Recurso n.º 759/2007
Data : 25 de Novembro de 2010
Assuntos: - Recusa da entrada na RAEM
- Poder discricionário
- Princípio de presunção da inocência
- Princípio de proporcionalidade
SUMÁRIO
1. Tanto no poder de recusar a entrada na RAEM, como na ponderação da existência dos indícios de terem praticado de qualquer crime, a lei confere à autoridade o largo poder discricionário.
2. A recusa da entrada na RAEM, sendo uma medida policial com a finalidade de assegurar a paz e a tranquilidade social desta comunidade, não confronta com o princípio da presunção da inocência.
3. No exercício de discricionariedade por ocorrer uma ampla margem de livre apreciação ou de auto determinação, pelo que, por o recurso contencioso ser de mera legalidade, é, em princípio, insindicável o exercício do poder discricionário pela Administração, salvo a violação de lei traduzida no erro manifesto ou na total desrazoabilidade do seu exercício.
O Relator,
Choi Mou Pan
Processo n.º 759/2007
Recorrente : A (A) (A)
Recorrido: Secretário para a Segurança (保安司司長)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
A (A) (A), residente em China, vem interpor Recurso Contencioso de Anulação do Despacho do Exmº Senhor Secretário para a Segurança, alegando que:
1. A decisão recorrida entende que o recorrente está envolvido num crime de usura para jogo, por isso, para salvaguardar a paz social e o sector do jogo de Macau, decidiu rejeitar a reclamação apresentada pelo recorrente e interditar a entrada do recorrente em Macau pelo período de 3 anos.
2. Porém, o processo criminal em que o recorrente está envolvido encontra-se na fase de inquérito, e nos termos do artigo 29.º n.º 2 da Lei Básica, o recorrente está protegido pelo princípio da “presunção de inocência”.
3. Nenhum órgão administrativo de Macau ou particular pode considerar que o recorrente é culpado quando o recorrente é alvo de um inquérito criminal nem pode fazer-lhe mal ou obrigar-lhe a assumir qualquer ónus.
4. Nestes termos, a decisão recorrida viola o artigo 29.º n.º 2 da Lei Básica e o artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo.
5. O que conduz a que a decisão recorrida enferme do vício anulável previsto no artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, por isso, deve ser declarada anulada pelo tribunal.
6. Caso assim não se entenda, o recorrente ainda não se conforma com a decisão recorrida.
7. O recorrente dedica-se às actividades turísticas no interior da China, as quais consistem principalmente em guiar os turistas do interior da China para visitar Macau, sendo isto a principal fonte económica do recorrente.
8. O recorrente perderá o principal rendimento económico devido à decisão recorrida.
9. A influência na paz social ou no sector de jogo de Macau causada pelo recorrente não é tão grave como entendido pela decisão recorrida.
10. Assim sendo, a decisão recorrida é manifesta e demasiadamente excessiva.
11. O que viola os princípios da adequação e da proporcionalidade previstos no artigo 6.º (sic.) do Código do Procedimento Administrativo, fazendo com que exista o vício de ilegalidade.
12. Como a decisão recorrida padece do vício anulável previsto no artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, deve ser declarada anulada pelo tribunal.
Pedido:
Nos termos dos factos e das disposições legais acima referidos, vem solicitar ao Tribunal que:
(1) Admita o presente recurso contencioso; e
(2) Nos termos do artigo 55.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, ordene ao Secretário para a Segurança de Macau que remeta o original do processo administrativo e apense-o aos autos do presente recurso contencioso como parte integral dos autos do presente recurso contencioso; e
(3) A decisão recorrida padece do vício anulável previsto no artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo por violação do artigo 29.º n.º 2 da Lei Básica e do artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, por isso, deve ser declarada anulada;
Caso assim não se entenda,
(4) A decisão recorrida é manifesta e demasiadamente excessiva, o que viola os princípios da adequação e da proporcionalidade previstos no artigo 6.º do Código do Procedimento Administrativo, fazendo com que exista o vício de ilegalidade. Como a decisão recorrida padece do vício anulável, deve ser declarada revogada.
Ainda,
(5) Cite o réu (Secretário para a Segurança de Macau).
A entidade recorrida contestou, alegando que:
1. O recorrente veio recorrer contenciosamente do despacho do Secretário para a Segurança, em que manteve a decisão do Comandante do CPSP, que lhe tinha interditado a entrada em Macau pelo período de 3 anos.
2. Em síntese, os fundamentos principais do recurso são: o acto recorrido viola as disposições legais, nomeadamente o princípio da presunção de inocência e o princípio da proporcionalidade, por isso, deve ser anulado.
3. Os fundamentos invocados pelo recorrente são improcedentes.
4. Por motivos de controlo de migração, interesses públicos, ordem e segurança públicas, qualquer país ou região independente pode decidir com quase toda a liberdade se admite ou não a entrada dos estrangeiros ou dos cidadãos não residentes.
5. Para prevenir e reprimir a criminalidade e salvaguardar a ordem e a segurança públicas da Região Administrativa Especial de Macau, o artigo 12.º n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 6/2004 onde aprova o regime de imigração ilegal e de expulsão e o artigo 4.º n.º 2 alíneas 2) e 3) da Lei n.º 4/2003 prevêem que pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de terem sido condenados em pena privativa de liberdade ou existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes e porem em perigo a ordem ou segurança pública da RAEM.
6. Daí, pode-se ver que, os fundamentos da interdição da entrada dos não-residentes na RAEM não se limitem apenas a antecendentes criminais do interessado. O órgão administrativo competente pode também interditar a entrada dos não-residentes na RAEM sempre que se concluam, segundo as diversas informações e provas adquiridas, que existem fortes indícios de os não-residentes terem praticado quaisquer crimes e porem em perigo a ordem pública ou a segurança social.
7. In casu, embora ainda não haja qualquer condenação transitada em julgado contra o recorrente, existem fortes indícios de que o recorrente tenha praticado o crime de usura. Como o crime de usura constitui bastante perigo para a ordem e segurança públicas e pode causar outros crimes mais graves, nomeadamente Macau é uma cidade cujos sectores do turismo e do jogo são os seus principais pilhares da economia, o crime de usura constitui maior perigo para a segurança social de Macau, por isso, in casu, existem fundamentos de facto e de direito suficientes para aplicar ao recorrente a medida da interdição da entrada na RAEM.
8. A aplicação da referida medida ao recorrente não impede que o recorrente seja presumido inocente no referido processo penal antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, nem prejudica o seu direito de ser julgado no mais curto prazo possível pelo tribunal, por isso, não viola o princípio da presunção de inocência.
9. Também não se vê qualquer violação do princípio de proporcionalidade alegada pelo recorrente.
10. A medida de interdição da entrada visa impedir a entrada dos não-residentes potencialmente perigosos para a ordem e segurança públicas da RAEM, por isso, não é excessiva.
11. A referida aplicação é permitida pelo direito internacional e leis internas da RAEM.
12. O significado essencial do princípio da proporcionalidade implica que ao praticar acto administrativo, o órgão sujeito deve levar em consideração simultaneamente a concretização do objectivo administrativo e a protecção dos interesses legais dos destinatários. Caso a concretização do objectivo administrativo provoque qualquer influência desfavorável nos interesses dos destinatários, deve ser diminuída a influência desfavorável para o limite mínimo possível, de forma a que o objectivo alcançado e a influência causada sejam proporcionais.
13. O princípio da proporcionalidade é composto por três subprincípios: O primeiro é o da adequação. A medida ou meio a ser tomado pelo órgão sujeito deve beneficiar a concretização do fim/objectivo administrativo, sendo o acto administrativo adequado ao fim administrativo. O segundo é o da necessidade. O acto administrativo limita-se apenas a alcançar o fim/ objectivo administrativo, não podendo causar ao destinatário excesso de influência desfavorável. Dentre todos os meios ou medidas igualmente adequados para alcançar o objectivo administrativo, deve ser escolhido aquele que traga menos prejuízos aos interesses do destinatário, não podendo exceder ao limite necessário. O terceiro é o da proporcionalidade em sentido estrito. O meio escolhido pelo órgão sujeito não pode constituir manifesta desproporcionalidade entre os prejuízos causados ao destinatário e o objectivo alcançado.
14. A medida da interdição da entrada na RAEM imposta ao recorrente tem como objectivo procurar interesses públicos, prevenir que o recorrente tenha possibilidade de praticar outros actos que põem em perigo a segurança pública, afastar-se o recorrente da RAEM, salvaguardar a segurança e a estabilidade sociais e beneficiar os residentes da RAEM, porém, quanto ao recorrente, não se vê que o recorrente tem quaisquer direito e interesse especialmente importantes e legalmente protegidos.
15. O recorrente não é residente de Macau, não tendo aí quaisquer actividades legítimas nem exercendo quaisquer actividades permitidas pela Administração, ele permaneceu em Macau só na qualidade de turista.
16. Na sua petição inicial, apesar de alegar que se dedica às actividades turísticas que consistem principalmente em guiar os turistas do interior da China para visitar Macau, o recorrente não apresentou prova suficiente para justificar isso. Porém, dos autos do processo administrativo, consta-se que o recorrente é “desempregado”, “angariador de clientes nos casinos” ou “taxista no interior da China”, nenhum desses demonstra que o recorrente é permitido exercer actividades em Macau.
17. Daí, pode-se ver que a medida em causa não causou qualquer influência desfavorável ao recorrente, nem sequer o excesso da influência desfavorável.
18. Assim sendo, a decisão recorrida em causa não viola o princípio da proporcionalidade, pelo contrário, é plenamente adequada, necessária e proporcionada.
Pelos acima expostos, o acto recorrido não enferma de qualquer vício, por isso, solicito aos MM.ºs Juízes que se dignem julgar improcedente o recurso e manter o acto ora recorrido.
O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou o seu douto parecer que se transcreve o seguinte:
“Vem A (A) impugnar o despacho de 24/10/07 do Secretário para a Segurança, que, em sede de recurso hierárquico, manteve decisão de interdição de entrada do recorrente na RAEM por 3 anos, assacando-lhe Vícios de violação de lei, mais concretamente do princípio da presunção de inocência plasmado na LBRAEM e do princípio da proporcionalidade, argumentando, em síntese, que, por um lado, o processo criminal em que se encontra envolvido está ainda apenas na fase de inquérito, não existindo, sequer, acusação nem medida coactiva de proibição de ausência do Território, não se podendo, pois, desde já, partir da sua culpabilidade a tal nível e, por outro, a medida aplicada apresenta-se manifestamente excessiva e exagerada, designadamente tendo em conta a sua actividade como guia de turistas do interior da China para Macau, sendo essa a sua fonte de rendimentos.
Cremos, porém, não lhe assistir razão, em qualquer das vertentes. Mesmo dando de barato que a situação processual/criminal do recorrente se configura no presente momento como o mesmo a apresenta, isto é, na condição de arguido em inquérito penal, ainda sem acusação formulada, tal não implica, “per se”, que a interpretação e integração da situação de facto operadas pela recorrida se apresentem como indevidas ou desconformes com os preceitos legais aplicáveis, já que estes (cfr al 3) do n.º 2 do art° 4° da Lei 4/2003) permitem que possa ser recusada a entrada a não residentes na RAEM em virtude de “Existirem fortes indícios de terem praticado ou se prepararem para a prática de quaisquer crimes”, sendo certo que, para o efeito, basta isso mesmo - a existência de indícios, a tal se não opondo o facto de não existir ainda condenação ou mesmo acusação em sede criminal : mister é que no procedimento se colha a existência válida desses indícios, o que não deixa de suceder no caso, onde o acervo probatório carreado aponta claramente para a participação do recorrente na prática, conjuntamente com outros, de crimes de usura para o jogo, decorrendo dessa prática organizada a existência de perigo efectivo para a segurança e ordem públicas da RAEM (art° 12°, n.º 3 da Lei 6/2004), sabido como é fundamental a existência de paz e tranquilidade no desenvolvimento desta indústria vital para a Região.
Por outro lado, é um facto que as decisões da Administração que, como é o caso, colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, só podem afectar essas posições em termos necessários, adequados e equilibrados, o mesmo é dizer proporcionais aos objectivos a alcançar, proibindo-se, assim, o excesso, devendo existir uma relação de adequação entre o fim a alcançar e o meio utilizado para o efeito.
Impõe-se, pois, que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão, que entre todos os meios alternativos deva ser escolhido o que implique lesão menos grave para os interesses sacrificados, devendo, finalmente, existir justa medida entre os interesses presentes na ponderação.
Ora, toma-se óbvio que a medida em crise - e, estamos a falar de mera interdição de entrada no Território - foi tomada em sede de estratégia de prevenção da segurança e estabilidade públicas, necessidade que se continua a sentir, cada vez com maior acuidade, dado o exponencial aumento de visitantes na Região, tomando-se, pois, matéria do máximo interesse público, razão por que, de acordo com o já mencionado, não se descortina a ocorrência da assacada afronta ao princípio da proporcionalidade: é sensato, é razoável que as entidades públicas para o efeito vocacionadas, face aos condicionalismos já referidos, esclarecedores àcerca das actividades e postura criminosa do recorrente, lhe vedem, de acordo com os preceitos legais vigentes, a entrada no Território, por forma a prevenir a criminalidade e salvaguardar a segurança, não se vendo que se mostre ultrapassada a justa medida (a determinação concreta da duração desta, insere-se no domínio da discricionariedade da recorrida, afigurando-se-nos, de todo o modo, razoável e justa), ou que outras medidas necessárias e adequadas para atingir aqueles fins pudessem ter sido tomadas, no quadro legal existente, que implicassem menos gravames, sacrifícios ou perturbações à posição jurídica do recorrente.
Donde, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, sermos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.”
Cumpre conhecer.
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
Fundamentação
- Por despacho de 30 de Julho de 2007, que tinha com base nos seguintes parecer e informação, foi decidido a interdição da entrada na RAEM o ora recorrente:
“Proposta
Assunto: Interdição de Entrada de Cidadão não Residente
1. A A (男性),已婚,出生日期:19XX年XX月XX日,出生於中國廣東,父母親姓名:XXX和XX,職業:無業,住址:青洲大馬路….花園第…座…/…,電話:66XXXXXX,135XXXXXXXX,持中國往來港澳通行證編號:WXXXXXXXX。於2007年02月09日因涉嫌觸犯了第8/96/M號法律第14條文件的索取或接受罪及澳門刑法典第219條第3款a)項暴利罪被本局情報廳進行刑事檢舉。
2. 基於上訴原因,倘A A將來能踏足澳門,則可能對本地區的公共秩序及治安構成危險。因此,為預防A A再次進入本澳從事犯罪活動,根據3月17日第4/2003號法律第4條第2款第3項併合8月2日第6/2004號法律第12條第2、3及4款之規定,現建議對A A實施禁止入境澳門措施,禁入境期限有待上級作出定斷。
3. 呈上級審議。
資料分析暨處理科科長
XXXXXXX
Chefe n.º 11XXXX
Parecer:
1. A A因涉嫌觸犯了第8/96/M號法律第14條文件的索取或接受罪及澳門刑法典第219條第3款a)項暴利罪被本局情報廳進行刑事檢舉。
2. 由於存有強烈跡象,顯示上述人士曾在澳門實施犯罪,根據3月17日第4/2003號法律第4條第2款第3項併合8月2日第6/2004號法律第12條第2、3及4款之規定,建議禁止其最少叁年內進入澳門特別行政區,同時將該人之名字列入不受歡迎人士名單內。
3. 呈上級審批
情報廳廳長
Em 30/07/2007”
Informação
Assunto: Recurso Hierárquico
Recorrente: A (A)
Termos Legislativo: artº 159º do CPA
1. O recorrente vem impugnar o despacho através do qual lhe foi aplicada a medida de interdição de entrada em Macau pelo período de 3 anos, invocando os seguintes fundamentos:
2. Que os indícios da prática do crime de usura não estão provados por que não houve acusação ou pronúncia criminal, nem muito menos julgamento com trânsito em julgado.
3. e por isso encontra-se desde já violada o princípio da presunção da inocência, e assim o despacho recorrido incorre no vício de violação por erro nos pressupostos de factos que, afinal, ainda são inexistentes.
4. Também viola o despacho recorrido, o princípio da proporcionalidade porque, segundo invoca o recorrente, por meros indícios vem aplicar uma medida desproporcionada face ao eventual perigo que o recorrente possa causar.
5. requerendo assim que seja revogada a medida ou se assim não for entendido que seja reduzida para 1 ano.
6. Na sequência de um caso de usura, o cidadão de nome B, titular do Passaporte da Malásia n.º AXXXXXXXX, veio-se queixar à PSP após ter sido vítima de um crime de usura por parte de um grupo de indivíduos que trabalharam em conjunto para lhe emprestarem o dinheiro, retirarem-lhe os avultados juros após cada jogada, ficarem na posse do seu documento de identificação e inibirem-lhe a sua mobilidade ambulatória até que a dívida contraída fosse liquidada.
7. Foi por intermédio de um suspeito, C, cidadão da RPC, e angariador confesso de empréstimos para jogo junto do grupo do recorrente, que se recolheram informações àcerca do paradeiro e local de trabalho do recorrente, turista da RPC, cuja estada na RAEM fora autorizada para visita de turismo e lazer, conforme documento que lhe foi emitido pelas autoridades do seu país: SCDVº W XXXXXXXX.
8. Assim, foram detidos não só o recorrente mas também os restantes elementos do grupo num dos hotéis-casino da região, tendo até o recorrente confirmado que se dedicava na RAEM a essa actividade ilícita desde 2006.
9. O caso seguiu para Inquérito ao MP, indo juntamente com o expediente os objectos apreendidos na busca que posteriormente se efectuou a um apartamento arrendado pelo patrão financeiro do grupo, D, situado no Bairro da ………, para as suas operações, a saber: telemóveis, declarações de dívida e documentos de identificação de outra vítimas e também cadernetas bancárias.
10. Face aos elementos recolhidos foi decidida assim a aplicação de uma medida de interdição de entrada aos indivíduos referidos, precedida, claro está, do exercício do direito de audiência.
11. Assim, os actos descritos enquadram-se e subsumen-se nas normas conjugadas das Leis n.º 4/2003, artº 4º n.º 2 alínea 3) e 6/2004, artº 12º n.ºs 2), 3) e 4), sendo o período de interdição adequado ao fins que se pretendem obter: a não presença na RAEM de um indivíduo que ponha em perigo a ordem e a segurança públicas e a defesa da (vital) indústria do jogo.
12. Por outro lado, e de acordo com o pedido do recorrente, nos termos dos n.ºs 1 e 2, do artº 157º do CPA, não deve pelas razões expostas ser concedida a suspensão da eficácia do acto recorrido, até como sinal da reacção do Governo, através dos serviços competentes, contra aqueles que a coberto de autorizações para visitas turísticas aqui aproveitam para desenvolverem actividade ilícitas, particularmente ligadas à indústria do jogo.
13. Assim, por considerar que o despacho recorrido não se encontra ferido de qualquer vício que possa levar à sua anulabilidade, não deve ser dado provimento ao recurso interposto.
14. À consideração de V.Exa..
CPSP, aos 17 de Outubro de 2007.
O Comandante Subst.,
XXXXXXX
Superintendente
Despacho
Assunto: Recurso hierárquico necessário
Recorrente: A (A)
Concordo com o teor da informação do Senhor Cmdt. Subst.º do CPSP, de 17/10/2007, pelo que, em presença de fortes indícios da prática de uma actividade criminosa por parte do recorrente, decido negar provimento ao presente recurso, e manter a decisão recorrida que considero adequada e proporcionada.
No mais, proceda-se conforme a mesma informação.
Gabinete do Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 24 de Outubro de 2007.
O Secretária para a Segurança
XXXXXXX
Conhecendo.
Imputou ao acto recorrido pelos dois vícios:
- Quanto ao fundamento da decisão tem com base nos factos de o recorrente estar envolvido, na fase de inquérito, num crime de usura para jogo, a decisão incorreu no vício da violação do artigo 29.º n.º 2 da Lei Básica e o artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, pois nenhum órgão administrativo de Macau ou particular pode considerar que o recorrente é culpado quando o recorrente é alvo de um inquérito criminal nem pode fazer-lhe mal ou obrigar-lhe a assumir qualquer ónus.
- Vício da violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade, por a medida optada afigurar-se manifestamente inadequada e desproporcional.
Vejamos.
- Interdição da entrada na RAEM e o princípio de presunção da inocência
Sabe-se que está em causa a proibição da entrada do recorrente na RAEM, nos termos do n.º 2 do art° 4° da Lei 4/2003, disposições legais estas em conformidade das quais se permitem recusar à entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de “existirem fortes indícios de terem praticado ou se prepararem para a prática de quaisquer crimes”.
Sabemos que o poder de recusar à entrada na RAEM de não-residentes e de fixar o período em que é interditada a sua entrada consiste na discricionariedade da Administração, pois o legislador deixa largo âmbito de escolha à Administração para tomar a decisão de recusar a entrada e fixar o período de interdição de entrada na Região.1
Tanto no poder de recusar a entrada na RAEM, como na ponderação da existência dos indícios de terem praticado de qualquer crime, a lei confere à autoridade o largo poder discricionário.
Verificada a existência dos indícios da prática do crime de usura pelo ora recorrente, e não tendo o recorrente posto em causa a essa existência, mas sim tirou da conclusão de que com a aplicação da medida de recusa à entrada na RAEM foi o mesmo tratado como culpado na prática do crime, violando por isso ao princípio da presunção da inocência.
Manifestamente não é correcto esse entendimento.
Sabemos que, como qualquer medida de coacção aplicada no processo penal, em que, com vista a assegurar o decurso do processo, a evitar a fuga do arguido e a perturbação da ordem ou tranquilidade pública, pode o Tribunal decidir que aplique ao arguido a prisão preventiva, e, não está em causa a violação do princípio da presunção da inocência, princípio este que é constitucionalmente consagrado como princípio fundamental do direito penal, a recusa do ora recorrente da entrada na RAEM, sendo uma medida policial com a finalidade de assegurar a paz e a tranquilidade social desta comunidade, nada a que censurar essa medida, a não ser que a sua entrada é exigida por aquele inquérito criminal em curso, mas, não foi assim que sucedeu.
Na palavra do douto parecer do Digno Magistrado do Ministério Público, “mister é que no procedimento se colha a existência válida desses indícios, o que não deixa de suceder no caso, onde o acervo probatório carreado aponta claramente para a participação do recorrente na prática, conjuntamente com outros, de crimes de usura para o jogo, decorrendo dessa prática organizada a existência de perigo efectivo para a segurança e ordem públicas da RAEM (art° 12°, n.º 3 da Lei 6/2004), sabido como é fundamental a existência de paz e tranquilidade no desenvolvimento desta indústria vital para a Região”, é de improceder os fundamentos nesta parte do recurso.
- Interdição da entrada na RAEM e o princípio da proporcionalidade
Como acima se referiu, a recusa da entrada na R.A.E.M. é dada no exercício de discricionariedade por ocorrer uma ampla margem de livre apreciação ou de auto determinação, pelo que, por o recurso contencioso ser de mera legalidade, é, em princípio, insindicável o exercício do poder discricionário pela Administração, salvo a violação de lei traduzida no erro manifesto ou na total desrazoabilidade do seu exercício.2
Como define o Prof. Marcello Caetano, “o poder será discricionário quando o seu exercício fica entregue ao critério do respectivo titular, deixando-lhe liberdade de escolha do procedimento a adoptar em cada caso como mais ajustado à realização do interesse público protegido pela norma que o confere”.3
Sendo certo, não existe discricionariedade pura, pois há, quase sempre, aspectos vinculados. Só que, predominando a liberdade optativa da Administração, as áreas vinculadas surgem em “doses não alopáticas”, deixando ao acto um tratamento, essencialmente, como discricionário. Assim sendo, nos momentos e aspectos vinculados, o acto pode ser atacado por violação de lei.4
Pois, uma vez que o acto administrativo supõe uma determinada finalidade do interesse público a alcançar, e neste contexto, o próprio acto está auto-vinculado pelo critério objectivo da idoneidade, necessidade e justa.
Fala-se da medida idónea, afigura-se a recusa à entrada na RAEM ser um meio idóneo à prossecução do interesse público; da necessidade, trata-se de uma mera interdição de entrada na RAEM, que foi tomada em sede de estratégia de prevenção da sua segurança e estabilidade públicas, sem deixando de sentir-se a necessidade da tomada medida, na palavra do douto parecer “cada vez com maior acuidade, dado o exponencial aumento de visitantes na Região, tomando-se, pois, matéria do máximo interesse público”, razão por que não se descortina a ocorrência da assacada afronta ao princípio da proporcionalidade.
Finalmente, no que diz respeito à duração da interdição da entrada, nada se mostra ultrapassada a justa medida, face à finalidade e necessidade desta medida e a limitação do interesse do recorrente sacrificado em consequência desta medida, afigura-se ser, para o recorrente, menos gravames, sacrifícios ou perturbação à sua posição jurídica.
Nesta conformidade, não se descortina a verificação dos vícios assacados, e outros de que cumprem conhecer oficiosamente, é de improceder o recurso contencioso.
Pelo que, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em negar provimento ao recurso contencioso interposto por A.
Custas pelo recorrente.
RAEM, aos 25 de Novembro de 2010
Choi Mou Pan Presente
(Relator) Vítor Manuel Carvalho Coelho
João A. G. Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Neste sentido vido o Acórdão do TUI no Processo n° 34 / 2007, de 30 de Julho de 2008.
2 Vide o acórdão do TUI no Processo n° 34 / 2007 de 30 de Julho de 2008.
3 In Manual de Direito Administrativo, vol. I, p. 214
4 Vide Acórdão do TSI de 31 de Janeiro de 2002 do Processo nº 164/2001
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TSI-759/2007 Página 1