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Processo n.º 964/2010/A Data do acórdão: 2010-12-09
(Da suspensão de eficácia de acto administrativo)
 Assuntos:
– suspensão de eficácia de acto administrativo
– art.º 120.º do CPAC
– acto positivo
– acto negativo
– lesão grave do interesse público
– guarda policial
– pena disciplinar de demissão


S U M Á R I O
1. Por força do art.º 120.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), para se poder ver suspensa a eficácia de um acto administrativo, este tem que ser, desde logo e pelo menos, um acto com conteúdo positivo, ou um acto com conteúdo negativo que apresente uma vertente positiva à qual a suspensão seja circunscrita.
2. Doutrinalmente falando, o acto positivo é aquele que, grosso modo, impõe um encargo ou um ónus a um interessado (por exemplo, um acto administrativo que aplica uma sanção a um interessado), enquanto o acto negativo tem por objecto negar uma pretensão do interessado (por exemplo, um acto de indeferimento de atribuição de um subsídio requerido).
3. A decisão do Senhor Secretário para a Segurança que pune um guarda policial com pena disciplinar de demissão é um acto positivo.
4. A aferição do requisito exigido na alínea b) do n.° 1 do art.° 121.° do CPAC tem que ser feita caso a caso, em função do teor do comando concretamente emitido no acto administrativo cuja suspensão de eficácia se requer.
5. Assim sendo, e diferentemente do que sucederia em relação a uma decisão administrativa que ordenasse, por exemplo, a demolição imediata de uma habitação informal construída por um particular com ameaça de ruína e com perigo eminente inclusivamente para os utentes da via pública em causa, não se vislumbra a este Tribunal – atendendo sobretudo à circunstância de a infracção constatada pela Entidade Administrativa ora requerida como praticada pelo Requerente não ter sido presenciada ou vista pelo público, mas sim descoberta tão-só internamente, sem efeitos negativos concretos e imediatos para o público em geral – que a imediata suspensão de eficácia da aludida decisão acarrete grave lesão ao interesse público que o mesmo acto almeja ver concretamente prosseguido, porquanto o alegado interesse público na execução imediata desse despacho poderia vir a ser prosseguido oportunamente, e de modo pleno, pela mesma Entidade Administrativa ora requerida, com o trânsito em julgado da eventual decisão judicial desfavorável àquele no recurso contencioso.

O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 964/2010/A
(Do pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo)

  Requerente: A
  Órgão Administrativo requerido: Secretário para a Segurança


ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU


I. RELATÓRIO
A, guarda do Corpo de Polícia de Segurança Pública já melhor identificado nos autos de recurso contencioso (registado como Processo n.º 964/2010 deste Tribunal de Segunda Instância) por si instaurado em 26 de Novembro de 2010 contra o Senhor Secretário para a Segurança, veio no mesmo dia, e nos termos do art.º 123.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), pedir, através do requerimento de fls. 2 a 18 do presente processado, que se decretasse, por entender estarem reunidos todos os requisitos para tal, a suspensão de eficácia do despacho de 25 de Outubro de 2010 dessa mesma Entidade Administrativa sob impugnação nos referidos autos, por força do qual lhe tinha sido materialmente imposta a pena disciplinar de demissão.
Citado, o Órgão Administrativo ora requerido respondeu em 3 de Dezembro de 2010 a fls. 51 a 55, nuclearmente no sentido de indeferimento do pedido, para além de no dia anterior ter comunicado a este Tribunal a sua declaração de não suspensão provisória da execução do dito despacho, nos termos e para os efeitos do art.o 126.o, n.o 2, do CPAC.
Em vista aberta nos termos do art.º 129.º, n.º 2, parte inicial, do CPAC, o Digno Representante do Ministério Público emitiu parecer a fls. 59 a 61, pugnando pelo provimento da medida cautelar em questão, por entender que não se antevê que com a suspensão requerida se mostrem gravemente ofendidos o prestígio ou dignidade que a Corporação Policial em questão deve manter perante o público em geral e perante os seus agentes em particular, não se podendo confundir a eventual suspensão com a ideia de complacência ou permissividade, já que o eventual interesse público na punição disciplinar do Requerente será sempre prosseguido, com eventual decisão judicial desfavorável em sede de recurso contencioso.
Foi, pois, submetido o presente processo de suspensão de eficácia à conferência de hoje, nos termos ditados pelo art.º 129.º, n.º 2, segunda parte, do CPAC.
II. DOS ELEMENTOS PERTINENTES À DECISÃO
Para efeitos de encontro da solução ao caso concreto de que ora se ocupa, flue do exame dos acima identificados autos de recurso contencioso e do presente processado de pedido de suspensão de eficácia, o seguinte dado pertinente:
– A (ora Requerente) é guarda do Corpo de Polícia de Segurança Pública, e por despacho n.º 44/SS/2010, de 25 de Outubro de 2010, do Senhor Secretário para a Segurança, foi punido com pena de demissão por infracção disciplinar, consubstanciada no desvio, não previamente autorizado, do âmbito de trajectória rodoviária de patrulhamento por motociclo de uso policial, com exibição, quando regressado ao seu serviço por convocação do seu superior hierárquico, de estado mental anómalo, por efeito de Ketamina descoberta como existente no seu corpo mediante o respectivo teste feito no Hospital do Governo.
III. DO DIREITO
Juridicamente falando, e tal como já se considerou designadamente no acórdão do Primeiro de Agosto de 2003, minutado pelo ora mesmo relator para o Processo n.º 174/2003 deste Tribunal de Segunda Instância: Por força do disposto no art.º 120.º do CPAC, para se poder ver suspensa a eficácia de um acto administrativo, este tem que ser, desde logo e pelo menos, um acto com conteúdo positivo, ou um acto com conteúdo negativo que apresente uma vertente positiva à qual a suspensão seja circunscrita. E doutrinalmente falando, o acto positivo é aquele que, grosso modo, impõe um encargo ou um ónus a um interessado (por exemplo, um acto administrativo que aplica uma multa ou uma sanção a um interessado particular), enquanto o acto negativo tem por objecto negar uma pretensão do interessado (por exemplo, um acto de indeferimento de atribuição de um subsídio requerido por um interessado particular).
Nos presentes autos, é manifesto que o despacho punitivo em questão é um acto positivo, por estar a impor ao ora Requerente uma sanção disciplinar.
Urge, assim, saber se na situação vertente, estão reunidos, ao mesmo tempo, os requisitos exigidos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC, já que a verificação do da alínea a) desse n.o 1 fica dispensada, por comando do n.o 3 do mesmo artigo.
Começando pelo requisito exigido na alínea c) do n.º 1 do art.º 121.º, não se patenteia in casu, e por ora, que do processo resultem fortes indícios de ilegalidade de interposição desse recurso.
E agora, em sede própria da alínea b) do n.º 1 do idêntico artigo, para indagar se a suspensão ora peticionada determina, ou não, grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto administrativo referido, crê-se que a aferição deste requisito tem que ser feita caso a caso, em função do teor do comando concretamente emitido no acto administrativo cuja suspensão de eficácia se requer.
No caso em apreço, a Entidade Administrativa ora requerida decidiu punir o Requerente com pena de demissão, por entender ter este praticado uma infracção disciplinar grave nos termos já acima referidos.
Entretanto, e diferentemente do que sucederia em relação a uma decisão administrativa que ordenasse, por exemplo, a demolição imediata de uma habitação informal construída por um particular com ameaça de ruína e com perigo eminente inclusivamente para os utentes da via pública em causa, não se vislumbra a este Tribunal – atendendo sobretudo à circunstância de a infracção constatada pela Entidade Administrativa ora requerida como praticada pelo Requerente não ter sido presenciada ou vista pelo público, mas sim descoberta tão-só internamente, sem efeitos negativos concretos e imediatos para o público em geral – que a imediata suspensão de eficácia da aludida decisão acarrete grave lesão ao interesse público que o mesmo acto almeja ver concretamente prosseguido, porquanto, na verdade, o alegado interesse público na execução imediata desse despacho poderia vir a ser prosseguido oportunamente, e de modo pleno, pela mesma Entidade Administrativa ora requerida, com o trânsito em julgado da eventual decisão judicial desfavorável àquele no recurso contencioso.
Dest’arte, é de proceder o pedido de suspensão de eficácia, sem mais outra indagação – inclusivamente sobre a declaração apresentada pelo Órgão Administrativo ora requerido nos termos do art.o 126.o, n.o 2, do CPAC – por desnecessária.
IV. DECISÃO
Em harmonia com o exposto, acordam em deferir o pedido de suspensão de eficácia do despacho de 25 de Outubro de 2010 do Senhor Secretário para a Segurança, que puniu o Requerente A com pena disciplinar de demissão.
Sem custas no presente processado de suspensão de eficácia, dada a isenção subjectiva da Entidade Administrativa ora requerida.
Notificações necessárias, sendo a da Entidade Administrativa requerida urgentemente nos termos do n.º 3 do art.º 130.º do CPAC.
Macau, 9 de Dezembro de 2010.
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Chan Kuong Seng Vítor Manuel Carvalho Coelho
(Relator) (Magistrado do Ministério Público
                      presente na conferência)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)



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