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Processo n.º 443/2009
(Recurso Cível)

Data : 28/Outubro/2010

ASSUNTOS:
- Fundamentação da sentença cível
- Mora e incumprimento definitivo
- Declaração expressa da vontade de não celebração do contrato prometido
- Erro negocial
- Valor da coisa; qualidade do objecto

SUMÁRIO:
    
1. Exigindo-se no Cível que o Tribunal aprecie criticamente as provas, uma declaração que revele a existência dessa apreciação não deixará de ser suficiente.
    2. O incumprimento definitivo pode resultar de uma manifestação clara por parte dos promitentes vendedores em não quererem realizar a escritura de compra e venda de uma dada fracção autónoma, posição que assumiram perante uma solicitação continuada no tempo sobre a realização da escritura.
    3. Verifica-se o incumprimento definitivo da prestação quando esta se torna impossível para sempre. Só esta relevará para efeitos, nomeadamente para efeitos de resolução - artigos 797º e 790º do CC.
4. Para que o erro negocial seja relevante, tratando-se de um erro vício, importará que o erro seja cognoscível pelo declaratário ou tenha sido causado por informações prestadas por este, como decorre do art. 240º, n.º 1 do CC.
5. O erro só se considera cognoscível quando, face ao conteúdo e circunstâncias do negócio e à situação das partes, uma pessoa de normal diligência se podia ter apercebido dele - n.º 3 do art. 240º do CC.
6. A não se considerar que o valor de mercado de uma dada coisa é uma qualidade, passível de integrar o objecto de erro negocial, nem sequer é possível configurar sobre ele uma hipótese de erro como causa de anulabilidade do negócio.

O Relator,







Processo n.º 443/2009
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 28/Outubro/2010
Recorrentes: A
B
Recorrida: C

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    
    C, melhor identificada nos autos,
intentou
    ACÇÃO COM PROCESSO COMUM ORDINÁRIO,
contra
    A e B, solteira, maior, também melhor identificados nos autos,
pedindo que a presente execução específica fosse recebida com todas as suas consequências legais e, a final, julgada procedente e provada.
Pediu ainda fosse:
a) proferida sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial dos Réus faltosa, a fim de, posteriormente, se proceder ao registo na Conservatória do Registo Predial de Macau;
b) condenados os Réus a pagar todas as custas e procuradoria condigna;
    c) ordenada a citação dos Réus, na morada acima indicada, para, querendo, contestar a presente acção no prazo e sob a cominação legais, seguindo-se os demais termos até final.
    
    A final foi proferida sentença, decidindo-se:
“1) – Declarar, desde que a Autora C pague o remanescente do preço acordado, que a Autora C, possa adquirir a propriedade da fracção autónoma designada por “XX” do XXº andar, para habitação, do prédio, sito na Avenida da XXX, nºs XX a XX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº XXXXX a fls. XX do Livro XX, registado, pela inscrição nº XXXXX e na matriz predial urbano sob o nº XXXXX, nos termos do artigo 820º do Código Civil de Macau.
*
2) – Cumprido o fixado no nº XX, proceder ao respectivo registo de aquisição e definitiva transmissão de propriedade na Conservatória do Registo Predial, caso não exista outro obstáculo legal.
*
Custas pelos Autores (artigo 376º/1 – última parte do CPCM).”
    
    A e B, Réus nos autos à margem referenciados, vêm recorrer daquela sentença, alegando, fundamentalmente e em síntese:
    Entendem os Recorrentes que a referida decisão do douto Tnbunal "a quo" é nula porque não motivou devidamente as respostas dadas aos quesitos da base instrutória e julgou incorrectamente a matéria de facto perante a prova produzida no processo.
    Para além do erro na formação da sua vontade declarada no contrato promessa por si assinado, os Recorrentes alegaram e peticionaram em consequência, que não houve interpelação admonitória, ou seja a Recorrida não comunicou aos Recorrentes atempadamente a mudança da data de celebração da escritura.
    Ora, o Tribunal "a quo" deu como não provada a matéria de facto referente à questão de saber a quem incumbia o ónus de comunicar a data da escritura de compra e venda, nomeadamente o quesito n.º 11, sem qualquer justificação.
    Facto, considerado, no entender dos Recorrentes, essencial, pois a falta de comunicação do dia exacto da celebração da escritura faz com que não haja incumprimento por parte dos Recorrentes.
    Contudo, estranhamente, o Tribunal deu como provado que desde Abril de 2005, a Recorrida solicitou aos Recorrentes a celebração da escritura de compra e venda, também sem qualquer justificação, apenas tendo como base o documento n.º 3 junto à petição inicial, que se traia de uma carta datada de 13/05/2005, para comunicação da celebração da escritura para dia 14/05/2005.
    Ora, quanto a esta matéria, ao contrário do que a Recorrida pretende fazer crer, os Recorrentes nunca foram notificados da mudança de data da celebração da escritura para dia 14 de Maio de 2005.
    Aliás, apenas ficou provado que (facto do quesito n.º 1) desde Abril de 2005, a Recorrida solicitou aos Recorrentes a celebração da escritura de compra e venda, e que a Recorrida e os Recorrentes acordaram que a chave da referida fracção seria entregue até à data da celebração da escritura de compra e venda, ou seja, até 15 de Maio de 2005, (facto assente E)), mas isso prova que no dia 13 de Maio de 2005 a Recorrida avisou os Recorrentes da mudança súbita da data de celebração da escritura, para dia 14 de Maio de 2005.
    Situação aliás deveras carica1a, pois apesar de possível, não deixa de ser estranho que apenas na véspera da celebração da escritura, a Recorrida se tenha lembrado da mudança súbita da data de celebração da escritura em causa, facto esse que tem que contar também com a concordância e disponibilidade dos Recorrentes, o que nem sequer foi atendido.
    Mais, há que reconhecer que, como de resto a Recorrida sempre reconheceu que em 14 de Maio de 2005, os Recorrentes contactaram com a Dra. Leong Im Fong, advogada estagiária, a fim da mesma escrever uma carta à firma imobiliária - D Fomento Predial. pala que esta comunicasse à Recorrida que os Recorrentes não tinham interesse em vender a fracção autónoma pelo preço fixado, oferecendo-lhe em contrapartida, o dobro do sinal recebido, ou seja a quantia de HKD$100.000,00, a fim de dar cumprimento ao contrato-promessa (Oferta que a Recorrida recusou).
    E desse facto podemos facilmente concluir que os Recorrentes não sabiam da mudança súbita da data para celebração da escritura, pois, porque razão escreveriam a referida carta no dia 14 de Maio de 2005, alegado dia para a celebração da escritura e não o disseram directamente à Recorrida, aquando da escritura, uma vez que os Recorrentes mantinham a sua intenção de vender a mencionada fracção, mas por outro preço. Aliás, era sua intenção sentar com a Recorrida e discutirem o preço.
    E como refere o Ac. da Relação de Coimbra, 1993/02/09 - CJ, ano XVIII, Tomo I, 39: “O princípio da necessidade de interpelação é indiscutível, pois sem o seu cumprimento o devedor pode não saber que está em atraso no incumprimento”.
    Ora, este facto alegado pelos Recorrentes não foi objecto de apreciação por parte do Tribunal, nem objecto de apreciação por parte da douta sentença. E por muito que se perca "tintas neste domínio" e por muito que se puxe pela cabeça não se consegue encontrar justificação para se avançar como facto provado que a Recorrida comunicou aos Recorrentes a data da celebração da escritura, quando em sede de julgamento, que com o devido respeito não contou com a presença do julgador, as próprias testemunhas da Recorrida, nomeadamente a Irmã E e a agente imobiliária F, alegaram que a irmã da Recorrida entregou a carta de comunicação de alteração da data de celebração da escritura no próprio dia 14 de Maio de 2005 à agente imobiliária para que esta comunicasse aos Recorrentes, sendo que esta comunicou apenas ao tio dos Recorrentes, via telefónica, desconhecendo se este comunicou aos Recorrentes.
    Aliás, e quem está em situação de incumprimento é a Recorrida, pois mesmo admitindo-se, sem conceder, que a Recorrida tenha interpelado os Recorrentes da alteração da data da escritura, tempo não houve sequer para os Recorrentes expressarem a sua concordância e confirmarem a sua viabilidade.
    E por outro lado, para que se considere estarmos perante uma interpelação admonitória, há que salvaguardar um prazo dito razoável para que os destinatários recebam a interpelação e digam de sua Justiça !
    Ora, no presente caso sub judice, como é por demais evidente pelo conteúdo da p.i. não houve lugar à interpelação admonitória até à presente data, havendo pelo contrário um incumprimento imputável à Recorrida, o que significa que os Recorrentes nunca estiveram em mora.
    Mas a douta decisão de que ora se recorre deu como dado adquirido a existência de comunicação, para a partir daí, concluir que, não tendo os recorrentes celebrado escritura pública, houve um incumprimento da sua parte.
    Por outro lado, para a boa apreciação do pedido formulado pela Recorrida, temos de entrar em linha de conta com um importantíssimo dado : nunca foi intenção dos Recorrentes deixar de vender a fracção, muito menos para a Recorrida, pelo contrário, e tanto assim é que os próprios Recorrentes apresentaram nos serviços das Finanças de Macau, em 10 de Maio de 2005, o requerimento para transferencia de propriedade (M3).
    Na verdade, apesar de não estar provado, os Recorrentes foram erradamente convencidos que estavam a celebrar um “negócio justo”, vendendo a fracção ao preço do mercado. Ora este erro constitui um obstáculo a qual declaração e representa só por si uma barreira à celebração negocial, pois assiste-se a um desvio de vontade de acção.
    Contudo, os RR. conscientes que assinaram um contrato com a Recorrida e que têm um compromisso para com esta, não pretenderam fugir à suas responsabilidades.
    Pelo contrário, procuraram a ajuda de um advogado a fim de expressar a sua vontade de renegociar o preço, mas agora conscientes da realidade de facto, oferecendo entretanto, o dobro do sinal prestado, de modo a que a Recorrida não se sentisse prejudicada.
    E no fundo, os Recorrentes, apesar da sua vontade estar viciada, honraram e assumiram a sua obrigação e em sinal de respeito pela Recorrida, actuaram por força do funcionamento do regime contratado entre as partes, no sentido de devolverem o dobro do sinal, uma vez que não pretendiam celebrar a escritura no dia 15 de Maio de 2005, por motivos de discordância com o preço mencionado no contrato sub judice.
    A mesma atitude não teve a Recorrida, pois alterou a data de celebração da escritura, sem comunicar convenientemente os Recorrentes, nem sequer ter averiguado se os mesmos estavam disponíveis para essa data. É verdade que os Recorrentes pretendiam ver resolvida a questão do preço da escritura, mas nem sequer lhes foi dada oportunidade de se sentarem com a Recorrida, que tudo fez para não ter essa discussão, pelo contrário a Recorrida sabendo que os mesmos pretendiam discutir o preço, decidiu sem mais avançar com uma petição judicial apresentada em Tribunal em 16/05/2005, sem antes mesmo interpelar os Recorrentes para o cumprimento da obrigação, pois sabia de antemão que era a própria Recorrida que estava em falta, por não ter comunicado a alteração da data da escritura, quiçá por forma a gerar um pretenso incumprimento por parte dos Recorrentes, para pressionar a venda por parte dos Recorrentes.
    Por outro lado, entendem ainda os Recorrentes, sempre salvo o devido respeito, que o acórdão que decidiu a matéria de facto não está devidamente motivada, conforme impõe o n.º 2 do artigo 556º do CPC.
    Na verdade é hoje jurisprudência dominante que a mera referência a factos provados e não provados e a genérica referência, como o fez o douto Tribunal "a quo", de que" respostas aos quesitos fundamentam-se na convicção do Tribunal resultante da análise crítica e comparativa dos documentos juntos aos autos, e dos depoimentos das testemunhas inquiridas (...)" não obedece à exigência legal da motivação da decisão, pois, por ser muito genérica, não permite o controle critico da lógica que presidiu à decisão, impedindo o tribunal de recurso de formar um juízo concordante ou divergente com o mesmo, conforme refere Abílio Nem em anotação ao CPC.
    Assim sendo, a decisão ora recorrida fez, salvo o devido respeito, uma errada valoração dos factos, violando o disposto no artigo 820°, n. 2 do Código Civil de Macau, e o artigo 556° do CPCM.
    
    Nestes termos, defendem, deve a decisão objecto do presente recurso ser alterada e revogada por outra que conclua pela improcedência do pedido deduzido pela recorrida, por falta de prova bastante para se obter uma decisão que obedeça aos princípios gerais das obrigações capaz de produzir os efeitos da declaração negocial prestada pelos recorrentes no contrato promessa sub judice, absolvendo os Recorrentes do pedido, mais se considerando provado e procedente o pedido reconvencional dos Recorrentes.
    

    C, recorrida dos autos acima referidos, contra alega, em síntese:
    
    A sentença recorrida não violou o disposto do artigo 556.º n.º 2 do CPCM.
    No recurso, entende-se que não constituíram em mora os recorrente, nem incumprimento definitivo do contrato, pela falta de interpelação do seu cumprimento.
    No entanto, de acordo com o contrato promessa constante dos autos, foi estipulado expressamente o prazo para ambas as partes lavrarem escritura pública, pelo que nos termos do artigo 794.º n.º 2 alínea a) do CCM, a mora do devedor não depende da interpelação.
    Da sentença, depreende-se que a recorrida exigiu várias vezes o cumprimento do contrato promessa dos recorrentes (celebração da escritura pública), porém manifestaram os recorrentes que não lhe interessavam o cumprimento (celebração do contrato prometido).
    Tanto na prospectiva da doutrina como segundo a jursiprudência, sempre que o prometente vendedor mostra a intenção firme de não cumprimento, surge logo o incumprimento definitivo do contrato (vide o acórdão n.º 2/2002 do TUI em 9 de Julho de 2002 e acórdão n.º 932/01 do STJ em 27 de Novembro de 2001)
    Conforme o artigo 4.º do contrato promessa, pelo incumprimento das cláusulas acima referidas, o outorgante A (recorrente) obriga-se a indemnizar o outorgante B (recorrida) o sinal em dobro no valor de HKD100.000,00 (incluindo o sinal), caso incumprimento verificar-se em relação ao outorgante B, tem o outorgante A direito de fazer sua a verba entregue....A estipulação do direito e dever no artigo 4.º do contrato promessa limita-se a repetir o direito e dever geral dos contratantes quanto ao pagamento do sinal, não se considera convenção em contrário tal como indicado no artigo 820.º n.º 2 do CCM.
    Razão pela qual, no contrato promessa celebrado pelos recorrentes e recorrida, não se convencionaram a renúncia das partes do direito a pedir a execução específica ao tribunal.
    Entretanto, nas alegações do recurso, os recorrentes julgam que incorreram em erro sobre valor real do preço do edifício, todavia tal facto não foi provado, o que foi provado é que os réus vieram a saber que o valor do referido apartamento é superior a HKD1.000.000,00 um ano depois da celebração do contrato.
    Seja como for, ainda que exista erro na suposição, a jurisprudência firmemente opinou: o erro sobre preço não se deve levar em conta e não pode comprometer a validade do negócio (vide RLJ, 107.º-40; e Abílio Neto, Código Civil Anotado, 12.ª edição actualizada, 1999, fls. 156, ponto 8.º).
    A sentença recorrida não violou o artigo 556.º n.º 2 do CPCM, e os recorrentes interpuseram recurso quanto à matéria de facto dada como provada pela sentença, violou obviamente o artigo 430.º n.ºs 2 e 3 do CPCM, uma vez que de acordo com os autos recorridos, no processo de 1.ª instância, a recorrido não reclamou contra o despacho saneador proferido pelo juiz do Tribunal a quo, pelo que nesta fase, os recorrente não dispõem legitimidade de recorrer face à matéria de facto dada como provada na sentença recorrida. Assim sendo, os recorrentes não têm legitimidade de recorrer em relação aos factos dados como provados na sentença recorrida.
    
Por isso solicita ao Tribunal a manutenção do decidido.

Foram colhidos os vistos legais.

    
    II - FACTOS
   Vem provada a factualidade seguinte:
   “Da Matéria de Facto Assente:
- A 3 de Janeiro de 2005, os Réus declararam prometer vender aos Autores que declaram prometer comprar, pelo preço de HKD$620,000.00 (seiscentos e vinte mil dólares de HK) a fracção autónoma, para habitação, denominada pelas letras “XX”, sita no Xº andar, do prédio sito na Avenida de XXX, nºs XX a XX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o nº XXXXX, a fls. XX, do Livro XX, onde se encontra registado, pela inscrição nº XXXXX e na matriz predial urbana sob o artigo XXXXX, a favor dos Réus, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. X, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (tradução junta aos autos a fls. 152) (alínea A da Especificação).
- O registo da propriedade horizontal de tal prédio foi efectuado a 24 de Março de 1981 (alínea B da Especificação).
- Naquela data, a Autora pagou aos Réus a quantia de HKD$50,000.00 (cinquenta mil dólares de HK), a título de sinal e princípio de pagamento (alínea C da Especificação).
- Acordaram as partes que o remanescente do preço seria pago aquando da celebração da escritura de compra e venda (alínea D da Especificação).
- Acordaram a Autora e os Réus que a chave da referida fracção seria entregue até à data da celebração da escritura de compra e venda, ou seja, até 15 de Maio de 2005 (alínea E da Especificação).
- A escritura de compra e venda não foi ainda outorgada (alínea F da Especificação).
- Os Réus ofereceram à Autora o sinal em dobro (alínea G da Especificação).
* * *
   Da Base Instrutória:
- Desde Abril de 2005, a Autora solicitou aos Réus a celebração da escritura de compra e venda (resposta ao quesito 1º).
- Os Réus responderam a tais solicitações que não pretendiam celebrar a escritura pública de compra e venda (resposta ao quesito 2º).
- Os Réus vivem no Canadá há mais de 10 anos (resposta ao quesito 3º).
- Em Agosto de 2004 deslocaram-se a Macau e pediram a seu tio G que lhes arranjasse uma agência uma vez que pretendiam vender a fracção melhor identificada em A), pelo preço de mercado (resposta ao quesito 4º).
- Em Dezembro de 2004, G contactou os Réus, que haviam regressado ao Canadá e informou-os que a agência conseguira uma compradora interessada em adquirir a fracção melhor identificada em A), pelo preço de HKD$620,000.00 (resposta ao quesito 5º).
- Informou-os ainda de que aquele preço era muito bom, correspondendo ao preço de mercado da fracção (resposta ao quesito 6º).
- Posteriormente os Réus ficaram a saber que o preço de mercado em Maio de 2005 para tal fracção era de mais de HK$1,000,000.00 (resposta aos quesitos 7º).
    
    III -FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- nulidade da sentença;
- mora dos RR;
- erro negocial

2. Entendem os Recorrentes que a decisão do Tribunal ora recorrido é nula porque não motivou devidamente as respostas dadas aos quesitos da base instrutória e julgou incorrectamente a matéria de facto perante a prova produzida no processo.

Cremos não ter havido violação do artigo 556.º n.º 2 do CPC, não ocorrendo a pretensa nulidade, porquanto o que importa é que nos possamos aperceber dos elementos probatórios em que o Tribunal se louvou para formar a sua convicção, de forma a concluir que essa convicção não foi arbitrária e os elementos referidos são de molde a poderem sustentá-la.
O TUI já se pronunciou sobre a fundamentação das decisões da matéria de facto em sede dos processos crime, no sentido de que a enumeração dos factos provados e não provados, a indicação dos meios de prova utilizados e a exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão devem permitir conhecer as razões essenciais da convicção a que chegou o tribunal, no que se refere à decisão de facto.

Dessa feita a “exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão pode satisfazer-se com a revelação da razão de ciência das declarações e dos depoimentos prestados e que determinaram a convicção do tribunal.

A extensão e o conteúdo da motivação são função das circunstâncias específicas do caso concreto, nomeadamente da natureza e complexidade do processo.

Não é exigível que o tribunal faça a apreciação crítica das provas.”1

Exigindo-se no Cível que o Tribunal aprecie criticamente as provas, estamos, no entanto, em crer que uma declaração que revele a existência dessa apreciação não deixará de ser suficiente.
Ora essa revelação não deixa de ocorrer com a formulação constante de fls 331 e v. dos autos onde se diz que o Tribunal procedeu a uma apreciação crítica e comparativa de documentos e depoimentos, que esses depoimentos revelaram isenção e imparcialidade, que foi ponderado o seu posicionamento em relação aos interesses em jogo, que foi revelado conhecimento directo dos factos relatados ou de qualquer forma percepcionado ou vivenciado.

Assim se conclui que a decisão da matéria de facto datada de 17 de Janeiro de 2009 decretou expressamente os factos dados como provados e não provados, além de ter analisado as referidas provas e apreciado o seu valor, especificando os fundamentos que determinam a convicção do julgador, pelo que se terá cumprido o imperativo do art. 556º, n.º 2 do CPC.

    3. Dizem os recorrentes que nunca estiveram em mora porquanto não houve lugar à interpelação admonitória por parte da A, ora recorrida.
    E sobre esta questão é ela abordada sob duas vertentes.
    Em primeiro lugar dizem os recorrentes que não podia ter sido fixada a matéria que vem provada em sede de interpelação por não haver suporte fáctico-documental para tanto.
    Bem, sobre isto pouco haverá mais a dizer do que constatar que os recorrentes se limitam a discordar da convicção do Tribunal, não cabendo a este Tribunal reapreciar a matéria de facto fixada porquanto não foi dado cumprimento ao estabelecido no artigo 599º, n.º 1 e 2 do CPC.
    Partiremos, pois, da matéria de facto que vem fixada.
    Depois, quanto à substância da interpelação dada como provada, concluem, contrariamente ao decidido pela inexistência de uma real interpelação admonitória.
    Não obstante vir provado que desde Abril de 2005 a A, recorrida, solicitou aos RR., recorrentes, a celebração da escritura, o Tribunal não jogou com o factor relativo ao aviso súbito da mudança do dia da escritura, ocorrido em 13 de Maio para o dia 14 de Maio.
    Antes de mais importa referir que estamos a configurar um facto irrelevante em termos processuais na medida em que tal não foi quesitado nem impugnada eventual omissão desse facto.
    Acresce que não vindo provado que cabia à A. comunicar aos Réus a data da escritura de compra e venda (quesito 11ª), não deixa de vir provado que a escritura devia ser realizada até 15 de Maio de 2005, que desde Abril de 2005 a A. solicitou aos RR. A celebração da escritura e que os RR. Responderam a tais solicitações dizendo que não pretendiam celebrar a escritura pública de compra e venda.
    A questão não reside já no agendamento da escritura, mas sim na manifestação da vontade em a não celebrar.
    Ratifica-se aqui o entendimento do Mmo Juiz enquanto diz:
“Pergunta-se, quem é que não quiz nem quer cumprir os termos fixados pelos contrato-promessa? Parece que é tão transparente como o ar: foram os Réus que não cumpriram as cláusulas acordadas!
    Neste aspecto, por mais imaginação que se pode ter, por mais exercícios intelectuais que se tentar fazer, a resposta é invariável: a culpa é dos Réus!
Não vale a pena perder tintas neste domínio, muito menos puxar a cabeça para avançar com as teorias de vícios de declaração de vontade ou erro na declaração ou inventar a teoria de “justo de negócio” (sic. – vidé as alegações de direito), porque do quadro fáctico assente não há nenhum facto provado que permita fazer apelo a esses institutos!
O que resta é ver se é possível ou não a execução específica tal como a Autora quer nesta acção.
(...)
Nos presentes autos constata-se ter havido incumprimento culposo por parte dos Réus promitentes-vendedores, e incumprimento definitivo, e têm repetido a sua vontade neste sentido mesmo hoje em dia.
Esta circunstância não inviabilizou a execução específica do mesmo, como é evidente.
    (...)”
    
    Perante a resposta negativa ao quesito 11º não é por aí que a acção deve ser resolvida. Não vindo provado a quem cabia o ónus da sua marcação não se pode dizer que o culpado pelo incumprimento é o comprador ou o vendedor.
    Nem isso foi afirmado na sentença recorrida.
    O incumprimento definitivo resulta de uma manifestação clara por parte dos RR. em não quererem realizar a escritura, posição que assumiram perante uma solicitação continuada no tempo de realização da escritura.
    Digamos que a marcação da escritura, que acabou por ser feita, conforme os próprios RR. reconhecem acaba por ser um detalhe de menos importância, bem como a eventual mudança da data da mesma.
     E parece não haver dúvidas de que essa recusa à escritura é o elemento essencial a equacionar. Tanto assim que ainda hoje os RR. defendem que fizeram um mau negócio; tanto assim que continuam a defender que terão sido induzidos em erro e pretendem até a revisão do preço acordado.
    
    4. Há no entanto uma questão que se pode colocar e tem a ver com a mora definitiva dos RR.
    Na exposição supra partimos já da verificação desse pressuposto, mas importa ainda alguma análise, perante a situação fáctica em concreto.
    Verifica-se o incumprimento definitivo da prestação quando esta se torna impossível para sempre.
    Só esta relevará para efeitos, nomeadamente para efeitos de resolução - artigos 797º e 790º do CC.
    Assim, a prestação, que era realizável no momento em que a obrigação se constituiu, impossibilita-se subsequentemente, em termos definitivos. O devedor fica portanto, de vez, impedido de cumprir a prestação, pelo menos na forma específica. Assim sucede nas prestações de «dare» se a coisa perece ou se extravia sem possibilidade de recuperação; e nas prestações de «facere» se o facto prometido se torna irrealizável, como se se promete vender um imóvel que entretanto é expropriado ou alienado a terceiro.
    Como definitiva se considera também a impossibilidade da prestação, se antes de cessar o impedimento, em si transitório, a prestação deixa de ter utilidade para o credor.
    Importa atentar que no nosso caso estamos perante um efeito contrário, qual seja o da validade do negócio que o devedor teima em protelar e declarou não cumprir. Mas que em termos de definição da situação jurídica se traduz na conclusão da produção dos efeitos jurídicos do contrato prometido.
    Dizendo-se enganados, pretendem revê-lo e renegociar com a A.
    Ora, essa atitude é exactamente contrária ao objecto do contrato que visava a realização da escritura definitiva.
    O que se passa é que os RR. não só não o celebraram dentro do prazo previsto, como não deram resposta aos diversos pedidos da A. para que se realizasse a escritura, como declararam expressamente que não celebrariam a escritura.
    Afigura-se-nos que esta posição se mostra irredutível, sendo bem esclarecedora a posição dos RR. em não quererem celebrar a escritura nos termos prometidos.
    A declaração expressa de não querer cumprir corresponderá aqui a uma mora definitiva dos RR., pelo que não resta à A. outra solução se não o recurso ao meio da execução específica para lograr a obtenção dos efeitos jurídicos visados com o contrato promessa celebrado, sob pena de perda de tempo.
    Na verdade, esta posição resulta da análise da Jurisprudência comparada, aí se observando que a recusa reiterada em cumprir a obrigação de pagar o preço, seguida de expressa manifestação de desinteresse no negócio, revela claramente a intenção definitiva e bem assumida de não cumprir. Tal comportamento equivale à desistência e à declaração de não cumprimento, dispensando e tornando inútil a interpelação e fixação do prazo nos termos do art. 808º [leia-se 797º], para se cair na situação de incumprimento defnitivo.2
    Ou ainda, se o vendedor comunica ao credor, de forma categórica, a sua intenção de não cumprir a sua prestação, fica desde logo em falta, sem necessidade de interpelação.3
    A situação presente não oferece dúvidas quanto à indisponibilidade dos RR. para celebrarem a escritura, posição essa que não deixa de ser reafirmada ainda em sede deste recurso. Dar-lhes uma moratória no quadro fáctico que comprovado vem afigura-se inútil.
    As coisas não se passariam assim se se vislumbrasse alguma razão para o protelamento dos RR, por outras palavras, se houvesse alguma causa que impedisse a conversão da sua simples mora em definitiva, como podia ser algum vício que afectasse a declaração negocial permitida.
    Mas como se verá adiante tal não se observa no caso sub judice.
    
    5. Assim se entra numa outra questão que vem abordada e se prende com o vício da vontade negocial.
    Os recorrentes parecem confundir os efeitos da contratação em erro, anulação do contrato e manutenção do mesmo com revisão do preço.
    Por um lado invocam a viciação da sua vontade, já que terão laborado em erro induzido por um seu tio que lhes deu um valor desconforme ao valor do mercado, pretendendo ainda celebrar a escritura mas por um preço superior.
    Perante isto, o que se constata desde logo é que esta posição diverge daquela que foi dada como provada. Ali se diz que os RR. declararam não pretender celebrar a escritura. Mas ainda que o pretendessem fazer, embora noutros termos, importaria dar por assente essa matéria.
    Bem podiam querer celebrar outro contrato, mas não seguramente aquele que foi prometido. E perante essa posição não se vê que não se deva deixar de considerar que entraram em mora.
Para que o erro negocial fosse relevante, tratando-se aqui de um erro vício e já não de um erro-obstáculo, importaria que o erro fosse cognoscível pelo declaratário ou tenha sido causado por informações prestadas por este , o que não é o caso, como decorre do art. 240º, n.º 1 do CC.
Sendo certo que o erro só se considera cognoscível quando, face ao conteúdo e circunstâncias do negócio e à situação das partes, uma pessoa de normal diligência se podia ter apercebido dele - n.º 3 do art. 240º do CC
    Estaremos então, face à invocação dos RR, perante um erro delineado sob a concepção de Cunha Gonçalves que entendia o erro como o “juízo inexacto acerca duma cousa ou de um facto, que é o conteúdo do contrato, derivado da ignorância ou do incompleto conhecimento da realidade concernente a essa cousa ou a esse facto, ou dos princípios jurídicos que lhe são aplicáveis”4 ou no dizer de Manuel de Andrade em que “o erro consiste na ignorância(...) ou na falsa ideia (...) por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade (...)”5, definições que não se afastam das concepções de Castro Mendes6 ou Mota Pinto.7
    Como se sabe, a disciplina do erro no novo Código teve uma mexida mais unitária, talvez das mais profundas e menos estudadas. Agora, para que o negócio seja anulado importa que o erro essencial seja cognoscível pelo declaratário, ou tenha sido causado ou induzido por este, exigindo-se ainda nos casos de erro não objectivamente essencial acordo sobre a essencialidade do motivo ou o conhecimento da essencialidade subjectiva (para o declarante), por parte do declaratário ou um dever de não ignorância dessa essencialidade subjectiva - art. 241º.
    Tudo isto resultante de uma formulação mais esclarecedora, ainda que algo rebuscada, dos artigos 240º e 241º do CC, manifestamente mais protectora do declaratário e do comércio jurídico, onde se define o que seja o erro essencial e a cognoscibilidade.
    O que se acaba de dizer, no pressuposto de que o valor da coisa é uma qualidade que lhe seja inerente, questão controvertida na doutrina, bastando aqui citar Larenz vs. Ennecerus-Nipperdey e M. de Andrade, como nos dá conta Vaz Serra em esclarecedora anotação doutrinária.8
    Importa ter presente que o acordado para a venda em termos de preço do mercado - se é que houve esse acordo - terá sido entre os recorrentes, RR. na acção, e o seu tio, acordo a que a compradora foi completamente estranha.
    Acresce que nenhum desses elementos indispensáveis à caracterização de um alegado e pretenso erro vício vem comprovado.
    Acresce que mal andariam as coisas e o mundo negocial se pelas invocadas razões, razões que são de todos os dias, e cada vez mais ao sabor dos sucessivos e galopantes ciclos económicos, se desfizessem os chamados maus negócios, inerentes ao risco do imobiliário. 9
    Para além de que não é inusual que por vezes as pessoas vendam abaixo do preço de mercado, compelidos a um mau negócio por conjunturas pessoais e económicas de variada ordem.
    Para além de que esse “mau negócio” sempre podia ter sido evitado, não sendo desculpável a invocação de um “erro” que os declarantes sempre podiam ter evitado se se informassem e se tivessem agido com uma mediana diligência comercial.
    Parece até abusivo virem invocar, porque alguém da sua confiança lhes deu um dado valor abaixo do mercado, nele tendo indevidamente confiado, a anulabilidade ou redução de um dado negócio, dispondo eles de todos os elementos para o deixarem de celebrar.
    
     Nesta conformidade improcedem as razões avançadas pelos recorrentes.
    
    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pelos recorrentes.
Macau, 28 de Outubro de 2010,


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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

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Tam Hio Wa
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 - Acs do TUI 9/2001 e 10/2002, de 18/7/2001 e 25/9/2002, respectivamente
2 - Ac. STJ, proc. 81862, 3/6/92 e de 19/3/85, BMJ 345, 400
3 - Ac. STJ, proc. 78155, de 7/3/91, http://www.dgsi.pt
4 - Tratado DC, IV, Coimbra, 1931, 295
5 - TGRJ, II, 8ª Reim., Lisboa, 1998, 233
6 TGDC, II, AAFDL, 1995, 108
7 - TGDC, 3ª ed., Coimbra, 1999, 505
8 - Cfr. RLJ, ano 107º, pág. 40 e 41
9 - Essa mesma constatação é feita por Larenz, citado in RLJ acima citada, pág. 40
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443/2009 1/29