Processo nº 565/2010
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar:
– A, (1.° arguido), como autor da prática de um crime de “tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas” p. p. pelo artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 5 anos de prisão; condenando-se, também,
– B, (2.° arguido), como autor da prática em concurso real de um crime de “tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas” p. p. pelo artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 5 anos 3 meses de prisão; um crime de “consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas” p. p. pelo artigo 14.º da mesma Lei, na pena de 2 meses de prisão; e um crime de “detenção indevida de utensílio ou equipamento” p. p. pelo artigo 15.º da mesma Lei, na pena de 2 meses de prisão, fixando-se lhe, em cúmulo, a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 943 a 953-v).
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Inconformados, vieram os arguidos recorrer.
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Nas suas conclusões, afirma o (1.°) arguido A que:
“1. Durante o decorrer da audiência de julgamento, o condenado A, não apenas, várias vezes prestou confissão sem reserva, como ainda forneceu informações necessárias à averiguação da verdade pelo Tribunal a quo, foi todavia condenado pelo Tribunal a quo na pena de 5 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico.
2. No mesmo processo, apesar de insistir em negar os actos ilícitos que lhe foram imputados, o 2.º condenado B foi apenas condenado na pena única de 5 anos 6 meses de prisão, em cúmulo de três crimes (crime de consumo de drogas, um crime de detenção ilícita de instrumentos para consumo e um crime de tráfico de drogas).
3. Como é óbvio, a pena que o Tribunal a quo aplicou ao condenado A é manifestamente excessiva.
4. Isto violou obviamente o disposto do artigo 402.º n.º 2 do CPPM, sem consideração plena de todas as circunstâncias previstas no artigo 65.º do CPM. Na realidade, o Tribunal a quo devia atenuar a pena aplicada ao condenado A.
IV. Pedidos.
1. Pede-se para dar provimento ao recurso do condenado A.
2. Pede-se para diminuir a pena excessiva aplicada pelo Tribunal a quo ao condenado A.
3. Por fim, pede-se para dispensar o pagamento de todas as despesas emergentes do recurso, decidir que o honorário ao advogado que será pago ou adiantado pelo GPTUI.”; (cfr., fls. 991 a 994 e 1112 a 1117).
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Por sua vez, assim conclui o (2.°) arguido B que:
“a) O Tribunal decidiu que o recorrente cometeu o crime de tráfico de drogas sem que assinalou, na sua fundamentação, qual o acto do recorrente preencheu o crime de tráfico de drogas, pelo que se trata da falta da indicação do motivo de direito que fundamenta a decisão nos termo do artigo 355.º n.º 2 do CPPM.
b) A sentença recorrida nem assinalou o conteúdo concreto que serve a base da convicção do Tribunal referente ao crime de tráfico de droga do recorrente.
c) O recorrente era tomado como instrumento na transacção entre o 1.º e o 3.º arguidos, limitando-se a submeter à instrução do 3.º arguido. Pelo que, no que diz respeito ao crime de tráfico, não se verificou “dolo”.
d) O recorrente desconhecia que a coisa entregue fosse drogas, o recorrente foi induzido em erro sobre elementos de um tipo de crime, que deve excluir o dolo. Pelo que apenas preenche a negligência, tratando-se da negligência inconsciente, quando muito a negligência consciente.
e) Para constituir o crime de tráfico de drogas, é indispensável o requisito de dolo, razão pela qual, deve o recorrente ser absolvido do crime de tráfico pela falta do requisito subjectivo do crime de tráfico de drogas.
f) A conduta do recorrente não é indevido nem irrazoável, pelo que o erro não é censurável. Como o recorrente deve agir sem culpa, o T.S.I não deve aplicar nenhuma pena.
g) Como a função do recorrente no processo é meramente prestar apoio, pelo que deve o recorrente ser condenado na qualidade do cúmplice, e desta forma, será punido com atenuação especial.
h) O negócio inteiro não tem nada a ver com o recorrente, este não participou no negócio.
i) Se o recorrente não recebesse as drogas entregues pelo 1.º arguido, a pedido do 3.º arguido que estava a tomar banho, se ele, em vez de adiantar o pagamento de 30.000,00 patacas a pedido deste, dissesse ao 1.º arguido para tratar o assunto directamente com o 3.º arguido após do banho, não seria envolvido neste processo, nem condenado.
j) Trata-se de um mero favor que o 3.º arguido lhe pediu.
k) O recorrente desconhecia que isso constituísse crime de tráfico de drogas.
l) Se tivesse previsto isso, não praticava este acto.
m) O que foi provado devia ser Em 2 de Julho, às 7h27, 8h05, 9h56 e 15h19, “D” telefonou a E, pedindo-lhe para fornecer 30 gramas de drogas “gelo” no preço de trinta mil Hong Kong dólares, e combinando com este para levar as drogas ao quarto n.º XXXX do Hotel XXXX.
n) É verdade que o quarto n.º XXXX do Hotel XXXX foi registado em nome do recorrente e o 3.º arguido C.
o) Pois, o 1.º arguido, ao tempo da entrega, apenas sabia que ia entregar ao quarto n.º XXXX do Hotel XXXX, não tendo sido avisado para entregar a pessoa designada.
p). O que foi provado devia ser: No mesmo dia, das15h15 às 15h43, o arguido A, conforme a instrução telefónica de E levou as drogas ao quarto acima referido.
q) A sentença recorrida entendeu que no quarto, o 1.º arguido entregou as drogas ao recorrente, o que não é correcto. Antes devia se entender que as drogas eram entregues àquele que se encontrava no quarto, porém, como o 3.º arguido estava no banho, as drogas foram recebidas pelo recorrente, a pedido do 3.º arguido.
r) Uma vez que o recorrente limitou-se a transmitir as drogas da mão do 1.º arguido ao 3.º arguido que estava no banho, pelo que, não se deve qualificar este acto como “aquisição”.
s) Tal entendimento foi também apoiado pela pág.9 da sentença recorrida, 8.º parágrafo dos factos provados: no mesmo dia, das15h15 às 15h43, o arguido A, conforme a instrução telefónica de E levou as drogas ao quarto acima referido e as entregou ao arguido B, e este, tendo-as recebido, as entregou ao arguido C, adiantou o pagamento de trinta mil Hong Kong dólares, a pedido deste.
t) A respeito da “compra de drogas” imputada ao recorrente, este facto não devia ser provado. Como foi averiguado que o recorrente apenas recebeu as referidas drogas e as entregou ao 3.º arguido e depois, a pedido deste, adiantou o pagamento do preço de trinta mil patacas. Daí que, o 3.º arguido mais tarde ia reembolsar o dinheiro ao recorrente e pagar a quantia de trinta mil patacas adiantada pelo recorrente.
u) Pelo que, o recorrente não tinha nenhuma intenção de adquirir drogas.
v) A respeito da “aquisição de droga” imputada ao recorrente, este facto não devia ser provado.
w) Uma vez que a “detenção” devia durar um tempo necessário para guarda ou disposição do recorrente, ou pelo menos um período do tempo adequado e necessário à prática do referido acto, caso contrário, o acto não deve ser visto como “detenção”. Pelo que, neste processo, não se verificou a detenção da droga pelo recorrente.
x) Mais, a sentença recorrida, na pag.15, .8.º parágrafo, mencionou que Não obstante o 3.ºarguido adquiriu e deteve drogas em grande quantidade (30 gramas de “gelo”). .. Obviamente, a sentença recorrida manifestou que o 3.º arguido adquiriu todas as drogas no processo (cerca de 30 gramas de gelo), então, em conjugação com a regra de experiência geral, sabemos que é insanável a contradição incorrida no 3.º parágrafo da parte factos provados, da pag.14.º da sentença recorrida: O arguido B comprou, adquiriu e deteve as referidas drogas para consumo pessoal e as fornecer e vender a outrem.
y) É verdade que o 3.º e o 1.º arguidos são partes da transacção, ou sejam eles são autores materiais neste processo, o recorrente, quando muito, desempenhava a função de cúmplice, razão pela qual caso o autor material do acto criminoso não seja condenado, nem tão pouco o cúmplice deveria ser condenado pela sua participação no crime.
z) A sentença recorrida incorreu em erro na qualificação dos factos acima referidos, portanto, a sentença recorrida padeceu do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Aa) A decisão recorrida condena o recorrente na pena de 5 anos 3 meses de prisão pelo crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p. p. pelo artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009. E o 1.º arguido foi, da mesma forma, condenado na pena de 5 anos de prisão pelo crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p. p. pelo artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009.
bb). A respeito do género e da quantidade de drogas, o recorrente e o 1.º arguido são idênticos. Podemos presumir que não foi primeira vez que o 1.º arguido transportou drogas. No que toca às circunstâncias, o recorrente recebeu as drogas e adiantou o pagamento de trinta mil patacas a pedido do 3.º arguido que estava no banho naquela altura, e depois reembolsou o dinheiro ao recorrente. Por outro lado, o 1.º arguido, sabendo bem que se tratava de drogas, transportava e entregou voluntariamente a “coisa “ ao quarto n.º XXXX do Hotel XXXX. Pelo que a culpabilidade do 1.º arguido é maior do que a do recorrente.
cc). O recorrente, em comparação com o 1.º arguido, tem muito menor gravidade do crime, menor culpabilidade e menor grau da exigência preventiva, geral e especial. É de referir ainda que o recorrente não é remunerado pelo apoio prestado ao 3.º arguido neste processo.
dd). Além disso, o Colectivo deve atenuar especialmente a pena aplicada ao recorrente nos termos legais, tendo em vista o erro sobre ilicitude e a sua qualidade de cúmplice.
ee). Por força dos princípios de igualdade, e adequação, consoante a jurisprudência e o artigo 65.º n.ºs 1 e 2, artigos 67.º e 48.º do CPM, deve-se condenar o recorrente na pena de prisão não superior a 3 anos, com a suspensão da execução da pena.
Pedido.
a) Declaração da nulidade da sentença recorrida e revogação da mesma sentença.
b) se o Tribunal de Segunda Instância discordar do aludido pedido, pede-se para declarar a exclusão do dolo na conduta do recorrente pela falta do requisito subjectivo para o crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, e absolver o recorrente do crime;
c) se o Tribunal de Segunda Instância discordar do aludido pedido, pede-se para declarar a negligência da conduta do recorrente, e absolver o recorrente do crime pela falta do requisito subjectivo indispensável para o crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas;
d) se o Tribunal de Segunda Instância discordar do aludido pedido, pede-se para declarar a ausência da culpa pelo erro sobre ilicitude, e portanto, desaplicar nenhuma pena.
e) se o Tribunal de Segunda Instância decidir a existência do erro sobre ilicitude como censurável, pede-se para atenuar especialmente a pena;
f) se o Tribunal de Segunda Instância discordar do aludido pedido, pede-se para atenuar a pena aplicada ao recorrente, tendo em vista a sua qualidade de cúmplice;
g) por fim, na aplicação da pena nos termos acima referidos, pede-se o Tribunal de Segunda Instância para declarar a violação do princípio de adequação pela sentença recorrida, e alterar a pena de 5 anos 3 meses de prisão para a pena não superior a 3 anos de prisão, com suspensão da execução da pena por 3 anos nos termos do artigo 48.º n.º1 do CPM tendo em conta a sua qualidade de delinquente primário.”; (cfr., fls. 969 a 981 e 1091 a 1111).
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Respondendo, afirma o Exm° Magistrado do Ministério Público que os recursos devem ser julgados improcedentes; (cfr., fls. 1010 a 1021).
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Remetidos os autos a este T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exm° Representante do Ministério Público Parecer, pugnando também pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 1155).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Deu o Colectivo do T.J.B. como provados os factos seguintes:
“Um indivíduo não identificado de nome E em conjunto com o arguido A, praticavam actividades de tráfico em Macau por fins lucrativos.
Normalmente, E entregou ao arguido A drogas para este trazer a Macau, e depois o arguido A vendeu-as aos adquirentes e cobrou o preço.
Os arguidos B, C e F propiciaram serviços de recepção para os jogadores que vinham do interior da China (inclusivamente os serviços de alojamento e serviços de bate-ficha nos casinos), e ainda mais, o arguido B forneceu aos seus clientes drogas para consumo bem como instrumentos para o respectivo fim.
Em 2 de Julho de 2009, o arguido C, através de um amigo não identificado da alcunha “D”, adquiriu a E 30 gramas de drogas vulgarmente designadas por “gelo” no preço de trinta mil Hong Kong dólares.
Em 2 de Julho, às 7h27, 8h05, 9h56 e 15h19, “D” telefonou a E, pedindo-lhe para fornecer 30 gramas de drogas “gelo” no preço de trinta mil Hong Kong dólares, e combinando com este para levar as drogas ao quarto n.º XXXX do Hotel XXXX onde se alojavam os arguidos B e C (vide os dados da escuta n.º 5953, 5959, 5962 e 5963 do ficheiro n.º 1-2280/2009 e a ficha de registo de alojamento, fls.37)
Depois, E, entregou as drogas ao arguido A em frente do Hotel “G” de Zhuhai.
No mesmo dia, às 14h53, o arguido A entrou em Macau, levando consigo as aludidas drogas.
No mesmo dia, das 15h15 às 15h43, o arguido A, conforme a instrução telefónica de E levou as drogas ao quarto acima referido e as entregou ao arguido B, e este, tendo-as recebido, as entregou ao arguido C, adiantou o pagamento de trinta mil Hong Kong dólares, a pedido deste.
O 1.º arguido A, tendo recebido o preço de trinta mil dólares de Hong Kong, comunicou isso ao arguido E.
No mesmo dia, às 16h20, os agentes da PJ entraram no referido quarto do hotel para realizar investigação, tendo verificado que os arguidos B, C e F se encontravam naquele quarto.
Os agentes da PJ encontraram em cima da mesa da sala: 116 notas de cem renminbis, 1 computador portátil, 1 rauter, 1 rato, 1 calculador, 1 nota de contacto amarela, 1 telemóvel da marca SAMSUNG, 1 cartão inteligente China Telecom, 1 cartão inteligente verde, 1 telemóvel da marca TAGHEUER, 1 cartão inteligente do CTM; num saco de papel preto em cima da secretária da sala: 1 rolo de papel de alumínio, 2 isqueiros, 2 papeis de alumínio, 8 sacos plásticos transparentes, 3 recipientes com duas palhinhas cada, 1 papel metálico de cor dourada, 1 nota de 10 avos de RMB enrolada, 1 nota de 1 yuan de RMB enrolada, 12 palhinhas; num saco plástico dentro do referido saco de papel preto: 6 sacos de cristais, 2 comprimidos vermelhos partidos, 4 recipientes de vidro com 2 palhinhas cada, 3 palhinhas; na prateleira de vidro da secretária da sala: 1 relógio da marca PATEK PHILIPPE, e 1 anel da marca CARTIER, 1 USB da forma de chave; no saco de papel preto no chão da sala: 2 livros de conta, 7 papeis; em cima do toucador da sala: 1 telemóvel da marca LG, 1 cartão inteligente da China Telecom, 1 cartão inteligente de “shen zhou xing”; em cima da mesa de refeição: 15 papeis, 6 livros de conta, 1 calculador, 1 rolo de papel de alumínio, 10 notas de mil dólares de Hong Kong, 2 notas de quinhentos dólares de Hong Kong, 3 notas de cem dólares de Hong Kong, 3 notas de quinhentas patacas, 2 telemóveis da marca Samsung, 1 cartão inteligente de China Unicom, 1 cartão inteligente de China Telecom, 1 cartão inteligente de Monternet; no caixote de li xo preto da sala de estar 1 saco plástico transparente; na mesinha da sala de estar: 1 saco plástico transparente, 1 palhinha, 1 nota de 20 dólares de Hong Kong enrolada, 1 caixinha de fósforos de “Wynn” que continha 2 comprimidos; na mala da marca “LV” encontrada em cima da cadeira de pele preta em frente da secretária: 40 notas de mil dólares de Hong Kong, 79 comprimidos de cor vermelha, 1 caixinha de cigarro vermelha “Wu Ye Shen”, 1 saco plástico transparente, 1 saco de cristais, 4 palhinhas, 1 tubo plástico mole, 1 cartão inteligente de China Telecom do número 628XXXXX, 2 recibos da China Telecom, 1 telemóvel da marca SAMSUNG, 1 cartão inteligente de China Telecom do número 628XXXXX, 1 telemóvel da marca NOKIA, 1 cartão inteligente de CTM do número 628XXXXX; no toucador em frente da casa de banho: 4 notas de cem dólares de Hong Kong, 8 notas de quinhentos dólares de Hong Kong, 30 notas de mil dólares de Hong Kong; dentro da bacia da casa de banho um recipiente de vidro.
Após o exame laboratorial, comprovou-se que os 3 recipiente com 2 palhinhas cada encontrados no saco de papel preto em cima da secretária da sala de estar foram manchados de Metanfetamina, Anfetamina e N,N-Dimetanfetamina, substâncias abrangidas pela Tabela II-B, anexa ao DL n.º 5/91/M; o papel metálico, a nota de 10 avos de reminbis enrolada e a nota de 1 yuan de renminbis enrolada encontrados naquele saco de papel foram manchados de Metanfetamina; as 12 palhinhas naquele saco de papel foram manchadas de Metanfetamina e Anfetamina. Os 6 sacos de cristais encontrados no saco plástico preto dentro do saco de papel preto continham Metanfetamina, no peso líquido de 1,806g (segundo a análise quantitativa, correspondente a 63,09% no peso líquido de 1,139g); os 2 comprimidos vermelhos partidos encontrados dentro do saco plástico preto continham Metanfetamina com peso líquido de 0,171g (segundo a análise quantitativa, correspondente a 2,48% no peso líquido de 0,004g); os 4 recipientes de vidro com palhinhas encontrados naquele saco plástico preto foram manchados de Metanfetamina; as 3 palhinhas encontradas no mesmo saco foram manchadas de Metanfetamina, Anfetamina e N,N- Dimetanfetamina. O saco plástico transparente no caixote de lixo preto da sala de estar, e o saco plástico transparente e a nota de vinte dólares de Hong Kong enrolada encontrados em cima da mesinha da sala foram manchados de Metanfetamina. Os 79 comprimidos vermelhos encontrados na mala de “LV” continham Metanfetamina com peso líquido de 7,304g (através da análise quantitativa, correspondente a 14,00% no peso líquido de 1,023g); o saco de cristais dentro daquela mala continha Metanfetamina com peso líquido de 26,325g (segundo a análise quantitativa, correspondente a 61,88%, no peso líquido de 16,290g); o tubo plástico mole naquela mala foi manchado de Metanfetamina.
As referidas drogas foram adquiridas pelo arguido B ao arguido A, para servir ao consumo do arguido C.
O papel de alumínio, isqueiro, papel metálico, palhinha, recipientes, notas de dinheiro enroladas, tubo plástico mole acima referidos são instrumentos utilizados pelos arguidos B, C no consumo de drogas; o saco plástico transparente, a caixa de cigarro e a caixinha de fósforos acima referidos são instrumentos utilizados pelos arguidos B e C para embalagem e guarda das drogas.
No mesmo dia, os agentes da PJ encontraram na posse do arguido F 20 notas de mil dólares de Hong Kong, 22 notas, 20 notas de cem dólares de renminbis; na posse do arguido B 3 fichas do valor de cem mil dólares de Hong Kong cada, 64 notas de mil dólares de Hong Kong, 12 notas de quinhentos dólares de Hong Kong, 1 nota de cem renminbis, 1 calculador, 3 papeis.
No mesmo dia, os agentes da PJ foram realizar busca no Edif. XXXXX, 13.º andar L localizado na Avenida de Dr. Rodrigues, residência dos arguidos B e C e encontraram ao lado do sofá da sala de estar: 1 tubo de vidro, 1 pedaço de tubo plástico e 1 palhinha de cor de rosa; na mesinha da sala: 6 comprimidos vermelhos e 1 rolo de papeis de alumínio; no armário de televisor da sala de estar: 1 pacote de palhinhas e 1 tubo de vidro; na cabeceira direita do quarto do arguido B: 1 caixa plástica com comprimidos vermelhos partidos e 1 tubo mole, 1 relógio da marca CARTIER; em cima da secretária daquele quarto: 1 telemóvel da marca NOKIA, 1 telemóvel da marca Samsung, 4 palhinhas e uns papeis de alumínio, na cabeceira esquerda: 1 computador portátil, 2 portadores da memória, 1 cartão SIM de 3G CTM; no guarda-roupa: 2 rolos de papeis de alumínio, 3 tubos de vidro, 2 palhinhas plásticas, 1 papel de alumínio, 2 comprimidos de cor laranja, 1 bilhete de identidade do residente da RPC, cujo titular é H; no cofre do quarto: 441 notas de mil dólares de Hong Kong, 1 nota de quinhentos dólares de Hong Kong e 1 nota de cem dólares de Hong Kong, 1 colar metálico, 1 cartão SIM e capa de cartão, 3 recibos do pagamento de renda, caução, e comissão, 3 folhas do contrato do arguido B com CTM, 1 cópia do Passaporte da RPC cujo titular é I, 1 contrato de arrendamento da Agência de Promoção Imobiliária “XXXX” (arrendatário XXXX); noutro quarto do apartamento: 2 recipientes transparentes com palhinha; 1 cartão de SIM; na arrecadação 1 caderno preto.
Através do exame laboratorial, comprovou-se que o tubo de vidro ao lado do sofá da sala de estar foi manchado da Metanfetamina; os 6 comprimidos vermelhos encontrados na mesinha da sala de estar continham Metanfetamina no peso líquido de 0,555g (segundo a análise quantitativa, corresponde a 14,61% no peso líquido de 0,081g); os comprimidos vermelhos partidos na cabeceira direita do quarto do arguido B continham Metanfetamina com peso líquido de 0,050g (através da análise quantitativa, correspondente a 14,01% no peso líquido de 0,007g), e 1 tubo plástico mole foi manchado de Metanfetamina; 3 tubos de vidro encontrados no guarda-roupa foram manchados de Metanfetamina, Anfetamina, N,N- Dimetanfetamina, 2 palhinhas plásticas foram manchadas de Metanfetamina, 2 comprimidos de cor laranja continham Nimetazepam, substância abrangida pela Tabela IV anexa ao mesmo DL com peso líquido total de 0,370g; 2 recipientes transparentes com palhinhas encontrados noutro quarto do apartamento foram manchados de Metanfetamina.
As referidas drogas foram adquiridas pelo arguido B ao indivíduo não identificado, a fim de servir ao consumo dele próprio; os tubos de vidro, tubos plásticos, palhinhas, tubo mole, recipientes e papeis de alumínio acima referidos são instrumentos utilizados pelos arguidos B no consumo de drogas.
No mesmo dia, às 16h59, o arguido J para fornecer drogas ao consumo dum amigo dele “Z”, pretendeu adquirir, através de uma senhora não identificada, titular do número telefónico 622XXXXX, a E 2 sacos de drogas “gelo” e combinou com este a transacção no quarto n.º XXXX do Hotel XXXX, onde alojava o arguido J.
No mesmo dia, às 17h00, E mais uma vez mandou o arguido A levar os dois sacos de gelo no valor de mil e duzentos dólares de Hong Kong ao quarto n.º XXXX do referido Hotel para vender ao arguido J.
Às 17h23, os agente da PJ foram ao quarto acima referido para realizar investigação, verificou o arguido J e apreendeu o telemóvel por ele utilizado na aquisição de drogas (vide fls.18 do auto de apreensão).
Às 17h44, o arguido A chegou ao referido quarto, pôs-se em fuga logo que se apercebeu da presença dos agentes policiais, todavia foi apanhado por estes em seguida.
Os agentes da PJ encontraram no bolso direito das calças do arguido A 1 rolo de papel de alumínio e 1 saco de cristais embalados em papel de alumínio; na cintura, 10 palhinhas; no bolso direito dianteiro, 30 notas de mil dólares de Hong Kong (no total de HKD30.000,00) e 7 notas de cem renminbis, no bolso esquerdo dianteiro 1 telemóvel SAMSUNG (número 357566017XXXXXXX), do número de contacto 62XXXXXX, 1 cartão de telemóvel com número 135XXXXXXXX, 1 saco de cristais embalados em papel de alumínio (vide o auto de apreensão a fls.176 dos autos).
Através do exame laboratorial, comprovou-se que os referidos 2 sacos de cristais continham Metanfetamina, respectivamente com peso líquido de 0,961g (segundo a análise quantitativa, corresponde a 62,25% no peso líquido de 0,598g) e com peso líquido de 0,273g (segundo a análise quantitativa, corresponde a 64,50% no peso líquido de 0,176g).
As referidas drogas foram adquiridas pelo arguido A a E a fim de as vender ao arguido J no quarto acima referido pelo preço de HKD1.200,00.
O referido papel de alumínio e palhinhas são instrumentos propiciados, pelo arguido A ao arguido J para consumir drogas; o referido dinheiro foi adquirido pelo arguido A na actividade de tráfico e o telemóvel e o cartão de telefone são instrumentos de comunicação deste; entre os quais, a quantia de trinta mil dólares de Hong Kong é preço cobrado pelos arguidos B e C na venda de 30 gramas de drogas “gelo”.
No mesmo dia, os agentes da PJ foram à residência do arguido A, localizada no Bloco 2.º, 16.º andar O, do Edf. XXXX, da Avenida de Amizade, tendo verificado 1 papel de alumínio na cabeceira do quarto; dentro do guarda-chuva do guarda-roupa do seu quarto, 1 saco de cristais.
Através do exame laboratorial, comprovou-se que o saco de cristais continha Metanfetamina com peso líquido de 0,614g (segundo a análise quantitativa, corresponde a 65,80% no peso líquido de 0,404g)
As referidas drogas foram adquiridas pelo arguido A a E, a fim de as vender a outrem.
O referido papel de alumínio é instrumento propiciado pelo arguido A aos adquirentes para consumir drogas.
Os arguidos A, B, C, e J agiram livre, voluntária e dolosamente.
Os arguidos A, B, C, e J conheciam bem as características e a natureza das referidas drogas.
O arguido A e E, em conluio de vontades e em conjugação de esforços, com divisão de trabalho, adquiriram, transportaram e detiveram as referidas drogas para fornecer e vender a outrem.
O arguido B comprou, adquiriu e deteve as referidas drogas para consumo pessoal e as fornecer e vender a outrem.
O arguido J comprou e adquiriu as referidas drogas para fornecer a outrem.
Os arguidos B, C detiveram e utilizaram conjuntamente o referido papel de alumínio, isqueiro, papel metálico, recipientes com palhinhas, notas enroladas, palhinhas, tubo plástico mole, tubo de vidro, tubo plástico, tubo mole como instrumentos para consumo de drogas, sabendo bem que não podem fazê-lo.
Os arguidos A, B, C, e J sabiam bem que os seus actos são legalmente proibidos e sancionados.
Além disso, averigua-se:
- de acordo com os registos criminais, os arguidos A, B, C, F e J são delinquentes primários.
- o arguido C é comerciante do interior da China, possui várias riquezas no interior da China.
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Factos não apurados:
- os arguidos C e B, em conluio de vontades, propiciaram aos clientes do interior da China drogas e instrumentos para consumo.
- as drogas e os instrumentos para consumo encontrados e apreendidos no Hotel XXXX, quarto XXXX, são aqueles que os arguidos C e B estavam prestes a fornecer aos clientes que vinham a Macau a jogar.
- o dinheiro, telemóvel e cartão de telefone encontrados e apreendidos no mesmo quarto são dinheiro e instrumentos utilizados pelos arguidos C e B no exercício da actividade de tráfico.
- no quarto do arguido F, encontraram 2 recipientes transparentes com palhinha, 1 cartão SIM.
- o arguido F é tóxico-dependente do “gelo”, foram encontrados no seu quarto os instrumentos para consumo.
- o arguido F adquiriu e deteve drogas para consumo pessoal.
- o arguido F deteve e utilizou o referido papel de alumínio, isqueiro, papel metálico, recipientes com palhinhas, notas enroladas, palhinhas, tubo plástico mole, tubo de vidro, tubo plástico, tubo mole como instrumentos para consumo de drogas, sabendo bem que não pode fazê-lo.
- o arguido F agiu livre, voluntária e dolosamente.
- o arguido F conhecia bem a natureza e as características das aludidas drogas.
- o arguido F sabia bem que o seu acto é legalmente proibido e punido.
- outros factos contraditórios aos factos provados.
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Através da análise dos depoimentos dos arguidos, das testemunhas das partes K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, W e X, e tendo em conta os documentos que constam dos autos, nomeadamente o relatório de exame de droga, o Tribunal Colectivo formou convicção sobre os aludidos factos.
Não obstante o 3.ºarguido adquiriu e deteve drogas em grande quantidade (30 gramas de “gelo”), não há provas suficientes de que a maioria das drogas fossem fornecidas ou vendidas a outrem. Por outro lado, tendo em vista a sua capacidade económica, não se pode excluir na íntegra a possibilidade de este utilizar as drogas para consumo pessoal.”; (cfr., fls. 1067 a 1079).
Do direito
3. Dois são os recursos trazidos à apreciação deste T.S.I..
— Nesta conformidade, começa-se pelo recurso do (1.°) arguido A.
Pede o recorrente a redução da pena e a dispensa do pagamento de todas as despesas relacionadas com o seu recurso e ainda que os honorários ao seu Defensor sejam adiantados pelo G.P.T.U.I..
Vejamos se tem razão.
Ora bem, a factualidade provada e atrás retratada (e que não merece censura), é – nos clara no sentido de que o recorrente cometeu o crime pelo qual foi condenado, ociosas nos parecendo outras considerações sobre a qualificação jurídica penal operada pelo Colectivo a quo.
De facto, provado está que o mesmo recorrente trouxe produto estupefaciente em quantidade não diminuta para Macau e que as entregou a terceiros, agindo livre e voluntariamente e bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida.
Em sede de determinação da pena, e atento o estatuído no art. 2°, n° 4 do C.P.M., entendeu o Colectivo que o regime legal fixado na Lei n° 17/2009 era o mais favorável.
Para o crime em questão, prevê o art. 8°, n° 1 da Lei n° 17/2009 a pena de 3 a 11 anos de prisão.
E, lendo-se a factualidade provada e tendo-se presente a supra referida moldura penal – 3 a 15 anos de prisão – desde logo se constata que não é de considerar a pena de 5 anos de prisão que ao recorrente foi imposta como excessiva, pois que se nos mostra em conformidade com os “critérios” estabelecidos no art. 65° do C.P.M., assim como de harmonia com os “fins das penas” previstos no art. 40° do mesmo código.
Quanto às custas do recurso e honorários, na mesma, nenhuma razão assiste ao ora recorrente.
Com efeito, não sendo residente de Macau, não pode beneficiar de “apoio judiciário” – cfr., art. 4° do D.L. n° 41/94/M de 01.08 – e o pretendido adiantamento dos honorários só deve ocorrer depois de comprovada a impossibilidade do seu pagamento pelo (próprio) recorrente.
Considera-se assim o presente recurso “manifestamente improcedente”, pelo que vai rejeitado; (cfr., art. 410°, n° 1 do C.P.P.M.).
— Quanto ao recurso do (2.°) arguido B.
Coloca este recorrente as questões seguintes:
– “falta de fundamentação”;
– vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “contradição insanável na fundamentação”; e,
– “excesso da pena”, tudo (apenas) em relação à sua condenação como autor da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”.
Pois bem, no que toca à “falta de fundamentação” – e seja ela de facto ou de direito – evidente é que o Acórdão recorrido apresenta-se como adequadamente fundamentado, pois que nele discriminam-se os factos provados e não provados, explicitando-se também os motivos que levaram o Tribunal a formar a sua convicção, estando também presentes os “motivos de direito” da condenação do recorrente pelo crime em causa.
Ora, é sabido que em matéria de fundamentação, adequado não é adoptar-se “perspectivas maximalistas”, e, de uma mera leitura do Acórdão, conclui-se que o mesmo contém as razões que levaram o Colectivo do T.J.B. a decidir como decidiu.
Pode-se – obviamente – não concordar com as razões expostas pelo mesmo Colectivo, porém, tal não significa que o Acórdão padeça do vício de “falta de fundamentação”.
Continuando, e apreciando-se agora dos vícios da decisão da matéria de facto, cremos que também aqui nenhuma razão tem o recorrente.
Quanto à “insuficiência”, verifica-se que o Colectivo a quo pronunciou-se sobre toda a matéria objecto do processo, não nos parecendo assim que tenha incorrido na assacada maleita.
Quanto à alegada “contradição”, vejamos.
Tal vício ocorre quando se verifica “incompatibilidade entre os factos dados como provados, bem como entre os factos dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto”, sendo ainda de atentar que “a incompatibilidade entre os factos dados como provados e os dados como não provados deve ser absoluta e evidente, em face ao padrão de um homem médio, de maneira que impede o Tribunal da qualificação jurídica dos mesmos ou seja da decisão da causa”; (cfr., v.g., o Ac. de 20.3.2003, Proc. n° 8/2003).
E, também aqui, de uma leitura a toda a factualidade dada como provada e não provada, não se vislumbra a imputada “contradição insanável”.
Por fim, e quanto à pena de 5 anos e 3 meses de prisão em que foi o recorrente condenado pela prática de crime de “tráfico de estupefacientes”, e dando-se aqui como reproduzido o que se consignou em relação a esta questão no âmbito do recurso do (1.°) arguido A, evidente é que motivos não há para se alterar tal pena.
Mostrando-se que é também o presente recurso “manifestamente improcedente”, impõe-se a sua rejeição.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, e em conferência, acordam rejeitar os recursos; (cfr., art°s 409°, n° 2, al. a) e 410°, n° 1 do C.P.P.M.).
Pagará o 1.° arguido recorrente, (A), a taxa de justiça de 5 UCs, e, pela rejeição, o equivalente a 3 UCs, e o 2.° arguido recorrente, (B), a taxa de justiça de 7 UCs, e, pela rejeição, o equivalente a 5 UCs; (cfr., art. 410°, n° 4 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exm.° Defensor do (1.°) arguido A no montante de MOP$900.00.
Macau, aos 9 de Setembro de 2010
José Maria Dias Azedo (Relator)
Chan Kuong Seng (Primeiro Juiz-Adjunto)
João A.G. Gil de Oliveira (Segundo Juiz-Adjunto)
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