Processo n.º 686/2010
(Recurso Penal)
Data: 2/Dezembro/2010
Assuntos :
- Atenuação especial; prisão efectiva; jovem delinquente
Sumário :
Não é de atenuar especialmente a pena a um jovem delinquente que comete vários crimes relacionados com o consumo, utensilagem, tráfico de estupefacientes em quantidades diminutas, consumo em lugares de reunião, cedendo para o efeito um apartamento, não havendo um circunstancialismo favorável e relevante, para mais quando o jovem, enquanto menor, teve condutas desviantes e foi sujeito a acompanhamento social infrutífero.
O Relator,
Gil de Oliveira
Processo n.º 686/2010
(Recurso Penal)
Data: 2/Dezembro/2010
Recorrente: A
Objecto do Recurso: Acórdão condenatório da 1ª Instância
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, 3º arguido no processo em epígrafe, melhor identificado nos autos, inconformado com o acórdão proferido pelo Juízo Criminal em 28 de Julho de 2010, , nos termos do qual foi condenado
- pela prática em autoria material e na forma consumada por um crime de tráfico de drogas de quantidades diminutas, p. p. pelo art.º 9.º n.º 1 do DL n.º 5/91/M, na pena de prisão de 1 ano e 6 meses e na multa de MOP$15.000,00, ou em alternativa, 100 dias de prisão;
- pela prática em co-autoria e na forma consumada por um crime de consumo em lugares públicos ou de reunião, p. p. pelo art.º 17.º n.º 2 do mesmo DL, na pena de prisão de 1 ano e 5 meses e na multa de MOP$20.000,00, ou em alternativa, 133 dias de prisão;
- pela prática em co-autoria e na forma consumada por um crime de detenção indevida de utensílio para consumo de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. p. pelo art.º 15.º da Lei n.º 17/2009, na pena de prisão de 2 meses;
- pela prática em autoria material e na forma consumada dum crime de aquisição ou detenção ilícita de drogas para consumo pessoal, p. p. pelo art.º 23.º al. a) do DL n.º 5/91/M, na pena de prisão de 2 meses.
Em cúmulo jurídico dos 4 crimes, condenou-se o recorrente na pena de prisão efectiva de 2 anos e 9 meses e na multa de MOP$28.000,00, ou em alternativa, 186 dias de prisão,
Vem recorrer, alegando fundamentalmente e em síntese:
De acordo com os dados constantes dos autos, incluindo os dados audiovisuais da audiência de julgamento, quando o tribunal a quo julgou que o recorrente praticou em autoria material e na forma consumada o supracitado crime de drogas de quantidades diminutas, não tinha qualquer prova como base, razão pela qual existe erro notório na apreciação das provas, e o erro é tão evidente que segundo o princípio de experiência comum, qualquer pessoa pode notar.
O recorrente nunca declarou ou admitiu directa ou indirectamente que as drogas encontradas na posse dele são para vender, ceder ou fornecer a outrem.
Os depoimentos das testemunhas do processo também não indicam directa ou indirectamente que as drogas encontradas na posse do recorrente são para vender, ceder ou fornecer a outrem.
Porém, os depoimentos das testemunhas mencionam que o recorrente tem o hábito de consumir drogas.
Pode-se ver que o recorrente é realmente um drogado, os factos provados, os depoimentos das testemunhas e as provas documentais revelam que as drogas encontradas na posse do recorrente são para consumo pessoal em vez de vender, ceder ou fornecer a outrem.
Por isso, se o tribunal a quo julgou que as respectivas drogas não eram para consumo pessoal do recorrente só com base nas quantidade e espécie das drogas encontradas na posse do recorrente, é obviamente uma conclusão logicamente não aceitável tirada dum facto reconhecido, além de viola os dispostos no art.º 324.º do Código de Processo Penal, também tem erro notório na apreciação de provas, e o erro é tão evidente que segundo o princípio de experiência comum, qualquer pessoa pode notar.
O tribunal a quo não pode reconhecer subjectivamente os factos na falta de provas objectivas e substanciais, porque isso viola o “princípio de livre apreciação da prova” previsto pelo art.º 114.º do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, o Tribunal a quo não tem provas de que as drogas detidas pelo recorrente não são para consumo pessoal do recorrente, mas há provas suficientes de que o recorrente é drogado e tem história e hábito de consumir drogas, e este facto já é suficiente para influenciar o resultado da sentença (vide o acórdão de tribunal colectivo do processo penal n.º 18/2003 do TUI).
Com base no “princípio de in dubio pro reo”, o recorrente não deve ser acusado do crime de tráfico de drogas de quantidades diminutas.
A pena e a multa aplicadas no respectivo acórdão do tribunal colectivo são muito graves para um jovem de 18 anos, deve-se aplicar-lhe a pena mínima legal e nos termos do art.º 66.º do Código de Processo Penal, atenua-se especialmente a pena aplicada ao recorrente, atendendo designadamente às seguintes circunstâncias:
O recorrente só tinha 16 anos ao tempo dos factos;
Em relação às outras acusações excepto o tráfico de drogas, o recorrente fez confissão sem reservas e manifestou arrependimento;
Depois de ser interceptado com drogas na posse em 13 de Setembro de 2007, o recorrente tomou a sugestão do assistente social e foi ao estabelecimento de desintoxicação para receber tratamento, já se absteve da toxicodependência e não contaminou-se de novo do vício de consumo de drogas, tendo um trabalho estável e uma vida normal, mantendo por longo período bons comportamentos;
Em Abril de 2005 o TJB abriu um processo de educação do menor n.º CV1-05-0023-MRE para o recorrente por causa duma disputa familiar, na altura o tribunal decidiu que o departamento de reinserção social apoiou e acompanhou o recorrente, e mais tarde aplicou-se a medida de acompanhamento educativo até 4 de Julho de 2009 (vide o relatório social elaborado pelo técnico B do Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça em 27 de Fevereiro de 2009, como provas documentais, constante das fls. 775 dos autos).
Daí se pode constatar que existem circunstâncias que diminuem por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente e a necessidade da pena, pelo que o tribunal deve atenuar especialmente a pena aplicada ao recorrente nos termos do art.º 67.º do Código de Processo Penal.
Por outro lado, a determinação da medida da pena deve ser feita ao abrigo dos dispostos nos art.ºs 40.º e 65.º do Código Penal de Macau, e é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, além disso, o tribunal também deve atender ao grau de ilicitude do facto, o modo de execução, a gravidade da consequência e o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados e os motivos do arguido, as condições pessoais do arguido e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e posterior a este e outras circunstâncias determinantes.
Por isso, por o acórdão recorrido não ter considerado as circunstâncias de atenuação especial da pena do recorrente ao abrigo dos dispostos nos art.ºs 65.º a 67.º do Código Penal de Macau, deve o MM.º Juiz fazer uma nova medida da pena e da multa aplicada ao recorrente.
Nos termos expostos, pede, se julgue procedente o presente recurso e em consequência se absolva o recorrente do crime de tráfico de drogas de quantidades diminutas ou se reformule a pena aplicada ao recorrente.
Responde doutamente a Digna Magistrada do MP, no essencial:
In casu, o tribunal a quo condenou o arguido A pela prática em autoria material e na forma consumada dum crime de tráfico de drogas de quantidades diminutas p. p. pelo art.º 9.º n.º 1 do DL n.º 5/91/M, convolando do crime de tráfico de drogas p. p. pelo art.º 8.º n.º 1 do mesmo DL, na pena de prisão de 1 ano e 6 meses e na multa de MOP$15.000,00, ou em alternativa, 100 dias de prisão; pela prática em co-autoria e na forma consumada dum crime de consumo em lugares públicos ou de reunião, p. p. pelo art.º 17.º n.º 2 do mesmo DL, na pena de prisão de 1 ano e 5 meses e na multa de MOP$20.000,00, ou em alternativa, 133 dias de prisão; pela prática em co-autoria e na forma consumada dum crime de detenção indevida de utensílio para consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, p. p. pelo art.º 15.º da Lei n.º 17/2009, na pena de prisão de 2 meses; e pela prática em autoria material e na forma consumada dum crime de aquisição ou detenção ilícita de drogas para consumo pessoal, p. p. pelo art.º 23.º al. a) do DL n.º 5/91/M, na pena de prisão de 2 meses.
Em cúmulo dos 4 crimes, condenou-se o arguido A na pena de prisão efectiva de 2 anos e 9 meses e na multa de MOP$28.000,00, ou em alternativa, 186 dias de prisão.
O recorrente (o arguido no processo) estava inconformado com o acórdão do tribunal a quo e interpôs recurso, entendendo que existe erro notório na apreciação da prova previsto pelo art.º 400.º n.º 2 al. c) do Código de Processo Penal no reconhecimento da prova do tribunal a quo, que violou o princípio de livre apreciação da prova e de in dubio pro reo, e que a medida da pena é demasiado pesada, solicitando a revogação do acórdão do tribunal a quo, a absolvição do recorrente do crime ou condenação do recorrente na pena mais leve.
O recorrente levantou questões principalmente nos seguintes dois aspectos na sua petição de recurso:
(1) erro notório na apreciação da prova e violação do princípio correspondente;
(2) a medida da pena é demasiado pesada.
Em relação à 1ª questão, o recorrente alega que durante a audiência de julgamento nenhuma testemunha indicou directa ou indirectamente que o recorrente traficou drogas e os depoimentos das testemunhas só podem verificar que o recorrente tem o hábito de consumir drogas, pelo que o recorrente acusa o tribunal colectivo a quo de reconhecer que o recorrente cometeu o crime de tráfico de drogas de quantidades diminutas, p. p. pelo art.º 9.º n.º 1 do DL n.º 5/91/M, com base só na quantidade e espécie das drogas encontradas na posse do recorrente, por isso existe erro notório na apreciação da prova e são violados os princípios de livre apreciação da prova e de in dubio pro reo.
O erro notório na apreciação da prova significa “o tribunal caiu em erro no reconhecimento de factos, ou seja o que se teve com provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou quando se retirou dum facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável, ou se violam as regras de experiência ou sobre o valor da prova vinculada, e o erro tem de ser evidente...... quando o juízo final do juiz do conhecimento de facto viola as regras de experiência da vida quotidiana, cai-se no erro notório na apreciação da prova previsto pelo art.º 400.º n.º 2 al. c) do Código de Processo Penal” (Processo N.º 802/2007 do TSI).
Quando à aplicação do princípio de livre apreciação da prova, o TSI indica expressamente em vários processos, incluindo os processos n.º 569/2009, n.º 541/2009, n.º 421/2007 e n.º 110/2008, que a livre apreciação da prova tem que ser convicção formada com base em apreciação e análise da prova de forma objectiva, lógica e correspondente ao senso comum. Se o tribunal a quo, segundo o princípio de livre apreciação da prova, analisou objectiva e sinteticamente todas as provas no processo e fez juízo dos factos, que não violou quaisquer regras de experiência ou sobre o valor da prova vinculada, o recorrente não deve pôr em dúvida o resultado do conhecimento de facto do tribunal a quo.
Em outras palavras, apenas quando o tribunal a quo comete erro notório em formar a convicção através de apreciação da prova, e viola as regras de experiência ou sobre o valor da prova vinculada, é que pode o tribunal de recurso intervir através de mecanismo do recurso, caso contrário, o reconhecimento do facto feito pelo tribunal a quo com base na sua convicção não deve ser revisado pelo tribunal de recurso.
O princípio de in dubio pro reo significa que quando o uso de todos os meios legais de prova para o reconhecimento dos factos criminosos ainda não pode provar concretamente os factos criminosos, ou quando o arguido apresenta fundadas dúvidas com fundamentos de facto que confundem a verdade dos factos no processo, o juiz deve fazer sentença favorável ao arguido ou absolver o arguido do crime.
Na alegação do juízo dos factos, o tribunal a quo já indicou expressamente os fundamentos da formação da convicção e os factores considerados no exame crítico de prova. Quanto à alegação prestada pelo recorrente na audiência de julgamento de que todas as drogas são para consumo pessoal, o tribunal colectivo entendeu que o recorrente não podia dizer de forma explícita o seu hábito de consumo de droga (incluindo o peso, a maneira e a espécie), as suas declarações eram diferentes das prestadas anteriormente no Ministério Público, e o recorrente não podia explicar o assunto do lugar da guarda das drogas restantes. Por outro lado, as testemunhas no processo referiram na audiência de julgamento que tinham consumido drogas juntos no apartamento alugado pelo recorrente por várias vezes.
De facto, as drogas encontradas na posse do recorrente incluem ketamina com peso líquido de mais de 11 gramas, considerando a capacidade económica do recorrente (trabalhador assalariado de construção) e o mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à Lei n.º 17/2009, e conforme o senso comum, é difícil acreditar que todas as drogas são para consumo pessoal do recorrente.
Pode-se ver que o tribunal colectivo a quo levantou dúvidas sobre a credibilidade dos depoimentos do recorrente com base nos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência de julgamento, nos dados constantes dos autos e nas regras de experiência, reconhecendo que parte das drogas detidas pelo recorrente são para fornecer a outrem. O referido reconhecimento não foi feito só com base no peso e na espécie das drogas como o recorrente disse, está em conformidade com as regras de experiência e as provas constantes dos autos, não teve nenhum erro e não violou os princípios de livre apreciação da prova e de in dubio pro reo.
O recorrente também entende que a medida da pena feita pelo tribunal colectivo a quo é demasiado pesada, e deve considerar que o recorrente ainda não tinha 18 anos ao praticar os actos criminosos, fez confissão e já recebeu tratamento de desintoxicação, pelo que constituíram-se circunstâncias de atenuação especial, devia-se aplicar o art.º 67.º do Código Penal de Macau e ao abrigo dos dispostos nos art.ºs 40.º e 65.º do mesmo Código, condenar o recorrente em pena mais leve.
In casu, o recorrente não admitiu a prática dum crime de tráfico de drogas p. p. pelo art.º 8.º n.º 1 do DL n.º 5/91/M, pelo que não existe a confissão sem reservas, revelando que o recorrente não manifestou arrependimento pelos seus actos criminosos. Também não há provas de que o recorrente participou activamente em tratamento de desintoxicação. Apesar de o recorrente ter menos de 18 anos ao tempo da prática do crime, as circunstâncias no processo revelam que ele não só consumiu drogas por vários anos, mas também forneceu lugar e drogas a muitos jovens, as circunstâncias são graves e o seu grau de culpa é elevado. E não preciso de falar mais sobre a influência de droga na sociedade.
Por isso, é obviamente improcedente este motivo de recurso do recorrente.
A medida da pena, segundo os respectivos dispostos no Código Penal de Macau, tem que ser em conformidade com o grau de culpa do agente e realizar as finalidades de prevenção criminal.
Concordamos completamente com o tribunal colectivo a quo em relação a esta questão, e a condenação do recorrente é justa, conforma-se com o princípio fundamental da medida da pena, não dispõe de qualquer erro óbvio ou desconformidade com regras gerais, e não deve ser duvidada.
Por isso, é improcedente a totalidade dos motivos de recurso do recorrente.
Pelo exposto, o Ministério Público entende dever ser improcedente o recurso interposto pelo recorrente, devendo ser indeferido o recurso e mantido o acórdão do tribunal a quo.
O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
Estamos de acordo com os fundamentos apresentados pelo delegado de procurador na resposta à motivação do recurso, entendendo que é improcedente o recurso interposto pelo recorrente A e deve indeferi-lo.
O recorrente entende que o tribunal a quo teve erro notório na apreciação da prova com razão de que ele próprio é drogado de longo período e que não há provas no processo de que as drogas detidas por ele não são para consumo pessoal, violou o “princípio de livre apreciação da prova” e o “princípio de in dubio pro reo”, e que ele não podia ser punido pela prática do crime de tráfico de drogas de quantidades diminutas.
Não estamos de acordo com as supracitadas opiniões.
Primeiro, apesar de o recorrente ser drogado de longo período, não se pode excluir sem dúvida a possibilidade de que ele forneça drogas a outrem. De facto, o tribunal a quo reconheceu que o recorrente adquiriu e deteve as drogas para consumo pessoal e forneceu uma parte a outrem.
De acordo com os dados constantes dos autos, durante a audiência de julgamento, o tribunal a quo não só ouviu as declarações para o objecto da acção prestadas pelo recorrente, mas também leu o respectivo auto ao abrigo do disposto no art.º 338.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Penal por haver contradições evidentes entre as declarações do recorrente e as feitas na fase de inquérito, e ainda ouviu os depoimentos prestados pelas várias testemunhas, pelos agentes da PJ e guardas do CPSP, e examinou ao mesmo tempo as provas documentais constantes dos autos e os objectos apreendidos e em consequência, formou a sua convicção.
No acórdão recorrido, o tribunal a quo apontou especialmente que apesar de o recorrente alegar na audiência de julgamento que as drogas detidas são para consumo pessoal, “em relação ao peso e à espécie das drogas consumidas por si próprio, prestou respostas repetidas e discrepantes”, e não esclareceu de forma acreditável como é que guardou as drogas compradas.
É de mencionar que na acção penal, o tribunal aplica os princípios de directo e da oralidade em relação ao exame das provas, o juiz do tribunal a quo fez exame e análise dos alegações e depoimentos orais prestados pelo arguido e pelos outros intervenientes processuais incluindo as testemunhas através de contacto directo com estes na audiência de julgamentos, e ao mesmo tempo fez análise das personalidades e condutas do arguido e dos outros intervenientes processuais, a fim de decidir se admitisse estes depoimentos e alegações, e com base nestes, fez o juízo dos factos conforme o princípio de livre apreciação da prova.
Analisando os dados de prova constantes dos autos para a formação da convicção do tribunal a quo, as explicações dadas por este sobre o juízo dos factos, e junto com as regras de experiência comum, não podemos chegar à conclusão de que o tribunal a quo teve erro no reconhecimento dos factos.
Nos termos expostos, entendemos que o tribunal a quo não teve qualquer erro notório na apreciação das provas, e não violou os princípios de “livre apreciação da prova” e de “in dubio pro reo”.
Quanto à pretensão de atenuação especial da pena, também não estamos de acordo.
De facto, as condições do recorrente não constituem circunstâncias de atenuação especial da pena.
De acordo com o art.º 66.º n.º 1 do Código Penal de Macau, o requisito de substância necessário da atenuação especial da pena é “diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”.
As circunstâncias referidas no art.º 66.º n.º 2 do Código Penal de Macau não resultam necessariamente na atenuação especial da pena.
“Diminuam por forma acentuada” não significa diminuição a nível ordinário. Em caso concreto, só constitui-se causa justa da atenuação especial da pena quando a existência de determinadas circunstâncias reflecte a diminuição a nível acentuado da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena.
Segundo a jurisprudência em Macau, o facto de que o agente tinha menos de 18 anos ao tempo dos factos ilícitos não é suficiente para a atenuação especial da pena.
In casu, apesar de o recorrente ser delinquente primário e ter apenas 16 anos ao tempo do facto, só admitiu parte dos factos criminosos, negou que forneceu parte das drogas detidas a outrem e não manifestou arrependimento.
Além disso, o recorrente forneceu voluntariamente a sua residência a outrem (incluindo menor) como lugar de consumo de droga, bem como instrumentos de consumo de droga. Reuniram-se várias pessoas a consumir drogas por várias vezes e as circunstâncias são graves.
Analisando sinteticamente as condições concretas no processo, não podemos chegar à conclusão de que são diminuídas em forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, razão pela qual não se deve atenuar especialmente a pena aplicada ao recorrente.
Por outro lado, a determinação da medida da pena é feita em função aos dispostos nos art.ºs 40.º e 65.º do Código Penal de Macau.
Analisando as condições concretas deste processo, não entendemos que o tribunal a quo violou as supracitadas disposições legais.
Podemos ver no acórdão recorrido que, ao determinar a pena concreta aplicada ao recorrente, o tribunal a quo considerou os critérios da medida da pena estabelecidos pelo art.º 65.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal de Macau.
Não podemos ignorar as necessidades de prevenção criminal.
Do ponto de vista de prevenção criminal, o recorrente cometeu crime comum em Macau, cujas natureza, ilicitude e consequência são graves, traz enorme influência negativa à saúde do próprio drogado, à saúde pública e à tranquilidade social; ademais, nos últimos anos as pessoas que praticaram as condutas de consumo e tráfico de drogas em Macau tornavam-se cada vez mais jovens, pelo que as exigências de prevenção geral são muito elevadas.
Tendo em conta a natureza e a gravidade do crime praticado pelo recorrente, a moldura penal aplicável, as circunstâncias concretas do processo, o peso das drogas apreendidas e a enorme influência negativa na saúde pública e tranquilidade social trazida pelos actos de tráfico de drogas, e considerando as necessidades de prevenção criminal (especialmente a prevenção geral), entendemos que o tribunal a quo não teve erro óbvio na medida da pena.
Pelo exposto, entendemos dever ser improcedente o recurso interposto pelo recorrente.
II - FACTOS
Com pertinência, respiga-se do acórdão recorrido o seguinte:
“(...)
Após a audiência de julgamento pública, o Tribunal Colectivo considerou como provados os seguintes factos que envolveram o arguido A (os seguintes números de ordem correspondem aos na petição inicial):
1. A partir de pelo menos Abril de 2007, os arguidos A e C combinaram em alugar em nome de C o apartamento sito na Rua do XX, Edf. XX, Bloco XX, XXº andar X, permitindo aos seus amigos, incluindo os arguidos D, E, F e menor G consumir drogas, especialmente “K Chai”, neste apartamento (vide o contrato de arrendamento nas fls. 390 dos autos).
2. A “K Chai” supracitada é normalmente trazida ao referido apartamento por um homem conhecido pela alcunha “XX” ou pelo arguido D para o consumo dos arguidos acima referidos.
3. Pelas 3 horas da tarde dos 4 de Julho de 2007, os agentes da PJ efectuaram uma investigação na supracitada residência, na altura a testemunha H estava a entrar no referido apartamento e a testemunha I e menor G estavam no apartamento.
4. Mais tarde, os arguidos E, F, A, C e testemunha J voltaram sucessivamente para o supracitado apartamento.
5. Os agentes da PJ encontraram acima duma cadeira de madeira ao lado do sofá na sala de estar do supracitado apartamento uma bandeja de cor de café, na qual houve 6 pequenos sacos de plástico transparentes, 1 médio saco de plástico transparente, 1 cartão pré-pago de telefone e 2 canudos, que estavam todos com vestígios de pó branco (vide o auto de apreensão constante das fls. 19 dos autos).
6. Submetidos a exame laboratorial, os vestígios de pó branco revelaram tratar-se de “ketamina”, substância abrangida pela tabela II-C (alterada pela Lei n.º 4/2001 de 2 de Maio) anexa ao DL n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro.
7. Os supracitados bandeja, sacos de plástico, cartão de telefone e canudos eram instrumentos utilizados pelos arguidos A, C, E, F e menor G para consumir “ketamina” às duas horas de manhã de 4 de Julho de 2007 no apartamento acima referido; e as drogas consumidas desta vez foram fornecidas pelo homem de alcunha “XX”.
8. Além disso, os agentes da PJ também encontraram na posse do arguido A 4 chaves do supracitado apartamento.
*
9. Pelas 18h30 do mesmo dia, o arguido D apareceu no supracitado apartamento, e os agentes da PJ fizeram-lhe investigação.
10. Os agentes da PJ encontraram no bolso direito das calças do arguido D um saco de plástico transparente que continha 4 pacotes de pó branco (vide o auto de apreensão constante das fls. 37 dos autos).
11. Submetidos a exame laboratorial, os supracitados 4 pacotes de pó com peso líquido de 3,230 gramas revelaram tratar-se de “ketamina”, substância abrangida pela tabela II-C (alterada pela Lei n.º 4/2001 de 2 de Maio) anexa ao DL n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro; e após análise quantitativa, a proporção de “ketamina” foi verificada em 91,12%, com peso líquido de 2,943 gramas.
12. O arguido D comprou as supracitadas drogas junto do arguido K às 22h45 de 2 de Julho de 2007, a preço de MOP$200 por pacote, com intenção de consumo pessoal e trazer ao supracitado apartamento para fornecer ou doar a outrem, incluindo os arguidos A, C, E, F e menor G.
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【Os factos nos artigos 13.º a 20.º não estão relacionados com o arguido A】
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21. Pelas 9h30 de 1 de Agosto de 2007, perto da área de descanso na Estrada do Reservatório, os guardas do CPSP interceptaram o arguido A de conduta duvidosa.
22. Os guardas do CPSP encontraram no bolso direito das calças do arguido A 5 comprimidos vermelhos, 5 comprimidos de cor de rosa, 8 comprimidos de cor verde claro e 1 pacote de pó branco (vide o auto de apreensão constante das fls. 3 dos autos de inquérito n.º 6666/2007).
23. Submetidos a exame laboratorial, os supracitados comprimidos vermelhos com peso líquido de 1,470 gramas revelaram tratar-se de “MDMA”, “2C-B” e “MDA”, substâncias abrangidas pela tabela II-A anexa ao DL n.º 5/91/M de 28 de Janeiro, e de “metanfetamina”, substância abrangida pela tabela II-B anexa ao mesmo DL; após análise quantitativa, a proporção de “MDMA” foi verificada em 21,5%, com peso líquido de 0,316 gramas, a proporção de “metanfetamina” foi verificada em 2,03%, com peso líquido de 0,030 gramas. Os supracitados comprimidos de cor de rosa com peso líquido de 1,525 gramas continham “MDMA”, substância abrangida pela tabela II-A anexa ao DL n.º 5/91/M e “metanfetamina”, substância abrangida pela tabela II-B anexa ao mesmo DL; após análise quantitativa, a proporção de “MDMA” foi verificada em 8,23%, com peso líquido de 0,126 gramas. Os comprimidos de cor verde claro, com peso líquido de 1,510 gramas, continham “nimetazepam”, substância abrangida pela tabela IV anexa ao DL n.º 5/91/M; e os pós branco, com peso líquido de 0,917 gramas, continham “ketamina”, substância abrangida pela tabela II-C (alterada pela Lei n.º 4/2001 de 2 de Maio) anexa ao mesmo DL; após análise quantitativa, a proporção de “ketamina” foi verificada em 78,8%, com peso líquido de 0,723 gramas.
24. O arguido A comprou as drogas acima referidas junto dum homem de alcunha “XX” de identidade desconhecida na cidade de Zhu Hai pelas 11 horas da noite dos 31 de Julho de 2007, a preço de MOP$800, a fim de consumo pessoal e fornecer a outrem para obter lucro de MOP$600.
25. Pelas 4 horas de manhã dos 13 de Setembro de 2007, nas proximidades da Travessa de XX, os guardas do CPSP interceptaram o arguido A que tinha entrado no parque ao lado de XX Plaza.
26. Os guardas do CPSP encontraram no bolso direito das calças do arguido A 1 pacote de pó branco (vide o auto de apreensão constante das fls. 2 dos autos de inquérito n.º 8382/2007).
27. Submetido a exame laboratorial, o supracitado pacote de pó branco com peso líquido de 11,496 gramas revelou tratar-se de “ketamina”, substância abrangida pela tabela II-C (alterada pela Lei n.º 4/2001 de 2 de Maio) anexa ao DL n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro; após análise quantitativa, a proporção de “ketamina” foi verificada em 94,54%, com peso líquido de 10,868 gramas.
28. Na madrugada de 13 de Setembro de 2007, o arguido A comprou as supracitadas drogas junto dum homem de identidade desconhecida de alcunha “XX” perto de XX School (Macau) na Rua dos XX, a preço de MOP$700, com o objectivo de consumir pessoalmente s e fornecer parte a outrem.
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29. O arguido A conhecia bem a natureza e as características das drogas acima referidas.
*
31. O arguido A adquiriu e deteve drogas com o objectivo de consumir pessoalmente e fornecer a outrem.
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33. Os arguidos A e C concordaram em fornecer a sua residência a outrem como lugar de consumo de droga.
34. O arguido A adquiriu as drogas acima referidas para consumo pessoal, sabendo bem que tais condutas eram proibidas por lei.
35. Os arguidos A e C detiveram, utilizaram e forneceram a outrem os supracitados bandeja, sacos de plástico, cartão de telefone e canudos como instrumentos de consumo de droga, sabendo bem que tais condutas eram proibidas por lei.
36. O arguido A agiu de forma livre, voluntária e dolosa ao praticar as condutas acima referidas.
37. O arguido A sabia bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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Mais se provou:
De acordo com o CRC, o arguido A é delinquente primário, e tinha menos de 17 anos ao cometer o crime,
O arguido é empregado em casa de penhores, auferindo mensalmente cerca de MOP$5.000,00. O pai do arguido saiu da família quando o arguido ainda não tinha 1 ano; a mãe do arguido é limpadora no Casino XX; a 1ª irmã mais velha do arguido já forma uma outra família; a 2ª irmã mais velha do arguido é croupier e cuida do seu filho sozinha. O arguido vive junto com a mãe, a 2ª irmã mais velha e o sobrinho. O arguido tem como habilitações literárias 1º ano da escola secundária.
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Factos não provados:
Os factos importantes e não correspondentes aos factos provados constantes da petição inicial, designadamente:
Todas as drogas encontradas na posse do arguido A são para vender aos indivíduos nos estabelecimentos nocturnos.
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Juízo dos factos:
O arguido A prestou declarações na nova audiência de julgamento, alegando que todas as drogas detidas por ele são para consumo pessoal, mas em relação ao peso e à espécie das drogas consumidas por si próprio, prestou respostas repetidas e discrepantes; além disso, quanto à maneira de guardar as drogas, o arguido não deu explicações acreditáveis.
Várias testemunhas prestaram declarações na audiência de julgamento, descrevendo as circunstâncias de entretenimento e de consumo de drogas no respectivo apartamento.
Vários agentes da PJ responsáveis pela investigação do processo prestaram declarações na audiência de julgamento, contando de forma explícita e objectiva o decurso de efectuar investigação no apartamento alugado pelo arguido A em 4 de Julho de 2007 e de encontrar no apartamento instrumentos de consumo de droga apreendidos aos autos.
Os guardas do CPSP prestaram declarações na audiência de julgamento, contando de forma explícita e objectiva o decurso de interceptar o arguido A e encontrar drogas na posse deste.
Os relatórios de exame laboratorial do Laboratório de Polícia Científica confirmam que os objectos apreendidos são drogas e verificam a composição e o peso destas.
Por isso, analisando sintética e objectivamente as declarações prestadas na audiência de julgamento pelo arguido A e pelas testemunhas, junto com as provas documentais, os objectos apreendidos e outras provas que foram examinados na audiência de julgamento, este Colectivo pode provar os factos acima referidos.
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III. Motivos e medida concreta
Motivos:
De acordo com os factos provados, o arguido A conhecia bem a natureza e as características das respectivas drogas, sabia bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, ainda as praticou de forma livre, voluntária e dolosa.
O arguido A adquiriu e deteve MDMA com peso líquido de 0,442 gramas, metanfetamina com peso líquido de 0,030 gramas e ketamina com peso líquido de 11,591 gramas para consumo pessoal e fornecer a outrem.
In casu, por falta de outras provas, não se pode verificar o peso de drogas para o consumo pessoal do arguido A e o peso que este pretende fornecer a outrem. Segundo a jurisprudência dominante e o princípio de “in dubio pro reo”, só se pode provar que o peso de droga detida pelo arguido para fornecer a outrem é diminuto.
Com base nisso, o arguido deve ser condenado pela prática em autoria material e na forma consumada dum crime de tráfico de drogas de quantidades diminutas, p. p. pelo art.º 9.º n.º 1 do DL n.º 5/91/M, convolando do crime de tráfico de drogas, p. p. pelo art.º 8.º n.º 1 do mesmo DL, na pena de prisão de 1 a 2 anos e na multa de MOP$2.000,00 a MOP$225.000,00.
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Os arguidos A e C forneceram voluntariamente a sua residência a outrem, reuniram várias pessoas a consumir drogas por várias vezes, utilizaram o referido apartamento como lugar de consumo de droga, pelo que o arguido A cometeu em co-autoria e na forma consumada um crime de consumo em lugares públicos ou de reunião, p. p. pelo art.º 17.º n.º 2 do DL n.º 5/91/M de 28 de Janeiro, alterado pela Lei n.º 4/2001 de 2 de Maio, que é punido com pena de prisão de 1 a 2 anos e multa de MOP$2.000,00 a MOP$225.000,00.
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O arguido A adquiriu as respectivas drogas para consumo pessoal, pelo que cometeu em autoria material e na forma consumada um crime de consumo de drogas, p. p. pelo art.º 23.º al. a) do DL n.º 5/91/M de 28 de Janeiro, alterado pela Lei n.º 4/2001 de 2 de Maio, que é punido com pena de prisão de 1 a 3 meses e multa de MOP$500 a MOP$10.000,00.
Os arguidos A e C detiveram, utilizaram e forneceram os respectivos bandeja, sacos de plástico, cartão de telefone e canudos como instrumentos de consumo de droga, pelo que o arguido A cometeu em co-autoria e na forma consumada um crime de detenção indevida de instrumentos de consumo de drogas, p. p. pelo art.º 12.º n.º 1 do DL n.º 5/91/M de 28 de Janeiro, alterado pela Lei n.º 4/2001 de 2 de Maio, que é punido com pena de prisão de 1 mês a 1 ano e multa de MOP$500 a MOP$10.000,00.
Apesar de o arguido A ter apenas 16 anos ao praticar os actos criminosos, as consequências do crime são graves, e não existem circunstâncias que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena; por isso, as condutas do arguido A não constituem circunstâncias atenuantes previstas pelo art.º 66.º do Código Penal de Macau.
(...)”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- erro notório na apreciação da prova e violação do princípio correspondente;
- a medida da pena é demasiado pesada.
2. Em relação à 1ª questão, o recorrente alega que durante a audiência de julgamento nenhuma testemunha indicou directa ou indirectamente que o recorrente traficou drogas e dos depoimentos das testemunhas só pode resultar que o recorrente tem o hábito de consumir drogas, pelo que o entende que o Tribunal Colectivo só se pôde louvar na quantidade e espécie das drogas encontradas na posse do recorrente.
Por isso existiria erro notório na apreciação da prova e teriam sido violados os princípios de livre apreciação da prova e de in dubio pro reo.
Não assiste razão ao recorrente.
3. O vício do erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 400º, n.º 2 do CPP deve resultar dos elementos constantes dos autos, por si só ou conjugados com as regras de experiência comum e tem de ser passível de ser descortinado por uma pessoa mediana.
Prefigura-se um erro notório na apreciação da prova quando se depara ter sido usado um processo racional e lógico mas se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irrazoável, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum, bem como das regras que impõem prova tarifada para determinados factos.1
No fundo, o que o recorrente acaba por pôr em causa é a livre convicção do julgador.
Nos termos do artº 114º do CPPM, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo disposição legal em contrário.
É evidente que a convicção livre não quer dizer convicção “arbitrária”. O juiz, por determinação legal, é obrigado a examinar e valorar as provas segundo critérios pré-determinados, consubstanciados na experiência comum, na lógica e na racionalidade.
A livre convicção constitui um modo não estritamente vinculado de valoração da prova e de descoberta da verdade processualmente relevante, isto é, uma conclusão subordinada à lógica e à razão e não limitada por prescrições formais exteriores.2
O princípio em causa significa, no rigor das coisas, que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido, devendo o tribunal apreciá-los de acordo com a experiência comum, com o distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica, na «liberdade para a objectividade».3Se uma vez forem observados e utilizados aqueles critérios na valoração das provas, resta ao juiz fazer a decisão segundo a sua livre convicção, baseada na sua consciência jurídica.
4. Ora, no caso vertente, tais princípios não se mostram postergados.
Os argumentos avançados facilmente são desmontados, não sendo por se tratar de um grande ou usual consumidor que tal afasta a possibilidade de ceder a outrem. Essa facilidade no contacto com as drogas pode até propiciar uma conduta de facilitação e disponibilização perante terceiros.
Depois, não é pelo facto de o arguido não confessar ou não haver prova directa do facto a comprovar que ele se terá por excluído. Mal andaria a Justiça quando esta só contasse com provas directas.
No caso em análise o Tribunal explicou bem como formou a sua convicção, para ela contribuindo as declarações do arguido, das testemunhas, as apreensões verificadas, as discrepâncias encontradas, não sendo de desprezar o diferente circunstancialismo em que o arguido foi interceptado e demais crimes relacionados.
Especialmente quanto à alegação prestada pelo recorrente de que todas as drogas eram para consumo pessoal, o Tribunal entendeu que eram divergentes as suas declarações e o recorrente não podia explicar certas questões, como as relativas à guarda de tais produtos.
Por outro lado, as testemunhas no processo referiram na audiência de julgamento que tinham consumido drogas no apartamento alugado pelo recorrente.
De facto, as drogas encontradas na posse do recorrente incluem ketamina com peso líquido de 10,868 gramas, considerando a capacidade económica do recorrente (trabalhador assalariado de casa de penhores com um rendimento de MOP 5.000,00 por mês) e o mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à Lei n.º 17/2009, tudo ponderado, não é desajustado concluir no mesmo sentido do Tribunal Colectivo.
Pode-se ver que o Tribunal Colectivo levantou dúvidas sobre a credibilidade dos depoimentos do recorrente com base nos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência de julgamento, nos dados constantes dos autos e nas regras de experiência, reconhecendo que parte das drogas detidas pelo recorrente eram para fornecer a outrem. O referido reconhecimento não foi feito só com base no peso e na espécie das drogas como o recorrente disse, mas tal raciocínio está em conformidade com as regras de experiência e as provas constantes dos autos.
5. Defende o recorrente que o tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo que, em seu entender, impunha que se desse como não provada a verificação dos factos que vêm descritos.
Apesar de praticamente inoperante ao longo de vários séculos da história processual penal, a solução pro reo dos casos de dúvida ou empate judicial apresenta-se como uma quase constante teórica do património cultural da humanidade.
A ideia segundo a qual é preferível absolver um culpado a condenar um inocente aparece, com estas mesmas palavras em inúmeros documentos do pensamento filosófico e jurídico.
Mas o que deve entender-se por dúvida insanável a motivar uma decisão pro reo?
Não é, naturalmente, qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido. Pode dizer-se que a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo, tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal. A relação in dubio pro reo e prova livre começa deste modo a desenhar-se.
É uma definição suficiente do que seja a dúvida que acciona o princípio e faz supor um entendimento objectivo da livre apreciação da prova. Enquanto se não afastar a compreensão do livre convencimento do juiz como sinónimo de uma liberdade sem freio, a fronteira da dúvida oscilará sem critério, carecerá daquele mínimo de objectividade necessário para que o princípio que se propõe resolvê-lo possa considerar-se, com rigor, uma regra de direito.
A uma convicção subjectiva corresponderá sempre uma dúvida subjectiva.
Só a uma convicção objectivável e motivável terá de corresponder a uma dúvida também ela objectivável e motivável. Ao pedir-se ao juiz, para a prova dos factos, uma convicção objectivável e motivável está-se a impedi-lo de decidir quando não tenha chegado a esse convencimento; ou seja, quando possa objectivar e motivar uma dúvida.
Espera-se deste modo, que a decisão convença. Convença o juiz, no seu íntimo, mas contenha em si igualmente a virtualidade de convencer o arguido e, nele, a inteira comunidade jurídica. Esta aspira a reconhecer na sentença a marca do socialmente considerado justo; mas já não se crê que essa solução brote de uma radical sinceridade do julgador, como se de alguém iluminado se tratasse. Confia agora na razoabilidade mesma da decisão, na limpeza da argumentação, que conduz ao veredicto final. Confia nos mecanismos de recurso, que supõem e exigem que se fale a mesma linguagem, que a uma razão se possa contrapor outra. Olha menos para a irrepetível singularidade do juiz da causa – não importa tanto saber se aquela concreta pessoa teve ou não dúvida sobre o facto – do que para a ciência e discernimento que deve possuir em comum com qualquer outro julgador e o há-de levar, portanto, a uma avaliação da prova admissível por todos, pelo menos no seu conteúdo essencial. Um juiz médio, um cidadão médio, ter-se-ia convencido da veracidade daquele testemunho, da autenticidade daquele documento, da espontaneidade daquela confissão? Ou, pelo contrário, não poderia deixar de duvidar, com razoabilidade, da ocorrência de determinado facto perante a prova produzida?
Livre convicção e dúvida que impede a formação da convicção são a face e contra-face de uma mesma intenção: a de imprimir a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva.4
Sobre o princípio processual da livre apreciação da prova e valoração desta segundo a livre convicção do juiz “Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida.”5
Assim se conclui que o princípio estabelecido no artigo 114° do CPP significa que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido, devendo o tribunal valorar os meios de prova de acordo com a experiência comum e com a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação e convicção.
6. Perante isto, o que se verifica é que o Tribunal analisou objectiva e sinteticamente todas as provas no processo e fez ponderado juízo dos factos, não se mostrando que tenha violado quaisquer regras de experiência ou da prova vinculada, tendo chegado a um resultado que não é desmentido aparentemente por nenhum outro elemento que emirja dos autos.
Na concretização da sua motivação, o Tribunal a quo indicou expressamente os fundamentos da formação dessa convicção e os factores considerados no exame crítico das prova.
7. O recorrente também se insurge contra a medida concreta das penas.
Diz dever beneficiar de uma atenuação especial e ser relevado o facto de ser muito jovem e se ter submetido a um tratamento de desintoxicação.
Como se sabe, a atenuação especial prevista no art. 66º do CPM tem como pressuposto a existência de circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, ou seja, a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.
“O Tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena” (artigo 66º, nº 1 do CP).
Esta previsão baliza os limites da atenuação especial e há-de orientar na concretização de quais sejam essas circunstâncias, de que o nº 2 do citado preceito elenca alguns exemplos.
Dir-se-á ainda que o uso da faculdade de atenuação especial da pena só pode ter lugar quando, ao lado das circunstâncias previstas, não concorram outros factos que lhes diminuam, por forma acentuada, tal efeito atenuativo.
A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo, donde decorre a sua excepcionalidade.
A jurisprudência tem entendido que o número das circunstâncias atenuantes nunca implica necessariamente a atenuação especial, sendo preciso demonstrar-se a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena. Ou seja, só depois de valorizar todas as circunstâncias verificadas no caso concreto e se do imagem global do facto resulta a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena é que se deve utilizar a atenuação especial da pena.
8. Ora, tal situação não se verifica no caso presente. O circunstancialismo atenuante que se verifica configura um circunstancialismo normal, não se lhe podendo dar a relevância pretendida pelo recorrente no sentido de diminuir, de forma acentuada, a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
Aliás, a reiteração de uma conduta no âmbito de uma intervenção tutelar desenha um quadro muito pouco abonatório em termos de valoração atenuativa.
A isto acresce que o arguido praticou uma série de crimes, não se podendo considerar a sua conduta como isolada.
As necessidades de prevenção geral e especial impõem-se no caso presente.
Não há, pois, uma diminuição de forma acentuada da ilicitude e da culpa ou da necessidade da pena.
9. Também a determinação concreta das penas se mostra acertada, não foge aos critérios da nossa Jurisprudência e não se afasta dos critérios vertidos nos artigos 40º e 65º do CP.
A ilicitude é expressiva, a culpa do agente é exponenciada pela disseminação do produto estupefaciente e pela reiteração de uma conduta criminosa, - mesmo fora da prática deste tipo de crime, haja em vista as condutas anteriores, como se documenta nos autos -, as necessidades da pena impõem-se em face de premência da prevenção geral em relação a este tipo de crime e à sua projecção na nossa comunidade.
Afastada que ficou a possibilidade de atenuar especialmente a pena, também em termos de medida da pena concreta, não há razão bastante para descer abaixo do nível até onde o Tribunal de 1ª Instância conseguiu ir, não se tendo afastado muito do mínimo da pena abstracta.
A pena concreta não deixa de reflectir os critérios plasmados nos artigos 40º e 65º do C. Penal.
A lei aponta quais as finalidades das penas no artigo 40º do C. Penal:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.”
Daqui se colhe a interpretação sintetizada na afirmação de Roxin6, delimitando o sentido e limites do direito penal, como “protecção subsidiária de bens jurídicos e prestação de serviços estatais, mediante prevenção geral e especial que salvaguarde a personalidade no quadro traçado pela medida de culpa individual.”
Sentido tanto mais reforçado quanto ganha foros programáticos logo no preâmbulo do Dec.-Lei 58/95/M de 14/Nov., ao proclamar-se que o Código Penal assenta as “suas prescrições na liberdade individual e na correspondente responsabilização de cada um de acordo com o princípio da culpa”, enaltecendo-se o “sentido pedagógico e ressocializador do sistema penal, respeitando os direitos e a personalidade dos condenados” enquanto “repare a violação dos bens jurídicos protegidos e sirva de referência tranquilizadora para a comunidade.”
Por outro lado, os critérios legais para a determinação da pena concreta, são os previstos no art. 65º, n.º 1 do C. Penal, onde se enfatizam as razões já proclamadas relativas aos fins das penas, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”.
10. Perante estas linhas orientadoras, descendo ao concreto, o recorrente praticou uma série de crimes relacionados com os estupefacientes em termos de una ilicitude e culpabilidade algo expressivas, os lugares, o número de pessoas envolvidas, a diversidade das drogas, tudo aliado a uma incerteza quanto à sua estruturação sócio familiar e profissional, tudo isso aponta para que não nos fixemos nas penas mínimas das respectivas molduras abstractas.
Conclui-se, pois, em princípio, pela justeza dos níveis das penas aplicadas.
A comparação entre os regimes legais aplicáveis, face à sucessão no tempo de diferentes lei penais, também não desmerece.
11. Entende-se assim que o recurso se mostra manifestamente improcedente, devendo, consequentemente, ser rejeitado nos termos dos artigos 407º, n.º 3 - c), 409º, n.º 2 - a) e 410º, do C. P. Penal.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em rejeitar o recurso por manifestamente improcedente.
Custas pelo recorrente, fixando em 4 UCs a taxa de justiça, devendo pagar ainda o montante de 3 UCs, a título de sanção, ao abrigo do disposto no artigo 410º, n.º 4 do CPP.
Macau, 2 de Dezembro de 2010,
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira(Relator)
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Tam Hio Wa(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Lai Kin Hong(Segundo Juiz-Adjunto)
1 - Ac. do TSI de 14/03/2002, proc. nº. 3261/01-5
2 - Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, II, pág. 27
3 - Teresa Beleza, Revista do Ministério Público, Ano 19º, pág. 40
4 - P. 4P2791 de 1/7/04 STJ
5 - Figueiredo Dias, Dto Processual Penal, reimp.2004, 202
6 - Ob. cit. pág. 43.
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686/2010 1/3