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Processo n.º 569/2010

Data: 21/Outubro/2010

Assuntos:

- Julgamento à revelia


SUMÁRIO:

    Ocorre nulidade insanável se se procede a um julgamento à revelia do arguido, sem o seu consentimento, se, não obstante o arguido ter faltado por diversas vezes, se conhece o seu paradeiro e se ele sempre viu justificada as faltas.
                   
                   O Relator,


João A. G. Gil de Oliveira





Processo n.º 569/2010
(Recurso Penal)

Data: 21/Outubro/2010

Recorrente: A (A)

Objecto do Recurso: Acórdão condenatório da 1ª Instância

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO

A, arguido melhor identificado nos autos, notificado de sentença por que foi condenado por 2 crimes de burla p.p. pelo n.º 1 do art.º 211.º do Código Penal de Macau, em co-autoria material e na forma consumada, na pena de 6 meses de prisão cada, m cúmulo jurídico dos 2 crimes, na pena de 9 meses de prisão, com a suspensão de execução da pena de prisão (pena) por 2 anos, acrescida de indemnização,
vem interpor recurso, alegando em síntese conclusiva:
O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, violou a al. a), N.°1, art. 50º do CPP porquanto realizou audiência de julgamento sem a presença do Arguido apesar de este ser residente de Macau, ter residência conhecida e sempre ter cumprido os seus deveres processuais.
O Tribunal a quo não fundamentou a sua posição nos actos, meramente mandou passar mandados de detenção contra o ora Recorrente para este ser presente a julgamento.
E, na data aprazada para julgamento(11/05/2010), realizou o julgamento apesar da ausência do ora Recorrente (ausência que foi justificada por competente certificado médico)
O art. 50º, N.°1, al. a) do CPP consagra o direito à participação do arguido no processo em razão de não ser mero objecto do processo mas verdadeiro sujeito processual com direitos e deveres.
O art. 50º, N.°1, al. a) do CPP, pela sua clareza, merece simples interpretação literal e, esta, in concreto, só pode ser que arguido doente (com doença devidamente comprovada) não pode ser lesado no seu direito a estar presente em acto processual que lhe diga respeito ...

Nestes termos, requer seja anulado o julgamento realizado, assim se permitindo que o ora recorrente possa estar presente em sede de audiência de julgamento.

O Digno Magistrado do MP oferece douta resposta, defendendo, em síntese:
O Código de Processo Penal de Macau dispõe no seu n.º 1 do art.º 50.º os direitos dos quais o arguido pode gozar durante o processo penal. Em princípio, o arguido goza, sem dúvida, dos respectivos direitos salvas as excepções da lei.
O mesmo Código dispõe no seu n.º 1 do art.º 313.º que: o arguido obriga-se comparecer à audiência, só se pode realizar a audiência na ausência do arguido nos casos especiais previstos nos artigos 315.º e 316.º do mesmo Código.
O mesmo Código dispõe no seu art.º 315.º as situações tais como: se ao caso couber processo sumaríssimo mas o procedimento tiver sido reenviado para a forma comum, e se o arguido não puder ser notificado do despacho que designa dia para a audiência ou faltar a esta injustificadamente, ou o arguido requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência.
O mesmo Código dispõe no seu art.º 316.º que o Tribunal a quo comunica o despacho que designa o dia para a audiência ao recorrente por editais, e informa-lhe que a sua falta à audiência na data designada pode acarretar julgamento à revelia.
In casu, além das audiências de 11 de Maio de 2010 e 18 de Maio de 2010 em que foram lidos os acórdãos, o Tribunal a quo designou o dia para a audiência por duas vezes.
Embora o recorrente recebesse as notificações antes das duas audiências, ele nem compareceu a qualquer uma das audiências, pelo que o Tribunal a quo adiou mais uma vez o dia para a audiência para que a audiência pudesse ter lugar com a comparência do recorrente.
O recorrente também já foi comunicado em 22 de Abril de 2010 da audiência de julgamento de 11 de Maio de 2010 (vd. as fls. 791 dos autos).
Entretanto, as condutas anteriores do recorrente revelam que o mesmo não tem muita vontade para comparecer à audiência. Mesmo que o recorrente soubesse que não conseguiria comparecer à audiência antes do dia da realização por causa de doença e já consultou ao médico na clínica, não informou antecipadamente o Tribunal a quo e só lhe forneceu os respectivos atestados após o dia de audiência (vd. as fls. 678, 787 a 789 dos autos).
Por outro lado, o recorrente também não informou o Tribunal a quo da sua ausência antes da realização de audiência de 11 de Maio de 2010. E, na altura, o Tribunal a quo não conseguiu apurar o motivo pelo qual o recorrente faltou de novo à audiência (porque o advogado constituído do recorrente também faltou de novo à audiência sem ter informado o Tribunal a quo).
A fim de assegurar a realização da audiência, o Tribunal a quo também já comunicou o despacho que designou o dia para a audiência ao recorrente por editais, e informou-lhe que a sua falta à audiência na data designada poderia acarretar julgamento à revelia. (vd. as fls. 797 dos autos).
Pelo exposto, o recorrente não compareceu à audiência de julgamento em 11 de Maio de 2010, mas o Tribunal a quo já tomou medidas suficientes para assegurar a realização de audiência com a comparência do recorrente (tal como adiou por duas vezes o dia para a audiência), ao mesmo tempo, o Tribunal a quo também já comunicou o despacho que designou o dia para a audiência ao recorrente por editais, e informou-lhe que a sua falta à audiência na data designada poderia acarretar julgamento à revelia.
Nesse sentido, este Tribunal entende que a audiência de 11 de Maio de 2010 foi realizada correspondente à lei, não privou os direitos básicos dos quais o recorrente goza durante o processo penal.
    Sendo assim, defende a improcedência do recurso.


    O Exmo Senhor Procurador Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
Assiste, a nosso ver, razão ao recorrente.
O julgamento à revelia pressupõe, efectivamente, a falta injustificada do arguido à respectiva audiência (cfr. art. 316°, n.º 1, do C. P. Penal).
E, no caso presente, o recorrente, para além de haver sido notificado pessoalmente das datas designadas, viu as suas faltas serem invariavelmente julgadas justificadas (cfr. fls. 680, 798 vº e 842).
O que equivale a afirmar, também, que se está perante a nulidade insanável prevista no art. 106°, al. c), do citado C. P. Penal (cfr., nesse sentido, entre outros, ac. de 15/04/2004, proc. n.º 52/2004).
Deve, em conformidade – na parte respeitante ao recorrente – ser anulada a audiência de julgamento efectuada, bem como os actos dependentes da mesma, afectados por essa anulação (cfr. art. 109º do mesmo Diploma).

Foram colhidos os vistos legais.

    II - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
A fls 666 o arguido foi notificado pessoalmente pelo Tribunal em 7/5/08, para a audiência designada no dia 21 de Maio de 2008.
A fls 640 ocorrera já anteriormente um pedido de ausência da RAEM pelo arguido, em 3/4/2008.
   Tal pedido foi deferido por despacho proferido a fls 641, em 16/4/2008.
Faltou ao julgamento – acta de fls 670.
Justificou a falta, a fls 678 e v..
Por despacho de fls 680, proferido em 6/6/2008, foi dada como justificada a falta.
A fls 734 foi notificado pessoalmente pelo Tribunal, em 24/6/2008, para a audiência de julgamento, designada para o dia 19 de Abril de 2010.
Faltou ao julgamento – acta de fls 784.
Justificou a falta – fls 787 a 789.
Por despacho de fls 798 v., proferido em 28/4/2010, foi dada como justificada a falta.
A fls 791 foi notificado pessoalmente pelo Tribunal, em 22/4/2010, para a audiência designada para 11/5/2010.
Faltou à audiência de julgamento – acta de fls 808, 809.
Justificou a falta – fls 810, 811.
Por despacho de fls 842, proferido em 18/6/2010, foi dada como justificada a falta.
Em 18/5/2010 procedeu-se à leitura do acórdão sem a presença do arguido.
Ocorre a notificação do acórdão ao arguido a fls 826.
A fls 797 o arguido A (e outra) foi também notificado por éditos para julgamento.
Essa notificação por éditos foi ordenada por despacho proferido a fls 784 e v. (acta de julgamento do dia 19/4/2010).

    III - FUNDAMENTOS
    O objecto do presente recurso passa apenas pela questão colocada pelo recorrente que pede a nulidade do julgamento porquanto este decorreu à revelia do arguido numa situação em que tal não se verificava.:
Assiste razão ao recorrente.
A lei consagra o direito de o arguido estar presente em todos os actos processuais que o afectem e mormente em julgamento – a lei fala até em todos os actos que lhe disserem respeito -, sob pena de nulidade - artigos 50º, n.º 1, a), 306º, 313º, n.º 1, 314º, 315º, n.º 1 e 2, 316º, n.º 2, 106, c) do CPP (Código de Processo Penal).
O julgamento à revelia pressupõe a falta injustificada do arguido à respectiva audiência - art. 316°, n.º 1, do CPP.
Neste caso, o recorrente, para além de haver sido notificado pessoalmente das datas designadas, viu as suas faltas serem invariavelmente julgadas justificadas - cfr. fls. 680, 798 vº e 842.
O Tribunal tem até a possibilidade de mandar passar mandados de detenção para comparência do arguido se entender não aceitar as suas justificações de não comparência a juízo - art. 314º, n.º 2 e 103º, n.º 2 do CPP.
Não tendo procedido desta forma incorreu-se numa nulidade insanável prevista no art. 106°, al. c), do citado CPP.
No mesmo sentido se decidiu já nesta instância, afirmando-se que a fim se assegurar o funcionamento do princípio do contraditório, estatui a Lei processual penal a obrigatoriedade da presença do arguido na audiência de julgamento, só em casos excepcionais podendo o mesmo ser julgado à revelia.
Para além dos casos de “revelia consentida”, em que o próprio arguido consente que o julgamento tenha lugar na sua ausência, apenas pode o arguido ser julgado à sua revelia quando não puder ser notificado do despacho que designa a data para a audiência de julgamento ou se a esta faltar injustificadamente.
Fora destes casos, é nulo o julgamento efectuado sem a presença do arguido [tal como resulta do respectivo sumário].1
Deve, em conformidade - na parte respeitante ao recorrente - ser anulada a audiência de julgamento efectuada, bem como os actos dependentes da mesma, afectados por essa anulação - art. 109º do CPP.
Procede, pois, o presente recurso.

    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, anulando o processado apenas em relação ao recorrente A, a partir da situação em que o processo decorreu à revelia do arguido.
    Sem custas por não serem devidas.
Macau, 21 de Outubro de 2010,


(Relator)
João A. G. Gil de Oliveira


(Primeira Juíza-Adjunta)
Tam Hio Wa


(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong

1 - Ac. TSI 52/2004, de 15/4/2004
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