Processo n.º 127/2009 Data do acórdão: 2010-11-4
Assuntos:
– procedimento penal
– prazo máximo da prescrição do procedimento
– art.o 113.o, n.o 3, do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
1. Deve ser declarado oficiosamente extinto o procedimento penal se tiver decorrido já o prazo máximo da prescrição do procedimento aplicável ao caso e previsto no art.o 113.o, n.o 3, parte inicial, do Código de Processo Penal.
2. De facto, à falta de qualquer causa de suspensão da prescrição do procedimento concretamente aplicável, qualquer que seja a causa de interrupção da prescrição a que alude o n.o 1 desse art.o 113.o não terá a virtude de fazer sustar a contagem do referido prazo máximo.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 127/2009
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
1. Inconformado com o acórdão proferido pelo 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base na parte em que o condenou como autor de um crime de emprego ilegal, p. e p. pelo art.o 9.o, n.o 1, da Lei n.o 2/90/M, de 3 de Maio, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, com o dever de entregar à Região Administrativa Especial de Macau, no prazo de 60 dias, uma contribuição monetária no valor de cinco mil patacas, veio o arguido A, já aí melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para pedir a revogação dessa decisão condenatória, por entender ele, e em essência, que deveria ter sido absolvido desse crime por já extinto, “em princípio de 2003”, por prescrição, o procedimento criminal por esse ilícito, isto é, já antes do dia 25 de Janeiro de 2005 em que foi notificado pelo Ministério Público para ser interrogado (cfr. a motivação do recurso apresentada a fls. 522 a 528 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público no sentido de já prescrição, “em princípio de 2003”, do procedimento penal referente ao crime de emprego ilegal (cfr. o teor da resposta a fls. 532 a 535 dos autos).
Subido o processo, opinou a Digna Procuradora-Adjunta que, antes do mais, como já houve duas decisões judiciais anteriores a julgar identicamente não prescrito o procedimento penal, sem qualquer impugnação tempestiva pelo arguido, não podia este vir suscitar outra vez a questão de prescrição do procedimento penal em sede do recurso interposto da decisão condenatória da Primeira Instância, precisamente por já se ter formado o caso julgado formal sobre essa questão, sendo certo que mesmo que assim não se entendesse, sempre diria que o recurso do arguido não mereceria provimento, por in casu, e sobretudo, o prazo de cinco anos de prescrição do procedimento penal pelo crime, considerado como crime permanente, de emprego ilegal, só ter começado a correr, nos termos conjugados dos art.os 110.o, n.o 1, alínea d), e 111.o, n.o 2, alínea a), ambos do Código Penal, desde o dia 3 de Abril de 2000 (e nunca a partir de “princípio de 1998”) (cfr. o teor do parecer de fls. 545 a 546).
Notificado desse parecer para se pronunciar sobre a questão de caso julgado formal, veio o recorrente defender (a fls. 557 a 559) a improcedência dessa questão prévia.
Corridos depois os vistos legais, cumpre decidir.
2. Do acima relatado resulta que a questão prévia de caso julgado formal levantada no parecer da Digna Procuradora-Adjunta foi suscitada a propósito do recurso interposto pelo arguido da decisão condenatória da Primeira Instância referente ao crime de emprego ilegal.
Entretanto, após examinados todos os elementos constantes dos autos, afigura-se a este Tribunal ad quem processualmente desnecessário, por prejudicado, o conhecimento quer dessa questão prévia quer do mérito do recurso do arguido, porquanto é de afirmar, por razões abaixo indicadas, que mesmo antes da emissão, em 16 de Dezembro de 2008, do acórdão final do Tribunal a quo, já se verificou a prescrição, por ter decorrido o prazo máximo da prescrição aplicável ao caso e previsto no art.o 113.o, n.o 3, parte inicial, do Código Penal, de todo o procedimento penal então instaurado contra o arguido quer relativamente ao crime de emprego ilegal do art.o 9.o, n.o 1, da Lei n.o 2/90/M (pelo qual o arguido vinha condenado em primeira instância) quer em relação aos dois crimes de burla do art.o 211.o, n.o 1, do Código Penal (dos quais ficou o mesmo arguido aí absolvido).
Na verdade:
– do exame das normas do art.o 9.o, n.o 1, da Lei n.o 2/90/M, e dos art.os 211.o, n.o 1, 110.o, n.o 1, alínea d), e n.o 3, todos do Código Penal, vê-se que o prazo normal da prescrição do procedimento penal pelo crime de emprego ilegal (simples) e pelo crime de burla (simples) é igualmente de cinco anos. E se não houver nenhuma causa de suspensão a que alude o art.o 112.o do Código Penal, então o prazo máximo da prescrição do procedimento penal para esses dois tipos legais de crime será identicamente de sete anos e meio, por força da disposição cogente da parte inicial do n.o 3 do art.o 113.o do Código Penal;
– e desde já, quanto ao início de contagem do prazo máximo da prescrição do procedimento pelos dois crimes de burla (simples) em questão, como da fl. 4 dos autos consta uma participação criminal datada de 30 de Março de 2000, segundo a qual os dois queixosos, de nacionalidade filipina, afirmaram, na sua essência, terem sido burlados pelo arguido, nesse mês de Março de 2000, é de considerar que o prazo de prescrição do procedimento penal pelos correspondentes dois crimes de burla (simples) deve ser contado a partir de Março de 2000, por comando do art.o 111.o, n.o 1, do Código Penal;
– e agora no tangente ao crime de emprego ilegal (simples), é de observar que em 5 de Março de 2000, quando foi interrogado pelo pessoal investigador do Comissariado contra a Corrupcão, o arguido declarou que “De facto, a sua empregada doméstica de nome B é que negociou com os queixosos” dos crimes de burla (cfr. o teor do auto de declarações de fls. 42 a 43, com assinatura do próprio arguido), por um lado, e, por outro, que essa senhora filipina de apelido XX, quando interrogada pelo Ministério Público em 3 de Abril de 2000, depois de ter sido encontrada nesse mesmo dia pelo pessoal investigador daquele Comissariado na residência do arguido (cfr. a cota lavrada a fl. 58), disse que trabalhava para o ora recorrente “há mais ou menos dois anos” (cfr. o auto de interrogatório não judicial de fls. 64 a 65v, e, concretamente, a 15.a linha da fl. 65). Daí que que atendendo à data dessas declarações da senhora filipina, conjugadas com aquelas declarações do arguido, é de tirar a conclusão no sentido de que a relação laboral dela com o arguido subsistiu, pelo menos, até o referido dia 3 de Abril de 2000, pelo que o prazo máximo da prescrição do procedimento pelo correspondente crime de emprego ilegal (simples), considerado como um crime permanente, deve ser contado a partir desse dia 3 de Abril de 2000, nos termos do art.o 111.o, n.o 2, alínea a), do Código Penal;
– e como do exame dos autos não se retira que haja existido qualquer circunstância enquadrável em alguma das três alíneas do n.o 1 do art.o 112.o do Código Penal, é de concluir que o procedimento penal respeitante ao crime de emprego ilegal (simples) do arguido se prescreveu às 24 horas do dia 3 de Outubro de 2007, e no tocante aos dois crimes de burla (simples) se prescreveu em Setembro de 2007, ou seja, depois da emissão do despacho de pronúncia em 12 de Outubro de 2006 (a fls. 302 a 302v, em que a Mm.a Juíza de Instrução Criminal julgou, e bem, como ainda não prescrito, à data, o procedimento penal então instaurado contra o arguido), e antes da leitura do acórdão final da Primeira Instância em 16 de Dezembro de 2008.
Termos por que há que julgar, oficiosamente, extinto o presente procedimento penal respeitante ao mesmo arguido pelo crime de emprego ilegal (simples) e pelos dois crimes de burla (simples), devido ao já decurso completo do prazo máximo de sete anos e meio da prescrição aplicável à sua situação concreta, nos termos cogentes do art.o 113.o, n.o 3, primeira parte, do Código Penal (segundo o qual “A prescrição do procedimento penal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade”): É que, em suma, considerando que o prazo de prescrição do procedimento começou a correr desde o acima referido dia 3 de Abril de 2000 em relação ao crime de emprego ilegal (simples) e desde Março de 2000 a respeito dos dois crimes de burla (simples), qualquer que tenha sido a causa de interrupção da prescrição a que alude o n.o 1 desse art.o 113.o não terá a virtude de fazer sustar a contagem daquele prazo máximo da prescrição do procedimento, o qual, no caso concreto do arguido e para os dois tipos legais de crime em causa, é igualmente de sete anos e meio, à falta de qualquer causa de suspensão da prescrição do procedimento concretamente aplicável.
3. Face ao expendido, e em conferência, acordam em declarar oficiosamente extinto o procedimento penal do arguido A pelo crime de emprego ilegal do art.o 9.o, n.o 1, da Lei n.o 2/90/M, de 3 de Maio (devido à prescrição do procedimento ocorrida em 3 de Outubro de 2007), e pelos dois crimes de burla do art.o 211.o, n.o 1, do Código Penal (por causa da prescrição do procedimento em Setembro de 2007), o que torna desnecessário, por estar logicamente prejudicado, o conhecimento da questão de caso julgado formal levantada no parecer do Ministério Público a propósito do recurso interposto por esse arguido do acórdão final da Primeira Instância, bem como o conhecimento do mérito do mesmo recurso.
Sem custas em ambas as duas Instâncias.
Comunique o presente acórdão ao Comissariado contra a Corrupção.
Macau, 4 de Novembro de 2010.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 127/2009 1/8