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Processo n.º 574/2008 Data do acórdão: 2011-01-13
(Autos de recurso civil)
  Assuntos:
– art.º 854.º, n.º 1, do Código Civil de Macau
– contrato de remissão de dívida
– art.º 399.º, n.º 1, do Código Civil de Macau
– limitação da liberdade contratual
– art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril
– Regime Jurídico das Relações de Trabalho de Macau
– princípio do favor laboratoris
– art.º 60.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, de 14 de Agosto
S U M Á R I O
1. O Código Civil de Macau, no n.° 1 do seu art.° 854.°, dispõe que <>.
2. Entretanto, segundo o art.º 399.º, n.º 1, deste Código, a criação do contrato não implica que o mesmo possa vir a produzir necessariamente os efeitos pretendidos pelos respectivos outorgantes, visto que tudo depende da existência, ou não, de outras disposições legais obrigatórias que restrinjam ou limitam a liberdade contratual.
3. Estando o presente processo sob a alçada do Direito do Trabalho, há que aplicar o Regime Jurídico das Relações de Trabalho de Macau, consagrado no Decreto-Lei n.° 24/89/M, de 3 de Abril.
4. O art.° 6.° deste Decreto-Lei determina que <>.
5. Sendo certo que as “condições de trabalho” de que se fala nesta norma devem ser entendidas, conforme o conceito definido na alínea d) do art.° 2.° do mesmo Decreto-Lei, como referentes a <>.
6. Assim, estando o montante concreto do “prémio de serviço” então declarado pela Autora como recebido da Ré muito aquém da soma indemnizatória reclamada na petição inicial, o Tribunal a quo, independentemente da procedência ou não do pedido da Autora, não deveria ter desconsiderado a norma expressa do art.° 6.° do dito Decreto-Lei, nem o pensamento legislativo ao mesmo subjacente e ligado às preocupações de proteger os interesses da parte trabalhadora (cfr. os cânones de hermenêutica jurídica plasmados no n.° 1 do art.° 8.° do Código Civil), não devendo, pois, ter julgado válido o contrato de remissão de dívidas da Ré para com a Autora, mesmo que esse contrato tivesse sido celebrado após a cessação da relação de trabalho entre a Autora e a Ré.
7. Aliás, norma jurídica semelhante à do art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 24/89/M, pode ser encontrada nas seguintes disposições do art.° 60.° do Decreto-Lei n.° 40/95/M, de 14 de Agosto, definidor do regime aplicável à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, também em prol da protecção dos interesses da parte trabalhadora:
<<1. É nula a convenção contrária aos direitos ou às garantias conferidas no presente diploma ou com eles incompatível.
  2. São igualmente nulos os actos e contratos que visem a renúncia aos direitos estabelecidos no presente diploma.>>
8. Por outras palavras, como o contrato de remissão de dívida em questão nos presentes autos violou o princípio do “favor laboratoris” também consagrado obrigatoriamente no art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 24/89/M, todos os créditos laborais legais da Autora sobre a Ré não podem ficar extintos por efeito desse contrato.
O relator por vencimento,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 574/2008
(Autos de recurso civil)
  Autora: A
  Ré: Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L.
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
No dia 10 de Maio de 2007, A apresentou petição ao Tribunal Judicial de Base, pedindo, em acção declarativa ordinária, a condenação da sua ex-empregadora Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L. (STDM), no pagamento da quantia total de MOP$1.525.324,00, como indemnização pecuniária de diversos direitos por ela tidos como emergentes da correspondente relação laboral (cfr. o teor da petição a fls. 2 a 14 dos presentes autos correspondentes).
Contestou a Ré, e para se opor ao pedido da Autora, chegou a invocar diversos motivos, de entre os quais se salientando o argumento de que todas as obrigações ora imputadas pela Autora, a existirem, já teriam sido extintas por efeito de uma declaração subscrita pela Autora nesse sentido em 17 de Julho de 2003 e já por ela aceite logo no próprio dia (cfr. o teor da contestação de fls. 36 a 79 dos autos), excepção peremptória esta que veio a ser julgada como procedente na sentença final da Primeira Instância, com consequente absolvição da Ré do pedido (cfr. a sentença de fls. 231 a 237 dos autos).
Notificada dessa decisão final, interpôs a Autora recurso da mesma, através da respectiva motivação apresentada a fls. 239 a 256.
Ao recurso respondeu a Ré no sentido de improcedência do mesmo, mediante a contra alegação de fls. 260 a 267v.
Subido o recurso, feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, foi apresentado pelo Mm.o Juiz Relator a quem o processo ficou distribuído o douto Projecto de Acórdão à apreciação do presente Tribunal Colectivo ad quem, sugerindo-se que se julgasse improcedente este recurso da Autora com manutenção da decisão de absolvição da Ré do pedido.
Entretanto, como o Mm.o Relator acabou por sair vencido da votação sobre essa sua douta Minuta de Acórdão, cumpre decidir da sorte dos presentes autos recursórios nos termos constantes do presente acórdão definitivo, lavrado pelo primeiro dos Juízes-Adjuntos.
II – DOS FACTOS
Com pertinência à solução do recurso, é de coligir dos autos os seguintes elementos:
Em 17 de Julho de 2003, a Autora assinou uma declaração dactilografada em chinês (com respectiva tradução portuguesa também dactilografada no mesmo texto original), e aceite por escrito nesse dia (e no texto dessa declaração) pela Ré, com seguinte teor traduzido para português:
< Eu,(.....................................), titular do BIR nº (...........................) recebi, voluntariamente, a título de prémio de serviço, a quantia de MOP$(..........................) da STDM, referente ao pagamento de compensação extraordinária de eventuais direitos relativos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, eventual licença de maternidade e rescisão por acordo do contrato de trabalho, decorrentes do vínculo laboral com a STDM.
  Mais declaro e entendo que, recebido o valor referido, nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a STDM subsiste e, por consequência, nenhuma quantia é por mim exigível, por qualquer forma, à STDM, na medida em que nenhuma das partes deve à outra qualquer compensação relativa ao vínculo laboral.
  [...]>> (cfr. o teor literal da mesma declaração, a que alude a fl. 81 dos autos), sendo certo que de acordo com o teor original em chinês dessa declaração, o “prémio de serviço” é de MOP$32.193,04.
III – DO DIREITO
Juridicamente falando, a questão nuclear posta no recurso da Autora prende-se, ao fim e ao cabo, com a indagação do sentido e alcance da declaração escrita então por ela assinada e logo aceite pela Ré, a despeito da quantidade de questões e respectivos argumentos invocados na alegação do recurso.
A este propósito, e tal como já se analisou mormente no acórdão de 14 de Junho de 2007 deste Tribunal de Segunda Instância, lavrado em chinês no Processo n.° 258/2007 (em que se ocupou da mesmíssima questão jurídica ante uma declaração escrita com conteúdo materialmente idêntico ao da declaração ora em causa):
O Código Civil de Macau, no n.° 1 do seu art.° 854.°, dispõe que <>.
Ora, em princípio, a dita declaração então emitida pela Autora, uma vez aceite pela Ré, já fez nascer um contrato de remissão de dívida previsto neste preceito do Código Civil.
Entretanto, a criação do contrato não implica que o mesmo possa vir a produzir necessariamente os efeitos pretendidos pelos respectivos outorgantes, visto que tudo depende da existência, ou não, de outras disposições legais obrigatórias que restrinjam ou limitam a liberdade contratual (vide o art.° 399.°, n.° 1, do Código Civil).
Estando o presente processo sob a alçada do Direito do Trabalho, há que aplicar ao caso o Regime Jurídico das Relações de Trabalho de Macau, consagrado no Decreto-Lei n.° 24/89/M, de 3 de Abril, e vigente inclusivamente à data da assinatura da acima referida declaração escrita da Autora.
Segundo o art.° 6.° deste Decreto-Lei: <> (com sublinhado ora colocado).
Sendo certo que as “condições de trabalho” de que se fala nesta norma devem ser entendidas, de acordo com o conceito definido na alínea d) do art.° 2.° do mesmo Decreto-Lei, como referentes a <> (com sublinhado agora posto).
Assim, estando o montante concreto do “prémio de serviço” então declarado pela Autora como recebido da Ré muito aquém da soma indemnizatória reclamada na petição inicial, e independentemente da procedência ou não do pedido da Autora, não se deveria ter desconsiderado a norma expressa do art.° 6.° do dito Decreto-Lei, nem o pensamento legislativo ao mesmo subjacente e ligado às preocupações de proteger os interesses da parte trabalhadora (cfr. os cânones de hermenêutica jurídica plasmados no n.° 1 do art.° 8.° do Código Civil), não se devendo, pois, ter julgado válida a atrás referida remissão de dívidas da Ré para com a Autora, mesmo que essa remissão tivesse sido declarada após a cessação da relação de trabalho entre a Autora e a Ré.
Aliás, norma jurídica semelhante à do art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 24/89/M, pode ser encontrada nas seguintes disposições do art.° 60.° do Decreto-Lei n.° 40/95/M, de 14 de Agosto, definidor do regime aplicável à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, também em prol da protecção dos interesses da parte trabalhadora:
<<1. É nula a convenção contrária aos direitos ou às garantias conferidas no presente diploma ou com eles incompatível.
  2. São igualmente nulos os actos e contratos que visem a renúncia aos direitos estabelecidos no presente diploma.>>
Por outras palavras, como a declaração de remissão de dívida em questão nos presentes autos violou o princípio do “favor laboratoris” também consagrado obrigatoriamente no art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 24/89/M, todos os créditos laborais legais da Autora sobre a Ré não podem ficar extintos por efeito dessa declaração (precisamente porque da aplicação dessa remissão, resultarão condições de trabalho menos favoráveis para a parte trabalhadora ora autora, pois ficarão muito reduzidos e negativamente afectados os seus direitos, legalmente previstos na lei laboral, a compensação pecuniária do trabalho então prestado à Ré na respectiva relação contratual nomeadamente nos dias de descanso semanal, anual e de feriados obrigatórios), com o que há que cair por terra a excepção peremptória deduzida pela Ré com base nesse contrato.
Na verdade, este princípio do favor laboratoris, como um dos derivados do princípio da protecção do trabalhador informador do Direito do Trabalho, para além de orientar o legislador na feitura das normas juslaborais (sendo exemplo paradigmático disto o próprio disposto no art.º 5.º, n.º 1, e no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril), deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou a solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir. (Neste sentido, e para maior desenvolvimento no assunto, cfr. a Dissertação de Doutoramento de MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO: A Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho, in Colecção Teses, Almedina, Setembro de 2000, págs. 947 a 948 e 974 a 977, em especial, aliás já materialmente citada no acórdão de 25 de Julho de 2002, do Processo n.° 47/2002, deste Tribunal de Segunda Instância).
Assim sendo, não se pode concordar com toda a opinião diversa no assunto, mormente a constante no douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 11 de Junho de 2008 no seu Processo n.o 14/2008 (a propósito de uma declaração de teor idêntico à dos presentes autos), cuja fundamentação, salvo o devido respeito, não procede, designadamente por seguintes razões, para além das já acima expostas:
– em primeiro lugar, se o tipo de declaração em causa é uma declaração de quitação com acompanhado reconhecimento negativo de dívida ainda não existente, porque é que a Ré teve que afirmar no texto da mesma declaração que aceitava o aí declarado?
– e em segundo lugar, ao declarar-se que “nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a STDM subsiste”, é porque, no entender das partes, chega a existir, até a esse momento, o direito a compensação de “descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios..., decorrentes do vínculo laboral com a STDM”, embora não se saiba do quantum exacto dessa compensação;
– daí que, em terceiro lugar, não é por acaso que foi a STDM quem começou a invocar a tese de “remissão da dívida” em contestações apresentadas em processos congéneres e também na contestação dos presentes autos;
– e em quarto lugar, mesmo dentro da própria economia da douta tese do Venerando Tribunal de Última Instância, sempre se diria que teria subsistido o mesmo estado de sujeição da parte trabalhadora declarante no momento da assinatura da declaração, porque já é facto notório, conhecido pelos Tribunais de Macau no exercício das funções jurisdicionais em todos os processos semelhantes, que quem assinou este tipo de declarações foram aqueles “ex-trabalhadores da STDM” que passaram a trabalhar, a partir dessa altura, nos casinos da Sociedade de Jogos de Macau, S.A., criada e controlada pela mesma STDM;
– e, por fim, há que atender a que em acórdãos anteriores proferidos por este Colectivo do TSI sobre a questão, nunca se afirmou que era aplicável o art.o 60.o do Decreto-Lei n.o 40/95/M, de 14 de Agosto, mas sim que “norma jurídica semelhante à do art.o 6.o do Decreto-Lei n.o 24/89/M, pode ser encontrada nas seguintes disposições do art.o 60.o do Decreto-Lei n.o 40/95/M, de 14 de Agosto”.
Termos em que há que proceder o recurso sub judice, por procedente a questão de invalidade, invocada na alegação do recurso, da remissão da dívida (não sendo, pois, mister, por logicamente precludido, conhecer em concreto de todas as outras questões invocadas na petição do recurso, por a solução acima dada quanto ao alcance e sentido da declaração dos autos já tutelar cabalmente a posição processual da Autora).
Caberá, pois, ao Tribunal a quo conhecer do pedido da Autora.
4. Em sintonia com o acima exposto, acordam em conceder provimento ao recurso da Autora, revogando, por conseguinte, a decisão recorrida de absolvição da Ré do pedido, e ordenando o conhecimento pelo Tribunal a quo do pedido formulado na petição inicial, a não ser que haja outro motivo legal a obstar a isto.
Custas do presente recurso a cargo da Ré.
Macau, 13 de Janeiro de 2011.
__________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto vencedor)

__________________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
__________________________
Choi Mou Pan
(Relator do processo)
(com declaração de voto vencido)

Processo n° 574/2008
Declaração de Voto
   
   Vencido nos seguintes termos:
   Não se pode concordar com a decisão de maioria quanto às questões de remissão das dívidas, como se tem entendido nos outros processo em que o declarante se intervenha.
   Sobre esta questão em causa, há dois entendimentos identicamente diferentes nas decisões neste Tribunal.
   Para umas, tal como as conclusões resumidas no acórdão de 24 de Julho de 2008 do processo n° 491/2007 (também dos recentes acórdãos de 11 de Setembro de 2008 do processo n° 546/2007, de 18 de Setembro de 2008 dos processos n°s 207/2008, 249/2008, 335/2008, 380/2008, 407/2008 e 427/2008):
    “1. A protecção que deve ser dispensada ao trabalhador não pode ser absoluta nem fazer dele um incapaz sem autonomia e liberdade, ainda que aceitando os condicionamentos específicos decorrentes de uma relação laboral.
    2. Maiores razões proteccionistas do trabalhador já não são tão válidas quando não está em causa o exercício dos direitos, mas apenas uma compensação que mais não é do que a indemnização pelo não gozo de determinados direitos.
    3. A remissão de dívida traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com o acordo do devedor.
    4. A declaração do trabalhador, aquando da cessação de uma relação laboral, em que aceita uma determinada quantia para pagamento de créditos emergentes dessa relação e em que declara prescindir de quaisquer outros montantes, não deixa de consubstanciar valida e relevantemente uma declaração de quitação em que se consideram extintos, por recíproco pagamento, ajustado e efectuado nessa data, toda e qualquer compensação emergente da relação laboral, o que vale por dizer que todas as obrigações decorrentes do contrato de trabalho tinham sido cumpridas.”
    Para outras, nomeadamente nos acórdãos, entre outros, de 19 de Julho de 2008 nos processo n°s 294/2007, de 11 de Junho de 2008 dos processo n° 14/2008 e 17/2008, de 11 de Setembro de 2008 dos processos n°s 493/2008 e 400/2008, considerando essencialmente nula a convenção contrária aos direitos ou às garantias conferidas por lei, nomeadamente as normas que conferem aos trabalhadores os direitos irrenunciáveis nos termos do artigo 6° do D.L. n° 24/89/M de 3 de Abril.
    O Tribunal de Última Instância no seu acórdão, entre outros, de 27 de Fevereiro de 2008 no processo n° 46/2007, decidiu nos seguintes termos:
    1) – A remissão consiste no que é vulgarmente designado por perdão de dívida.
    2) A quitação (ou recibo, no caso de obrigação pecuniária) é a declaração do credor, corporizada num documento, de que recebeu a prestação.
    3) O reconhecimento negativo de dívida é o negócio pelo qual o possível credor declara vinculativamente, perante a contraparte, que a obrigação não existe.
    4) O reconhecimento negativo da dívida pode ser elemento de uma transacção, se o credor obtém, em troca do reconhecimento, uma concessão; mas não o é, se não se obtém nada em troca, havendo então um contrato de reconhecimento ou fixação unilateral, que se distingue da transacção por não haver concessão recíprocas.
    5) A remissão de crédito do contrato de trabalho é possível após extinção das relações laborais.”
    Quanto a nós, não podemos deixar de acompanhar o entendimento encontrado no primeiro grupo das decisões e a jurisprudência corrente do Tribunal de última Instância.
    No fundo, o que é essencial é de saber se a declaração do trabalhador de “quitação” constitui a renúncia do direito indisponível e consequente causa de nulidade de declaração por vício de vontade.
    Como resulta dos autos, tinha a autora assinou a declaração cujo teor consta dos autos nos termos seguintes:
    ““Eu, A, titular do Bir n.º (......) recebi, voluntariamente, a título de prémio de serviço, a quantia de MOP$ 32193,04, da STDM, referente ao pagamento de compensação extraordinária de eventuais direitos relativos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, eventual licença de maternidade e rescisão por acordo do contrato de trabalho, decorrentes do vínculo laboral com a STDM.
    Mais declaro e entendo que, recebido o valor referido, nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a STDM subsiste e, por consequência, nenhuma quantia é por mim exigível, por qualquer forma, à STDM, na medida em que nenhuma das partes deve à outra qualquer compensação relativa ao vínculo laboral.”
    Desta declaração, podemos ver, o trabalhador, face à rescisão do contrato de trabalho, no que respeita à relação laboral que durava e vinculava, recebeu uma certa quantia, referente a compensações de eventuais direitos, nomeadamente relativos aos descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, aceitando que nenhuma outra quantia fosse devida. Isto, tal com sempre afirmamos, deu quitação da dívida.
    Mas vem agora o trabalhador pedir outros montantes, quantitativamente muito maiores.
    Esta situação, não podemos deixar de implicar o seguinte, como uma pessoa normal podia fazer a sua leitura: o trabalhador não considerava pagos por não ter conformado com aquele que tinha recebido.
    Pode-se dizer que face ao montante que recebeu e o prejuízo eventualmente existente, não deveria assinar a mesma declaração.
    Seria, porém, outra coisa que não tinha consciência do que aceitou ou tinha sido induzido em erro, ou por outro motivo que formou o vício de vontade, isto pressupõe a alegação e a comprovação, para já, nos presentes autos não se encontra em condição de a apreciar (não bastando uma mera alegação nesta sede do recurso, tal como foi assim efectivamente no recurso, na parte in fine das conclusões).
    Trata-se de uma remissão que se traduz uma causa de extinção das obrigações e na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação que lhe é devida, feita com a aquiescência da contraparte,1 revestindo, por isso, a forma de “contrato”, como claramente se preceitua no artigo 854º nº 1 do Código Civil, onde consta que o credor por remitir a dívida por contrato com o devedor”, ou, tal como entende o Alto Tribunal de Última Instância, de uma questão de “quitação acompanhada de reconhecimento negativo de dívida” que se prevê no disposto no artigo 776° do Código Civil e (no acórdão acima referido), de uns direitos disponíveis.
    Seja que for o nome que se chama, visa a mesma declaração a produção dos efeitos de fazer extinguir a dívida do devedor e a reconhecimento definitivo de inexistência da prestação devida ao credor.
    No caso sub judicio, com a declaração assinada, e uma vez que está cessada a relação laboral com a ré, impõe-se considerar que se encontra a quitação dos créditos e a ré não deve mais nada a autora.
    No seu recurso, a recorrente, por outra via, invocou a natureza indisponível dos direitos concedidos ao trabalhador nos termos do artigos 1° e 33° do RJRL.
    Antes de avançar, digamos que, o recorrente invocou a priori que ao não aplicar ao caso concreto a norma do art. 33º do R.J.R.T., a Douta Sentença recorrida sofre de nulidade – art. 571º, n.º 1 alínea d) do C.P.C. não tem razão. Pois, trata-se a aplicação do disposto legal de uma questão de direito, e de fundamento da acção que não vincula o Tribunal. E só há nulidade da sentença, nos termos do artigo 571º nº 1 al.d) do CPC, ao não ter pronunciado a questão que cumpre o Tribunal apreciar, e não os fundamentos jurídicos que as partes assumiram.
    O RJRL, no seu artigo 1° prevê-se que:
    “O presente diploma define os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre empregadores directos e trabalhadores residentes, para além de outros que se encontrem ou venham a ser estabelecidos em diplomas avulsos.”
    E no art. 33º do R.J.R.T.:
    “O trabalhador não pode ceder, nem a qualquer outro título alienar, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos ao salário, salvo a favor de fundo de segurança social, desde que os subsídios por este atribuídos sejam de montante igual ou superior ao dos créditos.”
    Como podemos ver claramente, são distintas as situações em que se encontramos no presente caso e o que prevê neste artigo 33°. Digamos que este artigo 33º dispõe da impossibilidade de renúncia a um salário e não já às compensações devidas por trabalho indevido.
    Pois, não se está em causa o exercício de direitos, mas apenas uma indemnização pelo não gozo de determinados direitos, tais como a compensação do trabalho prestado nos dias de descansos não gozados após de cessão da relação laboral.
    Não se trata da questão de irrenunciabilidade dos créditos, que só faria sentido “quando o trabalhador está em exercício de funções, “o que justifica, quer pela natureza da retribuição, entendida como crédito alimentar, indispensável ao sustento do trabalhador e da sua família, quer pela subordinação económica e jurídica em que o trabalhador se encontra face ao empregador, que o pode inibir de tomar decisões verdadeiramente livres, em resultado do temor reverencial em que se encontra face aos seus superiores ou do medo de represálias ou de algum modo vire a ser prejudicado na sua situação profissional”.2
    De resto subscrevendo as conclusões tidas no Acórdão deste Tribunal de Segunda Instância e de Última Instância, acima referidos, deve-se manter o decidido do Tribunal a quo e consequentemente julgar improcedente o recurso da autora.
    RAEM, aos 13/1/2011
    Choi Mou Pan
1 Vide Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. II, Coimbra Almedina, 7ª Edição, 1995, p. 203 e ss.
2 Neste sentido, vide os acórdãos, entre outros, do STJ de Portugal de 24 de Novembro de 2004 do processo nº 0452846; J.L. Amado, A Protecção do Salário, 1973, p. 196-222; J. Barros Moura, A convenção Colectiva entre as Fontes de Direitos, p. 210 e 212; J. Mesquita in RMP, ano I, TI, p. 43-47.
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