Processo n.º 574/2009
(Recurso civil e laboral – questão prévia)
Data: 2/Dezembro/2010
Recorrente: A
Recorrido: B
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
1. B,
intentou
ACÇÃO DECLARATIVA COM PROCESSO ORDINÁRIO,
contra:
C,
e
A,
Todos melhor identificados nos autos,
Pedindo que fosse a acção julgada procedente e provada e, em consequência:
(1) Declarado que o Autor ocupou a posição contratual de promitente comprador da fracção autónoma designada por “A31”, do 31º andar “A”, para habitação, do prédio urbano sito na Praça de Lobo de Ávila, com os nºs. 16 e 18, melhor descrito no artigo 40 do presente articulado, com referência ao contrato-promessa de compra e venda de 15 de Junho de 1995,
(2) Declarado que a 1ª Ré incumpriu, por sua exclusiva culpa, os citados contrato-promessa de compra e venda de 15 de Junho de 1995, contrato tripartido de 8 de Setembro de 1995 e contrato de transmissão da posição contratual de 13 de Junho de 2000, tornando definitivamente impossível o seu cumprimento;
(3) Declarado que a 1ª Ré recebeu a quantia global de MOP$8.049.600,00, equivalente a HK$7.800.000,OO, a título de sinal, no que concerne ao referido contrato-promessa;
(4) A 1ª Ré seja condenada a pagar ao Autor o dobro daquela quantia já prestada, no montante de MOP$16.099.200,00, equivalente a HKD15.600.000,00; ou, subsidiariamente, seja a 1ª Ré condenada a restituir ao Autor o preço recebido, no montante de MOP$8.049.600,00, equivalente a HK$7.800.000,00, acrescido de juros à taxa legal calculados desde 8 de Setembro de 1995 até integral pagamento;
(5) Em todo o caso, seja ainda declarado que o Autor goza, nos termos da lei, do direito de retenção sobre a referida fracção autónoma designada por “A31”.
2. A final, veio a ser proferida a seguinte decisão:
“Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga procedente a acção por provada e, em consequência, decide:
1) - Declarar que o Autor B ocupou a posição contratual de promitente-comprador da fracção autónoma designada por “A31”, do 31º andar “A”, para habitação, do prédio urbano sito na Praça de Lobo de Ávila, com os nºs. 16 e 18, com base no contrato-promessa de compra e venda, de 15 de Junho de 1995, inicialmente celebrado pelo D.
*
2) - Declarar que a 1ª Ré C incumpriu, por sua exclusiva culpa, os citados contrato-promessa de compra e venda de 15 de Junho de 1995, contrato tripartido de 8 de Setembro de 1995 e contrato de transmissão da posição contratual de 13 de Junho de 2000, tornando definitivamente impossível o seu cumprimento.
*
3) – Condenar a 1ª Ré C a pagar ao Autor B a quantia no valor de MOP$16,099,200.00, a título de restituição do sinal em dobro.
*
4) – Reconhecer que o Autor B goza de direito de retenção, perante a 1ª Ré, sobre a fracção autónoma 31º-A do prédio identificado nos autos.”
3. Essa decisão foi proferida em sede de sentença prolatada pelo Mmo Juiz Presidente do Colectivo, Exmo Senhor Dr. Fong Man Chong, em cumprimento da deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais, datada de 5/12/08, ao abrigo do disposto no artigo 14º (acumulação de funções da Lei da Bases de Organização Judiciária da RAEM, aprovada pela lei n.º 9/1999, de 20 de Dezembro.
4. Em sede de discussão prévia do recurso interposto por A, no seio deste Tribunal de Segunda Instância, foi suscitada oficiosamente a questão da competência do juiz para proferir a decisão ora recorrida, sendo questionada a legalidade da supra referida deliberação.
5. Cumpre apreciar dessa questão.
Foi ela já objecto de apreciação pelo V.º TUI, no ac. 40/2010, de 15/Set., ex professo, em sede de recurso contencioso interposto de tal deliberação, no processo de recurso contencioso n.º 310/2009 deste Tribunal, com decisão sufragando a legalidade de tal deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais.
6. A questão fundamental que se poderia colocar é a de tal deliberação atentar contra o princípio do juiz natural, permitindo-se, a qualquer pretexto um desaforamento dos processos que por regras pré-definidas e mediante uma regra aleatória são distribuídos entre os diversos juízes.
Este princípio enforma o nosso sistema judiciário e constitui uma das garantias de independência judicial, traduzido no facto de os processos serem distribuídos por sorteio, não havendo assim quaisquer pressões para que determinado processo seja decidido por um juiz pré determinadao deacordo com diferentes interesses ou conveniências.
É certo que esse princípio não é uma panaceia absoluta de garantia de independência, conhecendo-se, como se conhecem, sistemas, não menos avançados em que não existe um sorteio na distribuição, mas sim uma designação por uma entidade independente que incumbe um processo a determinado juiz de acordo, seja com a sua preparação, seja por razões de equilíbrio de trabalho, seja por razões superiores de Serviço.
De qualquer forma esse não é esse o nosso Sistema e não interessará tergiversar.
7. O que importa é, no fundo, averiguar se neste caso, o Conselho retirou este processo em concreto, visando este caso especificamente, se escolheu este em função das partes, do assunto, da questão debatida, para o retirar de um juiz e o entregar a outro para decidir.
Ora, analisando o procedimento adoptado, conclui-se que o Conselho não se moveu por tais critérios, antes por superiores razões de Serviço e de redistribuição para fazer face a uma acumulação de feitos negativos para a Justiça da RAEM.
Isso mesmo se alcança da consulta do referido processo de recurso contencioso e, por isso mesmo, nalguns casos, aguardámos por esse processo, no fundo, para ver o que se tinha passado.
E, analisando-o, chegamos à conclusão de que o Conselho não pretendeu retirar este processo em concreto, ou qualquer outro, por razões que não deixam ainda de constituir um processo aleatório, não visando pessoas, matérias, interesses concretos pré determinados discutidos nesses casos.
8. Somos assim a acatar o decidido pelo V.º TUI, sintetizando aqui as razões ali aduzidas:
- O Conselho constatou que um dos presidentes do tribunal colectivo tinha largas dezenas de processos para elaborar sentença , nalguns casos há 3 anos;
- Na sequência de diligências encetadas a Senhora Juiz Presidente em causa remeteu uma lista com 77 processos (para além dos 138 cíveis laborais relativos a uma operador de jogo e em que se colocavam questões idênticas, dizendo que os decidiria num mês) informando que estavam preparados para sentença e que já tinha um rascunho em relação a 28 desses processos
- Seguidamente o CMJ determinou que daqueles 77 processos, todos os que não tinham rascunho de sentença, ou seja, 49 (onde se inclui o presente), transitassem para o outro juiz presidente com competência na área cível;
- Tal entendimento parece sensato e só por extrema coincidência tais processos seriam escolhidos por outras razões que não os da resolução de um problema de acumulação processual, nada indiciando que neste caso, como em qualquer outro, outras razões imperassem;
- O Conselho dos Magistrados Judiciais não fez qualquer escolha concreta de processos; limitou-se a servir-se de uma lista fornecida pela Mma Juiz, não deixando de se compreenderem as razões do trabalho investido nesses processos:
9. Nem se diga que assim foi pior, porquanto a escolha foi entregue a um juiz, que dessa forma se podia livrar do que não conviesse, na medida em que ao enviar essa lista a Senhora Juiz não sabe qual a deliberação que vai ser tomada; isto é, não se pode dizer que a escolha foi feita pelo juiz porque este não sabe qual a forma de distribuição ou sequer se ela vai ser feita; o Conselho também não decide em função de processos concretos, mas sim de uma lista, independentente dos casos abrangidos.
Em resumo, analisando o procedimento adoptado, o Conselho não deixou de respeitar a álea inerente à distribuição processual.
Decisão
Face ao exposto, somos assim a considerar competente o Juiz Presidente de Colectivo que elaborou a sentença ora recorrida, por não padecer de ilegalidade a deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais que lhe deferiu a competência para o efeito.
Macau, 2 de Dezembro de 2010
João A. G. Gil de Oliveira
Jose Maria Dais Azedo
Vencido nos termos de declaração de voto que se junte
Lai Kin Hong (Relator)
Processo nº 574/2009
Declaração de voto de vencido
Vencido por razões que se expuseram no Acórdão em 16SET2010 no processo nº 499/2009, onde, num processo diferente embora, foi suscitada a idêntica questão de incompetência do Mmº Juiz autor da sentença recorrida.
Como não vejo razão para alterar a posição, por mim assumida enquanto relator, quanto a esta questão naquele supracitado Acórdão, dou aqui por integralmente reproduzidas as razões ali expostas e com essas entende ser de declarar oficiosamente incompetente o Exmº Juiz Dr. Fong Man Chong, o que obsta ao conhecimento do presente recurso por este tribunal, e ordenar nos termos previstos no artº 34º/1 e 3 e no artº 619º/1-f) do CPC a baixa dos presentes autos ao Tribunal Judicial de Base para que ali seja proferida sentença pela Exmª Juiz Dra. Chao Im Peng, originariamente competente, ou por outro juiz que a substitui legalmente.
RAEM, 02DEZ2010
O juiz
Lai Kin Hong
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