Processo n.º 959/2010
(Revisão de decisão proferida no Exterior)
Data : 27/Janeiro/2011
ASSUNTOS:
- Arresto; indiciação do crédito do requerente; enriquecimento sem causa
SUMÁRIO:
1. O enriquecimento sem causa é uma fonte de obrigações e dá-se quando o património de certa pessoa se valoriza ou deixa de desvalorizar, à custa de outra pessoa, e sem que para isso exista uma causa justificativa.
2. E tal obrigação não deixa de ter natureza subsidiária, não havendo lugar à restituição quando a lei faculta ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído.
3. Não se deve radicar um fumo de crédito numa hipótese de enriquecimento, apenas com base numa diferença entre um deve e haver da contabilidade de uma empresa, sem ponderar outros factores como sejam os próprios do risco de actividade de uma empresa de decorações, da conjuntura, da gestão, do próprio acerto das contratações e aquisições de materiais, esquecendo o regime contratual decorrente da negociação celebrada entre as duas empresas, devendo aí radicar-se o fundamento da probabilidade do crédito que justifica a providência.
3. Se de um acordo complementar, aquando da cessação dos trabalhos da requerida, resulta terem as partes acordado que devia a requerente pagar à requerida uma dada quantia há que privilegiar esse documento, não existindo elementos que apontem para a comprovação do crédito reclamado, ou sequer do crédito declarado na douta decisão recorrida em termos de uma probabilidade razoável.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 959/2010
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 27/Janeiro/2011
Recorrente: Obras de Decoração A (Macau) Limitada
Recorrida: B工程 (澳門) 有限公司
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. B工程(澳門)有限公司, doravante designada B Design, com os demais sinais dos autos, veio requerer procedimento cautelar de arresto contra Obras de Decoração A (Macau) Limitada, também, com os demais sinais dos autos, pedindo que se decrete o arresto dos saldos bancários em nome da requerida, créditos da A sobre a Companhia de Construção de Obras Portuárias XX Limitada pelos trabalhos realizados no Hotel Grande Lisboa e dos eventuais bens móveis e imóveis registados em nome da Requerida nas respectivas Conservatórias dos Registos Comercial e de Bens móveis e do registo Predial, tudo para garantia do crédito de MOP$15.999.959,89.
Para tanto invocou que entre a requerente e requerida foi celebrado um contrato de subempreitada da construção e decoração interior do 24º e 25º andares e sala nº 5 do 23º andar do Hotel Grande Lisboa.
A requerente pagou as quantidades necessárias à obra aos fornecedores designados pela requerida e adquiriu os materiais que não afectavam a aparência. A Requerida pediu a realização de trabalhos a mais o que foi aceite pela requerente.
Os trabalhos foram iniciados em 14 de julho de 2007 e tinham que estar terminados em 20 de Novembro de 2007, não tendo sido fixado prazo para a realização dos trabalhos a mais.
Em 12 de Dezembro de 2007 data em que a requerida expulsou a Requerente da obra, esta tinha realizado 100% dos trabalhos na sala nº 5 do 23º andar, 74,22% dos trabalhos no 24º andar e 73,62% dos trabalhos no 25º andar.
O preço total dos trabalhos realizados pela requerente incluindo os trabalhos a mais é igual a MOP$27.631.919,89 dos quais a requerida pagou o valor de MOP$11.847.605,10, tendo assim a requerente a receber MOP$15.999.959,89.
A requerente incorreu em custos para a realização dos trabalhos no valor de MOP$13.056.613,40.
Considerando que o preço global da empreitada era de MOP$29.809.000,00 acrescido de MOP$5.455.479,89 e o custo orçamentado da obra de MOP$19.035.868,40 e de MOP$3.483.869,00 para os trabalhos mais, a requerente esperava obter um proveito com a obra inicial de MOP$10.773.131,60 e de MOP$1.971.610,43 com os trabalhos mais, no valor global de MOP$13.953.750,33.
A requerida tem-se recusado a pagar o preço, os seus sócios retiraram a documentação do escritório, a totalidade do preço da obra já foi paga à Requerida sem que esta tenha solvido as suas obrigações, não lhe sendo conhecido património suficiente para solver as suas obrigações.
Pelo que conclui estão demonstrados os requisitos para que seja decretado o arresto.
2. Produzida a prova veio a ser decretado o arresto, a fls. 714/723, nos seguintes termos:
“Nestes termos e pelos fundamentos expostos decreta-se o arresto até ao valor de MOP$1.306.858,68 dos seguintes bens e pela ordem indicada:
1º- Contas bancárias de que a requerida seja titular, ordenando-se que se oficie à Autoridade Monetária de Macau para o efeito dispensando-se o sigilo bancário;
2º- Dos créditos da requerida sob a Companhia de Construção de Obras Portuárias XX, Limitada pelos trabalhos realizados no Hotel Grand Lisboa;
3º- De bens móveis e imóveis que se encontrem inscritos a seu favor nas competentes Conservatórias.”
3. A Companhia de Obras de Decoração A (Macau), Lda., arrestada e requerida nos autos de arresto contra ela deduzidos por B Design, ambas melhor identificadas nos autos, tendo deduzido oposição ao arresto decretado sem audiência prévia de sua parte, perante a decisão final que manteve o arresto, vem recorrer, alegando em sede de conclusões:
Em 12 de Dezembro de 2007, face às questões ora argumentadas nos autos, foi celebrado o acordo complementar pela requerida e pela requerente, tendo ambas as partes fixado soluções concretas.
Quando houver lucro nas obras,a requerente gozará 60% e a requerida 40%.
Quando houver prejuízo nas obras, é suportado em parte igual pela requerente e pela requerida, ou seja, ambas as partes suportam a metade do prejuízo.
Por fim, as obras sofreram prejuízo, tendo a requerida, por isso, pago uma despesa extra no valor de MOP8.605.516,59.
Segundo o acordo complementar celebrado em 12 de Dezembro de 2007 por ambas as partes, deve a requerente pagar à requerida MOP4.302.758,30.
Além disso, face às questões ora argumentadas nos autos, uma vez que ambas as partes fixaram soluções concretas, existindo entre as partes um acordo de vontades.
Pelo que, de acordo com o art.º 468º do Código Civil, não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.
Isto é, deve a requerente, nos termos das cláusulas do contrato, exigir o seu direito à requerida, mas não deduziu pedido por enriquecimento.
Sendo assim, segundo a decisão feita pelo juiz de direito a quo, para além de não se ter especificado nela os fundamentos da requerida, também há má aplicação da lei.
Face ao acima exposto, requer que seja admitido o presente recurso, revogando-se a decisão proferida quanto à manutenção do arresto da quantia da requerida no valor de MOP1.306.858,68.
4. Contra-alega a requerente B DESIGN, ora recorrida, dizendo em síntese:
O documento 5 da Oposição não se refere a qualquer abandono da Obra pela B DESIGN, formalizando apenas o facto de a A se ter substituído à B DESIGN desde o dia 4 de Dezembro de 2007, nem prova que a A pagou MOP$8.605.516,95, com o que improcede o alegado nos artigos 1.°, 2.° e 8.° das alegações de recurso.
A alegação de que os trabalhos foram realizados com vícios, não afasta a aparência do direito de crédito, o qual se basta com o fumo da sua existência.
A Argumentação da A nada afecta, pois, os fundamentos com base nos quais a providência decretada.
5. Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes, que, aliás, não vêm postos em crise pela Recorrente:
1. A providência foi decretada com base nos seguintes fundamentos de facto:
«Dos elementos existentes nos autos consta que:
a) Em 1 de novembro de 2007 foi celebrado entre a Requerente e a requerida o contrato de obras de decoração que consta de folhas 57/58 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
b) A execução das obras relativamente ao contrato supra referido havia sido iniciada em Julho de 2007 – depoimento das testemunhas -.
c) Pela requerida foi pedida a realização de trabalhos a mais relativamente ao contrato referido em a) no valor de MOP$ 5.455.479,89 – cfr. fls. 117 e depoimento das testemunhas -;
d) A Requerente em 12 de Dezembro de 2007 abandonou a obra invocando que a requerida não lhe efectuava os pagamentos – depoimento das testemunhas -;
e) Até à data referida no item anterior a requerente havia realizado 100% dos trabalhos do quarto nº 5 do 23º andar, 74,22% das obras do 24º andar e 73,62% das obras do 25º andar – cf. doc. de fls. 147 a 151 -;
f) A Requerente incorreu na realização da obra em custos no valor de MOP$13.154.463,78 – cf. fls. 162 -;
g) A Requerida efectuou pagamentos à requerente por conta dos trabalhos realizados no valor de MOP$11.847.605,10 nas datas e nos valores indicados a folhas 152 que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais
h) Instada por várias vezes a proceder ao pagamento das obras a requerida não efectuou outros pagamentos para além dos indicados no item anterior – depoimento das testemunhas -;
i) A requerente não efectuou pagamentos aos demais subempreiteiros com quem contratou para a execução da obra – depoimento das testemunhas -;
j) Não são conhecidos bens à requerida para solver as dividas aos subempreiteiros para além de dinheiro depositado em conta bancária – depoimento da primeira testemunha ouvida -.»
2. Mais resulta dos autos, que entre a requerente e a requerida em 12 de Dezembro de 2007 foi celebrado o seguinte acordo:
“ACORDO
Devido ao problema da escassez do capital e dos recursos humanos ocorrido nessa Companhia na realização das obras, esta Companhia comunicou diversas vezes, por via verbal e escrita, a essa Companhia, solicitando que seja reparado o andamento das obras e, também, sejam reforçados os seus recursos humanos, contudo, não se verificou qualquer melhoramento da situação e resultou o grande atraso nas obras dos quartos de amostra n.º 5, sitos nos 24º, 25º e 23º andares do Hotel Grand Lisboa. Conferidas diversas vezes no período compreendido entre 15 de Outubro e 8 de Novembro de 2007, enfim, essa Companhia concordou em que as despesas das obras, no total de MOP$1.980.955,00, fossem pagas pela A Decoration & Engineering (Macau) Co., Ltd. aos seguintes sub-empreiteiros:
(1) Sub-empreiteiro dos artigos de madeira: MOP$287.940,00
(2) Sub-empreiteiro de tinta: MOP$132.000,00
(3) Sub-empreiteiro das placas de gesso: MOP$520.000,00
(4) Salários dos trabalhadores no período compreendido entre Novembro e 3 de Dezembro: MOP$585.900,00
(5) Sub-empreiteiro de torneiras: MOP$34.600,00
(6) Sub-empreiteiro dos artigos de ferro: MOP$80.700,00
(7) Grupos dos Sub-empreiteiros de mármores: MOP$114.288,00 + $48.160,00 + $37.375,00 + $50.632,00 (quatro grupos)
(8) Removimento, de forma vertical, de materiais para os pisos superiores do prédio: MOP55.188,00
(9) Cimentos “Portland”: MOP$34.172,00
A partir de 3 de Dezembro de 2007, os salários dos grupos de trabalhadores e dos empregados substitutos seriam pagos pela B Design & Engineer (Macau) Ltd., e, todos os salários dos grupos de trabalhadores e as despesas de materiais resultantes das obras realizadas depois de 4 de Dezembro seriam pagos pela A Decoration & Engineering (Macau) Co., Ltd..
Face à quantia adiantada pela B Design & Engineer (Macau) Ltd., na fase anterior, ao Hotel Grand Lisboa, a A Decoration & Engineering (Macau) Co., Ltd. irá proceder à restituição, em prestação, do montante MOP$4.681.706,00 (após a celebração do presente acordo será pago o montante da 1ª fase, no valor de MOP$2.681.706,00), e a quantia remanescente, MOP$2.000.000,00, será paga durante a semana após a conclusão das obras em causa e a verificação destas pelo dono da propriedade. A B Design & Engineer (Macau) Ltd. ficará com 60% e a A Decoration & Engineering (Macau) Co., Ltd. com 40% do total do lucro. Os desgastes surgidos após o término das obras serão responsabilizados pelas B Design & Engineer (Macau) Ltd. e A Decoration & Engineering (Macau) Co., Ltd., com comparticipação a 50% de cada parte.
Os expedientes relacionados com as obras em causa serão assinados pelos representantes da B Design & Engineer (Macau) Ltd. e da A Decoration & Engineering (Macau) Co., Ltd., e, ambas as partes serão responsáveis pelo tratamento das obras, colaborando no aceleramento do procedimento das mesmas.
As cláusulas supramencionadas são admitidas e executadas pelas ambas as partes, e, não permite que sejam cessadas unilateralmente, senão as partes podem remeter o caso ao Órgão Judicial local para a arbitragem, ficando a parte inadimplente suportada todas as despesas surgidas.”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa fundamentalmente por saber se, face à oposição deduzida ao arresto decretado, há razões que infirmem a indiciação do alegado crédito da requerente, ou seja se se verificam os pressupostos que determinaram um juízo favorável a tal decretamento.
Estando em causa apenas a integração da previsão típica do decretamento do arresto, é, no entanto, nessa perspectiva que se analisará o presente recurso e apenas relativamente àquele requisito concernente á probabilidade do crédito e não já ao receio de perda de garantia patrimonial.
2. Atentemos no raciocínio desenvolvido pelo Mmo Juiz a quo:
“Reivindica a Requerente ser credora do valor de MOP$15.784.314,79 considerando a percentagem dos trabalhos realizados.
Da prova produzida o que resulta demonstrado é que foi a requerente quem abandonou a obra.
O que resulta do contrato celebrado pelas partes é que a Requerente tinha que entregar à Requerida até ao dia 5 de cada mês documento escrito de onde constasse as obras concluídas no mês em causa, para que esta lhe pagasse no prazo de cinco dias úteis.
Da relação de pagamentos efectuados por banda da requerida o que resulta é que esta o realizou nos meses de Novembro, Dezembro, Janeiro e Fevereiro.
A Requerente não alega nem demonstrou que exigiu nos termos do contrato pagamentos em valores superiores aos que foram efectuados.
Destarte não se pode concluir que a Requerida não tenha pago o que devia à Requerente de acordo com a evolução das obras.
Por outro lado o que resulta demonstrado é que mesmo após o abandono das obras pela requerente a requerida ainda efectuou pagamentos.
Pelo que à mingua de prova não podemos concluir pela aparência do invocado direito por banda da Requerente.
Invoca a requerente ter direito a indemnização prevista no artº 1155º do C.Civ.
Para que a requerente pudesse invocar o direito à indemnização prevista no artº 1155º do C.Civ. havia que ter demonstrado que o empreiteiro havia desistido da subempreitada.
Ora o que resulta demonstrado é que foi a requerente quem abandonou a obra.
Destarte, também no que a este respeita, não estando demonstrada a desistência do empreiteiro não há aparência do direito no que concerne à indemnização do artº 1155º do C.Civ.
Finalmente invoca a recorrente o enriquecimento sem causa.
Nos termos do nº 2 do artº 467º do CPC pode haver obrigação de restituir o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir.
Ora, no caso em apreço tendo cessado o contrato que existia entre as partes e não sendo possível a restituição em espécie a recorrente tem direito a receber o que despendeu na execução da obra.
Da prova indiciária produzida resulta que a Requerente terá suportado custos no valor de MOP$13.154.463,78 incluindo as dividas que terá ainda de pagar.
Da Requerida a Requerente já recebeu a quantia de MOP$11.847.605,10.
Destarte a Requerente terá a receber a diferença no valor de MOP$1.306.858,68.
Assim sendo, no que concerne à aparência do direito podemos considerar que a Requerente terá sobre a requerida um direito de crédito naquele valor.
Relativamente ao perigo na mora, igualmente foi indiciáriamente demonstrado que à Requerida não são conhecidos bens que possam garantir o pagamento da quantia de que a requerente é credora, para além de valores eventualmente depositados em contas bancárias.
Destarte, no caso em apreço não só ocorre a aparência do direito por banda do requerente, como também, a demonstração do perigo de insatisfação desse direito, pelo que, se verificam os requisitos de que depende a providência requerida, devendo ser decretado o arresto de bens suficientes para garantir o valor de MOP$1.306.858,68.»
Da argumentação invocada pela requerida nada se alega que ponha em causa o que foi decretado.
A providência foi decretada com base na aparência do direito resultante do enriquecimento sem causa, ordenando-se o arresto da diferença entre os montantes despendidos pela requerente e pagos pela requerida.
Face aos factos que ora se invocam e aos documentos que se juntam não se demonstram indiciáriamente outros factos que possam influir na decisão proferida e que afastem os fundamentos com que foi decretada.
O acordo realizado em 12.12.2007 a que a Requerida alude, o abandono da obra e a realização de trabalhos com vícios, são questões, umas que foram consideradas na decisão que decretou o arresto e outras que por estarem relacionadas com a execução do contrato de empreitada, face aos fundamentos com base nos quais se decretou o arrestou em nada afectam o decidido.
Pelo que, nada se alega nem se demonstra que afaste os fundamentos com base nos quais a providência foi decretada.
Subsidiariamente a Requerida vem pedir a redução da providência ao montante pelo qual foi decretada.
Destarte, não havendo diligências de prova a ordenar, nada mais se demonstrando indiciáriamente para além do que já consta dos autos, impõe-se concluir ser manifestamente improcedente a oposição deduzida, assim sendo de manter a decisão que decretou a providência nos seus precisos termos.”
3. O Mmo Juiz a quo entendeu num primeiro momento decretar o arresto e perante a oposição que foi deduzida o mesmo Juiz continuou a considerar que não havia razões que alterassem os pressupostos da sua decisão, em particular, que abalassem uma convicção em termos de probabilidade da existência do apontado crédito da requerente, sob pena de enriquecimento sem causa.
Cremos, contudo, que a dilucidação da questão passa pela análise atenta do documento n.º 5 junto com a oposição, a fls 294 e que se nos afigura não ter sido devidamente sopesado, se não levado em conta sequer na decisão que foi proferida.
Pelo menos, a tal documento não se refere a decisão proferida - embora indirectamente se lhe refira na transposição da argumentação da oponente.
Desse documento, ora traduzido, já nesta instância, e acima transcrito, resultam claramente os termos do acordo a que as partes interessadas (requerente e requerida do arresto) chegaram, em Dezembro de 2007, num momento em que houve um impasse na realização das obras contratadas, daí se alcançando o acerto das contas pendentes, perdendo algum sentido a análise necessariamente complexa ensaiada pelo Mmo Juiz e que o levou a concluir pela existência de um crédito de MOP MOP$1.306.858,68 a favor da requerente baseado num presumível enriquecimento sem causa, crédito esse justificativo do decretamento do arresto.
4. O enriquecimento sem causa é uma fonte de obrigações e dá-se quando o património de certa pessoa se valoriza ou deixa de desvalorizar, à custa de outra pessoa, e sem que para isso exista uma causa justificativa.1
E tal obrigação não deixa de ter natureza subsidiária, não havendo lugar à restituição quando a lei faculta ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído - 468º do CPC.
Perante isto, desde logo um dúvida se desenha quanto à construção adoptada e se pretende radicar um fumo de crédito numa hipótese de enriquecimento, apenas com base numa diferença entre um deve e haver da contabilidade de uma empresa, sem ponderar outros factores como sejam os próprios do risco de actividade de uma empresa de decorações, da conjuntura, da gestão, do próprio acerto das contratações e aquisições de materiais, esquecendo o regime contratual decorrente da negociação celebrada entre as duas empresas, devendo aí radicar-se o fundamento da probabilidade do crédito que justifica a providência.
Mas fundamentalmente o que se assume de particular relevância é o aludido contrato e acerto entre as partes, aquando da cessação dos trabalhos de decoração feitos pela requerente B que passou a ser substituída pela requerida A.
As contas foram feitas pelas partes e nada aponta no sentido de se impugnar a validade desse documento e o encontro a que aí se procedeu.
Nem sequer a contra-alegação da requerente, enquanto diz, contrariamente ao alegado, que esse documento não comprova um abandono dos trabalhos, tem grande relevância, pois que não é esse facto que é equacionado, antes importa apurar se a requerida deve ao requerente a importância reclamada.
5. É certo que estamos em sede de uma providência cautelar, em que a apreensão judicial depende de um requisito que consiste na probabilidade - probabilidade que não é certeza - de um crédito e justificado receio de perda de garantia patrimonial, no caso, o património do devedor ) - artigos 351º e 352º, n.º 1 do CPC.
Mas perante a análise entre o deve e o haver na contabilidade entre as partes, necessariamente complexa e incompleta, invocada e empreendida em sede da presente providência, e um acordo entre as partes, acordo que de uma forma clara se pronuncia pelo saldo existente num dado momento, não hesitaremos em privilegiar este elemento probatório.
6. Ora, desse acordo complementar (doc. de fls 829 e 830) celebrado em 12 de Dezembro de 2007, aquando da cessação dos trabalhos da B, por razões de escassez do capital e dos recursos humanos ocorrido nessa Companhia e por atrasos na realização das obras, resulta terem acordado que,ambas as partes, que deve a requerente (B) pagar à requerida (A) MOP 4.302.758,30.
Mais concordaram que as despesas das obras, no total de MOP$1.980.955,00, fossem pagas pela A Decoration & Engineering (Macau) Co., Ltd. aos diferentes sub-empreiteiros.
A partir de 3 de Dezembro de 2007, os salários dos grupos de trabalhadores e dos empregados substitutos seriam pagos pela B Design & Engineer (Macau) Ltd., e, todos os salários dos grupos de trabalhadores e as despesas de materiais resultantes das obras realizadas depois de 4 de Dezembro seriam pagos pela A Decoration & Engineering (Macau) Co., Ltd..
Face à quantia adiantada pela B Design & Engineer (Macau) Ltd., na fase anterior, ao Hotel Grand Lisboa, a A Decoration & Engineering (Macau) Co., Ltd. iria proceder à restituição, em prestação, do montante MOP$4.681.706,00 (após a celebração do presente acordo será pago o montante da 1ª fase, no valor de MOP$2.681.706,00), e a quantia remanescente, MOP$2.000.000,00, seria paga durante a semana após a conclusão das obras em causa e a verificação destas pelo dono da propriedade.
A B Design & Engineer (Macau) Ltd. Ficaria com 60% e a A Decoration & Engineering (Macau) Co., Ltd. com 40% do total do lucro.
Os desgastes surgidos após o término das obras serão responsabilizados pelas B Design & Engineer (Macau) Ltd. e A Decoration & Engineering (Macau) Co., Ltd., com comparticipação a 50% de cada parte.
Não deixa de ser interessante constatar que a própria requerente não deixa de referir tal verba de MOP 4.681.706,00 no artigo 38º da p.i., mas dizendo que isso foi uma promessa da requerida em reembolsar a requerente pelo dispêndio na compra de materiais, em duas prestações, mas como resulta do teor do acordo esse montante referia-se aos adiantamentos feitos pela requerente até àquele momento, sem que se descriminasse a que título, o que se justificava já que a A ia continuar as obras até ali desenvolvidas pela B, ficando os lucros ou os prejuízos diferidos para final.
Face ao supra citado acordo teremos de aceitar que os gastos feitos pela requerente foram compensados pela acordada forma, não sendo legítimo presumir um prejuízo apenas por uma diferença entre os gastos e os pagamentos efectuados.
7. A requerida alega prejuízos e os autos não nos fornecem a comprovação desse facto ou até do efectivo pagamento prometido após a assinatura desse acordo.
Mas a existir algum crédito resultante do não pagamento desse acordo, então, aí, esse facto tinha que ser alegado e assim sendo já estaremos perante uma outra causa de pedir que não vem alegada nos autos.
Face a todo o exposto e sem necessidade de maiores desenvolvimentos crê-se não existirem elementos que apontem para a comprovação do crédito reclamado, ou sequer do crédito declarado na douta decisão do Mmo Juiz, em termos de uma probabilidade razoável, pelo que o presente recurso não deixará de ser julgado procedente.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, e, revogando a decisão recorrida, acordam em revogar o decretamento do arresto que assim deve ser levantado.
Custas pela recorrida.
Macau, 27 de Janeiro de 2011,
(Relator)
João A. G. Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho
1 - Galvão Telles, Dto das Obrigações, 5ª ed., 154
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