Processo n.º 572/2010
(Recurso Penal)
Data: 16/Dezembro/2010
Assuntos :
- Suspensão de execução da pena por crime de consumo de estupefacientes
Sumário :
Se estamos perante uma situação de aparente desenraízamento social - atente-se já na idade madura do arguido, de 34 anos ,com fraco índice de escolaridade -, na desconsideração pelas consequências e mal do crime - não obstante tratar-se de um detalhe, porventura por um mero acaso, tendo o arguido sido apanhado com a referida droga perto de uma escola -, na manifestação em não interiorizar o mal do crime, o que se indicia a partir das condenações anteriores sem eficácia na sua ressocialização, no não aproveitamento da oportunidade que lhe foi dada anteriormente em se tratar - o que foi condição de suspensão de uma pena anterior, não é de suspender a pena de um mês de prisão por consumo de estupefacientes.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 572/2010
(Recurso Penal)
Data: 16/Dezembro/2010
Recorrente: A (XXX)
Objecto do Recurso: Sentença condenatória da 1ª Instância
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, melhor identificado nos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Judicial de Base, de 6 de Abril de 2010, que concluiu pela condenação do ora Recorrente ao cumprimento da pena de um (1) mês de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. art. 14° da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, vem recorrer, alegando em síntese conclusiva:
O recorrente achou que o tribunal a quo não levou em plena consideração a situação actual dele, determinando uma pena demasiadamente elevada. Por isso, a decisão do tribunal colectivo violou os artigos 48.°, n.º 1 e 64.° ambos do Código Penal de Macau.
Nestes termos deverá, em sua opinião, ser dado provimento ao recurso em apreço e, por via dele, ser revogado o acórdão recorrido, e em consequência, suspender-se a execução da pena aplicada.
A Digna Magistrada do MP contra-alega, em suma:
Facto é que a suspensão ou não da pena de prisão aplicada ao arguido foi já ponderada e analisada pelo Tribunal atendendo ao disposto, designadamente, nos artigos 48.°, 40.°, 65.° e 44.°, todos do Código Penal.
Nestes termos, entendemos que a douta Sentença não violou o disposto nos artigos 48.°, n.º 1 e 64.°, ambos do Código Penal.
Nestes termos entende que se deve julgar o recurso improcedente.
O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
Acompanhamos as criteriosas explanações da nossa Exmª Colega.
O arguido pretende a suspensão da execução da pena, considerando violado, também, o comando do art. 64° do C. Penal.
Vejamos.
O mencionado art. 64° estabelece o critério geral orientador da escolha das penas.
E a opção pela sanção não privativa da liberdade pressupõe que, no caso concreto, a mesma se mostre suficiente para se alcançarem os fins visados com as reacções criminais.
Ora, isso não acontece, efectivamente, na hipótese vertente.
E há que atentar, em especial, em razões de prevenção especial.
Antolham-se, na verdade, relevantes razões de socialização, para além de advertência.
E há que ter em conta, antes do mais, o passado criminal do recorrente.
Isso mesmo se evidencia, proficientemente, na resposta do MºPº.
No que tange à suspensão da pena de prisão, atento o seu" quantum", há que atentar no comando do citado art. 44º.
Estão em causa, assim, essencialmente - se não, até, exclusivamente - razões de prevenção especial de socialização.
O que equivale a afirmar, também, que são aplicáveis as considerações aduzidas no âmbito do referido art. 64º.
Não pode deixar de ter-se como grave, de facto, por parte do arguido, a sua" desatenção ao aviso de conformação jurídica da vida" ínsito nas condenações anteriores (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, pg. 253).
Deve, pelo exposto, o recurso ser julgado improcedente.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Com pertinência, respiga-se da sentença recorrida o seguinte:
“Factos provados :
1°
No dia 06/04/2010, cerca das 00:25, por ordem superior, os guardas da P.S.P. deslocaram ao Istmo de Ferreira do Amaral, perto da Escola "Choi Nong Chi Tai" para proceder uma invertigação. Tendo os mesmos interceptaram o arguido A, pedindo-lhe a exibir o seu B.I.R.M ..
2°
O arguido foi revistado pelos guardas da P.S.P., encontrando no seu corpo os seguintes objectos: uma garrafa plástica da cor de laranjada da marca "QOO" (contendo no seu interior um liquido de cor amarelada, presumindo ter sido misturado com xarope para tose), com peso líquido de 175.5 gramas.
3°
Após os guardas da P.S.P., com autorização do arguido, deslocaram-se à residência do mesmo, sita Estrada Marginal da Ilha Verde, Edf. "XXX", 1° andar "B", Macau, a fim de proceder a investigação, com resultado negativo.
4°
Submetidos ao teste rápido realizado no âmbito da PJ, veio apurar-se que tal xarope se identifica como substâncias codeína e efedrina, abrangida pela Tabela III e V à Lei n.° 17/2009, de 10 de Agosto.
5°
O arguido adquiriu o xarope acima referenciado numa farmácia do Centro Comercial de GongBei da R.P.C.
6°
O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que o xarope continham as substâncias codeína e efedrina e que a sua conduta era proibida e punida por lei.
7º
O arguido não é primário e confessou integralmente e sem reserva os factos.
O arguido é desempregado e frequentou na 2ª classe do ensino secundário.
Factos não provados :
Nada a assinalar.
(...)”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa por saber se é adequado suspender a execução da pena de 1 mês de prisão aplicada ao arguido.
O que se traduz em apreciar, neste caso, a simples censura de facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ou que vale por indagar se se verifica o pressuposto material exigido pelo art. 48°, n.° 1, do C. Penal que prevê:
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão.”
2. Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável, ou seja, a esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e de que não cometerá no futuro nenhum crime1.
Se a ausência de antecedentes criminais por si só não é condição necessária e suficiente para justificar uma suspensão de pena, como já tem sido afirmado pelos nossos Tribunais, não é menos certo que as condenações anteriores ou situações de reincidência não obstam decisivamente à possibilidade de se suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos, se se tiver como justificado formular a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.2
É verdade que o tribunal deve correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente uma certeza. E se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa.3
Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico ressocializador, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores socialmente mais relevantes.
A ameaça da prisão, especialmente em indivíduos sem antecedentes criminais, mas também em indivíduos que nunca tiveram uma experiência prisional e se mostram socialmente integrados - pese embora algumas experiências criminógenas não consistentes - contém, por si mesma, virtualidades para assegurar a realização das finalidades da punição, nomeadamente a finalidade de prevenção especial e a socialização, sem sujeição ao regime, sempre estigmatizante e muitas vezes de êxito problemático, da prisão.
A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão.
Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.
A suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos formais e materiais.
Por outro lado, há que constatar que são os tribunais que lidam directamente com a arguido, que estão na normalidade dos casos em melhores condições para avaliar a personalidade do arguido e ajuizar da verificação ou não dos pressupostos da suspensão da execução da pena.
3. Projectando agora estes considerandos no caso concreto, dir-se-á que o Mmº Juiz a quo não pôde deixar de ponderar os aspectos concernentes à reinserção social do arguido e fê-lo, efectivamente, ao avaliar, nomeadamente, a sua situação de desempregado, no seu aparente desenraízamento social - atente-se já na sua idade madura de 34 anos com fraco índice de escolaridade -, na desconsideração pelas consequências e mal do crime - não obstante tratar-se de um detalhe, porventura por um mero acaso, note-se até que o arguido foi apanhado com a referida droga perto de uma escola -, na manifestação em não interiorizar o mal do crime, o que se indicia a partir das condenações anteriores sem eficácia na sua ressocialização, no não aproveitamento da oportunidade que lhe foi dada anteriormente de se tratar - o que foi condição de suspensão de uma pena anterior.
Reconhece-se que o arguido sofreu distintas condenações em outros tantos processos e que não lhe serviram de exemplo, visto o crescendo da gravidade das condenações: pena de multa, prisão suspensa com a condição de se sujeitar a tratamento, prisão efectiva - em 23 de Novembro de 2007, no processo comum singular n.º CR3-06-0541-PCS, pela prática também de crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, na pena de multa de MÜP$4,000.00, multa esta que foi paga;
E logo após a condenação antecedente, o arguido foi julgado e condenado por igual crime, em 22 de Fevereiro de 2008 no processo sumário n.º CRI-0S-0042-PSM, na pena de 1 mês de prisão, suspensa a sua execução por um ano, com a condição de sesujeitar ao tratamento de desintoxicação sob controle do Instituto de Acção Social:
Pena esta, cuja suspensão foi revogada, em 23/11/2009 -
Não se vê que outra medida possa ser aplicada ao arguido. Não pelo castigo em si, mas sim pela ultima ratio que uma pena detentiva ainda pode ter e que vai no sentido de o arguido poder realizar um trabalho de introspecção e se afastar de vez da senda da toxicodependência.
4. Entende-se assim que o recurso se mostra manifestamente improcedente, devendo, consequentemente, ser rejeitado nos termos dos artigos 407º, n.º 3 - c), 409º, n.º 2 - a) e 410º, do C. P. Penal.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em rejeitar o recurso por manifestamente improcedente.
Custas pelo recorrente, fixando em 3UCs a taxa de justiça, devendo pagar ainda o montante de 3 UCs, a título de sanção, ao abrigo do disposto no artigo 410º, n.º 4 do CPP.
Fixam-se os honorários da Exma Defensora em MOP 1.000,00, a adiantar pelo GABPTUI.
Macau, 16 de Dezembro de 2010,
João A. G. Gil de Oliveira
Tam Hio Wa
Lai Kin Hong
1 - JESCHECK, citado a fls. 137 do Código Penal de Macau de Leal-Henriques/Simas Santos
2 - Acs do STJ de 12/12/2002 e 17/2/2000, procs.4196/02- 5ª e proc. 1162/99-5ª
3 - Leal Henriques e Simas , Santos, ob. cit., 137
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572/2010 12/12