Processo n.º 517/2010
(Recurso Penal)
Data: 30/Setembro/2010
Assuntos:
- Erro notório na apreciação da prova
Sumário :
1. Para dizer que houve erro, em termos de relevância infirmatória de um julgamento, não basta formular uma divergência; é necessário convencer da desconformidade entre o que foi exarado e a sua demonstração, tal como exarada na sentença; é necessário demonstrar que as premissas não suportam as conclusões. Demonstração a fazer a partir dos próprios termos da sentença ou dos elementos constantes dos autos.
2. Não basta assim dizer que houve erro porque o Tribunal se louvou em três testemunhas cujo depoimento deve ser desqualificado até porque estão presas.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 517/2010
(Recurso Penal)
Data: 30/Setembro/2010
Recorrente: A (presa)
Objecto do Recurso: Acórdão condenatório da 1ª Instância
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, tendo sido condenada pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas por tribunal colectivo do Tribunal Judicial de Base, na pena de 9 anos e 3 meses de prisão, inconformada com essa condenação, vem interpor o presente recurso, alegando em sede de síntese conclusiva:
1. O tribunal não deve tomar simplesmente os depoimentos prestados pelas testemunhas como fundamento para julgar que se a recorrente se envolva no crime.
2. A recorrente foi condenada pela prática de crime de tráfico de droga no acórdão do Tribunal Judicial de Base, no entanto, sendo insuficientes as provas como sem sustento de outras provas materiais, absolvem a recorrente.
Nestes termos, vem solicitar se decrete a absolvição da recorrente com sua imediata libertação.
O Digno Magistrado do MP ofereceu douta resposta, pronunciando-se no sentido da sem razão da recorrente.
O Exmo Senhor Procurador Adjunto emitiu o seguinte douto parecer:
A nossa Exmª. Colega demonstra, cabalmente, a sem razão da recorrente.
E nada temos a acrescentar, de relevante, às suas judiciosas considerações.
A arguida invoca o vício referido na al. c) do n.º 2 do art. 400º do C. P. Penal.
Mas mais não faz, realmente, do que manifestar a sua discordância em relação ao julgamento da matéria de facto, afrontando o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 114º do C. P. Penal.
E isso, como é sabido, está-lhe vedado.
Resulta, inequivocamente, da motivação fáctica da decisão, que a convicção do Tribunal não foi, “in casu”, arbitrária.
Pode inferir-se, de resto, que os princípios da oralidade e da imediação, foram determinantes para a formação dessa convicção.
O contacto vivo e imediato com os participantes processuais permitiu, na realidade, ajuizar da credibilidade dos mesmos.
E não se divisa que possa ter havido erro – muito menos notório – no âmbito da respectiva apreciação.
Deve, pelo exposto, o recurso ser julgado manifestamente improcedente (com a sua consequente rejeição, nos termos dos artigos 407º, n.º 3-c, 409º, n.º 2-a e 410º, do C. P. Penal).
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Com pertinência, respiga-se do acórdão recorrido o seguinte:
“(...)
Factos provados:
No dia 4 de Setembro de 2008, no Vietname, a arguida A orientou B (tratada noutro processo) a ingerir 11 grãos de substância de forma oval contendo heroína, ao mesmo tempo, entregou a B 33 grãos de substância de forma oval contendo heroína, para que ela os transportasse a Macau e entregasse a C e a D (as duas tratadas noutro processo) que já estavam em Macau na altura; para isso, a arguida A prometeu dar a B 800,00 dólares americanos como retribuição.
A seguir, a arguida A deu a B um bilhete de avião de trecho único do Vietname para Macau, uns dólares em numerário, um cartão telefónico pré-pago de Macau (n.º XXX), para que B levasse as supracitadas substâncias de forma oval contendo heroína para Macau e contactou com C e D após a sua chegada.
Ao mesmo tempo, a arguida A disse a C e a D a data da chegada de B para Macau e o número do vôo, para eles irem ao Aeroporto Internacional de Macau a buscá-la e receber as drogas supracitadas.
No dia 5 de Setembro de 2008, pelas 19h14, B levou escondidamente as substâncias de forma oval contendo heroína supracitadas no vôo n.º ZG156 procedente do Vietname para Macau, altura em que C e D foram buscá-la no Aeroporto Internacional de Macau conforme a instrução dada pela arguida A.
Depois de buscar B, C e D levaram B a ir de táxi para o “Hotel San Va” e fazer check-in no quarto n.º XX com a identificação de B.
No quarto do Hotel acima referido, C e D disseram a B para evacuar as drogas. Depois, C e D saíram do Hotel no mesmo dia, pelas 19h41.
Nessa noite, B evacuou sucessivamente 11 grãos da substância de forma oval contendo heroína no quarto do Hotel supracitado, e colocou-os no mala de mão junto com outros os 33 grãos de substância de forma oval contendo heroína levados consigo.
No dia 6 de Setembro de 2008, pelas 09h15, os guardas da PSP vieram ao quarto n.º XX do Hotel supracitado para proceder à investigação, altura em que B estava neste quarto.
Os guardas da PSP encontraram no local os supracitados 44 grãos de substância de forma oval supracitados no mala de mão.
Depois de feito exame laboratorial, verificou-se que os 44 grãos de substância de forma oval acima referidos continham “heroína”, substância abrangida pela Tabela I-A do DL n.º 5/91/M, com peso líquido total de 577,79 gramas.
No Vietname, a arguida A orientou B a levar as drogas acima referidas para Macau e C e D a receber estas drogas, a fim de transferir estas drogas ao indivíduo não identificado.
Depois de apanhar B, os guardas da PSP encontraram na posse dela dois telemóveis, 1.050,00 dólares americanos em numerário e um papel que se escreve os nomes da arguida A e C.
O dinheiro em numerário supracitado e um dos cartões telefónicos pré-pagos (n.º XXX) foram dados a B pela arguida A como custo e ferramenta de comunicação do envolvimento no tráfico de droga.
No dia 9 de Setembro de 2009, a arguida A entrou em Macau através do Posto Fronteiriço do Aeroporto Internacional de Macau, foi interceptada pela Polícia.
A arguida A agiu livre, voluntária e conscientemente e orientou dolosamente B, C e D a efectuarem os actos supracitados.
A arguida A sabia bem os 44 grãos de substância de forma oval contendo “heroína” e as características e a natureza desta droga.
Os actos praticados pela arguida A não são permitidos por nenhuma lei.
A arguida A sabia bem que as condutas foram proibidas e punidas pela lei.
*
Mais, provaram-se os seguintes factos:
Com base na Certidão do Registo Criminal, a arguida é delinquente primária.
A arguida alegou que trabalhava como uma empregada doméstica em HongKong por cerca de 30 anos, auferindo mensalmente cerca de HKD$ 3.500,00; a sua filha já se tornou numa adulta e não tem cargo familiar. A arguida tem como habilitações literárias o 2.º ano do ensino universitário.
*
Factos não provados:
Sem factos que sejam importantes para a decisão não foram provados.
*
Juízo dos factos:
Na declaração prestada pela arguida na audiência de julgamento, a arguida negou que orientou B a levar drogas para Macau, desta vez a arguida pretendeu ir para HongKong trabalhar via Macau. A arguida mostrou que não tem ideia que porque é que B acusou-a a praticar o tráfico de droga.
Na declaração prestada por B (tratada noutro processo) na audiência de julgamento, ela disse todo o processo de que a arguida orientou ela a levar drogas para Macau e prometeu dar-lhe 800,00 dólares americanos como retribuição, e arranjou C (tratada noutro processo) e D (tratada noutro processo) a buscarem B e receberem drogas no aeroporto, bem como depois de chegar a Macau, C e D buscaram B e arranjaram o seu alojamento, até que ela foi interceptada pela Polícia.
C disse que através de D ele sabia que B viria a Macau, pelo que, foi buscá-la no aeroporto porque eram amigas.
D disse que tinha recebido o telefone da arguida, a arguida exigiu-lhe dizer a C a buscar B no aeroporto, e pediu ela para ir juntamente ao aeroporto, os dois negaram receber as drogas.
Na declaração prestada pelos agentes da PJ na audiência de julgamento, disseram claramente e objectivamente o processo e resultado da investigação do caso, nomeadamente, a análise sobre os registos da comunicação da arguida e de outras três arguidas.
Segundo o relatório de exame químico nos autos, verifica-se o teor e respectivo peso das drogas nas substâncias apreendidas.
Na declaração prestada pelos guardas da PSP na audiência de julgamento, afirmaram claramente o processo da intercepção de B, C e D e o processo de encontro das drogas naquele dia.
Este tribunal colectivo analisa objectivamente e sinteticamente as declarações prestadas pela arguida e pelas testemunhas na audiência de julgamento, conjugando com as provas documentais, as provas periciais apreendidas e demais provas apreciadas na audiência de julgamento, o tribuna colectivo dá como assente o facto da arguida praticar o tráfico de droga.
(...)“
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise da questão que vem colocada e se prende com um pretenso erro notório na apreciação das provas
2. A arguida invoca o vício referido na al. c) do n.º 2 do art. 400º do C. P. Penal, qual seja o de erro notório na apreciação da prova.~
E o que diz para tanto?
Basicamente que as testemunhas que depuseram contra ela e a incriminaram são desqualificadas porque até estão presas não sendo confiáveis. Não tendo sido apanhada com droga na sua posse só com base naqueles depoimentos o Tribunal condenou a arguida, o que não é aceitável.
Francamente que quase não há palavras para qualificar este tipo de argumentação. Todos sabemos que a primeira das provas, também apelidada de rainha das provas é a prova testemunhal, embora não desconheçamos quão mentirosa ela é por vezes. Mas isso não impede que essa prova não deva ser devidamente valorizada e suporte a convicção depois de uma análise crítica e valorativa dos diversos depoimentos.
3. Depois, não se pode aceitar a visão maniqueista da recorrente ao dizer que as pessoas que se encontram presas são desqualificadas. Não deixam de ser pessoas com os seus defeitos, virtudes e qualidades.
4. No fundo a recorrente o que faz é discordar da convicção formada pelo Tribunal e essa postura é atentatória do princípio da livre convicção da apreciação das provas que cabe ao juiz, no seu são critério e segundo as regras da experiência comum, como flui do art. 114º do CPP (Código de Processo Penal).
Para dizer que houve erro, em termos de relevância infirmatória de um julgamento, não basta formular uma divergência; é necessário convencer da desconformidade entre o que foi exarado e a sua demonstração, tal como exarada na sentença; é necessário demonstrar que as premissas não suportam as conclusões. Demonstração a fazer a partir dos próprios termos da sentença ou dos elementos constantes dos autos.
Ora, as razões fundadas não são bastantes para convencerem da existência de qualquer erro.
5. E tanto bastaria para ficarmos por aqui.
Em todo o caso não nos eximiremos a ir mais fundo, seguindo aqui a esteira do Digno Magistrado do MP, enquanto diz:
“...no que diz respeito às provas, além de depoimentos prestados pelas três testemunhas, ainda há outras provas documentais, incluindo os registos da comunicação telefónica das três testemunhas, o registo da comunicação telefónica da traficante, e a registante do cartão telefónico, etc., estas estão em conformidade com os depoimentos prestados pelas testemunhas. Pelo que, os factos provados pelo acórdão a quo têm sustento das provas materiais para fazer respectivo julgamento...”
Todos esses elementos analisados em sede da imediação na produção das provas, submetidas ao estudo das reacções, posturas, atitudes, usado o filtro do contraditório, tudo isso produzido em sede própria, perante um colectivo de juízes, não fazem descrer da veracidade dos factos descritos.
6. Não vindo colocadas outras questões resta decidir, o que se fará no sentido da improcedência manifesta do presente recurso, devendo, consequentemente, ser rejeitado nos termos dos artigos 407º, n.º 3 - c), 409º, n.º 2 - a) e 410º, do C. P. Penal.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em rejeitar o recurso por manifestamente improcedente.
Custas pela recorrente, fixando em 6 UCs a taxa de justiça, devendo pagar ainda o montante de 3 UCs, a título de sanção, ao abrigo do disposto no artigo 410º, n.º 4 do CPP.
Fixam-se os honorários do Exmo Defensor em MOP 1.000,00, a adiantar pelo GABPTUI.
Macau, 30 de Setembro de 2010,
João A. G. Gil de Oliveira
Tam Hio Wa
Lai Kin Hong
517/2010 1/12