Processo n.º 679/2010
(Recurso Penal)
Data: 30/Setembro/2010
Recorrente: A ou A (A)
Objecto do Recurso: Despacho que indeferiu
o pedido de Liberdade Condicional
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
O recorrente A ou A, identificado nos autos acima referidos, inconformado com o despacho que lhe denegou o pedido de liberdade condicional, dele vem recorrer, alegando em síntese conclusiva:
O recorrente foi condenado na pena de 13 anos 3 meses 6 dias de prisão, e até ao presente momento satisfaz integralmente o requisito formal para a liberdade condicional.
O recorrente cometeu um crime de tráfico e um crime de detenção indevida de instrumentos para consumo, e durante a execução da pena, cometeu mais um crime de extorsão qualificada em co-autoria.
Apesar de as circunstância, natureza e consequência serem graves, nem por isso entendeu o legislador que o condenado perdeu a possibilidade de requerer e o direito à liberdade condicional.
É verdade que o crime cometido pelo recorrente foi gravoso, mas a condenação severa continha advertência para com o público, sendo por isso alcançada a finalidade de prevenção geral. E mais, como o recorrente tem cumprido a pena de prisão por mais que 11 anos, o custo que ele pagou foi de tal modo pesado que o levou a afastar-se de qualquer outro crime no futuro. É isso que consiste a finalidade de prevenção especial.
O recorrente tem melhorado o seu comportamento, e foi avaliado como “bom”, de tipo de confiança, mostrou-se arrependido pelas suas próprias condutas. Isto justamente explica que o recorrente é capaz de controlar a si próprio com respeito a todas normas regulamentares e está a tentar corrigir o seu erro. Além do mais, as actividades criminosas desenvolvidas pelos recorrente são puramente ocasionais, não se verificando o desígnio por sua parte que visa condutas duradouros ou outras condutas do crime.
Se se indeferir outra vez o seu pedido e deixá-lo a cumprir a pena até ao fim, aumentar-se-á a dificuldade da sua reinserção social.
Nos termos expostos, entende o recorrente que dispõe das condições legais para concessão da liberdade condicional, que o despacho do Mmo J.I.C que indeferiu o pedido de liberdade condicional do recorrente violou o disposto dos artigo 56.º e 40.º do CPM, pedindo se anule o despacho e coloque o recorrente em liberdade condicional.
O Digno Magistrado do MP, na 1ª Instância, opõe-se a tal pretensão.
O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
As peças processuais de fls. 409 a 413 e de fls. 416 e verso mostram que a divergência mais essencial consiste em se o recorrente reunir os 2 pressupostos substanciais consagrados nas duas alíneas do n.º 1 do art. 56º do CP.
Para abonar a sua posição, o recorrente invocou nuclearmente o melhoramento da sua conduta na prisão e o sincero arrependimento, e criticou que o douto despacho recorrido infringia o disposto nos artigos 56º e 40º do mesmo diploma legal.
Ressalvado o respeito, afigura-se nos que o presente recurso não merece provimento.
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Com efeito, o próprio douto despacho recorrido demonstra que o Meritíssimo Juiz não ignorou o melhoramento adquirido pelo recorrente, bem pelo contrário, valorizou-o devidamente.
Pois, a cristal preocupação do Meritíssimo Juiz traduziu-se em tal melhoramento não é suficiente nem seguro para chegar à convicção de que o recorrente poderia conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crime.
Seja como for, é bem ponderado e não merece nenhuma censura o juízo de prognóstico de que se precisariam mais observações para ajuizar se o recorrente melhorou efectivamente a sua personalidades (其人格是否真的有所改變, 卻有待觀察).
Nestes termos e em conformidade com o expendido na douta Resposta (cfr. fls. 416 e verso dos autos), somos do parecer de que se deverá julgar improcedente do recurso em apreço.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
Com o consentimento do condenado A, e ao abrigo do disposto nos artigos 469.º do Código de Processo Penal, este Tribunal procedeu-se à apreciação do pedido de liberdade condicional do condenado.
O Exmo Senhor Director do Estabelecimento Prisional é de opinião favorável à concessão da liberdade condicional (fls. 327 dos autos).
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o parecer desfavorável (fls. 366 e 366v dos autos).
O recluso A foi condenado por um crime de tráfico e um crime de detenção indevida de instrumentos para consumo de droga, foi condenado, em 24 de Novembro de 1999, pelo então Tribunal da Competência Genérica no processo CR1-99-0004-PCC na pena de 8 anos 6 meses 6 dias de prisão e na multa de MOP10.000,00, em alternativa, 100 dias de prisão.
Durante o cumprimento da pena, o recluso, por um crime de extorsão qualificada em co-autoria, foi condenado pelo 1.º juízo colectivo do Tribunal Judicial de Base na pena de 4 anos 9 meses de prisão no processo n.º CR1-99-0004-PCC.
Como a multa foi paga na íntegra pelo recluso em 4 de Maio de 2009, e o recluso terá de cumprir a pena de 13 anos 3 meses 6 dias de prisão nos dois processos n.º CR1-99-0004-PCC e n.º CR1-01-0044-PCC, tendo pago todas as custas processuais condenadas (vide fls. 226 dos autos)
O recluso foi detido em 11 de Maio de 1999, foi posto na prisão em 12 de Maio de 1999 e cumprirá o prazo total da pena em 17 de Agosto de 2012.
Em 28 de Abril de 2008, o primeiro pedido de liberdade condicional do recluso foi indeferido.
Em 27 de Maio de 2009, o segundo pedido de liberdade condicional do recluso foi indeferido.
O recluso cumpriu o prazo necessário à liberdade condicional em causa e iniciou-se o tratamento deste seu terceiro pedido.
O recluso tem melhorado o seu comportamento e foi avaliado como “bom”, do tipo de confiança. Porém, o recluso três vezes violou as normas do artigo 74.º alíneas n), k) e h) do DL n.º 40/94/M durante o cumprimento da pena, foi-lhe aplicado o isolamento em cela ordinária e com privação do direito à permanência no céu aberto, respectivamente em 22 de Maio de 2001, 22 de Janeiro de 2002, e em 16 de Junho de 2005.
O recluso recebeu a formação profissional de cabeleireiro desde Fevereiro de 2008, no entanto, suspendeu o trabalho por cerca de 1 mês por um caso de infracção e a seguir, reiniciou o trabalho por não ter a ver com o assunto.
Como A tem como habilitação académica o curso do ensino secundário complementar, tendo estudado artes.
O recluso referiu que vai viver com os familiares depois do seu regresso à China e trabalhar na empresa de um seu amigo como motorista.
III - FUNDAMENTOS
1. O que importa analisar é se o despacho que recusou a sua liberdade condicional, proferido em 18 de Junho de 2010, viola ou não o artigo 56°, n.º 1 do Código Penal que prevê os requisitos materiais para a liberdade condicional e, assim, se se verificam todos os requisitos para que o recorrente possa beneficiar da liberdade condicional.
2. Estabelece o artigo 56º do C. Penal:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado.”
Se no caso vertente se observam os requisitos formais, já quanto àqueles pressupostos de natureza substantiva, a carecerem de integração pelo julgador, por corresponderem a conceitos em branco ou em aberto, não se pode dizer que os mesmos se verifiquem.
Na verdade, a concessão da liberdade condicional do arguido condenado e em execução de pena de prisão pressupõe a verificação de um juízo de prognose favorável à aplicação daquela benesse em termos de prevenção geral e especial, importando ponderar, por um lado, a fundada esperança de que o condenado conduzirá, em liberdade, a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, por outro, importando ponderar a compatibilidade entre a libertação antecipada do condenado e a defesa da ordem jurídica e a paz social.
3. O despacho recorrido louva-se fundamentalmente na conduta anterior do arguido, na sua personalidade na gravidade do crime cometido e na necessidade de prevenção do crime, para concluir pelo receio de que com a sua libertação não fique suficientemente acautelada a defesa da ordem jurídica e paz social.
Colhe-se desta explanação que o Mmo juiz a quo foi sensível à gravidade do crime, quer na sua formulação abstracta, quer na sua concretização em face da conduta do recorrente e do seu passado criminal, não esquecendo as condições pessoais e comportamentais do recluso, nomeadamente uma evolução favorável do seu comportamento, tendo concluído, não obstante essa melhoria por uma falta de certeza quanto a uma conformação da vida do recluso pelos parâmetros aceitáveis de uma integração na sociedade sem cometer crimes.
4. Assim sendo, dir-se-á que então haverá casos de impossibilidade de liberdade condicional face à gravidade dos ilícitos e até que esta gravidade não pode ser penalizante em 2º grau, isto é, depois de ter influenciado a medida da pena, tal factor não poderia servir ainda para impedir a concessão da liberdade condicional.
Antes de mais, diga-se, é a própria lei que estabelece tal índice referenciador, não para punir duplamente, mas para efeitos distintos. Num primeiro momento, é um factor de graduação da pena; em sede de execução da pena, constituirá um elemento para aferir uma personalidade e conferir com a conduta posterior e sua projecção na sociedade onde o recorrente se há-de inserir.
A expressão da lei "atentas as circunstâncias do caso,” não deixará de significar, nomeadamente, as circunstâncias dos factos ilícitos praticados, ou seja, a natureza e gravidade dos crimes praticados referidos nos autos.
Importando não esquecer que cada caso é um caso.
E neste caso nem se pode falar de um comportamento prisional irrepreensível, para além de um passado e enquadramento sócio comportamental menos abonatório.
Referimo-nos obviamente aos crimes cometidos já no Estabelecimento Prisional. É certo quie passaram já alguns anos depois disso mas as incertezas perduram.
5. E aquela ponderação deve ser feita em termos também da vertente da prevenção geral, não importando já e tão somente a conduta posterior do condenado, mas uma análise retrospectiva projectada sobre a realidade actual com incidência sobre o devir social, em termos de prognose, a partir da natureza dos crimes, forma de cometimento, o motivo da prática dos crimes, a sua gravidade, as finalidades prosseguidas e todo o circunstancialismo em que os mesmos foram praticados.1
6. Como já nesta sede se tem reafirmado o cometimento deste crime causa grande intranquilidade na sociedade.
Há que ter em conta, de facto, a repercussão do crime de tráfico de droga - no caso, qualificado - na sociedade. O que vale por dizer, igualmente, que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico...o tráfico põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes e a própria vida em sociedade, na medida em que dificulta a sua inserção social e possui comprovados efeitos criminógenos. A droga é, sem dúvida, um dos mais graves flagelos dos nossos dias. E, em termos de prevenção positiva, há que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca a validade da norma violada, através do restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.
O circunstancialismo apurado, apesar de ser a terceira vez que vem pedida a libertação do recluso, não é de força bastante para afastar aqueles meios e receios relativamente a uma conduta do recorrente conforme aos valores e padrões que regem a nossa sociedade.
Não há garantia de ter perspectivas positivas quanto à sua reinserção social e ao seu modo de vida futura, ou seja, a libertação não se revela compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
Juízo este reforçado pela condenação por crime praticado já no própria prisão, sendo que não obstante a melhoria comportamental nada sobressai em termos de demonstração que estamos perante um homem novo.
O bom comportamento na prisão deve ser a regra; afigura-se-nos que neste caso seria preciso algo mais, algo que denotasse um sentimento de interiorização dos valores da convivência social o que mais não é do que o sentido dos outros, da sociedade que se prejudicou e que agora urgiria compensar.
Acresce que a integração familiar do recluso não se mostra muito evidente. Importa não esquecer que o recluso deixou a sua própria família e veio para Zuhai onde se iniciou no crime. Não há certezas dessa reintegração.
Sendo assim, não se preenchem todos os requisitos da concessão da liberdade condicional alegados no art. 56° do Código Penal, devendo ainda o requerente aguardar por mais algum tempo.
Nesta conformidade, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, entende-se que não é fundadamente de esperar que o recluso, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, pelo que se entende que não estão por ora verificados todos os requisitos previstos na lei para conceder a liberdade condicional ao recorrente.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com a taxa de jusriça de 5 Ucs.
Fixo à Exma Defensora a quantia de MOP 1.000,00, a título de honorários.
Macau, 30 de Setembro de 2010,
(Relator)
João A. G. Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
1 - Cfr. Ac. TSI 22/2005, de 3/Março
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