Recurso nº 598/2009
Recorrentes: - A
- Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo(汽車及航海保障基金)
Recorridos: Os mesmos
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
Nos presentes autos, o Ministério Público acusou o arguido B pela prática de um crime de ofensa grava à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 142° n° 3 e artigo 14° al. a) do Código Penal, um crime de ofensa grave à integridade física por negligência p. e p. pelo artigo 142° n° 1 artigo 14° al. a) do Código Penal, um crime de condução perigosa p. e p. pelo artigo 279° n° 1 al. a) do Código Penal, uma contravenção p. e p. pelo artigo 24° n° 2, 70° n° 3 do Código de Estrada e uma contravenção p. e p. pelo artigo 68° n° 1 do Código de Estrada.
A ofendida A, enxertando nestes autos, deduziu o pedido de indemnização cível contra o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo, no montante total de MOP$713.200,00, e a menor ofendida C, representada por A e D) pediu contra o mesmo réu pela indemnização pelos danos morais de MOP$60.000,00.
Contestou o demandado Fundo.
Depois da audiência, o Tribunal Colectivo proferiu a sentença, decidindo:
- Condenar o arguido B, pela prática de:
- 1 crime de ofensa grave à integridade física por negligência, p. p. pelo artº 142º, n.º 3 e artº 14º, al. a) do Código Penal, conjugado com o artº 66º, n.º 2 e n.º 3, al. a) do Código da Estrada, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão.
- 1 crime de ofensa à integridade física por negligência, p. p. pelo artº 66º, n.º 2 e n.º 3, al. a) do Código da Estrada, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão.
- 1 contravenção, p. p. pelo artº 68º, n.º 1 do Código de Estrada, na pena de multa de MOP$5,000.00, ou em alternativa de 30 dias de prisão; e
- 1 contravenção, p. p. pelo artº 24º, n.º 2, conjugado com o artº 70º, n.º 3 do Código da Estrada, na pena de multa de MOP$1,500.00, ou em alternativa de 9 dias de prisão.
Em cúmulo jurídico dos 2 crimes e da 2 contravenções, vais ser condenado o arguido numa única pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa a sua execução por um período de 2 anos, e na pena da multa de MOP$6,500.00, ou em alternativa de 39 dias de prisão.
- Condena ao arguido a suspensão da validade da licença de condução por um período de 1 ano.
- O arguido deve entregar a carta de condução ao Departamento de Trânsito da PSP no prazo de 10 dias, para os efeitos da execução da pena acessória.
- O Tribunal Colectivo julga o pedido cível de indemnização, intentado pelos demandantes A e C, parcialmente procedente por ser parcialmente provado e, em consequência, condena o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo, a pagar, às demandantes A e C a indemnização, respectivamente, no montante de MOP$301,000.00 e MOP$60,000.00.
Com esta decisão não conformou, recorreram apenas a demandante A e o demandado Fundo, que alegou para concluir, respectivamente, que:
A:
1. A lei distingue o dano patrimonial do dano não patrimonial, sendo que dentro do âmbito do dano patrimonial temos o dano emergente e o lucro cessante.
2. A ora recorrente tem igualmente o direito de ser indemnizada pela incapacidade permanente parcial de 22% de que padece, definida esta incapacidade parcial permanente como um dano emergente, presente e, naturalmente, totalmente autónomo dos danos patrimoniais futuros (lucros cessantes) outrora invocados.
3. Essa incapacidade permanente consiste num dano emergente, actual, presente e autónomo, uma vez que a ora recorrente passou a sofrer esse prejuízo efectivo logo depois da verificação do acidente ao ficar com uma incapacidade parcial permanente de 22% para o resto da vida.
4. Incapacidade a que corresponderá obrigatoriamente uma perda de capacidade funcional e aquisitiva, com reflexos não só ao nível da produtividade do lesado, por exemplo, do seu trabalho, mas igualmente ao nível da sua qualidade de vida.
5. A incapacidade permanente parcial (IPP) de que a ofendida sofre é, assim, indemnizável, sendo que, no cômputo dessa indemnização, deve atender-se ao disposto no n.º 5 do artigo 560º do CC, bem como recorrer a um juízo de equidade nos termos do n.º 6 daquele artigo.
6. A perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente parcial ou total seria indemnizável, ainda que, por hipótese, a recorrente não trabalha-se ou se mantivesse o mesmo salário que auferia antes da lesão, se tivesse ficado provado nos autos que trabalhou.
7. Ora, o tribunal recorrido não fixou, como devia, qualquer indemnização por esse dano presente, emergente, que tem a ver com a incapacidade permanente parcial (IPP) de que sofre a recorrente, não só para o trabalho como inclusivamente ao nível da sua qualidade de vida.
8. Com efeito, o Tribunal recorrida não configurou esse dano (IPP) como se de um dano futuro (lucro cessante) se tratasse.
9. Só que, como já se viu, estamos perante um dano presente, emergente, o chamado “dano biológico” enquanto lesivo do direito à saúde que assiste à recorrente.
10. E este dano é, por conseguinte, indemnizável de forma autónoma e independente, nos limites impostos no artigo 560º, n.ºs. 5 e 6, do CC, com recurso a um juízo recto e de equidade (artigo 3º, al. a), do mesmo Código).
11. Considerando-se como equitativo e adequado o valor de MOP$283.000,00 (duzentas e oitenta mil patacas), tal como foi peticionado pela recorrente no seu articulado superveniente, quantia essa que se mostraria equilibrada, adequada e razoável de forma a ressarcir, na medida do possível, a perda de capacidade permanente de 20% de que aquele passou a padecer por força do acidente de viação em causa.
12. Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, sendo a indemnização fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível (artigos 556º e 560º, n.º 1, do CC).
13. Por último, entende a ora recorrente que os juros de mora por responsabilidade civil na sequência do acidente de viação ora em discussão não devem ser apurados desde o trânsito em julgado da decisão recorrida, como defendido pelo Tribunal a quo, mas devem ser calculados a partir da data da decisão da 1ª instância, não só os referentes ao quantum indemnizatório dos danos patrimoniais como também os relativos ao quantum dos danos não patrimoniais.
14. Termos em que se requer a V. Exas. se dignem revogar a decisão recorrida no sentido de que o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo seja condenado a pagar a ora recorrente uma indemnização global de MOP$584.000,00 (MOP$1.000,00 (danos patrimoniais) + MOP$283.000,00 (dano emergente da incapacidade permanente parcial) + MOP$300.000,00 (danos não patrimoniais), devendo acrescer à referida quantia global juros de mora, à taxa legal, a partir da data da decisão da 1ª instância até integral pagamento.
Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo:
I. Sendo de mera garantia a intervenção do Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo (FGAM) na acção de indemnização, o “papel principal” será sempre do responsável civil e não da RAEM;
II. O FGAM apenas responde de forma subsidiária e não na qualidade de responsável directo;
III. O FGAM mais não é do que um garante, um responsável “subsidiário”, já que o principal obrigado é sempre o responsável civil. E só se este último se furtar ao cumprimento do seu dever é que o FGAM entra em acção, satisfazendo a indemnização arbitrada;
IV. Ao estabelecer a garantia de satisfação das indemnização por morte ou lesões corporais, nos casos previstos pelo artigo 23º do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro, em de o FGAM é demandado, o legislador prescreveu a subsidiariedade, tendo em vista três objectivos evidentes:
a) Tornar acessível ao FGAM, pela via mais autêntica do próprio interveniente no acidente, a versão deste e todo o material probatório a que doutro modo não acederia;
b) Facilitar ao lesado a satisfação do seu direito, permitindo-lhe optar entre o património do lesante faltoso e a indemnização do FGAM;
c) Tirando partido da presença do responsável, definir de imediato, na medida do possível e sem mais dispêndio processual, os pressupostos de facto e jurídicos em que há-de basear-se o direito de sub-rogação do FGAM;
V. Nos referidos casos, existe uma solidariedade imprópria, imperfeita ou “impura”;
VI. Enquanto no plano externo o lesado pode exigir de qualquer um dos responsáveis-obrigados – do lesante ou do FGAM – satisfação do seu crédito, já no plano interno, só se for o último a pagar a indemnização é que fica sub-rogado nos direitos lesados, podendo, depois, exigir do lesante tudo aquilo que pagou, acrescido dos juros legais de mora e das despesas efectuadas com a liquidação e cobrança;
VII. Daí que na sentença final deva o Arguido ser condenado solidariamente a pagar a quantia reclamada, sendo que a responsabilidade do FGAM é meramente subsidiária daquele;
VIII. No âmbito do processo crime no qual resultou a condenação do FGAM deve também condenar-se solidariamente o ou os responsáveis civis;
IX. Tendo as vítimas direito a uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, pelos padecimentos sofridos, sendo tal lesão ainda passível de reparação pecuniária, a fixação do respectivo montante há-de ser operada equitativamente, atendendo-se ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica do lesante e do lesado, estando assente que a indemnização nestes casos visará proporcionar ao lesado um prazer capaz de neutralizar a angústia, dor ou contrariedade sofridas;
X. O montante de indemnização há-de ser, pois, proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bem senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida;
XI. São desajustados e extremamente elevados, se se atentar ao prescrito no artigo 489º do Código Civil de Macau, em conjugação com o disposto no artigo 487º do mesmo diploma, à matéria de facto provada e aos valores constantes na jurisprudência da RAEM, para situações semelhantes, os montantes arbitrados pelo Tribunal a quo às Demandantes, a título de danos não patrimoniais;
XII. Mostra-se outrossim adequada ao circunstancialismo do caso em apreço a indemnização de MOP$181.000,00 equitativamente proporcionada face à gravidade dos danos, grau de culpa do agente, vistas ainda a situação económica da lesada e do lesante e demais factualidade descrita nos autos, numa situação de traumatismo craniano, com 119 dias de convalescença, ficando a lesada com uma cicatriz e incapacidade parcial permanente correspondente a 22%;
XIII. Afigura-se adequada às circunstâncias do caso a indemnização de MOP$30.000,00, equitativamente proporcionada face à gravidade dos danos, grau de culpa do agente, vistas ainda a situação económica da lesada – estudante de 16 anos -, e do lesante e demais factualidade descrita nos autos, numa situação de abrasão dos tecidos moles, com 5 dias de convalescença, ficando aquela com uma cicatriz no rosto.
Termos em que deve a sentença recorrida e proferida nestes autos, ser parcialmente revogada e substituída por outra decisão em que o Arguido seja solidariamente condenado com o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo – FGAM, mais se fixando indemnização consentânea com os valores atribuídos em casos semelhantes aos dos autos, por se encontrarem nestes matéria de facto suficiente e todos os elementos necessários à sua fixação.
Ao recurso da demandande A, respondeu o demandado Fundo que se alegou o seguinte:
I. A decisão recorrida não padece das faltas invocadas pela Recorrente na sua motivação.
II. No que a esta matéria respeita, a sentença recorrida não merece reparo algum, tendo andado bem o Mmo. Juiz do Tribunal a quo, fazendo consequentemente uma correcta aplicação da lei e procedendo a um julgamento uniforme;
III. O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquica do lesado, com natural repercussão na vida de quem o sofre.
IV. Na avaliação dessa diminuição somático-psíquica importa distinguir o factor laboral, i.e. a perda da capacidade de trabalho, dos demais factores, como sejam actividades recreativas ou desportivas, sexuais, sociais ou sentimentais;
V. O cálculo da indemnização pela incapacidade permanente, quer seja o dano entendido como de natureza patrimonial, quer seja entendido como de natureza não patrimonial, faz-se, por um lado, quanto à perda da capacidade de trabalho profissional e de trabalho em geral e, por outro, quando ao dano fisiológico ou funcional;
VI. Na fixação da indemnização a titulo de danos não-patrimoniais resultantes do acidente de viação sub judice estão já incluídos os sofrimentos de ordem moral, física ou afectiva impostos à lesada, originados pela perda irreversível das suas faculdades físcias e emocionais;
VII. Não há lugar a indemnização por incapacidade parcial permanente, a título de perda de capacidade de trabalho, se não fica provado o exercício, à data do acidente, de qualquer actividade laboral;
VIII. O montante da indemnização por incapacidade parcial permanente, a título de perda de capacidade de trabalho, deve ser calculado equitativamente, atendendo-se ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica do lesante e do lesado, à gravidade do dano, devendo ainda ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, incluindo a desvalorização monetária e o aumento do custo de vida, quando essa indemnização deva ser paga de uma só vez;
IX. Quando versem sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar expressamente as normas jurídicas violadas e o sentido com aquelas que foram e deveriam ter sido interpretadas, sob pena de rejeição do recurso.
X. Nos casos de arbitramento de uma indemnização em dinheiro, de responsabilidade civil por facto ilícito, o cômputo dos juros de mora só terá lugar a partir da decisão na 1ª Instância contanto que essa decisão seja confirmada nas instâncias superiores.
Termos em que o recurso sub judice deverá ser julgado improcedente.
Ao recurso do demandado Fundo respondeu respectivamente o arguido E e as demandantes C e A, que se alegaram o seguinte:
E:
i. O Tribunal a quo decidiu sobre todas as questões que foram trazidas pelas partes na douta Sentença;
ii. O Tribunal a quo não omitiu em decidir sobre questões sobre a condenação do Responsável Civil pelo Acidente;
iii. Resulta claramente que na contestação apresentada pelo Recorrente FGAM foram apenas pedidos a absolvição e/ou o valor a fixar pelos danos causados aos demandantes seja parcialmente improcedente, e nada mais;
iv. O arguido nunca foi provocado pela Recorrente FGAM para se coligar na acção;
v. Como é sabido que segundo o princípio do pedido previsto no n.º 1 do artigo 3º do Código de Processo Civil, o processo só se inicia por impulso da parte e nunca por iniciativa do juiz ou do Tribunal.
vi. Cabe ainda as partes alegar os factos que integram a causa de pedir, nos termos do n.º 1 do artigo 5º do Código de Processo Civil;
vii. Não tendo trazido para a decisão do Juiz na petição inicial, não pode agora, impugnar a falta de decisão;
ix. Afigura-se que o arguido não pode ser condenado em sede de recurso a pagar solidariamente as quantia reclamadas;
x. São desajustados e elevados, os montantes de indemnização fixados pelo Tribunal a quo, atento ao disposto do artigos 489º e 487º, ambos do Código Civil de Macau, para as situações semelhantes, os montantes arbitrados pelo Tribunal a quo, às Demandantes;
xi. As Demandantes, vítimas do acidente têm direito a uma indemnização tem direito a uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, pelos sofrimentos, a fixação do respectivo montante deve ser operada atendendo ao grau da culpabilidade do agente, à situação económica do lesante e do lesado, e sendo certo que a indemnização destina-se a proporcionar ao lesado um prazer capaz de neutralizar a angústia, dor ou contrariedade sofridas;
xii. O caso em apreço, a indemnização de MOP$60.000,00 à Demandante C, que tinha 16 anos de idade, estudante, lesada da fractualidade descrita nos autos, não se afigura-se bem adequada;
xiii. Também não se afigura bem adequado o montante de indemnização superior a MOP300.000,00, por danos não patrimoniais, à Demandante A, lesada da fractualidade descrita nos autos; mas
xiv. Afigura-se que os valores de indemnização atribuídos às demandantes, a título de danos não patrimoniais nunca devem ser superiores aos valores já decididos pelo Tribunal a quo.
Nestes termos, e nos mais de Direito, devem os recursos interpostos ser julgados improcedentes, e consequentemente, ser confirmadas as condenações das mesmas nos termos constantes da sentença.
C
1. Insurge-se o demandado cível sobre a falta de condenação solidária do arguido no pedido cível deduzido pela ora recorrida e sobre o montante indemnizatório a titulo de danos não patrimoniais fixados à mesma.
2. É patente que o recorrente incorre num grande equivoco ao invocar que o arguido teria de ser condenado solidariamente e que a sentença recorrida violou as disposições do disposto n.º 2 do artigo 23º e n.º 1 do artigo 25º, ambos do Decreto-Lei 57/94/M, de 28 de Novembro.
3. Não se discute e aceita-se que o arguido responde solidariamente com o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo se ambos forem demandados na acção cível, mas o mesmo já não acontece se somente foi demandado o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo, como fez a recorrida nos presentes autos.
4. Atenta a redacção do artigo 25º, n.º 3, do Decreto-Lei 57/94/M, de 28 de Novembro, verifica-se que a recorrida poderia demandar directamente o recorrente, o que fez, tendo o recorrente a factualidade de fazer intervir no processo o obrigado ao seguro e os seus co-responsáveis, no caso concreto o arguido.
5. Ou seja, o recorrente, se queria que o arguido fosse condenado solidariamente deveria tê-lo feito intervir no processo cível.
6. Não o fazendo não pode exigir agora que na sentença recorrida ase condene solidariamente alguém que não é parte da acção cível.
7. O recorrente nada tem de se preocupar porque a não condenação solidária do ou dos responsáveis civis não extingue o direito de reaver o que vai pagar à lesada, por força do artigo 25º, n.º 4, do referido diploma.
8. A sentença recorrida não violou os artigos 23º, n.º 2 e 25º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei 57/94/M de 28 de Dezembro e os artigos 477º, 496º e 587º, todos do CC.
9. É correcta a decisão que condenou unicamente o recorrente, como único demandado cível, na obrigação do pagamento da indemnização à recorrida.
10. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um ”conforto” à ofendida a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, (se possível), lhos fazer esquecer. Visa, pois, proporcionar à lesada momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu.
11. Ficou provado que a recorrida sofreu lesões no peito e nas costelas, teve uma cicatriz com alguma extensão, com deformação no seu corpo, ficou 5 dias sem ir à escola.
12. Que sofreu na altura do acidente, durante a sua recuperação um sofrimento psicológico devido ao medo causado pelo acidente e durante a sua recuperação sofreu dores que lhe causaram e causam incomodo e que lhe restringiram os seus movimentos durante os 5 dias de recuperação.
13. Por fim, também ficou assente que sofreu um cicatriz no seu rosto que a afecta psicologicamente o seu dia a dia, designadamente, o convívio com pessoas da sua idade.
14. Ora, ponderando estes “danos”, no facto de ser uma pessoa muito jovem, e que lhe assistia o direito natural a ser feliz e ter uma vida saudável, necessárias não nos parecem grandes considerações para se concluir que censura não merece o quantum de MOP$60,000.00 fixado a título de danos não patrimoniais.
15. Salvo o devido respeito, não nos parece inflacionado o montante em questão atribuído à recorrida, improcedendo, por isso, o recurso em apreciação.
16. Deve-se julgar improcedente o presente recurso interposto pelo recorrente, mantendo-se a sentença no que respeita a sua condenação em relação ao valor de MOP$60.000,00 atribuídos a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Pelo acima exposto, deve-se julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se a sentença que condenou unicamente a recorrente a pagar a quantia de MOP$60.000,00 a título de danos não patrimoniais.
A
1. Insurge-se o demandado cível sobre a falta de condenação solidária do arguido no pedido cível deduzido pela ora recorrida e sobre o montante indemnizatório a titulo de danos não patrimoniais fixados à mesma.
2. É patente que o recorrente incorre num grande equivoco ao invocar que o arguido teria de ser condenado solidariamente e que a sentença recorrida violou as disposições do disposto n.º 2 do artigo 23º e n.º 1 do artigo 25º, ambos do Decreto-Lei 57/94/M, de 28 de Novembro.
3. Não se discute e aceita-se que o arguido responde solidariamente com o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo se ambos forem demandados na acção cível, mas o mesmo já não acontece se somente foi demandado o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo, como fez a recorrida nos presentes autos.
4. Atenta a redacção do artigo 25º, n.º 3, do Decreto-Lei 57/94/M, de 28 de Novembro, verifica-se que a recorrida poderia demandar directamente o recorrente, o que fez, tendo o recorrente a factualidade de fazer intervir no processo o obrigado ao seguro e os seus co-responsáveis, no caso concreto o arguido.
5. Ou seja, o recorrente, se queria que o arguido fosse condenado solidariamente deveria tê-lo feito intervir no processo cível.
6. Não o fazendo não pode exigir agora que na sentença recorrida ase condene solidariamente alguém que não é parte da acção cível.
7. O recorrente nada tem de se preocupar porque a não condenação solidária do ou dos responsáveis civis não extingue o direito de reaver o que vai pagar à lesada, por força do artigo 25º, n.º 4, do referido diploma.
8. A sentença recorrida não violou os artigos 23º, n.º 2 e 25º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei 57/94/M de 28 de Dezembro e os artigos 477º, 496º e 587º, todos do CC.
9. É correcta a decisão que condenou unicamente o recorrente, como único demandado cível, na obrigação do pagamento da indemnização à recorrida.
10. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um ”conforto” à ofendida a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, (se possível), lhos fazer esquecer. Visa, pois, proporcionar à lesada momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu.
11. Ficou provado que a recorrida sofreu contusões e lacerações no couro da parte superior direita da região temporal, de 6cm de comprimento, a fractura do temporal direito e hematoma subdural da parte superior direita do temporal, necessitando de 119 dias de recuperação, ficando com o sindroma das lesões cerebrais, tudo isto que lhe provocou incapacidade permanente parcial de 22%.
12. Também ficou provado que teve de suportar 1 operação cirúrgica à cabeça, sofreu um traumatismo craniano e uma cicatriz de grande extensão que irá permanecer parar o resto de toda a vida como deformação, sofreu escoriações na orelha direita, cabeça, perna, peito e ficou cheia de dores.
13. A recorrida não ficou totalmente recuperada, tendo passado a sofrer, devido às suas lesões cerebrais, sequelas que lhe prejudicam seriamente a sua vida e o quotidiano diário.
14. Sofreu também na altura do acidente, durante o seu internamento, após o internamento, na sua recuperação e ainda continua a sofre uma incomensurável angustia, um enorme sofrimento psicológico devido ao medo e de dores intensas, ficando afectada psicologicamente e sofreu um grande desgosto com o acidente porque ficou e está totalmente impossibilitada de fazer as suas actividades normais e diárias.
15. Ponderando estes “danos”, no facto de ser uma pessoa cassada com um lar estabilizado, com muitos anos pela sua frente, e que lhe assistia o direito natural a ser feliz e ter uma vida saudável, necessárias não nos parecem grandes considerações para se concluir que censura não merece o quantum de MOP$300,000.00 fixado a título de danos não patrimoniais.
16. Salvo o devido respeito, não nos parece inflacionado o montante em questão atribuído à recorrida, improcedendo, por isso, o recurso em apreciação.
17. Deve-se julgar improcedente o presente recurso interposto pelo recorrente, mantendo-se a sentença no que respeita a sua condenação em relação ao valor de MOP$300.000,00 atribuídos a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Pelo acima exposto, deve-se julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se a sentença que condenou unicamente a recorrente a pagar a quantia de MOP$300.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Cumpre conhecer.
Foram colhidos os vistos legais.
O Tribunal a quo deu por assente à factualidade os seguintes factos:
- Em 9 de Setembro de 2003, por volta das 08H10, o arguido circulava, conduzindo um veículo ligeiro da chapa de matrícula MF-XX-32, na Avenida do 1º de Maio, em direcção da Estrada Marginal do Hipódromo para a Avenida do Nordeste, levando como passageiros dois amigos, um de nome F e o outro de nome G.
- O arguido, quando se aproximou da passagem para peões, sita em frente do cruzamento entre a Avenida do 1º de Maio e a Rua 1º de Maio, por não ter regulado adequadamente a velocidade, não conseguiu travar atempadamente e embateu na 1ª ofendida A e seus filhos, de nome C (2ª ofendida) e H (esta parte já foi arquivada), que se encontravam a atravessar a referida passagem para peões, do lado direito para o esquerdo, atendendo ao sentido da circulação do arguido.
- Tal embate fez com que a 1ª ofendida A se projectasse para acima do capô do veículo e se embatesse no pára-brisas, e de seguida, se projectasse para o chão, tendo ela ficado com lesões em várias partes do corpo. Depois, a 1ª ofendida foi transportada, pela ambulância dos Corpos de Bombeiro, ao Hospital C.S.J. para tratamento.
- O relatório de exame directo, o relatório médico e o parecer do médico legal da 1ª ofendida encontram-se a fls. 39, 61, 66, 77, 79, 262 e 341 dos autos, lesões essas que se aqui dão por inteiramente reproduzidas.
- Do acidente em questão resultaram à 1ª ofendida A as contusões e lacerações no couro da parte superior direita da região temporal, de 6cm de comprimento, a fractura do temporal direito e a hematoma subdural da parte superior direita do temporal. Estima-se que a ofendida necessite de 119 dias para ficar recuperada e que após a convalescença, a 1ª ofendida poderá ficar com o síndroma das lesões cerebrais. As referida lesões provocaram-lhe a ofensa grave à integridade física e da 22% da Incapacidade Permanente Parcial.
- Tal embate também fez com que a 2ª ofendida C caísse ao chão, tendo ela sido, depois, transportada, pela ambulância, ao Hospital C.S.J. para tratamento.
- O relatório de exame directo e o parecer do médico legal da 2ª ofendida C encontram-se a fls. 41 e 68 dos autos, lesões essas que se aqui dão por inteiramente reproduzidas.
- Do acidente em questão resultaram à 2ª ofendida C as contusões e abrasões de tecidos moles em várias partes do corpo e as contusões e lacerações na face direita, no cotovelo direito, na articulação do pulso e em ambos os joelhos, necessitando ela de 5 dias para ficar recuperada. As lesões provocaram-lhe a ofensa simples à integridade física.
- Após a ocorrência do acidente, foi apurado que a taxa de alcoolemia por litro de sangue do arguido era de 1.81g.
- Na altura da ocorrência do acidente de viação, o tempo estava limpo, o pavimento estava em situação normal, não estava molhado e a intensidade do tráfego era normal.
- O arguido agiu livre e conscientemente.
- O arguido não conduziu com prudência, nem prestou a atenção devida, e quando se aproximou de uma passagem para peões sinalizada, não reduziu a velocidade, nem deteve a marcha, a fim de deixar passar os peões que se encontravam a atravessar a fixa de rodagem, tendo, deste modo, violado o artº 24º, n.º 2, do Código da Estrada.
- O arguido sabia perfeitamente que a condução imprudente poderia causar, como consequência, acidente de viação e lesões a pessoas. Não obstante o arguido, aquando do acto, não desejasse nem conformasse a realização de tais factos ou consequências não procedeu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz de o fazer, tendo provado o presente acidente da viação e directamente a ofensa grave à integridade física da 1ª ofendida A e a ofensa simples à integridade física da 2ª ofendida C.
- O arguido sabia perfeitamente que se encontrava em estado de embriaguez ou sob grande influência de álcool, mas mesmo assim ele conduziu, de propósito, o veículo ligeiro na via pública, causando perigo grave para a integridade física de outrem.
- O arguido sabia perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por lei.)
- Factos provados constantes no pedido cível de indemnização de fls. 137/148:
- A demandante, A como causa directa do acidente, teve de suportar operação cirúrgica à cabeça.
- A cabeça sofreu traumatismo craniano e cicatriz de grande extensão que irá permanecer toda a vida, como deformação, no corpo do demandante.
- Sofreu escoriações na orelha direita, cabeça, perna, peito, perna e ficou com o corpo cheio de dores, em virtude o embate violento provado pelo veículo conduzido pelo arguido B.
- A demandante não ficou totalmente recuperada, tendo passado a sofrer, devido às suas lesões cerebrais, sequelas que lhe prejudicam seriamente a sua vida e o quotidiano diário.
- A demandante não ficou totalmente recuperada, tendo passado a sofrer, devido às suas lesões cerebrais, sequelas que lhe prejudicam seriamente a sua vida e o quotidiano diário.
A operação e a recuperação não resolveram a incapacidade permanente que vai sofrer para o resto da sua vida.
- A demandante sofreu na altura do acidente, durante o seu internamento, após o internamento, na sua recuperação e ainda contínua a sofrer uma incomensurável angustia, um enorme sofrimento psicológico devido ao medo e de dores intensas, tudo resultado das graves lesões que o seu corpo sofreu (traumatismo craniano e escoriações no corpo) e do acidente.
- Ficou afectada psicologicamente e sofreu um grande desgosto com o acidente porque ficou e está totalmente impossibilitado de fazer as suas actividades normais e diárias.
- Em consequência do acidente e do traumatismo craniano de que foi vitima a demandante sofre de incapacidade física parcial e permanente, a saber:
- Sofre constantemente de dores de cabeça;
- Desmaia de vez enquanto;
- Não pode andar normalmente; e
- Tem medo e receio de andar na rua.
- O veículo MF-XX-32 conduzido pelo arguido B, sujeito ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, não beneficiava de seguro válido ou eficaz.
- Com as despesas medicamentosas, hospitalares e de assistência médica, a demandante gastou, desde o dia do acidente até à sua recuperação a quantia em dinheiro, no montante global de MOP$2,510.00.
- Factos provados constantes no pedido cível de indemnização de fls. 155/163):
- A demandante C em virtude das lesões que sofreu teve que ser transportada de ambulância para o Hospital Conde São Januário.
- A demandante, como causa directa do acidente, também sofreu lesões no peito e costelas.
- A demandante teve uma cicatriz com alguma extensão, como deformação, no corpo do demandante.
- A demandante é estudante e ficou com 5 dias de incapacidade para ir à escola.
- A demandante sofreu na altura do acidente, durante a sua recuperação um sofrimento psicológico devido ao medo causado pelo acidente.
- Durante a sua recuperação sofreu dores que lhe causaram e causam incomodo e que lhe restringiram os seu movimentos durante os 5 dias de recuperação.
- Em virtude do acidente, a demandante sofreu uma cicatriz no seu rosto.
- Essa cicatriz no rosto afecta psicologicamente o seu dia a dia, designadamente, o convívio com a pessoa das sua idade.
Mais se provou:
- 在審判聽證中,嫌犯承認意外責任並表現悔意。
- 嫌犯賠償了兩被害人醫藥費約澳門幣70,000圓,嫌犯聲稱在事發後沒有再駕駛車輛。
- 根據刑事紀錄證明,嫌犯為初犯。
- 嫌犯觸犯了卷宗第289頁所載的交通違例。
- 嫌犯現職髮型師,每月約賺取澳門幣10,000圓的收入,嫌犯與前妻育有三名現年11、13及14歲的兒子,三人均為學生,嫌犯與姐姐及三名兒子同住,其姐姐並無工作並照顧嫌犯的兒子,嫌犯每月給予姐姐澳門幣5,000至6,000圓作為家用。嫌犯具初中學歷程度。
Factos não provados:
- 載於控訴書、民事賠償請求及答辯狀其餘與已證事實不符之重要之事實,具體如下:
- 事發時,嫌犯不具備安全駕駛之條件。
Foram interpostos dois recursos, um pela Demandante A, não se concordando com a decisão que não condenou o responsável Fundo a indemnizar pelos danos resultantes da perda de capacidade permanente de 22% e com a decisão da data de contagem de juros de mora que foi a data do Trânsito da sentença; outro pelo Fundo de Garantia de Automóvel de Marítimo (FGAM), entendendo que, por um lado não lhe é legítimo a ser demandado por ter responsabilidade apenas subsidiária, por outro lado, a título de fundamento subsidiário, não concordando com o valor da indemnização arbitrada.
Trata-se a questão no recurso do Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo da questão acerca da sua legitimidade, cuja eventual procedência prejudicaria a apreciação de todas as restantes, pois, nos termos do artº 394º do Código de Processo Civil, entre outras causas, quando seja manifesta a falta de a sua ilegitimidade, a petição é liminarmente indeferida.
1. Legitimidade do FGAM
Como resulta claramente dos autos, notificado os pedidos de indemnização cível deduzidos pelas demandantes A e C, o Fundo contestou apenas com o fundamento de não seria responsável pelos danos não patrimoniais, assumindo a “obrigação de satisfazer as indemnizações por lesões corporais consequentes do acidente originado pelo veículo que não beneficiava de qualquer seguro válido e eficaz” (articulados 1º e 2º da contestação).
Nunca tinha invocado a questão da sua ilegitimidade na responsabilização pelos danos causados pelo veículo não segurado, não pode agora, confronta com o princípio da concentração processual, vir a invocar esta nova questão.
Mesmo assim não se entendesse, seria também improcedente este fundamento.
Regulando a matéria respeitante à “natureza e fins do FGAM, estatui o artigo 23º do D.L. nº 57/94/M, que:
“1. O Fundo de Garantia Automóvel, adiante designado abreviadamente por FGA, é uma pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, instituída no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
2. Ao FGA compete satisfazer as indemnizações por morte ou lesões corporais consequentes de acidentes originados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório, quando:
a) O responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz;
b) For declarada a falência da seguradora.
3. Em todos os actos e contratos relativos aos seus direitos e obrigações, o FGA está sujeito à jurisdição do direito privado.
4. O limite, por acidente, das indemnizações a satisfazer pelo FGA é determinado pelas quantias fixadas na tabela constante do Anexo I ao presente diploma.”
No nº 2 al. a) dispõem dois casos em que intervém o FGAM a indemnizar por morte ou lesões corporais consequentes de acidente originados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório, um é quando o responsável for desconhecido e segundo quando o veículo não beneficiar de seguro válido ou eficaz.
Funcionando o regime de seguros obrigatórios, mesmo que esteja conhecido o responsável, o Fundo ainda será responsável pela morte ou lesões corporais resultantes do acidente originados por veículos que não tinha seguros válidos ou eficazes, enquanto estiverem sujeitos ao seguro obrigatório.
Dispõe claramente no artigo 1º do citado D.L. nº 57/94/M que, “Os veículos com motor e seus reboques só podem transitar na via pública desde que seja efectuado, em seguradora autorizada, seguro de responsabilidade civil pelos danos que a sua utilização venha a causar a terceiros”, e relativamente aos “sujeitos da obrigação de segurar”, preceitua o artigo 2º que:
“1. A obrigação de segurar impende sobre o proprietário do veículo, exceptuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade, regime de locação financeira e de direitos de uso estipulados em contratos de alienação de veículos, em que a obrigação recai respectivamente sobre o usufrutuário, adquirente com reserva de propriedade, locatário ou usuário do veículo.
2. Se outra pessoa tiver segurado o veículo, a obrigação estabelecida no número anterior fica suprida pelo prazo em que esse seguro produza efeitos.
3. Estão ainda obrigados os garagistas, bem como quaisquer pessoas ou entidades que habitualmente exercem a actividade de compra e ou venda, de reparação, de desempanagem ou de controlo do bom funcionamento de veículos, a segurar a responsabilidade civil em que incorrem quando utilizem os referidos veículos no âmbito da sua actividade”.
A lei releva o interesse do lesado como predominante, nomeadamente no caso em que tiver o responsável civil, o Fundo ficará na mesma a responsabilizar pela morte ou lesões corporais, e como direito de regresso, cabe o Fundo a pedir contra o responsável, nos termos do artigo 25º.
Reza o artigo 25º do D.L. nº 57/94/M, que:
“1. Satisfeita a indemnização, o FGA fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito aos juros de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação e cobrança.
2. No caso de falência da seguradora, o FGA fica sub-rogado apenas contra aquela.
3. O lesado pode demandar directamente o FGA, o qual tem a faculdade de fazer intervir no processo o obrigado ao seguro e os co-responsáveis.
4. As pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro podem ser demandadas pelo FGA, nos termos do n.º 1, beneficiando do direito de regresso contra outros responsáveis pelo acidente, se os houver, relativamente às quantias que tiverem pago”
Com efeito, conforme o disposto no artigo 2º, sobre quem recai a obrigação de efectuar o respectivo seguro de responsabilidade civil do veículo, podeser demandada pelo FGAM, pois, são demandadas, como se vê do artº 25º, nº 4, após o assumir a responsabilidade pelo FGAM, “as pessoas que estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro”.
Neste sentido, julgou este Tribunal de Segunda Instancia no acórdão de 13 de Setembro de 2007 no processo nº 419/2007.
Pelo que se afigura ser legítimo o Fundo ora recorrente.
E quanto à falta de condenação do condutor pela responsabilidade solidária, também não tem razão, pois enquanto as demandantes deduziram apenas contra o FGAM, não seria possível agora o Tribunal condenar qualquer outro responsável, exactamente pela falta de legitimidade dessa pessoa.
Decidida a questão de pressuposto processual, vejamos a questão essencial.
2. Danos pela perda da capacidade permanente
Está provado dos autos que “do acidente em questão resultaram à 1ª ofendida A as contusões e lacerações no couro da parte superior direita da região temporal, de 6cm de comprimento, a fractura do temporal direito e a hematoma subdural da parte superior direita do temporal. Estima-se que a ofendida necessite de 119 dias para ficar recuperada e que após a convalescença, a 1ª ofendida poderá ficar com o síndroma das lesões cerebrais. As referida lesões provocaram-lhe a ofensa grave à integridade física e da 22% da Incapacidade Permanente Parcial”.
A recorrente demandante, A, pretendeu que o tribunal condenasse o Fundo pelos danos resultante da perda da capacidade permanente parcial a título da perda de lucros cessantes, integrante dos danos patrimoniais.
E tem razão.
Com efeito, o Tribunal a quo misturou a os danos resultantes da perda de capacidade com os danos resultantes da perda do salário, considerando que por falta de provar a perda do salário, não seria fixada a indemnização pelos danos de lucros cessanes.
Digamos que o tipo do dano sofrido pela demandante é chamado dano biológico (conceito eminentemente médico-legal), que não pretende senão significar a diminuição somático-psíquico do indivíduo, sendo o dano à saúde num conceito jurídico-normativo que progressivamente se vem identificando com o dano corporal.1
A jurisprudência de STJ de Portugal tem entendido que “o lesado não tem de alegar perda de rendimentos laborais, para o tribunal lhe atribuir indemnização por ter sofrido incapacidade parcial permanente para o trabalho” e que, “apenas tem de alegar e provar que sofreu incapacidade permanente parcial, dano esse cujo valor deve ser apreciado equitativamente”.2
O apelo a critérios de equidade tem em vista a encontrar no caso concreto a solução mais justa - aquele é sempre uma forma de justiça. Como diz o Prof. Castanheira Neves a "equidade - exactamente entendida não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um momento essencial de juridicidade.3
A jurisprudência também não deixa de acompanhar este entendimento, entende-se que “quando se trata de indemnizar a perda da capacidade de ganho da vítima o que há é que procurar, através de um juízo de equidade entendia como a « justiça do caso concreto », o capital necessário cujo rendimento permita suprir, ao longo de toda a previsível vida activa, esgotando-se no termo dessa mesma vida, a perda resultante da incapacidade que lhe sobreveio”.4
Neste sentido decidiu também o Venerando Tribunal de Última instância no Acórdão de 25 de Abril de 2007 no processo nº 20/2007.
E aqui, no caso sub-judice cabe a nota de que a incapacidade do autor representa um dano corporal ou dano à saúde com extensa e séria repercussão na sua actividade:
A demandante não ficou totalmente recuperada, tendo passado a sofrer, devido às suas lesões cerebrais, sequelas que lhe prejudicam seriamente a sua vida e o quotidiano diário.
A operação e a recuperação não resolveram a incapacidade permanente que vai sofrer para o resto da sua vida.
A demandante não pode andar normalmente. ....
Há logo lugar ao danos efectivamente verificados. Assim sendo, cumpre fixar o montante de indemnização pelos danos causados nesta parte.
A indemnização do dano futuro decorrente de incapacidade permanente deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinguirá no final do período provável da sua vida.
Só assim se logra, na verdade, “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” - artigo 556º do Código Civil.
É no cálculo de semelhante capital que a equidade intervém necessariamente, na medida em que há que assentar no tempo provável de vida da vítima, na diferença que, em cada época futura, existirá entre o rendimento auferido e o que auferiria se não tivesse sido a lesão e, por fim, na evolução da unidade monetária em que a indemnização se irá exprimir.5
Face ao exposto, para alcançarmos o justo valor indemnizatório e antes da intervenção do juízo corrector da equidade, há que atentar na factualidade apurada, como determina, aliás, a parte final do nº 6 do artigo 560º do Código Civil.
Julga-se como justo um montante de MOP$250.000,00.
3. A indemnização pelos danos não patrimoniais
No seu recurso, o recorrente Fundo, não concordou com a fixação do montante da indemnização pelos danos não patrimoniais, respectivamente, de MOP$301.000,00 para a demandante A e MOP$60.000,00 para a demandante C.
Sabemos que o artigo 489º, nº 1, do Código Civil limita a reparabilidade dos danos não patrimoniais àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, devendo o montante da indemnização ser fixado equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 487º, nomeadamente o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Como temos subscrito, a indemnização por danos morais visa proporcionar ao lesado alegrias ou satisfações que de algum modo façam esquecer as dores, desgostos, angústias e sofrimentos. E o montante da reparação há-de ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.6
O Código Civil não enumera os casos de danos não patrimoniais que justificam um a indemnização, dizendo apenas que devem merecer, pela sua gravidade, a tutela do direito. Cabe, assim, ao Tribunal em cada caso concreto dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica.7
Quer dizer, os danos não patrimoniais ou morais devem ser indemnizados sempre segundo padrões de dignidade humana e não segundo critérios miserabilistas, que devem ser erradicados das sociedades civilizadas.
A equidade passa então a exercer-se, na prática, a partir daqueles diferentes pontos de vista. Trata-se, afinal de encontrar um mero expediente compensatório, porque a vida não tem sucedâneo, nem jamais será possível fixar-lhe um preço.8
Indemnização a critério da equidade não quer dizer indemnização arbitrária: a indemnização deve ser fixada segundo critérios de equidade, atendendo às circunstâncias referidas no art. 489º do CC, o que significa que o juiz deve procurar um justo grau de "compensação".
Nesta conformidade e a fixação neste contexto a critério equitativo pelo Tribunal de 1ª instância, deixa por tanto pouco espaço para a intervenção do Tribunal de recurso cuja intervenção só se reserva para o caso da manifesta desproporcionalidade e manifesta inadequação.
E mesmo considerando o reparo na condenação na indemnização pelos danos no futuro por perda de capacidade permanente parcial, os montantes fixados a favor às respectivas demandantes, de MOP$301.000,00 e MOP$60.000,00, tendo em conta o sofrimento do autor e todas as demais circunstâncias apuradas nos autos, afigura-se adequado e nada há que censurar.
Improcede o recurso nesta parte.
4. Data em que vence os juros de mora
A recorrente demandante A entendeu que a data de juros de mora deveria contar a partir da data de sentença do Tribunal de 1ª Instância, momento em que as dívidas ficaram líquidas.
Não tem razão a recorrente.
Como temos decidido, a indemnização ou compensação atribuída só poderá ser considerada líquida com o respectivo trânsito em julgado, pois, o termo inicial para cálculo de juros legais da soma indemnizatória acima encontrada como correspectiva dos seus créditos sobre o réu, tem que ser, por força máxime do n.º 4 do art.º 794º do Código Civil de Macau, o dia em que a presente decisão venha a transitar em julgado.
Pelo que nesta parte não merece qualquer reparo a decisão que fixou a data do vencimento de juros de mora, o “trânsito em julgado da sentença”.
Ponderado resta decidir.
Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em:
- Negar provimento ao recurso interposto pelo Fundo de Garantia Automóvel de Marítimo;
- Conceder provimento parcial ao recurso interposto pela demandante, A, e, em consequência, condenar o Fundo a pagar à demandante A o montante de MOP$250.000,00, a título de perda de capacidade permanente.
- Mantém-se a restante decisão.
Custas, do recurso da demandante A pelos demandante e demandado na proporção do seu decaimento e do recurso do demandado FGAM pelo recorrente.
Macau, RAE, aos 29 de Julho de 2010
Choi Mou Pan
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng (com o entendimento de que todo o montante já arbitrado pela 1.ª Instância e não modificado neste T.S.I. deve vencer juros legais a partir da data da decisão recorrida que o fixou ou liquidou pela 1.ª vez, e que o montante alterado ou fixado pela 1.ª vez neste T.S.I. já deve vencer juros desde hoje, por estar em causa obrigações pecuniárias devidas por prática de acto ilícito – art.º 794.º, n.º 2, al. b), e n.º 4, parte inicial, do Cód. Civil de Macau).
1 Vide João António Álvaro Dias, Dano Corporal, Almedina, Setembro 2001, pág. 99.
2 Vide, entre outros o acórdão de 3 de Fevereiro de 2004 do processo nº 03A4191.
3 Vide Dario de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3ª ed., pág. 505 e seg.s
4 Vide entre outros, o acórdão do STJ de Portugal de 27 de Abril de 2005 do processo nº 04B2431.
5 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 25/6/2002, CJSTJ, ano X, II-132.
6 In Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª ed., p. 627, nota 4.
7 Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4ª Edição, 1987, p. 499.
8 Cfr. o Acórdão do S.T.J. de 27.05.99 – P. 99B345.
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TSI -598/2009 Página 1