打印全文
Processo nº 678/2010
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora presa no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida a violação do disposto no artº 56º do C.P.M., e pugnando assim pela sua revogação; (cfr., fls. 110 a 117 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

*

   Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, pronunciando-se no sentido de se dever manter a decisão recorrida; (cfr., fls. 121 a 122).

*

Nesta Instância, e em douto Parecer, considera também o Exm° Representante do Ministério Público que se deve julgar improcedente o recurso; (cfr. fls. 128).

*

Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

*

Passa-se a decidir.


Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por acórdão do T.J.B. de 25.05.2006, foi A, ora recorrente, condenada pela prática em concurso real de 1 crime de “uso de documento falso” e outro de “burla qualificada”, na pena única de 7 anos e 9 meses de prisão;
– a ora recorrente deu entrada no E.P.C. em 19.05.2005, como preventivamente presa;
– em 17.07.2010, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a dita pena em 17.02.2013;
– em 13.05.2002, e no Proc. n° PC-005-02-04, foi também condenada pela prática de 1 crime de “burla”, na pena de 1 ano e 11 meses de prisão;
– em caso de vir a ser libertada irá regressar ao Continente tencionando ajudar o seu marido na exploração de uma mercearia.

Do direito

3. Insurge-se a ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Cremos que o recurso não merece provimento.

Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
   “1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
   
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.

3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).

“In casu”, atenta a pena única que à recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente presa desde 19.05.2005, expiada está já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.

Na verdade, e na esteira do decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 31.01.2002, Proc. nº 6/2002, de 18.04.2002, Proc. nº 53/2002, e, mais recentemente, os de 25.01.2007, Proc. nº 11/2007, de 08.02.2007, Proc. nº 17/2007, e o de 15.02.2007, Proc. nº 10/2007).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido negativo terá de ser a resposta.

Com efeito, ponderando no teor do C.R.C. da ora recorrente, viável não nos parece um juízo de prognose favorável sobre a sua futura conduta, mostrando-se-nos pois que verificado não está o pressuposto da alínea a) do atrás transcrito art. 56° do C.P.M..

Por sua vez, e ainda que assim não fosse, (o que não cremos), tendo presente os tipos de crime cometidos, nomeadamente o de “burla qualificada”, afigura-se-nos também que se impõe ter em conta a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “ Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).

Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56° do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao presente recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Macau, aos 9 de Setembro de 2010
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
João A. G. Gil de Oliveira
Proc. 678/2010 Pág. 8

Proc. 678/2010 Pág. 1