Processo nº 30/2011 Data: 20.01.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
SUMÁRIO
1. A liberdade condicional é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 30/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (A), com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir imputando à decisão recorrida a violação do disposto no artº 56º n° 1 do C.P.M.; (cfr., fls. 87 a 96 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, pronunciando-se no sentido de se dever manter a decisão recorrida; (cfr., fls. 98 a 100-v).
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Nesta Instância, e em douto Parecer, considera também o Exm° Representante do Ministério Público que se deve julgar improcedente o recurso; (cfr. fls. 108-v a 110-v).
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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por sentença de 17.10.2003 (Proc. n° PCS-049-031), foi A, ora recorrente, condenado pela prática em concurso real de 1 crime p. e p. pelo art. 12° (“Detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem”) e 1 outro p. e p. pelo art. 23°, al. a) (“detenção de estupefaciente para consumo”), ambos do Dec. Lei n° 5/91/M, fixando-se-lhe a pena única de multa de MOP$5,500.00 convertível em 36 dias de prisão subsidiária;
– por acórdão de 02.02.2005, foi o mesmo recorrente julgado à revelia e condenado pela prática em concurso real de 1 crime p. e p. pelo art. 9°, n° 1 (“Tráfico de quantidades diminutas”), 1 crime p. e p. pelo art. 12°(“Detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem”) e 1 outro p. e p. pelo art. 23°, al. a) (“detenção de estupefaciente para consumo”) do D.L. n° 5/91/M, fixando-se-lhe a pena única de 1 ano e 4 meses de prisão e multa de MOP$4,000.00 ou 26 dias de prisão subsidiária;
– por sentença de 25.10.2007, foi o mesmo recorrente julgado à revelia e condenado pela prática em concurso real de 1 crime do referido art. 12° e outro do 23°, al. a) do D.L. n° 5/91/M, na pena única de 5 meses de prisão;
– por acórdão de 21.12.2009, operou-se o cúmulo das penas ao recorrente impostas em 02.02.2005 e 25.10.2007, fixando-se-lhe a pena única de 1 ano e 8 meses de prisão e multa de MOP$4,000.00 ou 26 dias de prisão subsidiaria;
– o mesmo recorrente deu entrada no E.P.C. em 11.10.2009, e, em 15.11.2010, cumpriu dois terços da referida pena, (dado que pagou a multa), vindo a expiar totalmente a mesma pena em 05.06.2011;
– se vier a ser colocado em liberdade condicional irá viver com a sua esposa e filhos em Macau, tencionando trabalhar na construção civil.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Vejamos.
Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).
“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 11.10.2009, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.
Na verdade, e na esteira do que se tem decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 31.01.2002, Proc. nº 6/2002, de 18.04.2002, Proc. nº 53/2002, de 25.01.2007, Proc. nº 11/2007, de 08.02.2007, Proc. nº 17/2007, e o de 15.02.2007, Proc. nº 10/2007).
Nesta conformidade, e ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Vejamos.
O Tribunal a quo deu como inverificado o pressuposto legal ínsito na al. b) do n° 1 art. 56° em questão, negando a concessão da pretendida liberdade condicional por entender que esta se revelava “incompatível com a defesa da ordem jurídica e paz social”.
Será de manter o assim entendido?
Cremos que de sentido afirmativo deve ser a resposta.
Na verdade, há aqui que ter em conta, nomeadamente, o crime de “tráfico de estupefacientes” cometido e a sua repercussão na sociedade, pois que, ainda que de “pequenas quantidades”, não deixa de gerar uma certa repulsa, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “ Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).
Por sua vez, e atento o “percurso criminal” do ora recorrente, (e sem ocupação profissional assegurada), viável também não nos parece o necessário “juízo de prognose favorável” exigido pelo art. 56°, n° 1, al. a) do C.P.M..
Assim, em face das expostas considerações, e verificado não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1, do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.
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Pede também o ora recorrente apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de preparos e custas.
Atento o facto de estar em reclusão e sendo residente da R.A.E.M., considera-se que preenchidos estão os pressupostos do art. 4° do D.L. n° 4/91/M de 01.08, deferindo-se assim a pretensão em causa.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, concedendo-se o pretendido apoio judiciário.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, (não tendo que as suportar enquanto se mantiver na situação de insuficiência económica).
Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$1,500.00.
Macau, aos 20 de Janeiro de 2011
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc.30/2011 Pág. 12
Proc. 30/2011 Pág. 1