o conteúdo do art. 129° da p.i., entretanto rectificado pelo recorrente, na medida em que o mesmo contrarie a interpretação da lei constante da presente contestação.”

Pugna assim pela rejeição do recurso, ou, em alternativa, pela sua improcedência; (cfr., fls. 177 a 203, que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Notificado o recorrente do teor da contestação apresentada, e nada vindo de novo aos autos, em observância ao estatuído no art. 58º do C.P.A.C. foram os mesmos a vista (inicial) do Exmº Representante do Ministério Público que juntou o seguinte Parecer:
“São várias as excepções aduzidas pela entidade recorrida nos presentes autos, a saber :
- de forma geral, ilegal cumulação de infracções e falta de jurisdição;
- quanto ao despacho do SEF de 19/10/09, extemporaneidade do recurso e irrecorribilidade do acto;
- no que tange ao despacho do CE de 29/9/09, extemporaneidade do recurso, irrecorribilidade do acto e ilegitimidade passiva e
- relativamente ao despacho da directora substituta da DSF de 23/10/09, revogação do acto, com consequente extinção da instância e incompetência do tribunal.
Cremos assistir-lhe razão, desde logo quanto à 1ª excepção aduzida.
Pese embora comece o recorrente, na sua P.I. por identificar como alvo da sua impugnação apenas o despacho n° 8/SEF/2009, acaba por, na sequência do alegado (vide n° 12 da peça), ao abrigo do que denomina de "princípio da impugnação unitária", impugnar todos os despachos supra aludidos, acabando por, no pedido, solicitar a anulação dos 2 últimos assinalados, além dos "actos consequentes de cálculo e liquidação das remunerações...".
Da conjugação dos art°s 44°, n° 2, al b) e 46°, n° 2, al g) do CPAC, resulta claramente não poder o recorrente, na mesma petição, impugnar actos de todos os órgãos envolvidos, mesmo que tais actos se encontrem, entre si, numa relação de dependência ou conexão, desde que, como é o caso, a competência para a apreciação dos mesmos seja deferida a diferentes tribunais.
Ora, competindo a apreciação dos recursos do C.E. e do S.E.F. a este tribunal – art° 36° 7) da Lei 9/1999 - o certo é que cabe ao T.A. a competência para apreciação dos actos do director da DSF- art° 30°, n° 2, 1), I) do mesmo diploma.
Assim sendo, não podendo o recorrente acumular a impugnação de actos, mesmo estando numa relação de dependência ou conexão, quando a competência para o conhecimento das impugnações caiba a tribunais diferentes, teremos como inevitável, à luz dos dispositivos anunciados do CPAC, a ocorrência de circunstância que obsta ao prosseguimento do recurso, pelo que deverá o mesmo ser liminarmente rejeitado.
Este, o nosso entendimento.”; (cfr., fls. 211 a 212).

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Ponderando no exposto na referida contestação e Parecer, determinou o ora relator a remessa dos autos a vistos dos Mm°s Juízes-Adjuntos; (cfr., fls. 213).

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Em sede de vistos, veio-se a suscitar um incidente de escusa que veio a ser decidido por despacho do Exm° Sr. Presidente deste T.S.I. de 13.04.2010; (cfr., fls. 5 a 7 dos Autos de escusa em apenso).

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Colhidos que foram os vistos dos Mmºs Juízes-Adjuntos, vieram os autos à conferência.

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Nesta, foram suscitadas questões sobre as quais se entendeu proceder a uma mais cuidada reflexão, vindo-se assim a decidir adiar o julgamento do recurso, tendo-se também sugerido ao relator a notificação do recorrente para, querendo, pronunciar-se sobre as questões (excepções) suscitadas em sede da contestação da entidade recorrida assim como do douto Parecer do Exm° Magistrado do Ministério Público, assim como para, querendo, pronunciar-se sobre uma possível qualificação do acto administrativo praticado pelo Exm° Secretário para a Economia e Finanças como “acto confirmativo”, com as suas legais consequências; (cfr., fls. 216).

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Por despacho do ora relator foi ordenada a notificação em conformidade; (cfr., fls. 217).

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Veio o recorrente juntar o expediente que ora consta a fls. 222 a 236 do qual se deu conhecimento à entidade recorrida que respondeu através do expediente de fls. 244 a 298).

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Seguidamente, veio o Exm° Representante do Ministério Público pronunciar-se nos termos seguintes:
“Uma primeira nota, para admitirmos assistir razão ao recorrente no que tange ao facto de "malgré" a ocorrência de ilegal cumulação de impugnações a que nos reportámos a fls 211 e 212 - cujo entendimento substancial se mantém - a lei é clara (art° 50°, CPAC) no sentido de tal ilegalidade não obstar ao prosseguimento do recurso relativamente à impugnação para cujo conhecimento o tribunal é competente.
Assim sendo e na pronúncia do doutamente sugerido pelo Mmo Juíz a fls 217, somos a considerar proceder, de todo o modo, a excepção de irrecorribilidade do despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 9/10/09, mesmo na única vertente a que o recorrente a subordina, ou seja, à alínea 3) do decidido ( fls 57 v).
Atentando no conteúdo externado pelo acto em causa, verificar-se-à ter o mesmo sido proferido, além do mais, "considerando o despacho do Chefe do Executivo de 29 de Setembro de 2009 dobre o referido relatório" (reportando-se ao relatório do procedimento constante de fls 60 a 70).
Ora, tal despacho, após manifestação de concordância sobre o aludido relatório, expressa claramente : "Remeta-se ao Secretário para a Economia e Finanças para proceder à rescisão do contrato individual de trabalho de A, cumprindo as formalidades legais, e para apuramento e reposição. nos termos da lei. dos montantes indevidamente recebidos".
E, bem vistas as coisas, o despacho do S.E.F. em questão limitou-se a dar cumprimento ao determinado, denunciando o contrato de trabalho com o recorrente e instando a Direcção dos Serviços de Finanças a proceder ao cálculo e exigir a reposição do ilegalmente recebido pelo recorrente, único ponto, aliás, como já se referiu, a que o mesmo limita o seu recurso.
Ou seja : do que se tratou foi da efectivação de imperativo de acto/pressuposto, por outras palavras, de mero acto de execução daquele acto do Chefe do Executivo, esse sim, definitivo e definidor da situação jurídica do recorrente.
Nestes parâmetros, sendo certo não se divisar que, por um lado, tal execução seja arguida de ilegalidade própria, não se mostrando esse acto em desconformidade com o regime que a lei estabelece para ele próprio, antes derivando as ilegalidades assacadas de ilegalidade do acto exequendo, e, não se descortinando, por outro, que tal execução contrarie ou exceda o conteúdo daquele acto definitivo ( pese embora o acto em escrutínio faça apelo aos limites remuneratórios consagrados no art° 176°, ETAPM, matéria não concretamente expressa no corpo do externado pelo acto exequendo, o certo é que este anuiu ao teor do relatório submetido e este, claramente – ponto 8. – se reporta à afronta de tal normativo), inexistindo, assim, qualquer conteúdo inovatório, forçoso é concluir pela inexistência de possibilidade de impugnação, designadamente à luz do previsto nos n°s 3 e 4 do art° 138°, CPA, procedendo, desta forma, a excepção de irrecorribilidade do acto, o que, forçosamente, deverá conduzir à rejeição do recurso, nos termos do art° 46°, n° 2, al c), CPAC.”; (cfr., fls. 240 a 242).

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Cumpre apreciar.

Fundamentação

2. Importa começar por apreciar e decidir se existe a invocada “cumulação ilegal” por parte do ora recorrente.

O instituto processual da cumulação de impugnações prossegue a satisfação de interesses processuais, simultaneamente públicos e particulares, da economia de meios, celeridade processual e concentração de esforços na realização do direito; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. do Pleno do S.T.A. de 13.07.1995, Proc. n° 31129).

Nos termos do art. 44º do C.P.A.C.
“1. O recorrente pode cumular a impugnação de actos que estejam, entre si, numa relação de dependência ou conexão.
2. Não é admissível cumulação:
a) Quando seja apresentada em termos de subsidiariedade ou de alternatividade;
b) Quando a competência para o conhecimento das impugnações caiba a tribunais diferentes.”

Na situação dos presentes autos, e ainda que no intróito da sua petição inicial indique o recorrente como objecto do seu recurso o “Despacho nº 8/SEF/2009, do Exmº Secretário para a Economia e Finanças”, o certo é que no art. 12º da sua petição inicial, impugna também o “Despacho do Exmº Chefe do Executivo de 29.09.2009” e o “Despacho da Exmª Directora Substituta dos Serviços de Finanças de 23.10.2009”; (cfr., fls. 6).

Ora, se é verdade que – por aplicação do princípio da economia e celeridade processual – admite o legislador que num mesmo recurso possam ser impugnados actos administrativos distintos, desde que estejam numa “relação de dependência”, ou se existir entre si “conexão”, (por terem a mesma natureza e idêntico fundamento jurídico; cfr., art. 44º, nº 1), certo é também que admissível não é tal cumulação de impugnações “quando a competência para o conhecimento das impugnações caiba a tribunais diferentes”; (cfr., art. 44º, nº 2, al. b).

Assim, (e independentemente do demais), constatando-se que impugna também o ora recorrente o despacho pela Exmª Directora Substituta dos Serviços de Finanças proferido e para cujo conhecimento é o Tribunal Administrativo o competente – e não este T.S.I.; cfr., Lei nº 9/1999 (também conhecida como “Lei de Bases da Organização Judiciária”), art. 30º, nº 2, 1, I – há que concluir que ilegal é a cumulação em causa.

Nesta conformidade, e atento o preceituado no art. 50º, nº 1 do C.P.A.C., impõe-se assim rejeitar o recurso na parte em questão; (quanto à possibilidade de “rejeição parcial” do recurso, vd. também A. Maurício D. Lacerda e S. Redinha in “Contencioso Administrativo”, pág. 156).

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2.1. Aqui chegados, continuemos, passando-se para o “despacho do Exm° Chefe do Executivo de 29.09.2009”.

Eis o que se mostra de dizer.

Em sede da sua contestação suscitou a entidade recorrida questões várias, relacionadas com a “extemporaneidade e irrecorribilidade do recurso” na parte em questão.

E, no seu expediente de fls. 222 a 236, vem o recorrente dizer que “... nem nas conclusões do recurso nem no pedido se impugna e requer a anulação ou declaração de nulidade do mesmo”, isto é, do supra referido despacho; (cfr., art. 59°, fls. 235).

Perante isto, visto está que prejudicada fica a apreciação das questões pela entidade recorrida colocadas, e ociosas nos parecendo outras considerações, nada mais se acrescenta (nesta sede) sobre o aludido despacho.

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2.2. Considerando que na contestação se alega também que rejeitado deve ser o recurso na parte em que se impugna o despacho do Exm° Secretário para Economia e Finanças, passa-se a apreciar.

Duas são as razões invocadas para a peticionada rejeição.

A primeira, quanto à “extemporaneidade do recurso”, e a segunda, quanto à “irrecorribilidade do acto”.

Afigura-se-nos de começar pela invocada “irrecorribilidade”, (já que, em nossa opinião, a decisão quanto à alegada “tempestividade” só interessa se o acto em questão for susceptível de recurso).

Pois bem, em sede da sua contestação, entende a entidade recorrida que “o destinatário do acto constante do n° 3 do Despacho em causa era, unicamente, a Direcção do Serviços de Finanças”, e que “o que tal acto contém é uma instrução para o referido serviço público, que aqui citamos: «A Direcção dos Serviços de Finanças procederá, no prazo de 15 dias, ao cálculo das remunerações provenientes do exercício de funções públicas auferidas pelo Dr. A e exigirá o reembolso daquilo que ultrapassar o limite previsto no artigo 176° do ETAPM, sem prejuízo do disposto em matéria de prescrição de créditos da Região Administrativa Especial de Macau».”

Daí, conclui que um acto “que se limita a ordenar a um serviço público que aplique a lei relativamente a determinado particular não pode, por definição, ter efeitos externos, nomeadamente na esfera jurídica do interessado (art. 28°, 1, do CPAC)”, afirmando também haver “dúvidas que uma instrução interna possa ser classificada como um acto administrativo, tal como o configura o art. 110° do CPA.”; (cfr., fls. 180).

Para uma boa compreensão dos contornos da questão, mostra-se de recuar um pouco no tempo.

Resulta dos presentes autos que:

– por Despacho de 30 de Junho de 2009 do Exm° Chefe do Executivo foi instaurado processo disciplinar para apuramento de responsabilidades atribuídas à. Dr.ª E, Directora dos Serviços de Finanças; ao Dr. F, jurista da mesma Direcção e ao Dr. G da DSF, a quem eram imputadas a prática de irregularidades no âmbito do funcionamento da Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados; (cfr., fls. 65).

– em 24.09.2009, e no que toca ao ora recorrente, elaborou-se o seguinte relatório (para arquivamento):
“1. Por Despacho de 30 de Junho de 2009, de Sua Excelência o Chefe do Executivo, exarado sobre a Informação n.° 11/SEF 12009 (fls 3 e 4 no original e 5 e 6 na respectiva tradução para a língua portuguesa) foi instaurado processo disciplinar para apuramento de responsabilidades atribuídas à. Dr.ª E, Directora dos Serviços de Finanças; ao Dr. F, jurista da mesma Direcção e ao Dr. G, ex-director da DSF, a quem se imputa a prática de irregularidades, no âmbito do funcionamento da Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados.
2. As alegadas irregularidades foram detectadas no Relatório do Comissariado de Auditoria e, conforme consta da Informação n.° 08/GC-SEF/2009, datada de 8 de Julho de 2009 (fls 8 a 12) "levantam questões de legalidade, a saber":
   «(1) Organização frequente de diversas reuniões no mesmo dia - ou, pelo menos, assinatura de diversas actas de reunião com a mesma data - sem que se perceba que outro efeito prático tal conduta possa ter que não seja o de permitir aos membros da comissão auferir num mesmo dia tantas remunerações quantas as actas assinadas;
   (2) Organização de reuniões com a participação simultânea - e com a remuneração simultânea - de membros efectivos e de membros suplentes, o que constitui, por definição, um absurdo lógico e jurídico;
   (3) Intervenção em deliberações de membros da comissão em situação de conflito de interesses, sem que se tenham declarado impedidos;
   (4) Remuneração paga a membros da comissão por reuniões de cuja acta não consta a respectiva assinatura;
   (5) Remunerações pagas por reuniões das quais não existe acta, sendo pois duvidoso se tais reuniões se realizaram ou não;
   (6) Pagamento a alguns membros da comissão de remunerações provindas do exercício de funções públicas em excesso do limite previsto no art. 176.° do ETAPM".
3. Realizada a competente instrução, veio a apurar-se, quer pela prova testemunhal produzida, quer pelos exames realizados aos documentos juntos aos autos, designadamente das actas, que efectivamente o arguido cometeu, em comparticipação com os demais arguidos contra os quais irá ser deduzida acusação, factos de que era suspeito haver cometido, pelo que, em princípio, deveria ser objecto de acusação pela prática de tais factos e, se confirmados estes, ser pelos mesmos censurado com uma medida disciplinar, que, em abstrato, poderia integrar a pena de demissão ou aposentação compulsiva, nos termos do disposto na alínea n) do n.° 2 do artigo 315.° do ETAPM.
   4. Em síntese, são os seguintes os factos dados como provados:
   - O arguido A é jurista contratado, por contrato individual de trabalho, como assessor do Gabinete do Secretário para a Economia e Finanças, para exercer funções na Direcção dos Serviços de Finanças, assegurando ainda a coordenação do Núcleo de Apoio Jurídico, com apoio especializado às diversas subunidades da DSF (fls 618).
   - Por cada dia de reunião da Comissão Avaliação de Veículos Motorizados foram elaboradas várias actas das quais não constam nem a hora de início nem a hora do seu termo, as quais serviram para os abonos de retribuição aos membros da :::omissão; sendo que o conteúdo das actas não corresponde à realidade dos factos, porquanto das mesmas se faz constar: «Nada mais foi discutido na reunião, tendo para o efeito sido elaborada a presente acta que vai ser assinada pelos membros da Comissão», isto quando as reuniões eram contínuas e da ordem de trabalhos constavam vários pontos.
   - A participação simultânea de membros efectivos e de membros suplentes, nas reuniões semestrais da Comissão, com abono de retribuição a todos eles, em clara violação do disposto no artigo 15.°, n.° 1, da Lei n.° 5/2002, que «Aprova o Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados», onde se estabelece expressamente que os membros suplentes se destinam unicamente a substituir os membros efectivos na suas ausências.
   - Pagamento, a alguns membros da comissão, de remunerações provindas do exercício de funções públicas em excesso do limite anual máximo previsto no artigo I76.° do ETAPM (1 032 500,00 patacas).
   - Dos factos acima referidos resultaram consideráveis prejuízo patrimoniais para a Administração Pública e ainda prejuízos maiores em termos de imagem pública, vejam-se as notícias de imprensa (fls 746 a 785).
   5. Ora o arguido não só não alertou os seus superiores hierárquicos, como era seu dever acrescido por força da sua qualidade de assessor do SEF e de Coordenador do Núcleo Jurídico da DSF, para a ilegalidade das referidas actuações, como ainda suportou e sustentou a legalidade das mesmas, recebendo por efeito disso elevadas quantias de remunerações indevidas; em resultado do desdobramento das actas.
   6. Na verdade, a elaboração da minuta das actas teve, pelo menos, a colaboração expressa e directa do arguido, como resulta das declarações (fls 703) da senhora H, ex. Secretária da Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados: «Confrontada com a acta n.° 1 de 2006 e tendo-lhe sido perguntado como foi elaborada a minuta da acta, esclareceu que teve de pedir ajuda ao Dr. A porquanto não tinha experiência deste tipo de Comissões. Mais esclarecendo que a expressão "Nada mais foi discutido na reunião" lhe foi ditada no inicio pelo Dr. A, membro da Comissão e Coordenador do Núcleo de Apoio Jurídico. Mais esclarecendo que até Maio de 2007 como nunca lhe foram dadas ordens em contrário continuou a utilizar a mesma minuta na elaboração de actas».
   7. E, conforme consta de documento junto aos autos pela outra arguida E (fls 676 a 693) foi o arguido que sustentou, em parecer exarado sobre a Informação n.° 199/NAJ/AS/2007, de 14 de Setembro de 2007, elaborada a pedido da Directora E na sequência do recebimento do Ofício-Circular dos SAFP n.° 070710000l/DIR, de 10 de Julho de 2007, sobre a «Missão do servidor público» que : «É minha convicção que as remunerações auferidas pelos membros das comissões tributárias que sejam trabalhadores da Administração Pública não estão sujeitas a qualquer acto prévio de autorização para acumulação de funções e, não se configurando como tal, devem igualmente ser retiradas dos valores a considerar para efeitos do cálculo do limite máximo de remuneração».
   8. Solução esta que não tem acolhimento no texto do n. ° 2 do artigo 176.° do ETAPM que consagra de forma taxativa o elenco das retribuições que não entram para o cômputo do limite de remunerações anuais: «Não são consideradas para efeitos do limite fixado no número anterior apenas as importâncias recebidas a titulo de prémio de antiguidade, subsídio de turno, subsídio de família, subsídio de residência, subsidio de refeição, abono para falhas, despesas de representação, senhas de presença e ajudas de custo, bem como as devidas pelo exercício de funções de deputado e de vogal do Conselho Consultivo (Executivo) e membro de Assembleias Municipais».
   9. Sucede, que, por força do artigo 276.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 87/89/M, de 21 de Dezembro, o regime disciplinar previsto no ETAPM (artigos .276.° a 358.°), apenas se aplica aos funcionários e agentes.
   10. E, que, nos termos do n.° 2 do artigo 2° do ETAP, apenas o provimento por nomeação definitiva ou em comissão de serviço confere a qualidade de funcionário; sendo que o provimento por nomeação provisória ou em regime de contrato além do quadro confere a qualidade de agente (n.° 3).
   11. Conforme consta dos documentos juntos aos autos, o arguido é contratado através de contrato individual de trabalho.
   12. E, assim sendo, este processo não pode, por força do citado artigo 276.° do ETAPM, continuar contra o arguido, até porque do seu contrato individual de trabalho (fls 537 e 538) consta a seguinte cláusula: « Cláusula 9.ª - Cessação do contrato por justa causa- 1. O primeiro outorgante só pode pôr termo ao presente contrato antes de verificado o decurso do prazo referido na cláusula 2.ª, ocorrendo justa causa. 2. Para efeitos do número anterior, considera-se justa causa para pôr termo imediato ao contrato o comportamento doloso do segundo outorgante que, de acordo com as regras da boa-fé, torne insustentável a manutenção da relação laboral. 3. Caso o primeiro outorgante ponha termo ao contrato de trabalho antes de decorrido o prazo do mesmo, sem justa causa; fica obrigado a indemnizar o segundo outorgante no montante global das retribuições vincendas até o final do contrato, com o limite máximo correspondente a seis meses de remuneração e acrescido das proporções de subsídio de férias e de Natal».
   13. No mesmo sentido, de que o regime disciplinar do ETAPM não se aplica aos contratados no regime de contrato individual de trabalho, vai a doutrina,
   14. Veja-se o que, a propósito escreve Manuel Leal-Henriques: «Sujeitos activos [do procedimento disciplinar previsto no ETAPM], como reza o preceito definidor (art.°a 281.)1 e também o que delimita o campo de aplicação do regime (art. a 276.°), só podem ser os funcionários e os agentes da Administração, portanto, apenas aqueles que se encontram a ela vinculados por uma relação de serviço público da que ficou desenhada antes. Assim. todos os demais trabalhadores, qualquer que seja o título de ligação à máquina administrativa (assalariamento, tarefa ou contrato individual de trabalho), estão fora do regime disciplinar da função pública, regendo-se, nessa matéria, por cláusulas próprias dos seus instrumentos de ajuste.2 .E, «mesmo que nos respectivos acordos laborais se inscrevam cláusulas que eventualmente os submetam, por remissão, àquele regime disciplinar, carecem as mesmas de validade jurídica, já que não é lícito, por via contratual, derrogar uma regra constante de norma imperativa»."
   15. Nos termos expostos propõe-se que o processo disciplinar não prossiga nesta sede, sendo que isso não invalida que, na sede própria, sejam tomadas as medidas julgadas adequadas, designadamente as atinentes à efectivação da reposição das quantias indevidamente recebidas.”; (cfr., fls. 65 a 70).

– sobre tal relatório lavrou o Exm° Chefe do Executivo o despacho seguinte:
“Concordo. Remeta-se ao Secretário para a Economia e Finanças para proceder à rescisão do contrato individual de trabalho de A, cumprindo as formalidades legais, e para apuramento e reposição, nos termos da lei, dos montantes indevidamente recebidos”; (cfr., fls. 59).

– e, na sequência do assim decidido proferiu o Exm° Secretário para a Economia e Finanças o despacho já referido, onde, no ponto ora em questão, se determinou que “A Direcção dos Serviços de Finanças procederá, no prazo de 15 dias, ao cálculo das remunerações provenientes do exercício de funções públicas auferidas pelo Dr. A e exigirá o reembolso daquilo que ultrapassar o limite previsto no artigo 176.º do ETAPM, sem prejuízo do disposto em matéria de prescrição de créditos da Região Administrativa Especial de Macau.”; (cfr., fls. 3).

Aqui chegados, e sendo este último o acto administrativo ora em questão, vejamos.

Como sabido é, nos termos do art. 28°, n° 1 do C.P.A.C.:
“São actos administrativos contenciosamente recorríveis os que, produzindo efeitos externos, não se encontram sujeitos a impugnação administrativa necessária.”

Segundo afirma o Prof. Freitas do Amaral “(...) o acto administrativo é o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da Administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto. (...)”; (in, “Direito Administrativo”, vol. III, Lx 1988, pág. 66).

E como já ensinava Marcelo Caetano, o acto administrativo pode ser definido como “a conduta voluntária de um órgão da Administração no exercício de um poder público que para prossecução de interesses a seu cargo, pondo termo a um processo gracioso ou dando resolução final a uma petição, defina, com força obrigatória e coerciva, situações jurídicas num caso concreto”; (vd. “Manual de Direito Administrativo”, Vol. I, pág. 463).

A função específica do acto administrativo é pois a definição unilateral do direito aplicável ao coso concreto.

E, até mesmo atento o estatuído no art. 33°, do citado C.P.A.C. – onde se preceitua que “tem legitimidade para interpor recurso contencioso”: “as pessoas singulares ou colectivas que se considerem titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tivessem sido lesados pelo acto recorrido ou que aleguem interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso” – se constata também que o critério da recorribilidade é pois o da “lesividade de direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Porém, na aferição da recorribilidade contenciosa de um determinado acto administrativo importa não adoptar um critério formal-processual, mas, ao invés, um critério no qual releve a idoneidade de tal acto para lesar ou não posições subjectivas dos particulares legalmente protegidas [cfr., entre outros, os Acs. do STA de 20/02/2002 - Proc. n.º 755/02, de 18/04/2002 (Pleno) - Proc. n.º 46.058, de 22/10/2002 - Proc. n.º 43.207, de 24/10/2002 - Proc. n.º 820/02, de 05/11/2002 - Proc. n.º 1.468/02, de 20/11/2002 - Proc. n.º 48.367, de 14/01/2003 - Proc. n.º 535/02, de 29/01/2003 - Proc. n.º 47.015, de 17/06/2003 - Proc. n.º 262/03, de 08/07/2003 - Proc. n.º 998/03, de 05/11/2003 - Proc. n.º 1.483/03, de 14/01/2004 - Proc. n.º 1.575/03, de 27/01/2004 - Proc. n.º 1.956/03, de 04/02/2004 - Proc. n.º 2.075/03, de 26/05/2004 - Proc. n.º 167/04, de 26/05/2004 - Proc. n.º 1.305/03, todos in, «www.dgsi.pt/jsta»].

Aliás, esta ideia de centrar a questão na “lesão das posições subjectivas” já era defendida pelo Prof. Rogério Soares, pese embora este o tenha feito mais ao nível do que se deveria qualificar como sendo acto administrativo e actos da Administração do que numa perspectiva contenciosa, ou seja, para efeitos de se aferir da recorribilidade dos actos administrativos; (cfr., “Direito Administrativo”, pág. 203).

Também fazendo apelo ao critério da “lesão” podemos ver as posições sustentadas pelo Prof. Jorge Miranda (in, “Um Projecto de Revisão Constitucional”), pelo Dr. António Victorino (in, “Prefácio à C.R.P.”, Lisboa 1989, a págs. XIV-XCV) e pelo Dr. João Magalhães (in, “Dicionário da Revisão Constitucional”, pág. 20).

Daí que se o acto administrativo não possuir tal efeito sobre as posições subjectivas dos particulares estaremos em presença de um acto não susceptível de recurso contencioso.

Contudo, importa também ter presente que só se deve abrir a via contenciosa quando o recorrente sofra uma “lesão actual e efectiva” da sua esfera jurídica provocada pela emissão de um acto administrativo, sendo que só haverá lesão actual se o recorrente puder retirar alguma utilidade do provimento do recurso, isto é, se da anulação do acto recorrido resultar o desaparecimento daquela lesão.

Entende J. Osvaldo Gomes ser suficiente a “potencialidade” lesiva do acto (cfr., “Revista de Direito Público”, Ano VII, n.° 13, págs. 59 e seguintes).

Contudo, não se nos afigura ser esta a melhor solução.

De facto, temos para nós que estarão excluídos de recurso contencioso todas aquelas situações em que se não esteja perante uma “lesão actual”.

É o que, em nossa opinião, decorre já do citado preceito do art. 33° do C.P.AC., nomeadamente da expressão “direitos e interesses lesados”, pressupondo, por isso, a “actualidade da lesão” e não a sua mera “potencialidade lesiva”.

Esta é, também, a posição de Rogério Soares, que salienta não bastar que o acto seja daqueles que pela sua natureza concretiza um comando perturbador da ordem jurídica, sendo preciso “que o seu estado de virulência seja actual e não apenas potencial”; (no mesmo sentido, cfr., ainda, Paulo Otero, in “Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa”, págs. 376, e “As Garantias Impugnatórias dos Particulares no C.P.A.”, in “Scientia Juridica”, Jan/Dez. 92, Tomo XLI, págs. 60, e bem assim, José Cândido Pinho in, “Breve ensaio sobre a competência hierárquica”, pág. 60. Também no sentido de impor que a lesão terá de ser efectiva e actual relativamente às posições subjectivas do recorrente e que não basta a potencialidade dessa lesão tem sido a jurisprudência constante do STA: cfr., entre outros, os Acs. de 20/02/2002 - Proc. n.º 44.194, de 22/10/2002 - Proc. n.º 755/02, de 24/10/2002 - Proc. n.º 820/02, de 05/11/2002 - Proc. n.º 1468/02, de 14/01/2003 - Proc. n.º 535/02, de 05/11/2003 - Proc. n.º 1483/03, de 27/01/2004 - Proc. n.º 1956/03 todos in: «www.dgsi.pt/jsta»).

Por sua vez, “actos internos são aqueles cujos efeitos se produzem apenas nas relações inter orgânicas do órgão que os praticou, sendo externos os actos cujos efeitos se projectam na esfera jurídica de sujeito diferente daquele que os praticou”; (cfr., Prof. M. Caetano in, "Manual de Direito Administrativo" 10ª ed., vol. I, pág. 442; e Prof. F. Amaral in, ob. cit.., vol. III, pág. 152).

Como se decidiu no Ac. do S.T.A.:
“É acto interno ou inter-orgânico aquele que determina aos serviços o sentido e alcance com que devem ser aplicadas certas disposições legais, sem intenção de decidir directamente qualquer situação jurídica concreta e individualizada, assim se destinando a ter mera eficácia interna corporis.”; (cfr., Ac. de 10.02.2000, Proc. n° 044927).

No seguimento deste entendimento tem-se afirmado que, por princípio, os actos internos não são lesivos, e que, por via de regra, só os actos externos – por serem os únicos capazes de se projectarem na esfera jurídica de terceiros e, consequentemente, capazes de afectar os seus direitos ou interesses legítimos – são susceptíveis de impugnação contenciosa.

Tal como afirma o Prof. Freitas do Amaral (in: ob. e loc. citados) “(…) A garantia de recurso contencioso só cobre os actos externos, não cobre os actos internos, porque por definição os actos internos não são susceptíveis de ferir os interesses dos particulares.”

Com efeito, se os efeitos se esgotam exclusivamente no interior da Administração, não lesam direitos e interesses dos particulares; mas se alguns desses efeitos afectarem imediatamente os direitos dos particulares, o acto é recorrível, ainda que a maioria dos efeitos respeitem apenas ao interior da Administração.

Porque assim é, a recorribilidade de tais actos tem de ser apreciada caso a caso, em função das suas circunstâncias e da sua lesividade, ou seja, em função da ofensa (ilegal) aos direitos e legítimos interesses das pessoas atingidas.

Ora, tendo presente o que se deixou consignado, lendo-se o despacho ora em causa, e abstraindo-se do demais, cremos que adequado é reconhecer que o mesmo, acarreta, efectivamente, lesão dos direitos e interesses legalmente protegidos do recorrente.

Admite-se que o mesmo “é dirigido à D.S.F.”, porém, não deixa de ofender direitos e interesses legítimos do recorrente, (notando-se que mais adiante se tentará explicitar melhor tal “causa de lesão”).

Assim, e face ao que se expôs, seria de se passar a conhecer da questão da “tempestividade do recurso”.

Contudo, importa ainda ponderar no seguinte.

Como é sabido, dentro da categoria de actos administrativos irrecorríveis, existem os “actos confirmativos”, sendo que “a relevância desta categoria de acto reside, para além do plano doutrinário, precisamente no facto de não ser susceptível de constituir objecto de recurso contencioso na decorrência de a situação jurídica entre o particular e a Administração já ter ficado definida pelo acto confirmado e daí a consagração legal da inexistência do dever de decidir.”; (cfr., Ac. do S.T.A. de 16.02.2006, Proc. n° 00710/05).

De facto, como se estatui no art. 31°, n° 1 do C.P.A.C. , “O recurso é rejeitado com fundamento na natureza meramente confirmativa do acto recorrido quando o acto confirmado tenha sido objecto de notificação ao recorrente de publicação imposta por lei ou de impugnação administrativa ou contenciosa interposta por aquele.”

Tem-se considerado que os actos confirmativos são aqueles que, nada inovando, se limitam a reafirmar um outro acto precedente, esse sim definidor de uma situação jurídica, com produção de efeitos na esfera de interesses do particular.

Assim, para se poder afirmar que o acto é deste tipo, necessário é que ocorra uma identidade no que concerne à pretensão e resolução, aferida em função de idênticas circunstâncias, de facto e de direito, à respectiva causa de pedir, fundamentação e pressupostos da decisão, e, também, quanto às partes, ainda que neste âmbito, o que assume relevância é “... a origem da titularidade dos poderes exercidos ...” na prática do acto administrativo; (cfr., Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho, in “C.P.A.”, pág. 443, F. Do Amaral in ob. e loc. cit., pág. 223, M.E. de Oliveira in “Lições de Direito Administrativo”, 1981, pág. 572, M, Aroso de Almeida in “O novo regime do processo dos tribunais administrativos, 3.ª ed., pág. 155, e, os Acs. deste T.S.I. de 13.11.2003, Proc. n° 209/2002 e de 15.12.2009, Proc. n° 150/2007).

Na verdade, o acto confirmativo carece de autonomia funcional , já que a lesão do direito do particular ocorre na altura da prática do acto confirmado, na medida em que, aquele, se destina a reproduzir o disposto em acto anterior, razão que impede a sua impugnação contenciosa em virtude da falta de eficácia própria.

Como, em termos de jurisprudência (comparada) se tem entendido, “O acto meramente confirmativo é aquele cujo objecto é igual ao de acto contenciosamente impugnável anteriormente praticado e do qual resultara já definitivo o efeito jurídico a que o particular ficara juridicamente vinculado, não sendo um verdadeiro acto administrativo, ou por não definir uma situação jurídica em termos inovatórios, uma vez que não modifica o ordenamento jurídico, ou por não conter uma estatuição autoritária, por se limitar a manter o acto confirmado onde essa estatuição se contém”; (cfr., entre outros, os Acs. do STA 15/10/87 in BMJ 370º-585 e de 15/10/91 in BMJ 410º.-844).

Face ao que se deixou consignado, e à primeira vista, tentados seriamos de considerar que é o acto ora em causa “meramente confirmativo” do (anterior) acto do Exm° Chefe do Executivo, pois que nada inovando em relação a este, e dando-se observância aos procedimentos típicos de uma Administração hierarquizada, limita-se a reproduzir o que decidido já tinha sido a fim de viabilizar a sua execução.

Porém, um outro aspecto importa aqui ponderar.

É o seguinte:

Os ditos “actos confirmativos” são tipicamente praticados pelo superior hierárquico ou pelo próprio autor do acto confirmado.

No caso, verifica-se uma situação diversa.

E, ponderando no assim expendido (assim como no teor dos referidos despachos), mais adequado se nos mostra de considerar o acto do Exm° Secretário para a Economia e Finanças como um “acto consequente”, ou, quiçá, mais concretamente, um “acto de execução do acto do Exm° Chefe do Executivo”.

Ora, “acto consequente” é aquele cuja prática e conteúdo dependem da existência de um acto anterior que lhe serve de causa, base ou pressuposto e que, assim, é dele raiz e fundamento; (cfr., v.g., o Ac. do S.T.A. de 13.05.2009, Proc. n° 0473/08).

É pois o acto que é praticado ou dotado de certo conteúdo, em virtude de outro anterior que o causa e lhe serve de fundamento, ou seja, está-se perante um “acto consequente” de um outro, anterior, quando este é seu o pressuposto, de tal forma que o acto considerado só tenha sido praticado em virtude da prática desse outro acto anterior.

In casu, dúvidas não cremos que haja no sentido que o acto recorrido foi praticado “em consequência” (ou na sequência) do acto do Exm° Chefe do Executivo.

Por sua vez, os actos de execução tem sido entendidos como actos sem conteúdo autónomo, visto ser o acto executado o que define a situação jurídica respectiva. São pois a consequência lógica de elemento acessório da decisão anterior, destinado-se (também) a concretizar, sem inovar a determinação contida em acto anterior, dando-lhe assim sequência, (ou execução).

E, em nossa opinião, com o acto recorrido ora em questão, pretendeu-se tão só viabilizar a execução do acto (anterior), praticado pelo Exm° Chefe do Executivo.

Nesta conformidade, há que concluir que é o mesmo insusceptível de recurso, na medida em que nada mais representa do que o efeito lógico do anterior acto do Exm° Chefe do Executivo, não assumindo, autonomamente, a lesão de direitos ou interesses do recorrente.

Com efeito, e como se deixou relatado, apenas é possível recorrer contenciosamente de actos administrativos que sejam lesivos de direitos e posições jurídicas relevantes dos particulares, e já não – acrescenta-se agora – quando a lesão desses direitos e interesses não vem do acto de que se recorre, mas doutro acto que anteriormente definiu a situação do administrado, limitando-se aquele, (o recorrido), a concretizar ou desenvolver, sem inovação, o conteúdo do anterior.

Na verdade, o fundamento da irrecorribilidade dos actos de execução, (bem como dos actos confirmativos), radica na consolidação da definição jurídica estabelecida em acto anterior exigida pelo interesse público de estabilidade dos actos administrativos, presumindo-se "jure et de jure" a concordância dos seus destinatários através da respectiva inércia contenciosa durante certo período de tempo.

No caso dos presentes autos, é isto que sucede.

A aludida “lesão” que o acto do Exm° Secretário para a Economia e Finanças “causa” ao ora recorrente não tem origem no mesmo, mas sim no acto do Exm° Chefe do Executivo que, concordando com o relatório elaborado no âmbito do processo disciplinar, definiu a situação do recorrente.

Assim, (subscrevendo-se aqui inteiramente o entendimento do Exm° Representante do Ministério Público no seu Parecer de fls. 240 a 242), e não nos parecendo ser o acto recorrido inovador em relação ao antes praticado pelo Exm° Chefe do Executivo, em si, não é lesivo, e, não o sendo, não é susceptível de recurso.

Daí, e concluindo-se que recorrível também não é o acto praticado pelo Exm° Secretário para a Economia e Finanças, há que se rejeitar o presente recurso.

Decisão

3. Atentando em tudo quanto se tentou deixar esclarecido, em conferência, acordam rejeitar o recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.

Macau, aos 13 de Maio de 2010
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng (subscrevo a decisão de rejeição do recurso contencioso do acto decisório do Secretário para a Economia e Finanças, exclusivamente porque sendo este um acto consequente do anterior acto do Chefe do Executivo, a sua impugnação contenciosa só seria da admitir, se e só se o ora Recorrente tivesse impugnado contenciosamente, e a tempo, o “acto-mãe” do Chefe do Executivo, sendo certo que caso o Recorrente tenha recorrido contenciosamente do acto do Chefe do Executivo, que é já lesivo do seu interesse, já não lhe será necessário recorrer contenciosamente do acto consequente (do Secretário), por força dos efeitos a relevar eventualmente da norma do art.º 174.º, n.º 3, do CPAC).
João A. G. Gil de Oliveira (com declaração de voto vencido)

Declaração de voto vencido

Voto vencido, não acompanhando a posição que fez vencimento no douto acórdão ora proferido, enquanto ali se considerou ser de rejeitar o recurso por o despacho do Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças ser basicamente confirmativo do despacho do então Exmo Senhor Chefe do Executivo (não obstante a natureza mista com que se mitiga tal natureza), pelo que o recurso seria extemporâneo.
Salvo melhor opinião entendo alinhar as seguintes razões:
- O despacho do então Exmo Senhor Chefe do Executivo (CE), de 29/9/09, limita-se a concordar com a proposta do Senhor Instrutor e a remeter ao Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças (SEF) para proceder à rescisão do contrato de acordo com as formalidades legais e para apuramento e reposição dos montantes indevidamente recebidos. Temos assim uma entidade dá uma ordem a outra para que adopte um dado procedimento, dentro do enquadramento legal devido, o que significa que a produção de efeitos jurídicos só após a tomada de posição desta pode ocorrer, sendo certo que já a proposta do Senhor Instrutor ia no sentido de que, na sede própria, fossem tomadas as medidas julgadas adequadas atinentes à efectivação da reposição das quantias indevidamente recebidas. E no seu relatório são diferenciadas as situações que originam um recebimento indevido.
- Só com o despacho do SEF se firma, define e concretiza a vontade da Administração no sentido de denunciar o contrato e se fica a saber qual a ilegalidade relevante para efeitos de reposição (havia outras, para além da pretensa violação do disposto no art. 176° do ETAPM, que poderiam dar azo a reposição de verbas indevidamente recebidas, constantes do relatório, tais como a duplicação de actas, participação simultânea de membros efectivos e suplentes).
Pergunta-se: é claro o Relatório na enunciação da ilegalidade que deve determinar a reposição de montantes?
Só com esse despacho (do Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças) se configura e conforma a situação jurídica, o que não deve deixar de relevar na árdua tarefa de busca e identificação do acto administrativo (Cfr. Marcello Caetano, Manual..., 10ª ed., 443 e 444).
De entre as diferentes apontadas, só uma pretensa ilegalidade foi acolhida. E isto não é despiciendo: se a Administração, de entre várias ilegalidades configuradas como possíveis, apenas escolheu uma para fundar a reposição de montantes indevidamente pagos, é de supor que também o interessado tivesse a mesma dificuldade, não sendo razoável impor-lhe o sacrifício de ter de esgrimir contra todas elas, quando a vontade da Administração ainda não estava definitivamente formada.
Reconhece-se que tal ilegalidade, a par de outras, já estava identificada no Relatório do Senhor Instrutor, mas a proposta que foi acolhida ia no sentido da continuação de um procedimento tendente à efectivação da reposição, na sede própria, proposta com que a entidade primeira destinatária concordou e a injunção contida no despacho do CE foi apenas a do apuramento e reposição dos montantes indevidamente recebidos.
- Pode o argumento parecer formal, mas é, seguramente, de molde a ficar-se na dúvida quanto à definitividade do mesmo em termos de concretização de produção de efeitos jurídicos e quanto a saber se é ele que conforma a situação jurídica lesiva.
Tanto assim que é a própria Administração que configura esse despacho como irrecorrível, dizendo que se trata de uma mera ordem interna, uma mera instrução para os serviços (cfr. art. 112° da Contestação).
- Aliás, ninguém nos autos configura esse despacho como autónomo e o próprio interessado, no enquadramento jurídico que faz, considera-o abrangido no despacho lesivo de que recorre, como seu antecedente, e estando na génese do despacho que autonomiza para efeitos de impugnação (cfr, Esteves de Oliveira e outros, CPA, Comentado, 2ª ed., 553, quanto a actos ainda vinculativos e decisórios, mas meramente procedimentais).
- Temos para nós, aliás, tal como prefigurado pelo recorrente, que há uma cadeia de actos, que só pelo seu conjunto, adquirem uma unidade própria - plures actus vertunt in unum -, configurando-se o despacho do SEF, mais do que um acto confirmativo, executivo ou subsequente, como integrante de um acto complexo (vereinbarung), como contendo manifestação de vontade de vários órgãos, dirigida ao mesmo objecto e fim imediato (Marcello, ob. cit. 469, José Eduardo Figueiredo Dias, Manual de Formação de Dto Adm. De Macau, 253), só concretizado no fim do procedimento.
- Mas mesmo que assim se não entendesse, o certo é que, em 7/10/09, o recorrente, dentro do prazo, considerando que o processo não estava findo - a posição final, nos termos da instrução recebida pelo CE só veio a ser tomada pelo SEF - suscitou uma questão que se prendia com o facto de nunca ter sido ouvido e requereu o exercício do direito do contraditório. Não obstante, veio a ser proferida a decisão em 9/10/09, tendo o interessado sido notificado em 12/10/09 sem nunca ter sido ouvido nesse procedimento.
Ora, a notificação que lhe é feita do despacho do CE só pode ter a relevância de inteirar o interessado do procedimento em curso.
- A entender-se que essa pretensão do exercício de defesa em nada releva na marcha procedimental, não suspendendo o prazo que estava a correr (ex vi art. 150° do CPA), já não assim o requerimento formulado em 22/10/09 e reforçado em 5/11/09 ao abrigo do art. 27° do CPAC, sendo de considerar comunicado ao despacho do Senhor Chefe do Executivo a pretensão formulada, vista a unidade da impugnação (não havendo aí elementos bastantes para se poder desprezar a possibilidade de suspensão de contagem do prazo).
Pelo que, com todo o respeito por diversa e porventura melhor opinião, entendo que se deveria conhecer do recurso.

Macau, 13 de Maio de 2010,
João A. G. Gil de Oliveira
1 "Considera-se infracção disciplinar o facto culposo, praticado pelo funcionário ou agente, com violação de algum dos deveres gerais ou especiais a que está vinculado ''.
2 Manuel Leal-Henriques, Manual de Direito Disciplinar, Centro de Formação Jurídica c Judiciária, 2005, pagina 48.
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Proc. 984/2009 Pág. 2

Proc. 984/2009 Pág. 1