Recurso nº 692/2009
Data: 16 de Setembro de 2010
Assuntos: - Indemnização pelos danos patrimoniais
- Danos futuros
- Danos morais
- Danos morais dos pais pelo ferimento do filho menor
Sumário
1. O dano patrimonial é um prejuízo que o lesado sofreu efectivamente e sofrerá no futuro, desde que seja previsível – artigo 558º do Código Civil, previsibilidade esta que supõe uma certeza futura, considerando o decurso normal das coisas.
2. O Tribunal é-lhe legítimo fixar uma indemnização provisória nos termos do artigo 559º do Código Civil, quando lhe permitir prever o prejuízo no futuro, ou/e na impossibilidade de liquidar o montante exacto, sem prejuízo da remessa para a liquidação na execução da sentença ao abrigo do disposto no artigo 560º nº 6 do Código Civil.
3. Os danos não patrimoniais ou morais que pela sua gravidade, a aferir segundo o critério do julgador, mereçam a tutela do direito são sempre ressarssíveis, a indemnização visa compensar a dor sofrida proporcionando ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar na medida do possível, o sofrimento moral.
4. A fixação do montante não só é feita a critério objectivo, como também é feito caso a caso, a critério de equidade do Tribunal, sob a censura do Tribunal de recurso no limite do princípio de proporcionalidade e de adequação.
5. O Código Civil não enumera os casos de danos não patrimoniais que justificam uma indemnização, dizendo apenas que devem merecer, pela sua gravidade, a tutela do direito. Cabe, assim, ao Tribunal em cada caso concreto dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica.
O Relator,
Choi Mou Pan
Recurso nº 692/2009
Recorrente: Companhia de Seguros de A, S.A. (XX保險有限公司)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
O arguido B (XX) respondeu nos autos do Processo Comum Colectivo nº CR3-06-0296-PCC perante o Tribunal Judicial de Base.
Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal decidiu que condena o arguido B, pela prática, em autoria material de: 1
- Um crime de ofensa grave à integridade física por negligência, p. p. pelo artº 142º, n.º 3 e artº 138º, c) do Código Penal, conjugado com o artº 93º, n.º 1 e artº 94º, n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa a sua execução por um período de 18 meses; e
- Uma infracção administrativa sobre velocidade, p. p. pelo artº 30º da Lei do Trânsito Rodoviário, na multa de MOP$300.00.
e que condena ao arguido a inibição de condução por um período de 6 meses, suspensa a sua execução por um período de um ano.
O Tribunal Colectivo julga o pedido cível de indemnização parcialmente procedente por ser parcialmente provado e, em consequência:
- Absolve o demandado arguido do pedido.
- Condena a Companhia de Seguros de A, S.A., a pagar, ao demandante C e da D a indemnização, no montante de MOP$509,101.20, e 90% da indemnização das restantes despesas hospitalares relativa a reconstituição maxilo-dentária, a liquidar na execução da sentença.
Inconformado com a decisão, recorreu a Companhia de Seguros de A, S.A, que motivou, em síntese, o seguinte:
1. Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida, na decisão quanto à culpa pela eclosão do acidente de viação – e sua eventual percentagem – não tomou em conta a conduta do arguido e da vítima assim como todas as outras circunstâncias que se apuraram quanto ao mesmo.
2. Dos factos provados consta que o ofendido atravessou a faixa de rodagem “a correr” e “repentinamente” (sic).
3. O acidente ocorreu na Avenida de Kwong Tong, Taipa, via larga, recta e ampla.
4. Qualquer peão dotado de uma visão normal, colocado no lugar do ofendido, ter-se-ia apercebido facilmente da circulação do autocarro e da sua aproximação.
5. O demandante menor atravessou sem olhar para o trânsito.
6. Tal comportamento é fortemente negligente, por arriscado, temerário e perigoso.
7. A douta sentença recorrida omite este facto e também deveria ter incluído entre os factos provados, que existia uma passadeira para peões a curta distância do embate, o que não fez.
8. Existem elementos de prova documentais e testemunhais que estabelecem esses factos.
9. O ofendido deveria ter prosseguido na sua marcha caminhando pelo passeio e tendo iniciado a travessia pela passadeira, num percurso em ângulo recto.
10. Todavia, iniciou a travessia cerca de 10 metros antes da passadeira e de forma obliqua.
11. O autocarro circulava a baixa velocidade e embateu levemente no peão.
12. A douta sentença recorrida também erra por excesso, quando menciona que o ofendido foi colhido pelo autocarro na via de trânsito direita.
13. É que tal facto não foi dado por provado.
14. Reputa-se por correcta uma fixação de culpas por igual, senão mesmo mais elevada por parte do demandante.
15. A sentença do Distinto Tribunal de 1ª Instância, condenou a ora recorrente a pagar “90% da indemnização das restantes despesas hospitalares relativa a reconstituição maxilo-dentária, a liquidar na execução da sentença” (sic).
16. A douta sentença recorrida, porém, condenou a recorrente a pagar a quantia de MOP$134.950,00 a título de ressarcimento daquele mesmo dano futuro.
17. Considerando que, de momento, efectivamente, não é possível apurar o exacto montante deste dano, deve prevalecer o comando para que a indemnização se processe em execução de sentença, em detrimento daquele outro que condena no pagamento da quantia de MOP$134.950,00.
18. Salvo o devido respeito, o Distinto Colectivo “a quo” não associou à sua decisão a prática de um “prudente arbítrio”, tendo arbitrado uma indemnização por danos não patrimoniais que se julga não ter correspondência naquela que constitui a prática forense dos tribunais da RAEM.
19. Há um diminuto grau de culpabilidade do agente, traduzido na escolha quanto ao tipo e medida da pena aplicada, os quais foram leves.
20. As lesões do demandante apenas implicaram o internamento hospitalar por 13 dias e o mesmo ficou totalmente recuperado em 30 dias.
21. O demandante não sofre de qualquer sequela permanente.
22. Atentas as circunstâncias concretas do caso subjudice e comparando-as com os valores fixados pela jurisprudência dos doutos Tribunais da RAEM (vg. Proc. n.º 67/2003 e Proc. n.º 545/2008 do TSI; Proc. n.º CV2-04-0055-CAO do TJB), reputa-se como justo e adequado o montante de MOP$100.000,00, a título de danos morais a atribuir ao ofendido, atenta a sua tenra idade e tomando em conta a necessária correcção financeira em função da inflação.
23. Parte da responsabilidade pelo sucedido ao menor lesado, deve ser assacado ao mau cumprimento do dever de vigilância dos seus pais, pelo que nenhuma compensação deve ser arbitrada em favor da mãe do menor.
24. Ainda que, por remota hipótese assim se não entenda, considerando que o menor ficou recuperado após 30 dias, fazendo desde então a sua vida normal, o quantum de MOP$100.000,00 é manifestamente exagerado quando comparado com o supra citado exemplo tirado do douto acórdão desse TSI, de 26 de Fevereiro de 2009 (Proc. n.º 545/2008), entendendo-se ser mais coerente e equilibrado o montante de MOP$20.000,00.
Termos em que se requer a V. Exas. se dignem:
A. Revogar a decisão recorrida na parte em que decidiu atribuir uma repartição de culpas de 90% para o arguido e 10% para o ofendido, por incorrecta aferição do circunstancialismo e da conduta de ambos, em violação do n.º 1 do artigo 564º e n.º 2 do artigo 480º do Código Civil, e por ir flagrantemente contra aquela que é a prática jurisprudência dos Tribunais da RAEM; em consequência, corrigir a sentença recorrida harmonizando-a com o decidido para casos idênticos, nomeadamente, atribuindo uma percentagem de culpas de, pelo menos, 50% para o ofendido.
B. Revogar a decisão recorrida na parte em condenou a recorrente no pagamento da quantia de MOP$134.950,00 a título de danos patrimoniais futuros.
C. Revogar a decisão recorrida na parte em que arbitrou um quantum indemnizatório de MOP$290.000,00 a favor do demandante e a título de danos não patrimoniais, por violação do artigo 487º e do n.º 3 do artigo 489º do Código Civil; em consequência, corrigir a sentença recorrida reduzindo o montante indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais para um valor em coerência com as decisões anteriores e usuais em casos semelhantes, o qual se reputa como justo se se cifrar, na quantia de MOP$100.000,00.
D. Revoar a decisão recorrida na parte em que arbitrou um quantum indemnizatório de MOP$100.000,00 a favor da mãe do demandante a título de danos não patrimoniais, ou, pelo menos reduzir tal quantitativo para o montante de MOP$20.000,00, por violação do artigo 487º e do n.º 3 do artigo 489º do Código Civil.
A este recurso respondeu o D alegando para concluir em síntese o seguinte:
1. A decisão recorrida não padece das faltas invocadas pela Recorrente na sua motivação.
2. A sentença recorrida não merece reparo algum, tendo andado bem o Mmo. Juiz do Tribunal a quo, fazendo consequentemente uma correcta aplicação da lei e procedendo a um julgamento uniforme.
3. O julgamento da matéria de facto é feito analisando criticamente as provas, de forma dinâmica, levando em conta todo o depoimento das testemunhas, incluindo as respostas que deram – ou, no caso sub judice, que não deram – às instâncias feitas pelo Tribunal e pelos mandatários de todas as partes, no sentido de completarem e esclarecerem as respostas dadas anteriormente. Essa é a razão de ser do n.ºs 1 e 2 do artigo 539º do CPC de Macau (regime do depoimento);
4. Para se aquilatar da bondade da decisão que julgou a matéria de facto, torna-se necessário atender ao depoimento integral das testemunhas e à prova documental junta aos autos, para se concluir, como bem concluiu o Tribunal a quo, qual a matéria de facto provado e não provada;
5. Quando versem sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar expressamente as normas jurídicas violadas e o sentido com aquelas que foram e deveriam ter sido interpretadas, sob pena de rejeição do recurso.
6. O condutor de um veículo deve adoptar na condução todas as medidas necessárias para garantir a segurança do tráfego, evitando riscos, respeitando as exigências decorrentes do tráfego e, em especial, as decorrentes da sinalização que o regula;
7. O condutor de um veículo está obrigado a prever, até onde humanamente seja possível, o deficiente comportamento dos demais utentes da via pública;
8. Ao condutor de um veículo incumbe adoptar uma condução que lhe permita, a todo o tempo (moderando especialmente a sua velocidade), controlar o veículo perante a concretização da possibilidade de travessia da via por peões, uma vez que é ele, e não os peões, quem detém a direcção de um instrumento perigoso;
9. Ainda que assim se não considere, o condutor de um veículo não tem de contar com a negligência ou inconsideração dos outros utentes da via pública, salvo tratando-se de crianças, de deficientes ou de animais desacompanhados;
10. O montante da indemnização por acidente de viação, a título de danos não patrimoniais, deve ser calculado equitativamente, atendendo-se ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica do lesante e do lesado, à gravidade do dano, devendo ainda ter-se em conta na sua fiação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida;
11. O montante arbitrado aos Demandantes mostra-se adequado ao circunstancialismo do caso em apreço, não existindo qualquer extravasamento ao princípio de equidade, por parte do Tribunal a quo, atento o disposto no artigo 487º, ex vi do artigo 489º, ambos do Código Civil de Macau, no que concerne à parcela indemnizatória fixada em relação aos danos não patrimoniais no valor global de MOP$290.000,00 para o menor Ofendido, C, e MOP$100.000,00 para sua Mãe D.
Termos em que o recurso sub judice deverá ser julgado improcedente.
Cumpre conhecer.
Foram colhidos os vistos dos Juizes-Adjuntos.
À matéria de facto, foi dada por assente a factualidade constante da sentença que se dá por integral reproduzida.2
Conhecendo.
A recorrente companhia de seguros não concordou com as três partes da decisão:
- A percentagem da repartição da culpa para o arguido condutor;
- A duplicação indevida da indemnização pelos danos patrimoniais, resultante do tratamento dentário a liquidar na execução da sentença;
- O exagerado montante da indemnização pelos danos morais do menor e a indevida indemnização à mãe do mesmo.
Vejamos.
1. Da repartição da culpa
A recorrente não concordou com a fixação de 90% de culpa para o arguido condutor, aceitando porém, quanto muito, 50% de culpa.
Dos factos provados, podemos ver que o acidente desencadeou-se em consequência de: “嫌犯突然發現被害人C從行人道跑出馬路,並從其行車方向的左方往右方橫越馬路,雖然嫌犯立即剎車,但因當時車速過高,故仍撞倒被害人,使其倒地受傷 (o arguido reparou, de repente, que o menor correu do passeio para peões atravessando a avenida, para o lado directo, tendo em conta o sentido da marcha do condutor, e apesar da travagem de imediato não conseguiu fazer parar o autocarro dada a sua velocidade, indo embater o menor ofendido, causando-lhe caído no chão e ferido)”.
Repare aqui, o facto provado demonstra apenas o visto de repente do condutor ao menor que correu e atravessou pela avenida, já não o correr de repente do menor, isto também se justificou na formação da convicção do tribunal onde se disse, “嫌犯在審判聽證中作出聲明,解釋在案發時以30至40公里時速行駛,但承認由於曾回頭察看錢箱而未能及時見到從路旁跑出的小童,在見到小童時已未能剎停車輛撞倒小童;嫌犯並對被害人受傷感到內疚”.
Perante esta circunstância o Tribunal procedeu efectivamente a seguinte consideração: “本合議庭客觀綜合分析了嫌犯、被害人及各證人在審判聽證所作之聲明,結合在審判聽證中審查的書證後,考慮到雖然被害人跑出馬路,但被害人是在斑馬線旁過馬路,在上述路段車輛應特別減速,另外,被害人是從左邊越過大半路面在右邊行車道被嫌犯所駕駛車輛撞倒,即事發時盡管被害人跑出馬路,但已到達馬路右邊,所需時間可使嫌犯有條件剎停車輛避免碰撞,但嫌犯未能剎停車輛,可認定其當時車速在上述路段是不適當,即速度過高,因此,合議庭可認定交通意外大部份原因是由於嫌犯以過高速度行駛而引致的。” Pelo que o Tribunal a quo, tendo considerado que o condutor foi o maior causador do acidente, atribuiu o condutor 90% de culpa.
O que nos parece é que, trata-se o local do acidente de uma avenida relativamente larga e o autocarro estava perto da passadeira e junto de um cruzamento, para um condutor normal, que conduz com cuidado, e em normais situações, não seria difícil prever que uma pessoa irá surgir do lado de passeio correndo a atravessar a faixa de rodagem. Tendo o dever de cuidado na condução, não conseguir parar e evitar o embate no obstáculo no espaço livre. Porém, como o menor atravessou a avenida correndo, fora da passadeira, situação esta que, tanto se constituiria, se não fosse menor de 16 anos, uma infracção administrativa nos termos do artigo 68º da Lei do Trânsito Rodoviário, como não tem absolutamente contornos de normalidade, e apesar da travagem de imediato do autocarro, este, pelo andamento de livre-roda, não se permitiu parou no espaço livre, o menor contribuiu, sem dúvida, à produção do acidente.
Logo verificou-se a repartição da culpa.
O acidente desencadeou pelo corrido do menor, do lado esquerdo do passeio para o lado direito, cremos que o Tribunal a quo relevou demasiado o dever de prever a situação anormal para condutor na produção do acidente, e consequentemente procedeu indevidamente a culpa nesta parte ao condutor, conforme o previsto no artigo 30º nº 1 da Lei de Trânsito Rodoviário, quanto à “condição normal e previsível.
Nesta conformidade com os factos provados, para nós, cremos ser adequado fixar 80% para o condutor e 20% para o menor, na produção do acidente.
Dá-se assim procedência parcial ao recurso nesta parte.
2. Da indemnização pelos danos patrimoniais
Nesta parte a recorrente não concordou com a decisão do acórdão que, considerando que, de momento, efectivamente, não é possível apurar o exacto montante do dano pela reconstituirão maxilo-dentária, a condenou a pagar a quantia de MOP$134.950,00 a título de ressarcimento daquele mesmo dano futuro, entendendo que, perante a situação de impossibilidade apurar o exacto montante, devia prevalecer o comando para que a indemnização se processe em execução de sentença, em detrimento daquele outro que condena no pagamento da quantia de MOP$134.950,00.
Podendo embora ter razão a recorrente quanto ao dano cujo montante foi fixado a título de dano futuro, pegou aqui uma preocupação inócua. Se não vejamos.
Como se sabe o dano patrimonial é um prejuízo que o lesado sofreu efectivamente e sofrerá no futuro, desde que seja previsível – artigo 558º do Código Civil.
Esta previsibilidade de que a lei fala supõe uma certeza futura, considerando o decurso normal das coisas.3
Com a matéria de facto dada por assente, está provada efectivamente a existências dos danos, cujo direito de indemnização é digno de protecção legal. Sendo certo, o montante desse referido MOP$134.950,00 foi o orçamento do Hospital, mas, por um lado, o mesmo montante não pode deixar de ser previsível, por outro lado, o Tribunal é-lhe legítimo fixar uma indemnização provisória nos termos do artigo 559º do Código Civil.
Nesta conformidade, como melhor decisão, entendemos que, tendo em conta a preocupação da recorrente, a parte de indemnização a liquidar na execução da sentença, ao abrigo do disposto no artigo 560º nº 6 do Código Civil, incluirá a parte ora provisoriamente fixado pelo Tribunal a quo, no montante de MOP$134.950,00, a ser descontado na liquidação no futuro aquando a execução da sentença.
Assim, com fundamento diverso, procede o recurso nesta parte.
3. Da indemnização pelos danos morais
Nesta parte, a recorrente por um lado, não concordou com o montante fixado a favor do menor ofendido a título dos danos morais, por outro não concordou com a condenação pela indemnização a favor da mãe do menor a título dos danos morais.
Os danos não patrimoniais que pela sua gravidade, a aferir segundo o critério do julgador, mereçam a tutela do direito são sempre ressarssíveis. Trata-se do “pretium doloris” (ou “dinheiro da dor”) destinado a reparar o sofrimento, lesão de interesses de ordem espiritual sempre dependente do “quantum doloris” (grau de sofrimento físico e psíquico).4
Nesta questão releva o disposto no art. 489º do Código Civil de Macau, existindo certa variabilidade de critérios.
A indemnização visa compensar a dor sofrida proporcionando ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar na medida do possível, o sofrimento moral.5
A fixação do montante não só é feita a critério objectivo, como também é feito caso a caso, a critério de equidade do Tribunal, sob a censura do Tribunal de recurso no limite do princípio de proporcionalidade e de adequação.6
Sabemos que, o montante da indemnização pecuniária mede-se pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano.7
Sabemos também que a determinação do montante indemnizatório através da avaliação da situação real e da situação hipotética deverá reportar-se à data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal,8 a que a lei manda atender será, normalmente, a do encerramento da discussão na primeira instância, nos termos do artigo 566º nº 1 do Código de Processo Civil.
Tem-se presente que se trata de danos graves do rosto e da parte dentária do menor autor na parte sensível para a sua vida diária, e de dores prolongadas e de grau intenso.
Ponderando, os valores da indemnização neste tipo que tem sido fixado pela nossa jurisprudência, a natureza das sequelas, tem-se por bem manter a indemnização fixada, para a parte do menor, pelo Tribunal a quo.
Quanto à parte da mãe do menor, é chamada a interpretação do artigo 489º do Código Civil.
De acordo com o disposto no o nº 1 do artigo 489º, está estabelecido, como regra geral, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Aí, O Código Civil não enumera os casos de danos não patrimoniais que justificam uma indemnização, dizendo apenas que devem merecer, pela sua gravidade, a tutela do direito. Cabe, assim, ao Tribunal em cada caso concreto dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica.9
E nos presentes autos, a mãe do menor ofendido invocou a sua titularidade do direito de indemnização pelos danos morais sofridos em consequência do ferimento grave do seu filho menor.
Vejamos.
Está provado que:
“- Desde o acidente e durante todo o período de convalescença a criança sofreu bastantes dores, chorava repetidamente e esteve de sobremaneira irrequieto, levando a que lhe fossem administrados analgésicos e soporíferos.
- Dado que o ofendido C tinha apensa 7 anos à data do acidente, a sua Mãe D acompanhou-o em todo este processo, pernoitando, primeiro, no hospital, e prestando-lhe toda a atenção, depois, já em casa.
- Com efeito, mal soube do acidente, a D dirigiu-se de imediato ao local, tendo aí prontamente chegado, estando verdadeiramente desconsolada, apreensiva e ansiosa com o seu desfecho.
- Situação que se agravou com a circunstância de a criança estar desmaiada e caída no solo.
- Desde então, como qualquer pai ou mãe que vê o seu filho de sete anos acidentado, as suas noites têm sido agitadas, perante o acordo constante do C, pouco descansando, o que a torna facilmente irascível.
Acresce ainda, como se disse, que o C não está ainda recuperado, pelo que terá que ser periodicamente acompanhado e vigiado clinicamente, bem como sujeito a, pelo menos, duas operações.
- Com efeito, o ofendido sofreu o mal-estar, as dores sofridas em virtude do acidente.
- Acresce que, para além da dôr física que acompanhou o menor no período que sucedeu imediatamente o acidente e a convalescença, existiu ainda a ausência de saúde mental, traduzida pela dôr psicológica causada pela ansiedade directamente decorrente do acidente.
- O mesmo se diga quanto a sua Mãe, verdadeiramente em cuidados relativamente ao seu pequeno rebento. De facto, a angústia, a ansiedade, a preocupação em ver o seu filho fora de qualquer perigo, são impossíveis de quantificar. Tal como as noites em claro, à mesma de cabeceira de um filho, à espera não se sabe bem do quê, mas da qual se teima em não sair.
- ... .”
Como podemos ver claramente, a mãe tinha sofrido em consequência do ferimento do seu filho, por si nascido e criado, tal maneira como se fosse o seu próprio sofrimento, não podemos deixar de considerar adequada a atribuição à mesma como titular do direito merecedor da tutela legal nos termos do artigo 489º do Código Civil.
E quanto ao montante indemnizatório atribuído pelo Tribunal a quo, não podemos também deixar de considerar, nesta parte, não ser manifestamente desproporcional e inadequado, não havendo por isso a intervenção deste Tribunal de recurso.
Improcede-se assim o recurso nesta parte.
Ponderando, resta decidir.
Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda instância em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Companhia de Seguros de A, S.A. e, em consequência, decidir:
- Condenar a Companhia de Seguros de A, S.A. ora recorrente a pagar ao menor demandante no montante de MOP32.574,40 (=MOP$40.718,00 x 80%), a título de despesas hospitalares;
- Condenar a Companhia de Seguros de A, S.A. ora recorrente a pagar ao menor demandante no montante de MOP$107.960,00 (=MOP$134.950,00 x 80%), a título provisória para o tratamento dentário;
- Condenar a Companhia de Seguros de A, S.A. ora recorrente a pagar ao menor demandante no 80% das despesas hospitalares relativas a reconstituição maxilo-dentária, que se apresentam em mais do que o montante de MOP$134.950,00, a liquidar na execução da sentença.
- Condenar a Companhia de Seguros de A, S.A. ora recorrente a pagar às demandantes no montante total de MOP$312.000,00 [ = (MOP$290.000,00 + MOP$100.000,00) x 80%], a título de indemnização pelos danos morais do menor demandante e a mãe do mesmo.
- Mantém-se a restante decisão.
Custas da parte cível nas ambas instância, pelas demandantes e a ora recorrente, na proporção, respectivamente, de 20% e 80%.
Fixam-se as remunerações para a defensor do arguido nesta instancia em MOP$1200,00, ao patrono oficioso nomeado para as demandantes da indemnização cível no montante de MOP$2500,00, a cargo do GPTUI.
RAEM, aos 16 de Setembro de 2010
Choi Mou Pan
José Maria Dias Azedo (Segue declaração)
Chan Kuong Seng (vencido quanto à questão de repartição da culpa, porque entendo dever louvar integralmente o juízo de valor já formado neste ponto pelo Tribunal recorrido)
Declaração de voto
Não acompanho o presente acórdão na parte que confirma a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais à mãe do menor, vítima do acidente.
De facto, sobre a questão, já tomei posição – cfr., v.g., o Ac. de 24.10.2002, Proc. n° 144/2002, – e não obstante a evolução da doutrina e jurisprudência sobre a matéria – cfr., v.g., A. Geraldes in “Temas de Responsabilidade Civil”, II Volume, pág. 35 e segs. e o Ac. deste T.S.I. de 26.02.2009, Proc. n° 545/2008 – afigura-se-me, como já fiz constar no referido acórdão de 24.10.2002, que a própria redacção do art. 488° e 489° do C.C.M. afasta a possibilidade de se atribuir a indemnização em causa.
Macau, aos 16 de Setembro de 2010
José Maria Dias Azedo
1 - 1項《刑法典》第142條第3款及第138條c)項,配合《道路交通法》第93條第1款及第94條第1款所規定及處罰的因過失嚴重傷害身體完整性罪,判處1年4個月徒刑,徒刑緩期18個月執行;及
- 1項《道路交通法》第30條所規定及處罰的關於車速的行政違法行為,罰款澳門幣300圓。
- 另外,判處嫌犯禁止駕駛6個月,緩期1年執行。
合議庭裁定民事請求因部分事實獲證明屬實而起訴理由部分成立,並判決:
- 判處澳門保險有限公司支付請求人羅國興及黎少蓮之賠償,金額為澳門幣509,101.20圓,以及將來為種牙手術而支付的其他醫療費用的90%,金額待判決執行時再作結算。
2 O acórdão redigiu-se em chinês e deu como provada a seguinte factualidade:
- 於2004年9月1日,早上約10時許,嫌犯B駕著車牌號碼MG-XX-XX、屬於XXX公共汽車有限公司的巴士氹仔廣東大馬路右邊車道行駛,方向由西安街向布拉格街,車上載著乘客XXX。
- 而XXX則駕著另一輛輕型汽車在上述路面的左邊車道行駛。
- 當剛巧駛過廣東大馬路與汕頭街交界處後,嫌犯突然發現被害人C從行人道跑出馬路,並從其行車方向的左方往右方橫越馬路,雖然嫌犯立即剎車,但因當時車速過高,故仍撞倒被害人,使其倒地受傷。
- 碰撞後,巴士亦向前衝了一段距離後才停下。
- 這次交通意外,引致被害人受到本案第32頁臨床法醫學鑑定書所記載及驗明的嚴重傷害,分別為a)中型腦部挫傷;b)上唇及全身多處軟組織挫裂傷;c)右上第一第二切牙齒及左上第一切齒脫位,需要30日才能康復。
- 在意外發生時,天氣良好,路面不濕滑,照明度正常,交通密度稀疏。
- 嫌犯以過高速度行駛,故其車輛不能在可用及可見空間停下及避開在正常情況可以預見的任何障礙物。
- 嫌犯不小心駕駛及沒提高警覺,以避免交通意外發生。
- 嫌犯亦明知上述行為會被法律所不容及制裁。
已經證明第131至145頁及第291至292頁損害賠償之民事請求所載之下列事實:
- Apesar de ter aproximado à passagem para peões que existe no local, o B não reduziu a velocidade a que seguia a sua marcha.
- Tão pouco regulando a mesma por forma a fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, possibilitando assim que o atravessamento, mais do que previsível, de peões, se pudesse fazer em total segurança.
- Cento é que em razão do referido embate, o C caiu ao chão, sofrendo inúmeras escoriações nos membros inferiores e superiores; desfigurou o lábio superior; partiu irremediavelmente um dente definitivo e sofreu traumatismos na dentição; e, como se não bastasse ainda, sofreu igualmente um traumatismo craniano com hemorragia interna.
- Com tudo isto, é óbvio que o bravo miúdo desmaiou, só tendo recuperado os sentidos (mas não a consciência e a razão), após a chegada da ambulância (e da Mãe) ao local.
- Por esse motivo, a criança foi sujeita a uma intervenção cirúrgica, com anestesia total, para sutura do lábio e remoção de parte interna do dente n.º 21, bem como para correcção da dentição afectada pelo impacto.
- Tendo ficado internado no Hospital durante 13 dias, demorando bem mais de 30 dias a sua convalescença.
- Apesar da intervenção cirúrgica, das diversas consultas médicas e dentárias posteriores e dos progressos registados, o menor terá que ser acompanhado até completar o seu crescimento.
- Por só nessa data ser razoável a implantação definitiva de uma prótese dentária e a submissão a uma operação plástica de correcção do lábio superior.
- Desde o acidente e durante todo o período de convalescença a criança sofreu bastantes dores, chorava repetidamente e esteve de sobremaneira irrequieto, levando a que lhe fossem administrados analgésicos e soporíferos.
- Dado que o ofendido C tinha apensa 7 anos à data do acidente, a sua Mãe D acompanhou-o em todo este processo, pernoitando, primeiro, no hospital, e prestando-lhe toda a atenção, depois, já em casa.
- Com efeito, mal soube do acidente, a D dirigiu-se de imediato ao local, tendo aí prontamente chegado, estando verdadeiramente desconsolada, apreensiva e ansiosa com o seu desfecho.
- Situação que se agravou com a circunstância de a criança estar desmaiada e caída no solo.
- Desde então, como qualquer pai ou mãe que vê o seu filho de sete anos acidentado, as suas noites têm sido agitadas, perante o acordo constante do C, pouco descansando, o que a torna facilmente irascível.
- Ora, a responsabilidade civil decorrente da utilização e condução do referido veículo automóvel de matrícula MG-XX-XX foi transferida pela XXX - Transportes XXX de Macau, S.A., segurada e sua proprietária, para a ora Demandada, Companhia de Seguros de A, S.A., mediante contrato de seguro titulado pela Apólice 41-XXXXXX-204, conforme documento a apresentar por esta, o que se requererá a final.
- Com as despesas hospitalares, medicamentosas e de assistência médica a que o C foi sujeito em virtude do acidente provocado pelo B, a sua mãe D despendeu a quantia de MOP$38,823.00.
- Acresce ainda, como se disse, que o C não está ainda recuperado, pelo que terá que ser periodicamente acompanhado e vigiado clinicamente, bem como sujeito a, pelo menos, duas operações.
- Com efeito, o ofendido sofreu o mal-estar, as dores sofridas em virtude do acidente.
- Acresce que, para além da dôr física que acompanhou o menor no período que sucedeu imediatamente o acidente e a convalescença, existiu ainda a ausência de saúde mental, traduzida pela dôr psicológica causada pela ansiedade directamente decorrente do acidente.
- O mesmo se diga quanto a sua Mãe, verdadeiramente em cuidados relativamente ao seu pequeno rebento. De facto, a angústia, a ansiedade, a preocupação em ver o seu filho fora de qualquer perigo, são impossíveis de quantificar. Tal como as noites em claro, à mesma de cabeceira de um filho, à espera não se sabe bem do quê, mas da qual se teima em não sair.
- O demandante não dispõe de meios económicos suficientes para custear os encargos da presente acção judicial.
- O ofendido despendeu ainda MOP$1,895.00, referente às despesas hospitalares, medicamentosas e de assistência médica.
- O ofendido irá despender MOP$134,950, referente ao programa de reconstituição maxilo-dentária, previsto pelo Hospital Kwiang Wu.
- O ofendido irá também despender quantia agora não apurada, referentes a outras despesas hospitalares, medicamentosas e de assistência médica não contabilizáveis, mas desde já previsíveis.
己經證明第178頁至188頁答辯狀所載之下列事實:
- O referido autocarro é propriedade da “XXX – Transportes XXX de Macau, S.A.” (adiante simplesmente designada por “XXX”), o qual circulava no seu interesse e comissão.
- A ora contestante celebrou um contrato de seguro com a XXX pelo qual a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação desta última é transferida para a primeira, titulado pela apólice de seguro n.º 41-XXXXXX, a qual se junta desde já a título de doc. 1.
另外證明下列事實:
- 根據刑事紀錄證明,嫌犯為初犯。
- 嫌犯只觸犯了第220頁所載的交通違例。
- 嫌犯現職巴士司機,每月約賺取澳門幣13,000圓的收入,嫌犯的妻子任職樓面,兩人育有1名現年14歲的女兒。嫌犯學歷為高中畢業。
未經證明之事實:載於控訴書、民事賠償請求及答辯狀其餘與已證事實不符之重要事實,其中包括:
- Por outro lado, em consequência necessária e directa do acidente, a D deixou de receber o salário do mês de Setembro de 2004, no montante de HKD$15,000.00 (MOP$15,480.00), quantia que desde já se reivindica para os devidos e legais efeitos.
- O menor apareceu repentinamente para atravessar a faixa de rodagem.
- Iniciou a travessia na passadeira para peões ali existente e, inesperadamente, a meio da travessia, sem qualquer justificação, saiu completamente daquela passadeira.
- Tendo, com esse comportamento, contribuído decisivamente para a produção do acidente do qual foi vítima.
事實之判斷:
- 嫌犯在審判聽證中作出聲明,解釋在案發時以30至40公里時速行駛,但承認由於曾回頭察看錢箱而未能及時見到從路旁跑出的小童,在見到小童時已未能剎停車輛撞倒小童;嫌犯並對被害人受傷感到內疚。
- 被害人C在審判聽證中作出證明,但表示已忘記了當日被車輛撞倒的經過。
- 被害人的母親在審判聽證中作出聲明,講述了當天上街時目睹兒子被撞後的激動心情,被害人母親亦講述了兒子的傷勢及治療情況。
- 證人XXX在審判聽證中講述了事發當日目擊被害人從行人道跑出馬路,但嫌犯剎車不及而撞倒被害人的經過。
- 證人XXX在審判聽證中講述了事發當日乘搭嫌犯所駕駛的公共巴士途中發生撞人意外的經過。
- 治安警員在審判聽證中講述了接報到場處理事件的經過,亦確認了有關的交通草圖。
- 卷宗內第28、32、90、91及346頁的醫學報告確認了被害人的傷勢及治療情況。
- 口腔專科醫生在審判聽證中作出聲明,詳細講述了被害人的口腔的傷勢及治療情況,亦解釋被害人因門牙缺失而對其外觀,說話及嘴嚙(切割)功能均有影響。
- 法醫在審判聽證中作出聲明,確認了醫學鑑定書的內容,亦補充被害人的傷勢曾危及其生命。
- 本合議庭客觀綜合分析了嫌犯、被害人及各證人在審判聽證所作之聲明,結合在審判聽證中審查的書證後,考慮到雖然被害人跑出馬路,但被害人是在斑馬線旁過馬路,在上述路段車輛應特別減速,另外,被害人是從左邊越過大半路面在右邊行車道被嫌犯所駕駛車輛撞倒,即事發時盡管被害人跑出馬路,但已到達馬路右邊,所需時間可使嫌犯有條件剎停車輛避免碰撞,但嫌犯未能剎停車輛,可認定其當時車速在上述路段是不適當,即速度過高,因此,合議庭可認定交通意外大部份原因是由於嫌犯以過高速度行駛而引致的。
3 Américo Marcelino, Acidente de Viação e Responsabilidade Civil, 9ª edição, p. 423.
4 Acórdão deste TSI de 15 de Fevereiro de 2001 no processo nº 4/2001.
5 Cite Acórdão do então TSJ de 03/12/99, Processo nº 1241.
6 Neste sentido, o Acórdão do STJ de Portugal, aqui se cita a título de direito comparado, de 22 de Maio de 1979, no BMJ nº 287º, p. 289-290.
7 Prof. Antunes Varela, Código Civil anotado, Vol. II, p. 582.
8 Vaz Serra, Rev. de Leg. E Jur, ano 112º, p. 328-329.
9 Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4ª Edição, 1987, p. 499.
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TSI-692-2009 Página 25