Processo n.º 400/2010 Data do acórdão: 2010-12-02
Assuntos:
– livre apreciação da prova
– art.o 114.o do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
Como não há nenhuma norma legal a fixar previamente, e de modo obrigatório, a força probatória dos elementos probatórios então concretamente carreados aos autos e referidos na fundamentação fáctica da sentença recorrida, a valoração dos mesmos, pelo tribunal a quo, é naturalmente livre nos termos do art.o 114.o do Código de Processo Penal, desde que o faça de maneira compatível com as regras da experiência da vida humana e as legis artis.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 400/2010
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A (A)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.° CR4-08-0311-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física por negligência e de um crime de fuga à responsabilidade, na pena única, achada em cúmulo jurídico, de um ano e dois meses de prisão, e na inibição de condução pelo período de um ano, com suspensão, entretanto, da execução da pena de prisão pelo período de dois anos, sujeita ao regime de prova e condicionada ao pagamento, a ser feito no prazo de um mês contado da data do trânsito em julgado da decisão, de MOP3.463,00 de indemnização a favor do ofendido, com juros legais contados desde a data do acidente de viação ocorrido em 16 de Novembro de 2006 até integral e efectivo pagamento (cfr. o teor original dessa sentença, a fls. 196 a 203 dos presentes autos correspondentes, que se dá por aqui integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), veio o arguido A, já aí melhor identificado, recorrer para esta Segunda Instância para rogar a sua absolvição, tendo, para o efeito, imputado à decisão recorrida, na sua motivação ora a fls. 220 a 225 dos autos, o vício de erro notório na apreciação da prova, com conexa arguição da violação do art.o 134.o, n.o 1, do Código de Processo Penal (CPP), bem como a violação do princípio in dubio pro reo.
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido no sentido de manutenção da decisão recorrida (cfr. a resposta ao recurso, a fls. 229 a 235v dos autos).
Subidos os autos, emitiu a fls. 303 a 304 o Digno Procurador-Adjunto parecer, pugnando pela rejeição do recurso dada a entendida manifesta improcedência do mesmo.
Feito subsequentemente o exame preliminar e corridos depois os vistos legais, procedeu-se à audiência em julgamento.
Cumpre, pois, decidir do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Como questão primordial do seu recurso, o arguido critica que o Tribunal a quo não deveria não ter considerado o depoimento prestado em seu abono pelo seu colega de trabalho na audiência, nem deveria ter interpretado indevidamente o conteúdo da declaração escrita da sua entidade patronal, nem tão-pouco deveria ter confiado mais no depoimento da senhora testemunha B, a qual se mostrou contraditória consigo mesma nas declarações prestadas ao longo do processo. E com base nessas considerações, entende ele que como as restantes testemunhas disseram na audiência que não tinham conseguido ver a cara do agente dos dois crimes em causa, o Tribunal recorrido errou notoriamente na apreciação da prova e violou o princípio in dubio pro reo.
Mas, para este Tribunal ad quem, não assiste razão ao recorrente, porquanto como em relação aos ditos três elementos probatórios (i.e., o depoimento do colega de trabalho do arguido, a declaração escrita da entidade patronal do arguido e o depoimento da senhora testemunha), não há nenhuma norma legal a fixar previamente, e de modo obrigatório, a respectiva força probatória, a valoração dos mesmos, pelo julgador, é naturalmente livre nos termos do art.o 114.o do CPP, desde que o faça de maneira compatível com as regras da experiência da vida humana e as legis artis.
In casu, como a M.ma Juíza a quo já explicou detalhadamente, sobretudo desde o último parágrafo da página 7 até à 9.a linha da página 8 do texto da sentença recorrida (a fls. 199 a 199v), as razões subjacentes à formação da sua convicção sobre a matéria de facto pertinente, e não sendo o respectivo resultado de julgamento de factos, a que chegou a mesma Ilustre Juíza depois de examinados de modo crítico e global todos os elementos probatórios carreados aos autos, inaceitável para qualquer homem médio colocado na situação concreta da entidade julgadora do caso, ou incompatível com as regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou violador das legis artis vigentes na tarefa jurisdicional de julgamento de factos, é de respeitar o juízo de valor formado pela mesma M.ma Juíza, no sentido de ser o recorrente o autor dos dois crimes em questão, pelo que a sentença impugnada não tem o esgrimido vício de erro notório na apreciação da prova, nem violou o princípio in dubio pro reo.
Por fim, não pode o recorrente arguir a violação, pela entidade policial investigadora, do n.o 1 do art.o 134.o do CPP no respeitante à diligência de reconhecimento de pessoas, porque este preceito já foi observado no auto de declarações de 9 de Janeiro de 2008 (a fl. 116), sendo, pois, válida, por respeitadora até do n.o 2 do art.o 134.o do CPP, a diligência de reconhecimento feita nesse dia e documentada no auto de fl. 118, segundo o qual a senhora B conseguiu reconhecer o ora recorrente como condutor do ciclomotor causador do acidente de viação dos autos que fugiu do local do acidente.
É, assim, de julgar improcedente o recurso no seu todo, por improcedentes todas as três questões concretamente levantadas pelo recorrente como objecto limitado do seu recurso (veja-se o art.o 393.o, n.o 1, do CPP), por um lado, e, por outro, por inexistência de outras questões de que cumpra a este Tribunal de recurso conhecer oficiosamente.
III – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com seis UC de taxa de justiça, e com mil e duzentas patacas de honorários devidos ao trabalho da sua Ilustre Defensora Oficiosa na presente lide recursória, honorários esses a serem adiantados pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 2 de Dezembro de 2010.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)
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