Processo n.º 223/2010
(Recurso civil e laboral)
Data: 9/Dezembro/2010
Recorrente: S.T.D.M.
Recorrida: A
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, melhor identificada nos autos, patrocinada por advogado, propôs contra a Ré, "Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM)", com sede na Avenida do Hotel XX, XX° andar, Macau, acção para efectivação do direito ao pagamento da compensação pelo dias de descanso semanal anual e feriados obrigatórios, por si não gozados, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia MOP$1.667.618,84 e ainda no pagamento de juros vencidos e vincendos sobre tal quantia.
Veio esta, a final, a ser condenada a pagar ao autor a quantia de MOP$810.023,29, bem como o montante de juros a contar do trânsito da sentença.
Da decisão final vem recorrer a STDM, Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L., R. alegando, em síntese:
Discorda da matéria de facto dada como provada quanto ao não gozo dos dias de descanso.
Carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização do A., ora Recorrido, i.e., a ilicitude do seu comportamento..
Deve considerar-se que o salário do trabalhador era um salário diário.
Cabia ao A., ora recorrido, provar que a Recorrente obstou ou negou o gozo de dias de descanso.
Não concluindo - e nem sequer se debruçando sobre esta questão - pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que o A. auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da sentença ora em crise.
A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
Ao trabalhar voluntariamente em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), o recorrido optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
O trabalho prestado pelo recorrido em dias de descanso foi sempre remunerado em singelo.
As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da STDM.
Não foram oferecidas contra alegações.
Oportunamente, foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“Da confissão e das provas documentais resultam provados os seguintes factos:
Da Matéria de Facto Assente :
- De 21 de Abril de 1988 a 21 de Julho de 2002, a A. manteve uma relação laboral com a R (alínea A) dos factos assentes).
- À A. cabia a prestação de trabalho (alínea B) dos factos assentes).
- A distribuição das gorjetas dadas pelos clientes dos casinos era feita a todos os trabalhadores da R. de acordo com a categoria profissional a que pertenciam (alínea C) dos factos assentes).
- Cabia à R. gerir o esquema de distribuição das gorjetas, recolhendo, contabilizando e distribuindo-as (alínea D) dos factos assentes).
- Pode-se conceber a elaboração de um esquema rotativo de gozo de descansos semanais, anuais e feriados pelos trabalhadores da R. (alínea E) dos factos assentes).
- Ao gozo de dias de descanso pelos trabalhadores da R. não corresponderia qualquer remuneração (alínea F) dos factos assentes).
- Em 23 de Julho de 2003, a A. assinou o documento junto a fls. 189 declarando ter recebido a quantia de MOP$30.212,74 referente à compensação extraordinária de eventuais direitos relativos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, eventual licença de maternidade e rescisão por acordo do contrato de trabalho, decorrentes do vínculo laboral com a R. (alínea G) dos factos assentes).
- Mais declarou que, com o montante recebido, nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a R. subsistia e, por consequência, nenhuma quantia seria por qualquer forma exigível pela A., na medida em que nenhuma das partes deve à outra qualquer compensação relativa ao vínculo laboral (alínea H) dos jactos assentes).
- Em meados de Julho de 2003, a A. foi informada pelo Departamento da Inspecção do Trabalho de que a indemnização se cifra em MOP$15.106,37 (alínea 1) dos factos assentes).
* * *
Da Base Instrutória:
- Da relação referido nos factos assentes em A) dos factos assentes, a A. recebia um rendimento fixo e um rendimento variável (resposta ao quesito da 1º da instrutória).
- O rendimento variável era constituído pelas gorjetas dadas pelos clientes da R. (resposta ao quesito da 3º da instrutória).
- A gestão e distribuição das gorjetas era feita pela R. de acordo com regras e critérios internos (resposta ao quesito da 4º da instrutória).
- Por ordens da R., as gorjetas eram obrigatoriamente colocadas numa caixa destinada exclusivamente para esse efeito (resposta ao quesito da 5º da instrutória).
- A A. não podia ficar com quaisquer gorjetas que lhe fossem entregues pelos clientes (resposta ao quesito da 6º da instrutória).
- A R. sempre incluiu o rendimento variável nos montantes que participou à Direcção de Serviços de Finanças para efeitos de liquidação e cobrança do imposto profissional dos seus trabalhadores (resposta ao quesito da 7º da instrutória).
- A distribuição foi sempre feita pela R. à A. de dez em dez dias (resposta ao quesito da 8º da instrutória).
- O rendimento fixo somado do rendimento variável era de; (resposta ao quesito da 9º da base instrutória):
- MOP$33.l85,00 em 1988;
- MOP$79.208,00 em 1989;
- MOP$114.193,00 em 1990;
- MOP$103.862,00 em 1991;
- MOP$133.446,00 em 1992;
- MOP$135.117,00 em 1993;
- MOP$90.442,00 em 1994;
- MOP$148.429,00 em 1995;
- MOP$174.858,00 em 1996;
- MOP$161.500,00 em 1997;
- MOP$185.547,00 em 1998;
- MOP$144.195,00 em 1999;
- MOP$152.708,00 em 2000;
- MOP$151.361,00 em 2001;
- MOP$186.761,00 em 2002.
- AA. trabalhava por turnos (resposta aos quesitos das 100e 11° da instrutória).
- Desde o início da relação, nunca a A. descansou um período consecutivo de 24 horas em cada período de 7 dias sem perda do respectivo rendimento (resposta ao quesito da 12° da instrutória).
- Nunca a A. descansou 6 dias por ano sem perda do respectivo rendimento (resposta ao quesito da 13°da instrutória).
- Até 30 de Março de 1989, nunca a A. descansou nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio, 1 de Outubro, 10 de Junho, nos dias de Chong Chao, Chong Yeong e durante três dias no Ano Novo Chinês tendo a A. trabalhado nesses dias (resposta ao quesito da 14° da instrutória).
- De 30 de Março de 1989 até 4 de Maio de 2000, nunca a A. descansou nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio, 1 de Outubro, durante três dias no Ano Novo Chinês, no dia 10 de Junho, e nos dias de Chong Chao, Chong Yeong e Cheng Meng tendo a A.. trabalhado nesses dias (resposta ao quesito da 15º da instrutória).
- Desde 4 de Maio de 2000 ate 31 de Dezembro de 2001, a A. não descansou nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio, 1 de Outubro, durante três dias no Ano Novo Chinês, no dia 20 de Dezembro, no dia seguinte ao dia Chong Chao, nos dias Chong Yeong e Cheng Meng; desde 1 de Janeiro de 2002 até 21 de Julho de 2002, a A. não descansou nos dia 1 de Janeiro, 1 de Maio, um dia no Ano Novo Chinês e no dia Cheng Meng tendo a A trabalhado nesses dias (resposta ao quesito da 16º da instrutória).
- Sem que a R. tivesse proporcionado qualquer acréscimo no rendimento da A (resposta ao quesito da 17º da instrutória).
- Nem compensado a A. com outro dia de descanso (resposta ao quesito da 18º da instrutória).
- Em 7 de Dezembro de 1994, a A. leu à luz o filho B (resposta ao quesito da 19º da instrutória).
- A A. gozou cerca de 118 dias de descanso nos anos de 2000 a 2002, entre eles em 2 dias do Ano Novo Chinês de 2002 (resposta ao quesito da 26º da instrutória).
- A actividade da R. é rigorosamente contínua não se interrompendo em qualquer dia ou momento, seja em fins de semana, estações de veraneio ou feriados obrigatórios (resposta ao quesito da 31° da instrutória).
- À data da assinatura do documento referido na alínea G) dos factos assentes, a A. trabalhava para a Sociedade de Jogos de Macau, S.A. (resposta ao quesito da 38º da instrutória).
- A A. acreditou na correcção do entendimento do Departamento da Inspecção do Trabalho e aceitou a quantia de MOP$15.106,37 acrescido do dobro dessa quantia (resposta ao quesito da 41º da instrutória).
- Posteriormente, a A. foi avisada pela Sociedade de Jogos de Macau, S.A., de que deveria deslocar-se ao Centro de Formação (resposta ao quesito da 42º da instrutória).
- No Centro de Formação, a A. assinou o documento referido em G) dos factos assentes (resposta ao quesito da 43°da instrutória).
- Foi-lhe dito que caso assinasse, receberia a quantia referida em G) dos factos assentes (resposta ao quesito da 44º da instrutória).
- A A. assinou o documento para não perder o emprego (resposta ao quesito da 45º da instrutória).
- À data da assinatura do documento referido na alínea G) dos factos assentes, só a Sociedade de Jogos de Macau, S.A. tinha condições para operar casinos (resposta ao quesito da 49º da instrutória).
- O "Casino Sands" foi inaugurado em Maio de 2004 (resposta ao quesito da 50º da instrutória).
- A "Galaxy Casino, S.A." iniciou a sua operação em 4 de Julho de 2004 (resposta ao quesito da 51º da instrutória).
- A R. é sócia dominante de Sociedade de Jogos de Macau, S.A. (resposta ao quesito da 52º da instrutória).
- A A. tomou conhecimento que o valor da compensação devia ser superior ao valor recebido em Setembro ou Outubro de 2003 (resposta ao quesito da 54º da instrutória).”
III – FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Da natureza jurídica do acordo celebrado entre as partes;
- Do salário justo; determinação da retribuição; as gorjetas auferidas pelos trabalhadores de casino integram ou não o seu salário?
- Do não gozo de dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios;
. prova dos factos; prova do impedimento do gozo;
. liberdade contratual; da admissibilidade de renúncia voluntária ao gozo de dias de descanso semanal, anual, feriados obrigatórios;
- Integração da natureza do salário; mensal ou diário;
- Determinação dos montantes compensatórios dos dias de trabalho prestado em dias descanso e festividades.
As diferentes questões foram abordadas em vários e abundantes arestos dos Tribunais de Macau, referindo-se que em praticamente todos eles se conseguiu uma unanimidade de entendimento, tanto na 1ª Instância, como neste Tribunal de Segunda instância.1
Depois disso, sobrevieram algumas decisões do TUI2, que decidiu contrariamente à posição que granjeara unanimidade total numa questão fundamental, qual seja a de saber se as gorjetas dos trabalhadores dos casinos da STDM integravam o salário.
Perante tais decisões daquele Alto Tribunal, essa questão, bem como as outras que se colocavam, foram já tratadas devidamente numa série de acórdãos deste Tribunal de Segunda Instância e nesta secção em particular, aí se explicando, com o devido respeito, as razões do não acatamento da interpretação do TUI, cientes de que a responsabilidade pela uniformização da Jurisprudência não pode depender unicamente do critério de cada julgador, devendo ser implementada pelo legislador.3
Por essa razão, nessa, bem como nas restantes questões, remetemo-nos para a Jurisprudência deste Tribunal de Segunda Instância.
2. Posto, isto, passa-se de imediato à abordagem das questões que vêm colocadas no recurso, o que se fará, pelas razões acima aduzidas, em termos sintéticos.
A primeira questão que se deve apreciar é a da caracterização da relação jurídica existente, o que se reconduz, no fundo, a saber se estamos ou não perante um contrato de trabalho entre ambos celebrado.
Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho prestado mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções da empregadora na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar.
Temos assim por certo que o contrato celebrado entre um particular e a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A., para aquele trabalhar naquela área dos casinos, sob direcção efectiva, fiscalização e retribuição por parte desta, deve ser qualificado juridicamente como sendo um genuíno contrato de trabalho remunerado por conta alheia, contrato esse que deve ser remunerado com uma retribuição justa.
3. Fundamentalmente, o que está em causa é saber se as gorjetas integram o salário do trabalhador. Anote-se que o que interessa é a consideração do que seja o salário para efeitos das compensações a contemplar, face ao que reclamado vem nos autos.
O cerne da questão residirá em saber se, face à matéria de facto, melhor apreendida pelas Instâncias, filtrada e burilada através de tantos e tantos outros processos, se ela não predispõe num outro sentido compreensivo mais abrangente da realidade com que deparamos nos casos da STDM e neste em particular.
A questão não pode ser desenquadrada do seu todo, do rendimento efectivo expectável, da prática adoptada e reiterada anos e anos a fio, da natureza específica da exploração e actividade de um casino, da realidade diversa da de outros ordenamentos em termos de Direito comparado.
O carácter de liberalidade e eventualidade das gorjetas é contrariado pelo facto de as mesmas, no caso dos casinos da STDM, serem por esta reunidos, contabilizados e distribuídos e não se diga que o sistema de contabilização e distribuição pela empresa representa o sistema mais justo e que mais beneficia o trabalhador não é argumento decisivo, pois que sempre se pode entender que essa prática se insere no próprio processo contratual entre as partes e que por isso mesmo o trabalhador espera com uma forte probabilidade vir a auferir uma massa de rendimentos, só por via dela anuindo à celebração daquele contrato de trabalho.
É verdade que quanto à perspectiva tributária incidente sobre as gorjetas esse argumento não se mostra decisivo.
Na perspectiva tributária de direito público, o imposto profissional é um imposto parcelar, estruturado cedularmente, mediante o qual se submete a regime específico de incidência, determinação da matéria colectável e taxa os rendimentos decorrentes do trabalho, por conta de outrem ou por conta própria. Englobam-se nesse tipo de rendimento as gratificações ou gorjetas espontânea e livremente entregues, na sequência de uma reiterada prática social, pelos beneficiários de um determinado serviço ou trabalho, e por causa deste, aos que executaram esses serviço ou trabalho.4
Não obstante o princípio da autonomia privada, há que ter em conta, principalmente no que respeita à liberdade de estipulação do conteúdo, determinadas normas que não podem ser afastadas pela vontade das partes, as quais limitam a liberdade contratual, impondo, pelo menos, um conteúdo mínimo imperativo.
As gorjetas dos trabalhadores da STDM, na sua última ratio devem ainda ser vistas como "rendimentos do trabalho", sendo devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não originariamente como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, estando nós seguros de que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que na sua base é um salário de miséria.
Não se deixam de encontrar no Direito Comparado situações em que a gorjeta integra o valor da remuneração, assim acontecendo no Brasil, compreendendo-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago directamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber e considerando-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada à distribuição aos empregados.
Salvaguardando a diferença de sistemas, assim acontece igualmente nos EUA.
Assim acontece em Hong Kong, onde ainda recentemente o Court of Final Appeal decidiu ratificar o entendimento do Court of Appeal no sentido de que as gorjetas deviam integrar o salário com argumentos próximos dos acima expendidos.5
Por outro lado, em Portugal, não minimizando a douta doutrina citada pelo TUI, não se deixa de assinalar, como acima se referiu, que a realidade fáctica diverge em ambos os ordenamentos e num ponto que se nos afigura essencial, qual seja o de em Portugal o rendimento mínimo estar garantido por lei.
4. Do não gozo de dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios;
. prova dos factos
. liberdade contratual; da admissibilidade de renúncia voluntária ao gozo de dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios.
Provou-se que o trabalhador em questão trabalhou nos dias de descanso semanal, anual e também feriados obrigatórios e não recebeu qualquer acréscimo.
Para que haja erro manifesto na apreciação da prova tem de resultar da alegação da parte recorrente e dos elementos dos autos a probabilidade de existência de erro de julgamento, o que decorre da indicação não só dos pontos considerados incorrectamente julgados, como da indicação dos concretos meios probatórios que impunham uma decisão diversa (cfr. artigo 599º, n.º 1, a) e b) e 629º do CPC).
No que ao ónus da prova respeita só importaria apreciar a questão em caso de falta de prova dos factos alegados pela parte a quem cabia o ónus de provar os factos integrantes do seu direito (cfr. o n.º 1 do art. 335° do CC), de forma a daí retirar as devidas consequências.
5. Da liberdade contratual.
Ao interpretar e aplicar qualquer legislação juslaboralística em sede do processo de realização do Direito, temos que atender necessariamente ao “princípio do favor laboratoris”, princípio que para além de “orientar” o legislador na feitura das normas juslaborais (sendo exemplo paradigmático disto o próprio disposto no art.º 5.º, n.º 1, e no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril), deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou a solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir.
Do que acima fica exposto decorre que se A. e Ré podiam acordar nos montantes da retribuição (e o problema que se põe nessa sede não é já o do primado da liberdade contratual mas sim o da determinação da vontade das partes quanto à integração dessa retribuição) já o mesmo não acontece quanto ao gozo dos dias de descanso, férias e feriados e sua remuneração.
6. Da errada interpretação e aplicação do n.° 4, do art. 26° do RJRT - da violação do n.° 2 do art. 564º do CPC
E ainda da configuração do salário como mensal.
As características e natureza do trabalho, tal como vem provado, harmonizam-se mais com o considerar que se tratava de um salário mensal, estando a remuneração não já dependente do resultado de trabalho efectivamente produzido, nem, tão-pouco, do período de trabalho efectivamente prestado.
Da redacção do n.º 4 do artigo 26º decorre uma consequência importantíssima na interpretação das normas que atribuem as compensações pelo trabalho prestado nesses dias. É que o n.º 1 do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, atentos os termos empregues na redacção da sua parte final, - os trabalhadores que auferem um salário mensal...não podendo sofrer qualquer dedução pelo facto de não prestação de trabalho nesses períodos (períodos de descanso semanal e anual e feriados obrigatórios) - visa tão-só proteger o trabalhador contra eventual redução do seu salário mensal por parte do seu empregador sob pretexto de não prestação de trabalho nesses períodos e, por isso, já não se destina a determinar o desconto do valor da remuneração normal na compensação/indemnização pecuniária a pagar ao trabalhador no caso de prestação de trabalho em algum desses dias.
Essa posição, no respeitante ao tipo do salário da parte A., releva para aplicação do n.º 6 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, na actual redacção dada pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, já que na hipótese de pagamento do trabalho prestado em dia de descanso semanal, por força do n.º 6, é ao disposto na sua alínea a) que se atende e já não ao determinado na sua alínea b).
7. Da lei aplicável.
Ainda aqui nos remetemos para o desenvolvimento feito nos acórdãos já citados.
Posto isto, assim se entra na análise da correcção da sentença recorrida quanto ao apuramento das compensações devidas pela entidade patronal, por violação dos diferentes tipos de descanso do trabalhador e assim do invocado erro de direito em relação às pertinentes normas reguladoras daquelas compensações.
Neste caso particular acompanhamos as fórmulas adoptadas na Jurisprudência quase unânime deste Tribunal, unanimidade que sofreu até ao momento apenas a excepção da compensação do trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios.6
Tais fórmulas de cálculo, no essencial, foram ratificadas pelo TUI, com excepção do trabalho prestado em dias de folga semanal. O que, de certa forma, se ficou devendo ao entendimento divergente, donde partiu, ao assentar na existência de um salário diário, o que vale por dizer, prestado em função do trabalho efectivamente prestado
8. Os rendimentos deste processo constam da matéria acima dada como provada.
Ano
Salário Médio Diário
1
1988
130,10
2
1989
217,00
3
1990
312,90
4
1991
284,60
5
1992
365,60
6
1993
370,20
7
1994
247,80
8
1995
406,70
9
1996
479,10
10
1997
442,50
11
1998
500,10
12
1999
395,10
13
2000
418,40
14
2001
414,70
15
2002
924,60
9. Trabalho prestado em dia de descanso semanal
Assim, configura-se o seguinte quadro para o DESCANSO SEMANAL,
(A penas será devida indemnização sob a alçada do Decreto-Lei n.° 24/89/M):
Ano
número de
dias
vencidos e não gozados
remuneração
diária média
em MOP
(B)
Quantia indemnizatória
(A x B x 2)
1989
39
217,00
16,926.00
1990
52
312,90
32,448.00
1991
52
284,60
29,598.40
1992
52
365,60
38,022.40
1993
52
370,20
38,500.80
1994
52
247,80
25,771.20
1995
53
406,70
43,110.20
1996
52
479,10
49,826.40
1997
52
442,50
46,020.00
1998
52
500,10
52,010.40
1999
52
395,10
41,090.40
2000
0
418,40
0.00
2001
0
414,70
0.00
2002
52
924,60
96,158.40
Total das quantias →
509,482.60
Vs o total na sentença:
692.245,50
10. Descanso anual
Como se entrou com o factor x1, tanto na âmbito do DL 101/84/M, como no DL 24/89/M, ficou-se aquém do valor que se encontraria segundo os critérios deste TSI, donde manter-se o valor apurado na falta de recurso do trabalhador.
11. Feriados obrigatórios
O mesmo se diga em relação aos feriados obrigatórios. Entrou-se na sentença recorrida com o factor x2 quando segundo o critério aqui adoptado devia seguir-se a fórmula X3.
13. Concluindo,
Os valores encontrados para a compensação dos descansos semanais alteram-se em conformidade com os cálculos constantes do mapa supra.
No mais se manterá o decidido por não vir recurso do trabalhador.
Tudo visto e ponderado, resta decidir,
IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam os Juízes que compõem o Colectivo deste Tribunal, em conferência:
- em julgar parcialmente procedente o recurso da STDM, revogando parcialmente o decidido, condenando-se a Ré STDM a pagar ao A. a quantia de MOP$ 509,482.60, a título de compensação pelos descansos semanais;
- em manter o mais que foi fixado na sentença recorrida.
Custas do recurso da decisão final pela Ré, recorrente e pelo A., recorrido, na proporção dos respectivos decaimentos.
Macau, 9 de Dezembro de 2010,
_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)
_________________________
Tam Hio Wa
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 - Processos 241/2005, 297/05, 304/05, 234/05, 320/05, 255/05, 296/05, respectivamente de 23/5/06, 23/2/06, 23/2/06, 2/3/06, 2/3/06, 26/1/06, 23/2/06, 330/2005 , 3/2006, 76 /2006.
2 - Processos 28/2007, 29/2007, 58/2007, de 21/7/07, 22/11/07 e 27/2708, respectivamente
3 - Cfr. processos, deste TSI, de 19/2/09, 314/2007, 346/2007, 347/2007, 360/2007, 370/2007
4 - Parecer da PGR n.º P001221988, de 18/11/88
5 - Proc. 55/2008, de 19/1/09, betweeen XX and HK XX Travel Service Limited, in http://www.hklii.org/hk
6 - Vd. douto voto vencido nos Acórdãos 234/2005 e 257/2007, de 2/3/06 e 9/3/06, respectivamente
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223/2010 1/22