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Processo n.º 611/2007(II) Data do acórdão: 2011-01-13
(Autos de recurso civil)
  Assuntos:
– art.º 854.º, n.º 1, do Código Civil de Macau
– contrato de remissão de dívida
– art.º 399.º, n.º 1, do Código Civil de Macau
– limitação da liberdade contratual
– art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril
– Regime Jurídico das Relações de Trabalho de Macau
– princípio do favor laboratoris
– art.º 60.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, de 14 de Agosto
S U M Á R I O
1. O Código Civil de Macau, no n.° 1 do seu art.° 854.°, dispõe que <>.
2. Entretanto, segundo o art.º 399.º, n.º 1, deste Código, a criação do contrato não implica que o mesmo possa vir a produzir necessariamente os efeitos pretendidos pelos respectivos outorgantes, visto que tudo depende da existência, ou não, de outras disposições legais obrigatórias que restrinjam ou limitam a liberdade contratual.
3. Estando o presente processo sob a alçada do Direito do Trabalho, há que aplicar o Regime Jurídico das Relações de Trabalho de Macau, consagrado no Decreto-Lei n.° 24/89/M, de 3 de Abril.
4. O art.° 6.° deste Decreto-Lei determina que <>.
5. Sendo certo que as “condições de trabalho” de que se fala nesta norma devem ser entendidas, conforme o conceito definido na alínea d) do art.° 2.° do mesmo Decreto-Lei, como referentes a <>.
6. Assim, estando o montante concreto do “prémio de serviço” então declarado pela Autora como recebido da Ré muito aquém da soma indemnizatória reclamada na petição inicial, o Tribunal a quo, independentemente da procedência ou não do pedido da Autora, não deveria ter desconsiderado a norma expressa do art.° 6.° do dito Decreto-Lei, nem o pensamento legislativo ao mesmo subjacente e ligado às preocupações de proteger os interesses da parte trabalhadora (cfr. os cânones de hermenêutica jurídica plasmados no n.° 1 do art.° 8.° do Código Civil), não devendo, pois, ter julgado válido o contrato de remissão de dívidas da Ré para com a Autora, mesmo que esse contrato tivesse sido celebrado após a cessação da relação de trabalho entre a Autora e a Ré.
7. Aliás, norma jurídica semelhante à do art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 24/89/M, pode ser encontrada nas seguintes disposições do art.° 60.° do Decreto-Lei n.° 40/95/M, de 14 de Agosto, definidor do regime aplicável à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, também em prol da protecção dos interesses da parte trabalhadora:
<<1. É nula a convenção contrária aos direitos ou às garantias conferidas no presente diploma ou com eles incompatível.
  2. São igualmente nulos os actos e contratos que visem a renúncia aos direitos estabelecidos no presente diploma.>>
8. Por outras palavras, como o contrato de remissão de dívida em questão nos presentes autos violou o princípio do “favor laboratoris” também consagrado obrigatoriamente no art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 24/89/M, todos os créditos laborais legais da Autora sobre a Ré não podem ficar extintos por efeito desse contrato.
O relator por vencimento,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 611/2007 (II)
(Autos de recurso civil)
  Autora: A (XXX)
  Ré: Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L.
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
No dia 14 de Julho de 2006, A apresentou petição ao Tribunal Judicial de Base, pedindo, em acção declarativa ordinária, e inclusivamente, a condenação da sua ex-empregadora Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L., no pagamento da quantia total, inicialmente reclamada, de MOP$1.908.144,65, como indemnização pecuniária nomeadamente dos créditos laborais por ela tidos como existentes ao abrigo da legislação laboral de Macau (cfr. o teor da petição a fls. 2 a 86 dos presentes autos correspondentes).
Citada, a Ré veio apresentar contestação para se opor à pretensão da Autora mediante invocação de diversos motivos, de entre os quais se salientando o argumento de que todas as obrigações ora imputadas pela Autora, a existirem, já teriam sido extintas por efeito de uma declaração subscrita pela Autora nesse sentido em 20 de Julho de 2003 e já por ela aceite logo no próprio dia (cfr. o teor da contestação de fls. 314 a 384 dos autos), excepção essa cujo conhecimento foi entretanto relegado inclusivamente para final, conforme o determinado no despacho saneador (de fls. 413 a 423).
Ulteriormente, foi proferida sentença final pelo Mm.° Juiz titular do processo em primeira instância, absolvendo-se a Ré do pedido, por aí concluída já extinção, por força da remissão, dos créditos reclamados na petição inicial (cfr. a sentença de fls. 657 a 668v dos autos).
Inconformada, veio a Autora recorrer para esta Segunda Instância para rogar inclusivamente a invalidação dessa decisão, nos termos nomeadamente constantes da sua alegação de fls. 679 a 784, que se dão por aqui reproduzidos para todos os efeitos legais.
A este recurso respondeu a Ré no sentido de improcedência do mesmo, nos termos vertidos na sua contra alegação de fls. 796 a 852, que também se dão por aqui reproduzidos para todos os efeitos legais.
Subido o processo, feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, foi apresentado pelo Mm.o Juiz Relator a quem o processo ficou distribuído o douto Projecto de Acórdão relativo ao recurso final da Autora à apreciação do presente Tribunal Colectivo ad quem, sugerindo-se que se julgasse improcedente este recurso da Autora com manutenção da decisão de absolvição da Ré do pedido.
Entretanto, como o Mm.o Relator acabou por sair vencido da votação sobre essa sua douta solução sugerida, cumpre decidir da sorte do recurso final da Autora nos termos constantes do presente acórdão definitivo, lavrado pelo primeiro dos Juízes-Adjuntos.
II – DOS FACTOS
Com pertinência à solução do recurso final da Autora, é de coligir dos autos os seguintes elementos:
Em 20 de Julho de 2003, a Autora assinou uma declaração dactilografada em chinês (com respectiva tradução portuguesa também dactilografada no mesmo texto original), e aceite no próprio dia pela Ré, com seguinte teor traduzido para português:
< Eu,(.....................................), titular do BIR nº (...........................) recebi, voluntariamente, a título de prémio de serviço, a quantia de MOP$(..........................) da STDM, referente ao pagamento de compensação extraordinária de eventuais direitos relativos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, eventual licença de maternidade e rescisão por acordo do contrato de trabalho, decorrentes do vínculo laboral com a STDM.
  Mais declaro e entendo que, recebido o valor referido, nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a STDM subsiste e, por consequência, nenhuma quantia é por mim exigível, por qualquer forma, à STDM, na medida em que nenhuma das partes deve à outra qualquer compensação relativa ao vínculo laboral.
  [...]>> (cfr. o teor literal da mesma declaração, a que alude a fl. 386 dos autos), sendo certo que de acordo com o teor original em chinês dessa declaração, o “prémio de serviço” é de MOP$30.399,68.
III – DO DIREITO
Juridicamente falando, a questão nuclear posta no recurso final da Autora prende-se com a indagação do sentido e alcance da declaração escrita então por ela assinada e logo aceite pela Ré.
A este propósito, e tal como já se analisou mormente no acórdão de 14 de Junho de 2007 deste Tribunal de Segunda Instância, lavrado em chinês no Processo n.° 258/2007 (em que se ocupou da mesmíssima questão jurídica ante uma declaração escrita com conteúdo materialmente idêntico ao da declaração ora em causa):
O Código Civil de Macau, no n.° 1 do seu art.° 854.°, dispõe que <>.
Ora, em princípio, a dita declaração então emitida pela Autora, uma vez aceite pela Ré, já fez nascer um contrato de remissão de dívida previsto neste preceito do Código Civil.
Entretanto, a criação do contrato não implica que o mesmo possa vir a produzir necessariamente os efeitos pretendidos pelos respectivos outorgantes, visto que tudo depende da existência, ou não, de outras disposições legais obrigatórias que restrinjam ou limitam a liberdade contratual (vide o art.° 399.°, n.° 1, do Código Civil).
Estando o presente processo sob a alçada do Direito do Trabalho, há que aplicar ao caso o Regime Jurídico das Relações de Trabalho de Macau, consagrado no Decreto-Lei n.° 24/89/M, de 3 de Abril, e vigente inclusivamente à data da assinatura da acima referida declaração escrita da Autora.
Segundo o art.° 6.° deste Decreto-Lei: <> (com sublinhado ora colocado).
Sendo certo que as “condições de trabalho” de que se fala nesta norma devem ser entendidas, de acordo com o conceito definido na alínea d) do art.° 2.° do mesmo Decreto-Lei, como referentes a <> (com sublinhado agora posto).
Assim, estando o montante concreto do “prémio de serviço” então declarado pela Autora como recebido da Ré muito aquém da soma indemnizatória considerada devida e reclamada na petição inicial, o Tribunal a quo, independentemente da procedência ou não do pedido da Autora, não deveria ter desconsiderado a norma expressa do art.° 6.° do dito Decreto-Lei, nem o pensamento legislativo ao mesmo subjacente e ligado às preocupações de proteger os interesses da parte trabalhadora (cfr. os cânones de hermenêutica jurídica plasmados no n.° 1 do art.° 8.° do Código Civil), não devendo, pois, ter julgado válido o atrás referido contrato de remissão de eventuais dívidas da Ré para com a Autora, mesmo que esse contrato tivesse sido celebrado após a cessação da relação de trabalho entre a Autora e a Ré.
Aliás, norma jurídica semelhante à do art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 24/89/M, pode ser encontrada nas seguintes disposições do art.° 60.° do Decreto-Lei n.° 40/95/M, de 14 de Agosto, definidor do regime aplicável à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, também em prol da protecção dos interesses da parte trabalhadora:
<<1. É nula a convenção contrária aos direitos ou às garantias conferidas no presente diploma ou com eles incompatível.
  2. São igualmente nulos os actos e contratos que visem a renúncia aos direitos estabelecidos no presente diploma.>>
Por outras palavras, como o contrato de remissão de dívida em questão nos presentes autos violou o princípio do “favor laboratoris” também consagrado obrigatoriamente no art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 24/89/M, todos os eventuais créditos laborais legais da Autora sobre a Ré não podem ficar extintos por efeito desse contrato, com o que há que cair por terra a excepção peremptória deduzida pela Ré com base nesse contrato.
Na verdade, este princípio do favor laboratoris, como um dos derivados do princípio da protecção do trabalhador informador do Direito do Trabalho, para além de orientar o legislador na feitura das normas juslaborais (sendo exemplo paradigmático disto o próprio disposto no art.º 5.º, n.º 1, e no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril), deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou a solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir. (Neste sentido, e para maior desenvolvimento no assunto, cfr. a Dissertação de Doutoramento de MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO: A Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho, in Colecção Teses, Almedina, Setembro de 2000, págs. 947 a 948 e 974 a 977, em especial, aliás já materialmente citada no acórdão de 25 de Julho de 2002, do Processo n.° 47/2002, deste Tribunal de Segunda Instância).
Assim sendo, não se pode concordar com toda a opinião diversa no assunto, mormente a constante no douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 11 de Junho de 2008 no seu Processo n.o 14/2008 (a propósito de uma declaração de teor idêntico à dos presentes autos), cuja fundamentação, salvo o devido respeito, não procede, designadamente por seguintes razões, para além das já acima expostas:
– em primeiro lugar, se o tipo de declaração em causa é uma declaração de quitação com acompanhado reconhecimento negativo de dívida ainda não existente, porque é que a Ré teve que afirmar no texto da mesma declaração que aceitava o aí declarado?
– e em segundo lugar, ao declarar-se que “nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a STDM subsiste”, é porque, no entender das partes, chega a existir, até a esse momento, o direito a compensação de “descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios..., decorrentes do vínculo laboral com a STDM”, embora não se saiba do quantum exacto dessa compensação;
– daí que, em terceiro lugar, não é por acaso que foi a STDM quem começou a invocar a tese de “remissão da dívida” em contestações apresentadas em processos congéneres (e também no presente processo);
– e em quarto lugar, mesmo dentro da própria economia da douta tese do Venerando Tribunal de Última Instância, sempre se diria que teria subsistido o mesmo estado de sujeição fáctico da parte trabalhadora declarante no momento da assinatura da declaração, porque já é facto notório, conhecido pelos Tribunais de Macau no exercício das funções jurisdicionais em todos os processos semelhantes ao dos presentes autos, que quem assinou este tipo de declarações foram aqueles “ex-trabalhadores da STDM” que passaram a trabalhar, a partir dessa altura, nos casinos da Sociedade de Jogos de Macau, S.A., criada e controlada pela mesma STDM;
– e, por fim, há que atender a que em acórdãos anteriores proferidos por este Colectivo do TSI sobre a questão, nunca se afirmou que era aplicável o art.o 60.o do Decreto-Lei n.o 40/95/M, de 14 de Agosto, mas sim que “norma jurídica semelhante à do art.o 6.o do Decreto-Lei n.o 24/89/M, pode ser encontrada nas seguintes disposições do art.o 60.o do Decreto-Lei n.o 40/95/M, de 14 de Agosto”.
Termos em que há que proceder o recurso sub judice, sendo de observar que com isto já não é mister conhecer da impugnação, feita pela Autora, do “despacho proferido sobre a reclamação contra a selecção da matéria de facto” (a que se referem os pontos 1 a 10 da sua motivação de fls. 679 a 784), ou da questão de “deficiência da resposta aos quesitos” (colocada nos pontos 11 a 20 dessa motivação), ou da impugnação da matéria de facto feita nos pontos 52 a 92 da mesma motivação, tudo materialmente a propósito das circunstâncias da assinatura da declaração de fl. 386, para além de haver que notar, por outro lado, que fica supervenientemente prejudicado o conhecimento da questão de “erro na apreciação da prova” posta pela Autora nos pontos 21 a 51 da mesma motivação, por a “prova” aí em “discussão” ter a ver com o pedido de reparação de danos morais da Autora, do qual ela própria já veio desistir através do termo de desistência parcial do pedido lavrado a fl. 974, e validamente homologado a fl. 978, assim como fica logicamente precludido o conhecimento em concreto de todas as outras questões de cariz jurídico invocadas na mesma petição do recurso, por a solução acima dada quanto ao alcance e sentido da declaração dos autos como resposta material à questão fulcral de “invalidade do contrato de remissão de créditos”, já tutelar cabalmente a posição processual da Autora.
Caberá, pois, ao Tribunal a quo conhecer do pedido da Autora (com observância do julgado por despachos judiciais de fls. 865 e 978 na parte em que já se homologou as duas declarações da Autora de desistência parcial do pedido), a não ser que haja ainda outro motivo legal a obstar a isto.
IV – DECISÃO
Em sintonia com o acima exposto, acordam em conceder provimento ao recurso final da Autora, revogando, por conseguinte, a sentença recorrida de absolvição da Ré do pedido, e ordenando o conhecimento pelo Tribunal a quo do pedido da Autora (com observância do julgado já feito por despachos de fls. 865 e 978 quanto à desistência parcial do pedido da Autora), a não ser que haja ainda outro motivo legal a obstar a isto.
Custas do recurso final da Autora a cargo da Ré.
Macau, 13 de Janeiro de 2011.
____________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto vencedor)
____________________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
____________________________
José Maria Dias Azedo
(Relator do processo) (Segue declaração de voto)

Processo nº 611/2007
(Autos de recurso em matéria civil)

Declaração de voto


Vencido que fiquei, passo a expor como me preparava para decidir, acompanhando, de perto, o que consignei no meu projecto de acórdão que oportunamente submeti à conferência e que não mereceu a concordância dos meus Exm°s Colegas.

Vem interposto recurso da sentença absolutória proferida pelo Mm° Juiz do T.J.B..

Atenta a factualidade dada como provada, decidiu o Mm° juiz a quo absolver a R. dos pedidos pela A. deduzidos, pois que entendeu que fundamento legal não havia para a reclamada indemnização por danos não patrimoniais e que os restantes créditos pela mesma A. reclamados estavam extintos por remissão.

Entende porém a A. ora recorrente que tal decisão não é de manter, imputando à mesma os vícios de “insuficiência da matéria de facto”, “erro na apreciação da prova” e “erro de direito”.

Cremos não lhe assistir razão.

— No que à matéria de facto diz respeito, somos de opinião que nenhuma insuficiência existe, pois que, como oportunamente decidiu o Mm° Juiz a quo, todos os factos relevantes (que não constavam da matéria de facto assente) foram levados à base instrutória.

— Por sua vez, quanto ao assacada “erro notório na apreciação da prova”, também não nos parece que no mesmo tenha incorrido o Tribunal a quo, pois que da reflexão que sobre a questão nos foi possível fazer, cremos que se limitou o Tribunal a decidir de acordo com a sua livre convicção tal, como estatui o art. 558° do C.P.C.M..

— Quanto ao imputado “erro de direito”, (e sendo que homologada está a desistência parcial do pedido de fls. 774 a 774-v, onde a A. desistiu nomeadamente do pedido de indemnização por danos morais), cabe dizer que, como temos vindo a entender, nenhuma censura merece a decisão – na parte – que, perante a factualidade dada como provada, entendeu que extintos, por remissão, estavam os créditos pela A. reclamados a título de compensação pelo seu trabalho desempenhado em dias de descanso semanal, anual e obrigatórios.

De facto, e como é sabido, a “remissão” é uma das causas de extinção das obrigações e traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação que lhe é devida, feita com a aquiescência da contraparte – cfr., v.g., A. Varela in “Das Obrigações em geral”, Vol. II, pá. 203 segs. – revestindo, por isso, a forma de “contrato”, como claramente se preceitua no art. 854º nº 1 do C.C.M., onde consta que “O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor”.

Assim – e inversamente ao que sucede com o “cumprimento”, em que a obrigação se extingue pela realização da prestação em dívida, ou com a “consignação”, “compensação” e “novação”, em que o interesse do credor é satisfeito não através da realização da prestação devida, mas por um meio diverso – o que verdadeiramente caracteriza o “contrato de remissão” é a renúncia do credor ao poder de exigir a prestação que lhe é devida pelo devedor, ou seja, na remissão, (tal como na “confusão” e na “prescrição”), o direito de crédito não chega a funcionar.

Como adverte A. Varela, o interesse do credor a que a obrigação se encontra adstrita não chega a ser satisfeito, nem sequer indirecta ou potencialmente, e, todavia, a obrigação extingue-se, pois que, é o próprio credor que, com a concordância do devedor, renuncia ao poder de exigir a prestação devida, afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse que a lei lhe conferia.

“In casu”, foi o que sucedeu com a “declaração” pela A. produzida no dia 20.07.2003 e referenciada na matéria de facto – cfr., alínea U – pois que como dela se colhe, declarou expressamente que “nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a R. subsistia”, e que, por consequência, “nenhuma quantia era pelo mesmo exigível, por qualquer forma, à S.T.D.M., na medida em que nenhuma das partes deve à outra qualquer compensação relativa ao vínculo laboral”; (cfr., fls. 386).

Por sua vez, e em nossa opinião, nenhum óbice se descortina quanto à legalidade (e validade) de tal “renúncia”, pois que à data da dita declaração, extinta já estava a relação laboral entre A. e R., o que afasta qualquer eventual “impedimento”, nomeadamente, o do art. 33º do D.L. nº 24/89/M de 03.04.

De facto, a “renúncia” da A. é válida, uma vez que o direito à retribuição (e aos restantes créditos laborais) só se consideram indisponíveis durante a vigência da relação laboral, o que se justifica, quer pela natureza da retribuição, entendida como crédito alimentar, indispensável ao sustento do trabalhador e da sua família, quer pela subordinação económica e jurídica em que o trabalhador se encontra face ao empregador, que o pode inibir de tomar decisões verdadeiramente livres, em resultado do temor reverencial em que se encontra face aos seus superiores ou do medo de represálias ou de algum modo vir a ser prejudicado na sua situação profissional”; (neste sentido, vd., v.g., Ac. do S.T.J. de 24.11.2004, Proc. nº 0452846, e, J. L. Amado in, “A protecção do Salário”, 1973, pág. 196-222, J. Barros Moura in, “A Convenção Colectiva entre as Fontes de Direito”, pág. 210 e 212, e J. Mesquita in R.M.P., Ano I, TI, pág. 43-47, citados na decisão recorrida, podendo-se ver também no mesmo sentido, o Ac. do S.T.J. de 14.02.1991 in, B.M.J. 404/303, de 17.02.1993 in, C.J./Ac. S.T.J., Ano I, pág. 255, de 22.09.1993 in, A.D. nº 384, pág. 1322, de 06.07.1994 in, C.J./Ac. S.T.J., T III, pág. 271, de 29.01.1997 in, C.J./Ac. S.T.J., T I, pág. 265, de 12.05.1999, in A.D. nº 458, pág. 268, de 24.11.2004, Proc. nº 0452846, de 25.05.2005, Proc. nº 055480, e da R. do Porto de 12.05.2000, in, C.J. T III, pág. 246, de 18.06.2001, Proc. nº 0110674, e de 25.11.2002, Proc. nº 0210761, in “www.dgsi.pt”).

Assim, e sendo, como se disse, a remissão um “contrato”, não se deixa de consignar também que inegável é que em falta não está a declaração da R., pois que no mesmo consta a assinatura do representante da R..

Por sua vez, também não nos parece de considerar o estatuído no art. 6º do referido D.L. nº 24/89/M como um “obstáculo” à solução a que chegou o Mm° Juiz “a quo”, pois que, do nosso ponto de vista, o comando legal em causa tem tão só como escopo evitar que através de eventuais acordos entre a entidade patronal e o trabalhador se fixem – como nele se diz – “condições de trabalho menos favoráveis para o trabalhador do que as que resultariam da aplicação da lei”, o que, se bem ajuizamos, e atento ao preceituado no art. 1º, nº 2 do mesmo D.L. nº 24/89/M, onde sob a epígrafe “objectivo do diploma” se prescreve que “o presente diploma define os condiconalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre empregadores e trabalhadores”, não parece ser o que sucedeu nos presentes autos.

Por fim, o mesmo nos parece de entender em relação ao estatuído no art. 2º al. d) do referido D.L. nº 24/89/M, onde se esclarece o que se deve entender por “condição de trabalho”, e como do seu teor nos parece resultar, tem apenas aplicação aquando da vigência da relação de trabalho.

De facto, não cremos que com o mesmo tenha tido o legislador local a intenção de regular (ou limitar) a vontade do trabalhador em relação a aspectos de uma relação laboral já finda.

Aliás, e ainda que com fundamentação não totalmente coincidente, este o douto entendimento do Vdo T.U.I.; (cfr., v.g., os Acs. de 17.12.2008, tirado nos Procs. n° 31/2008, 38/2008, 40/2008 e 42/2008).

Nesta conformidade, negava pois provimento ao recurso, com custas pela A. recorrente.

Macau, aos 13 de Janeiro de 2011
José Maria Dias Azedo


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