Processo nº 994/2010 Data: 20.01.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
SUMÁRIO
1. A liberdade condicional é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
José Maria Dais Azedo
Processo nº 994/2010
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, nos termos seguintes:
“1. O despacho recorrido proferido pelo Tribunal a quo negou o requerimento de liberdade condicional do recorrente.
2. O despacho recorrido põe em dúvida se o recorrente conseguir passar a ser uma pessoa honesta e conduzir a vida socialmente responsável baseando apenas em que o mesmo não tem trabalho concreto, conjugando com a motivação do seu cometimento de crime e as respectivas circunstâncias, assim como a vida passada à margem de criminalidade e as personalidades anteriores, e, baseando em que não são poucos os crimes praticados pelo recluso com outros companheiros, em comparticipação, incluindo crimes de tráfico, de consumo ilícito de drogas e de detenção indevida de utensílio, entende assim que a concessão de liberdade condicional causará influências negativas sobre a ordem jurídica e a defesa da paz social, e em consequência, ficará desfavorável para a prevenção comum, nega portanto o respectivo requerimento de liberdade condicional.
3. Por força do art.º 56.º do Código Penal de Macau, a liberdade condicional só pode ser concedida enquanto se encontram satisfeitos o requisito formal e o requisito substancial.
4. O ora recorrente já satisfaz ambos o requisito formal e o requisito substancial previstos no art.º 56.º do Código Penal.
5. Refere-se o requisito formal que o condenado conclui dois terços da pena e no mínimo 6 meses; e o requisito substancial significa que, ter analisado sinteticamente a situação geral do condenado e atendido as necessidades da prevenção especial e prevenção comum do cometimento de crime, o Tribunal forma conclusões favoráveis ao condenado quanto à sua reinserção social bem como à influência exercida pela liberdade condicional sobre a ordem jurídica e a paz social.
6. Relativamente à prevenção comum do requisito substancial, o quantum da pena ao recorrente condenada e a execução imediata e efectiva da pena já exerceram praticamente enormes influências à sociedade, deixando todas as pessoas a entender as grades consequências de tráfico de drogas, fazendo com que elas não cometerão o mesmo tipo de crime, quer dizer, encontra-se satisfeita a eficiência de prevenção comum, isto é, in casu, a finalidade de prevenção comum é satisfeita.
7. Relativamente à prevenção especial, o recorrente é residente do Interior da China, não é dotado de direito de residência em Macau nem tem qualquer domicílio aqui na cidade. Os familiares também são residentes do Interior da China e ali moram, o recorrente manifestou explicitamente que, uma vez em liberdade, iria voltar para o Interior da China e viver com eles, morar com os pais e a filha na propriedade que foi construída pelos pais. Por outro lado, o recorrente já tem plano concreto de trabalho, o mesmo pretende explorar o negócio de venda de telemóveis e computadores, recebe ao mesmo tempo os apoios moral e económico dos familiares, já está preparado para reinserir na sociedade. A par disso, o recorrente já fez profundas reflexões após o cometimento de crimes, entende que deve considerar bem as consequências antes de actuar e deve tomar cuidado de fazer amigos. Face ao exposto, podemos ver que a personalidade do recorrente passou a ser positiva e activa.
8. Desse modo, o recorrente tem plano globo para reinserir na sociedade em termos de família e trabalho, para além disso, ele já desintoxicou-se sucessivamente de consumo de droga, o que revela a sua determinação de reinserir na sociedade.
9. Por outro lado, o recorrente tem bom comportamento durante o cumprimento prisional, não tem qualquer registo de violação prisional, é de grupo de “confiança”, além disso, o relatório da Divisão de Segurança e Vigilância do EPM revela que a avaliação global do recorrente é de “bom”, sugerindo que seja lhe concedida a oportunidade de reinserção social.
10. O recorrente pediu um trabalho na prisão no Janeiro de 2010, mas tinha que aguardar a organização da prisão (vd. as fls. 6 dos autos), e tem participado no grupo de limpeza desde Maio de 2010, participou ainda em 2008 na competição de badmiton realizada pela prisão.
11. Sendo assim, é indubitável que as condutas do recorrente durante o seu cumprimento prisional são positivas e activas, dedicou-se muito no trabalho, devendo o Juízo a quo atender profundamente à atitude positiva e às mudanças favoráveis do recorrente, porque, de facto, as condutas positivas e activas bem como as mudanças favoráveis do recorrente podem neutralizar as influências negativas que a liberdade condicional exerce sobre a sociedade.
12. Finalmente, segundo os dados pessoais do recorrente, o mesmo não é residente de Macau, todos os familiares moram no Interior da China e têm boa relação com o recorrente, mantêm contactos através de cartas (vd. as fls. 54 a 56 dos autos) e disseram que gostaria que o recorrente poderia viver com eles no Interior da China e cuidar a filha que tinha apenas 9 anos de idade, ao mesmo tempo, o recorrente também manifestou que, uma vez em liberdade, iria voltar para o Interior da China viver com a família, pelo que essa decisão ajuda diminuir o dano causado à paz social de Macau.
13. Analisando a situação geral do recorrente bem como as necessidades de prevenção comum e prevenção especial, a concessão de liberdade condicional e a reinserção social do recorrente não exerceriam influências negativas à ordem jurídica e à paz social de Macau, porque as condutas futuras dele vão neutralizar as influências negativas que a concessão de liberdade condicional trazer para a sociedade.
14. Sendo assim, o Tribunal a quo não deveria pôr em dúvida se o recorrente conseguir passar a ser uma pessoa honesta e conduzir a vida socialmente responsável baseando apenas em que o mesmo não tem trabalho concreto, conjugando com a motivação do seu cometimento de crime e as respectivas circunstâncias, assim como a vida passada à margem de criminalidade e as personalidades anteriores; nem deveria, baseando em que não são poucos os crimes praticados pelo recluso com outros companheiros, em comparticipação, incluindo crimes de tráfico, de consumo ilícito de drogas e de detenção indevida de utensílio, entende assim que a concessão de liberdade condicional causará influências negativas sobre a ordem jurídica e a defesa da paz social, e em consequência, ficará desfavorável para a prevenção comum, e nega portanto o requerimento de liberdade condicional.
15. Nesse sentido, existe na decisão do despacho recorrido o vício previsto na alínea a do n.º 2 do art.º 400.º do Código de Processo Penal de Macau: “A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”.
16. Face ao expendido, o recorrente entende que se deve declarar revogado o despacho recorrido e seja imediatamente concedida ao recorrente a liberdade condicional.
17. Como o recorrente está ora a cumprir a pena de prisão no EPM, não lhe cabe a pagar custas do presente recurso, pelo que deve ser concedido o apoio judiciário nos termos do n.º 3 do art.º 2.º, n.º 1 do art.º 4.º e art.º 6 do Decreto-Lei n.º 41/94/M, para que seja isento do pagamento de todas as custas processuais e os honorários de defensor”.
Pede, assim, a revogação da decisão recorrida; (cfr., fls. 158 a 166 e que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, pronunciando-se no sentido de se dever manter a decisão recorrida; (cfr., fls. 169 a 173-v).
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Nesta Instância, juntou o Exm° Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“O regime de liberdade condicional, visando permitir aos reclusos que reúnam os respectivos requisitos legais, reintegrar-se antecipadamente na comunidade, não é, como se torna óbvio, de aplicação mecânica, devendo, para além dos pressupostos formais, mostrar-se reunidos os requisitos materiais, onde avultam os fins das penas,
E, pese embora se constate que, no caso, o arguido, enquanto primário e detido pela 1ª vez, tem revelado bom comportamento prisional, sem registo de qualquer violação, ali pertencendo ao denominado "grupo de confiança", mantendo contactos com familiares no interior da R.P.C., com reportes favoráveis à sua reintegração social, a que não deixa de aludir o parecer favorável do técnico e reintegração social, o certo é que, inquestionàvelmente, a análise do seu "background", com evidentes sinais de hábitos marginais, designadamente em sede da prática de ilícitos relacionados com estupefacientes, seja a nível de consumo, tráfico ou utensilagem, é de molde a suscitar sérias reservas quanto ao desidério de o mesmo, uma vez em liberdade, manter vida socialmente responsável, sem cometimento de novos crimes do mesmo tipo, continuando, assim, a existir "influências negativas para a ordem jurídica e a defesa da paz social" conforme bem se acentua no douto despacho recorrido, que se entende deter sustentabilidade nos elementos presentes no procedimento, razões de prevenção, seja de ordem geral, seja especial que apontam no sentido do acerto da decisão, aliás, nesse concreto, em consonância com o parecer emitido pelo director do E.P.M.
Não nos merecendo reparo o decidido, somos, pois, a pugnar pela sua manutenção.”; (cfr. fls. 207 a 208).
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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por acórdão do T.J.B. de 13.10.2009, (Proc. n° CR1-08-0371PCC), foi A, ora recorrente, condenado pela prática em concurso real de:
- 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p.p. pelo n.º 1 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 17/2009, na pena de 4 anos de prisão;
- 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p.p. pelo art.º 14.º da mesma lei, na pena de 2 meses de prisão; e,
- 1 crime de “detenção indevida de utensílio ou equipamento”, p.p. pelo art.º 15.º da mesma lei, na pena de 2 meses de prisão:
Em cúmulo, foi condenado na pena única de 4 anos e 2 meses de prisão.
– o ora recorrente deu entrada no E.P.C. em 15.01.2008, como preventivamente preso;
– em 23.10.2010, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 13.03.2012;
– em caso de vir a ser libertado tenciona regressar para o Interior da China e explorar um negócio de venda de telemóveis e computadores.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida, assacando também aquela decisão o vício de “insuficiência da matéria de facto para a decisão”.
Cremos, porém, que o recurso não merece provimento.
— Quanto à referida “insuficiência da matéria de facto para a decisão”, afigura-se-nos que incorre o recorrente em equívoco pois que atentos os termos em que coloca a questão, em causa está a apreciação que o Mm° Juiz a quo efectuou da factualidade assente, correcto não sendo assim falar de “insuficiência...” que, como se sabe, é um vício típico do julgamento da matéria de facto.
Seja como for, sempre se dirá que de uma mera leitura à decisão recorrida se constata que na mesma consta toda a factualidade relevante para a decisão, o que, também por aí, se evidencia a falta de razão do recorrente.
— Continuemos, apreciando-se agora dos pressupostos da pretendida liberdade condicional.
Preceitua o artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).
“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 15.01.2008 expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.
Na verdade, e na esteira do decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 31.01.2002, Proc. nº 6/2002, de 18.04.2002, Proc. nº 53/2002, de 25.01.2007, Proc. nº 11/2007, de 08.02.2007, Proc. nº 17/2007, e o de 15.02.2007, Proc. nº 10/2007).
E, ponderando na factualidade atrás retratada, será de censurar o assim entendido, sendo de afirmar que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se também a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Ora, sem prejuízo do muito respeito por opinião diversa, cremos que de sentido negativo terá de ser a resposta.
Com efeito, tendo presente os tipos de crime cometidos, nomeadamente, o de “tráfico”, afigura-se-nos que se impõe ter em conta a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “ Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).
Assim, em face das expostas considerações, e verificado não estando o pressuposto do art. 56° n°1, al. b) do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.
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— Pede ainda o recorrente que seja isento do pagamento de custas.
Ora, não sendo o mesmo residente da R.A.E.M., verificados não estão os pressupostos do art. 4° do D.L. n° 4/91/M para se deferir tal pretensão.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, indeferindo-se também o pedido de apoio judiciário.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Honorários no Exm° Defensor Oficioso no motário de MOP$1,000.00.
Macau, aos 20 de Janeiro de 2011
Jose Maria Dias Azedo (Relator)
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa (concordo com a decisão de negar provimento ao recurso, somente, sou de opinião de se conceder o pedido de apoio judiciário.)
Proc. 994/2010 Pág. 2
Proc. 994/2010 Pág. 1