Processo n.º 777/2009/A
(Recurso Penal)
Data: 15/Julho/2010
Recorrente: A
Objecto do Apreciação: Pedido de esclarecimento do Acórdão
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
A, arguida nos autos, notificada do acórdão proferido nos mesmos, vem requerer reponderação do mesmo, o que faz nos seguintes termos:
“1. Na motivação do seu recurso a Arguida / Recorrente alega que os factos provados não preenchem os elementos típicos objectivos do crime de abuso de confiança porque este tipo criminal exige que o bem sonegado tenha sido entregue ao agente e no caso concreto as quantias em dinheiro foram sempre entregues à sociedade “XX” através de depósitos realizados em contas bancárias de que esta era titular, a que tem personalidade jurídica própria e diferenciada da daquela.
O primeiro lesado fez dois depósitos em conta sediada no Banco da China, o segundo lesado fez dois depósitos em conta no Banco Luso Internacional de Macau e a terceira lesada em conta no Banco Delta Ásia (respectivamente, pontos 2º, 3º e 4º dos factos provados).
Assim, se entrega houve foi da mencionada sociedade à arguida, pelo que só essa sociedade poderia eventualmente ser vítima de crimes de abuso de confiança ou qualquer outro relacionados com a entrega das quantias em causa.
Aliás, alegou também a Arguida / Recorrente, da matéria provada resulta ainda, expressamente, que foi com a sociedade que os lesados contrataram, pois de contratos de prestação de serviços se tratou efectivamente.
E concluiu que não houve, por conseguinte, nem do ponto de vista contratual, nem do ponto de vista extracontratual, qualquer relação ou nexo directo entre a actuação da arguida e os lesados.
E com este fundamento defendeu a arguida não ter sido provado que a mesma praticou os três crimes de abuso de confiança porque foi condenada. E, consequentemente, que do ponto de vista civil é a mencionada sociedade quem deveria ter sido condenada a pagar as indemnizações devidas aos lesados.
2. Sobre esta questão decidiu o acórdão agora em apreço que “a afirmação da arguida de que a “sociedade XX” tem personalidade jurídica própria não foi demonstrada [...] tudo apontando no sentido de que a designação “XX” mais não seja do que a “firma” que a arguida usava no exercício da sua actividade comercial” (fls. 23 / 32, do acórdão).
3. No entanto, permite-se a Arguida entender que da matéria de facto dada como provada resulta que a “XX” é efectivamente uma sociedade comercial.
Com efeito, foi expressamente demonstrado que “a arguida A é a única responsável da Companhia “XX” (fls. 10 / 32 do acórdão).
E foi também provado que aquela Companhia era titular de contas bancárias no Banco da China (sucursal de Macau), no banco Luso Internacional e no Banco Delta Ásia (nomeadamente fls. 10 / 32 e 12 / 32 do acórdão), sendo certo que apenas pessoas físicas e/ou jurídicas podem ser titulares de contas bancárias.
4. Assim, afigura-se que a decisão proferida por este Venerando Tribunal se fundou, nesse ponto particular, em facto diferente daquele que foi provado, portanto em facto não provado.
E afigura-se, por outro lado, que a matéria de facto provado poderia, eventualmente, aconselhar diferente decisão quanto aos imputados crimes de abuso de confiança.
Termos em que muito respeitosamente vem a Arguida requerer a V. Exas., com fundamento nos artigos 355º / 2 e 360º / a), do CPP, a reponderação da decisão, nas vertentes civil e penal, com fundamento nas razões agora expostas.”
Responde o Exmo Senhor Procurador Adunto:
“A arguida vem requerer "a reponderação da decisão", uma vez que, na sua óptica, a mesma se fundou "em facto diferente daquele que foi provado, portanto em facto não provado".
Vejamos.
O requerimento da recorrente, nos termos em que é formulado, aponta para um erro de julgamento ou um excesso de pronúncia.
É óbvia, todavia, a inverificação dessas situações (sendo certo que a primeira sempre deveria ter-se como irremediável).
Consigna-se no douto acórdão, efectivamente, que «o importante... é que se dá como provado que a arguida é "a responsável única" de "XX", tudo apontando no sentido de que a designação "XX" mais não seja do que a "firma" que a arguida usava no exercício da sua actividade comercial».
E tal asserção não é passível de qualquer reparo.
Como é sabido, na verdade, nada obsta a que este Tribunal, em sede de matéria de facto, lance mão das chamadas presunções naturais, ligadas a princípios de normalidade ou a regras gerais da experiência.
Ponto é, naturalmente, que as respectivas inferências se limitem a desenvolver tal matéria, não a alterando ou contrariando.
Conforme tem decidido o Venerando Tribunal de Última Instância, "é lícito ao Tribunal de Segunda Instância, depois de fixada a matéria de facto, fazer a sua interpretação e esclarecimento, bem como extrair as ilações ou conclusões que operem o desenvolvimento dos factos, desde que não os altere" (cfr., nomeadamente, ac. de 31-10-2001, proc. n.º 13/2001).
E foi isso, realmente, que aconteceu no caso presente.
Deve, em conformidade, ser indeferido o pedido em apreço.”
Cumpre apreciar.
Como está bem de ver o que a requerente pretende é que o tribunal dê o dito por não dito quando as conclusões a que chegou foram já devidamente ponderadas.
O que a requerente ora pretende é inadmissível, sendo certo que o Tribunal ponderou devidamente tudo o que ficou consignado, não se vislumbrando qualquer lapso ou erro que precise de ser rectificado.
No fundo, o que a arguida pretende é valorar diferentemente a matéria de facto que vem provada e que este Tribunal valorou devida e oportunamente, considerando que a designação “XX” apontava para que se tratava de uma firma e não uma sociedade comercial e sendo a arguida a única responsável por essa empresa não podia deixar de ser responsabilizada pelos crimes praticados.
O Exmo Senhor Procurador Adjunto fez a exacta interpretação do acórdão e a sua resposta não deixa de ser a adequada à impertinência manifestada pelo requerimento ora interposto.
Indefere-se, pois, ao requerido.
Custas pelo incidente com taxa de justiça que se fixa em 2 Ucs a cargo da requerente.
Notifique.
Macau, 15 de Julho de 2010,
João A. G. Gil de Oliveira
Tam Hio Wa
Lai Kin Hong
777/2009/A 1/6