Processo nº 499/2009
Data do Acórdão: 16SET2010
Assuntos:
Reclamação para a conferência
Distribuição aleatória
SUMÁRIO
A acumulação das funções de juizes prevista no disposto no art° 14° da Lei de Bases da Organização Judiciária deve observar o princípio da distribuição aleatória.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 499/2009
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
No âmbito dos autos da acção ordinária nº CV3-01-0001-CAO, do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a sentença em 31DEZ2008, em que a acção foi julgada parcialmente procedente.
Dessa sentença foi interposto pelos réus o recurso ordinário para este Tribunal de Segunda Instância.
Devidamente distribuído e actuado o recurso, foi concluso ao relator para a exame preliminar.
Foi aí ex oficio suscitada pelo relator a questão da incompetência do Mmº Juiz autor da sentença recorrida.
Cumprido o contraditório, foi proferido pela relator o seguinte despacho:
O presente recurso tem por objecto uma decisão proferida no âmbito dos autos da acção ordinária nº CV3-01-0001-CAO.
Compulsados os autos, verifica-se que após o julgamento e decisão da matéria de facto pelo tribunal presidido pela Exmª Juiz Dra. Chao Im Peng e integrado pelos Exmºs Juiz Dr. Mário Silvestre e Dr. Álvaro Dantas e a apresentação das alegações escritas de direito pelas partes, foram os autos conclusos à Exmª Presidente do Tribunal Colectivo para proferir a sentença.
Acontece que antes da prolação da sentença foi tomada uma deliberação em 05DEZ2008 pelo Conselho dos Magistrados Judiciais no sentido de determinar que, ao abrigo do disposto no artº 14º da LBOJM, o Exmº Juiz Presidente do Tribunal Colectivo Dr. Fong Man Chong passasse a assegurar, em regime de acumulação de serviço, a prolação da sentença nos processos assinalados com o X no mapa anexado à mesma deliberação – vide fls. 1166 a 1173 dos p. autos, processos esses entre os quais se encontram os presentes autos.
Conforme a nota que se fez consignar na primeira página da sentença ora recorrida, foi o Exmº Juiz Dr. Fong Man Chong elaborasse essa sentença por força daquela deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais.
Foi assim suscitada a questão de incompetência do Exmº Juiz Fong Man Chong no meu despacho a fls. 1164 e v..
Cumprido o contraditório, passo a decidir.
Nos termos do artº 31º/1 do CPC, a incompetência deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgamento proferida sobre o fundo da causa.
Encontrando-se na fase de recurso, é tempestivo suscitar oficiosamente a incompetência do tribunal.
Das circunstâncias que vimos supra, salta à vista que com a forma da redistribuição dos presentes autos, foi posto em causa o princípio da aleatoriedade que preside à distribuição dos processos entrados nos tribunais.
Ora, se é verdade que, face ao disposto no artº 14º/1 do LBOJM e quando as necessidades de serviço justifiquem, o Venerando Conselho dos Magistrados Judiciais pode determinar que os juizes titulares de lugares do quadro local acumulem outras funções próprias de outro tribunal ou juízo, não é menos certo que a afectação a um determinado juiz, em regime de acumulação, de outros processos já previamente distribuídos a um outro juiz, tem que observar o princípio da distribuição aleatória de serviço, princípio esse que está expressamente consagrado no artº 155º do CPC.
Diz esse artigo que é pela distribuição que, a fim de repartir com igualdade e aleatoriedade o serviço do tribunal.
O CPC estabelece no seu artº 163º o sorteio como a forma de assegurar a distribuição equitativa e aleatória dos processos entrados.
In casu, em vez de ordenar a redistribuição, por sorteio, da uma determinada percentagem dos processos pendentes e originariamente afectados à Exmª Juiz Presidente do Tribunal Colectivo Dra. Chao Im Peng, ao Exmº Juiz Presidente do Tribunal Colectivo Dr. Fong Man Chong, o Venerando Conselho dos Magistrados Judiciais acabou por assinalar na lista dos processos pendentes os concretos processos e ordenar que esses processos assim identificados desligassem da competência da Exmª Juiz Chao Im Peng e passassem a ser decididos pelo Exmº Juiz Fong Man Chong.
Assim, obviamente violado o carácter aleatório da distribuição.
Não sendo observadas as regras próprias da distribuição aleatória, a intervenção do Exmº Juiz Fong Man Chong nos presentes autos não pode deixar de ser geradora da sua incompetência, por violação do disposto nos artºs 155º e 163º/1 do CPC.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto nos artºs 31º/1 e 619º/1-f) do CPC, declaro oficiosamente incompetente o Exmº Juiz Dr. Fong Man Chong, o que obsta ao conhecimento do presente recurso por este tribunal, e ordeno nos termos previstos no artº 34º/1 e 3 e no artº 619º/1-f) do CPC a baixa dos presentes autos ao Tribunal Judicial de Base para que ali seja proferida sentença pela Exmª Juiz Dra. Chao Im Peng originariamente competente, ou por outro juiz que a substitui legalmente.
Sem custas.
Notifique.
Não se conformando com esse despacho, veio a autora, ora recorrida nos presentes autos, reclamar para a conferência, dizendo que:
Sucintamente e como fundamentos para a reclamação a recorrida refere, tal como vem alegado pelo Conselho dos Magistrados Judiciais, na contestação apresentada no recurso Contencioso nº 310/2009, (recurso este mencionado pelo Exmº Sr. Relator a folhas 1164 dos presentes autos), que:
* Os processos foram entregues ao Sr. Juiz Fong, com vista a celeridade processual e ao bom andamento do serviço.
* Os processos foram entregues a este Juiz apenas com o número de ordem, sem identificação das partes processuais, nem dos interesses ou valores envolvidos. Foram escolhidos os processos para os quais a Srª Juiza Chao Im Peng ainda não tinha elaborado minuta de decisão final.
* Salvo a exigência do respeito pelo príncipio da celeridade processual e de aproveitamento do trabalho já realizado pela referida Juiza, foi totalmente aleatória a forma como foi feita a afectação dos processos ao Juiz Fong Man Chong.
* Confrontado com algumas dezenas de processos cíveis a aguardar decisão final há longo tempo, o Conselho dos Magistrados Judiciais, solicitou em 27 de Novembro de 2008, à Presidente dos Tribunais de 1ª Instância uma lista de todos os processos cíveis da competência dos presidentes de tribunal colectivo, a aguardar decisão final.
* Esta lista foi enviada em 3 de Dezembro de 2008 pela Presidente do Tribunal Judicial de Base e tais processos eram 215, sendo todos afectos à Drª Chao Im Peng.
* Dessa lista foram excluidos os processos laborais e, relativamente aos remanescentes 77 processos, a Drª Chao assinalou com o sinal v, 28 processos em que já tinha o projecto de decisão final pronto, manifestando, por esse motivo, estar habilitada a proferir nestes processos decisão a curto prazo.
* Nenhum desses processos tinha qualquer elemento de identificação das partes ou dos interesses envolvidos, salvo o número respectivo, a indicação da espécie, a data de conclusão e o estado relativamente à existência ou não de minuta para a decisão final.
* O Conselho dos Magistrados Judiciais deliberou então que todos os processos da lista elaborada pela Drª Chao Im Peng que não tivessem, segundo a própria, projecto de decisão, fossem remetidos para elaboração de decisão ao Dr. Fong Man Chong.
* Pelo que não foi violado o carácter aleatório da distribuição de processos, dado que a atribuição dos processos feita ao Dr. Fong foi rigorosamente aleatória reportando-se o número dos processos apenas à lista elaborada pela Drª Chao onde os processos vêm referidos por espécie e número.
Colhihos os vistos legais, passemos a decidir.
Cremos que é de manter a decisão ora reclamada e dar por integralmente reproduzidas as razões já nela expostas.
Assim, sem mais delongas, é de julgar improcedente a presente reclamação.
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedente a reclamação mantendo na íntegra o despacho proferido pelo relator a fls. 1177 a 1178.
Custas pela reclamante.
Notifique.
RAEM, 16SET2010
Relator
Lai Kin Hong
Segundo Juiz-Adjunto
Chan Kuong Seng
Primeiro Juiz-Adjunto
José Maria Dias Azedo (Vencido, e dando como reproduzido o entendimento que assumi no acórdão de 25/03/2010, prolatado no proc. nº 310/2009).
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