Processo nº 829/2010 Data: 13.01.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : “Condução em estado de embriaguez”.
“Inibição de condução”.
SUMÁRIO
1. Nos termos do preceituado no art. 90°, n° 1 da Lei n° 3/2007: “Quem conduzir veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gramas por litro, é punido com pena de prisão até 1 ano e inibição de condução pelo período de 1 a 3 anos, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal”;
2. Atento o assim estatuído, e perante a ausência de matéria de facto provada passível de constituir circunstância(s) atenuante(s), excessiva não é a pena de “inibição de condução” pelo período de 1 ano e 6 meses imposta a um arguido surpreendido a conduzir na via pública com uma taxa de álcool no sangue de 2,22g/l.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 829/2010
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por sentença proferida pelo Mm° Juiz do T.J.B. foi A (A), com os sinais dos autos, condenado pela prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez”, p. e p. pelo art. 90°, n° 1 da Lei n° 3/2007, (“Lei do Trânsito Rodoviário”), na pena de 4 meses de prisão substituída pela multa global de MOP$12,000.00 e na inibição de condução por um período de 1 ano e 6 meses; (cfr., fls. 47-v a 48-v).
*
Do assim decidido, e porque inconformado, o arguido recorreu para, em sede de motivação, formular as conclusões seguintes:
“i) Conforme os elementos provados nos autos, o arguido trabalha como chefe de segurança de locais de construção, auferindo mensalmente mais de $10.000,00, para além das suas despesas básicas quotidianas, o recorrente ainda tem a seu cargo a mulher e um filho;
ii) O arguido reside no Bairro de Areia Preta. Para necessidades de trabalho, ele tem de ir sempre para os locais de construção situados na Taipa, mesmo em Coloane;
iii) Pelo que, para o recorrente, a condução de veículos não apenas para as suas conveniências pessoais, como também é necessária para assegurar o seu trabalho, de forma a sustentar a sua família;
iv) Contudo, parece que a sentença recorrida não levou em consideração este facto que deve ser considerado na determinação da medida da pena;
v) Aliás, apesar de a sentença recorrida ter referido repetidamente os factos de que “o arguido confessou francamente os factos imputados e tem mantido boa conduta após o facto, tudo mostra o seu arrependimento;
vi) Factos esses constituem as circunstâncias atenuantes especiais da pena nos termos da lei;
vii) e realizam as finalidades de prevenção especial da pena;
viii) Porém, o tribunal recorrido ainda condenou “o arguido na pena acessória de inibição de condução efectiva durante um período de 1 ano e seis meses” (vide o 2.º parágrafo de fls. 24 v dos autos);
ix) O recorrente entende ser excessiva esta pena de inibição de condução, violando os artigos 40.º e 65.º do Código Penal, e em consequência, enferma do vício previsto no artigo 400.º do Código de Processo Penal”
Pede, assim, que se reduza a decretada pena de “inibição de condução” de 1 ano e 6 meses para 9 meses; (cfr., fls. 53 a 55 e 87 a 88).
*
Respondendo, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 59 a 60-v).
*
Remetidos os autos a este T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exm° Representante do Ministério Público o seguinte Parecer:
“Cinge-se o inconformismo do recorrente ao sector da decisão controvertida que o condenou na medida acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano e 6 meses, nos termos do art° 90°, n° 1 LTR, argumentando que, em tal específico, o decidido se mostra excessivo, impondo-se, a seu ver, uma redução da medida para período de 9 meses, fundando-se essa pretensão quer nas circunstâncias atenuantes da sua responsabilidade (confissão/ arrependimento), quer no facto de, enquanto chefe de segurança em locais de construção, necessitar de conduzir.
Pelo próprio argumentado e, sobretudo, pelo solicitado, se antevê que nem o próprio recorrente põe em crise não apresentar o caso vertente contornos passíveis de configurar os "motivos atendíveis" a que se reporta o art° 109° LTR, o que, aliás, se revela manifesto, já que a alegada necessidade do seu transporte do bairro da Areia Preta onde reside para os locais de trabalho (obras de construção) na Taipa e Coloane, se apresenta como mero inconveniente, transtorno ou incómodo quotidianos, a resultarem, com normalidade, de toda a interdição de condução, não contendendo com o modo essencial de vida ou até com o sustento próprio ou familiar, como aconteceria caso se tratasse de condutor ou motorista profissional, únicas hipóteses a que a jurisprudência tem atendido para aqueles efeitos.
Quanto à medida específica da medida, atentos os contornos do acidente, designada e primordialmente e, primordialmente, a alta taxa de alcoolémia detectada no sangue do recorrente (2,221 gr/l), afigura-se-nos não merecer a mesma reparo.
Razões por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, somos a entender não merecer provimento o presente recurso.”; (cfr., fls. 96 a 97).
*
Nada obstando, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão dados como provados os factos seguintes:
“Em 30 de Setembro de 2008, cerca das 17h00, o arguido conduzia o veículo, de matrícula MF-36-97, circulando pela Avenida Marginal Flor de Lótus em direcção ao Parque Industrial da Concórdia.
Ao chegar perto do posto de iluminação n.º 913D08, o arguido embateu nas barreiras de cimento existentes ao lado da via, causando-lhe lesões corporais.
Pelas 17h10 do mesmo dia, guardas policiais, depois de ter recebido a denúncia, chegaram ao local para tratar um acidente de viação e encontraram ali o arguido.
Pelas 19h22 do mesmo dia, submetido a exame de pesquisa de álcool no Hospital Kiang Wu, o arguido apresentou uma taxa de álcool no sangue de 222,1mg/dL, ou seja, 2,221 g/l (vide fls. 6 dos autos).
O arguido, agindo livre, voluntaria e conscientemente, praticou dolosamente a conduta acima referida.
Apesar de bem saber que ia conduzir na via pública, o arguido ainda ingeriu bebidas alcoólicas antes de conduzir.
O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Conforme o CRC, o arguido foi condenado, no âmbito do Processo n.º CR1-03-0010-PCC, pela prática do crime de usura para jogos, cuja pena foi declarada extinta no dia 16 de Março de 2007.
Além disso, mais se provou que o arguido trabalha como chefe de segurança de locais de construção, auferindo mensalmente mais de $10.000,00, tendo como habilitações académicas o 12.º ano de escolaridade, tendo a seu cargo a mulher e um filho.”; (cfr., fls. 46 a 48 e 74 a 75).
Do direito
3. Colhe-se do que se deixou relatado que com o presente recurso pretende apenas o arguido, ora recorrente, a redução da decretada pena de “inibição de condução” por um período de 1 ano e 6 meses para 9 meses, pois que a considera excessiva e em desconformidade com o preceituado nos art°s 40° e 65° do C.P.M..
Sendo assim tão só esta a questão a apreciar, desde já se adianta que tal pretensão não merece provimento, mostrando-se-nos, como se consignou em sede de exame preliminar, ser o recurso “manifestamente improcedente”, e por isso, de rejeitar; (cfr., art. 410°, n° 1 do C.P.P.M.).
Passa-se a expor este nosso ponto de vista.
Sob a epígrafe “Condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas” prescreve o art. 90° da referida Lei n° 3/2007 que:
“1. Quem conduzir veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gramas por litro, é punido com pena de prisão até 1 ano e inibição de condução pelo período de 1 a 3 anos, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.
2. Na mesma pena incorre quem conduzir veículo na via pública sob influência de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas cujo consumo seja considerado crime nos termos da lei.
3. A negligência é punida. ”
No caso, provada estando a prática pelo ora recorrente do crime de “condução em estado de embriaguez…”, e que nem o mesmo põe em causa, imperativa era a imposição da decretada “inibição de condução”.
Atento o estatuído no n° 1 do transcrito comando legal (do art. 90°), tendo tal pena de “inibição de condução” a duração de 1 a 3 anos, evidente se nos mostra que inviável é a sua redução para os pretendidos “9 meses”, pois que seria esta uma pena inferior em medida ao limite mínimo legalmente prescrito, certo sendo que, na situação em apreciação, motivos não existem para a uma “atenuação especial” nos termos do art. 66° do C.P.M., já que, verificando-se que foi o recorrente surpreendido em flagrante delito, pouco valor tem a sua confissão, afigurando-se-nos de referir também que aquela “atenuação” apenas deve ocorrer em situações (como a própria expressão o diz) “especiais”, (“extraordinárias”), ou seja, e como (repetidamente) temos vindo a entender, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”; (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 11.11.2010, Proc. n° 670/2010).
Aqui chegados, resta ver se possível é uma redução da pena em questão, (obviamente), respeitando-se o seu limite mínimo legal de 1 ano.
Ora, como se deixou consignado, evidente é que ao recorrente não assiste razão.
Com efeito, e como resulta da factualidade dada como provada, o ora recorrente conduziu veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue consideravelmente superior a 1,2 gramas por litro – apresentando quase o dobro deste limite: 2,221g/l – e a pena imposta encontra-se apenas 6 meses acima do seu limite mínimo, (e a 6 meses do meio da pena), podendo até ser considerada benevolente, em face de tal taxa e necessidade de prevenção criminal.
Dest’arte, evidente nos parecendo que não é de se considerar a pena em questão “excessiva” ou “inflacionada”, inexiste também qualquer violação aos art°s 40° e 65° do C.P.M., e, assim, atento o estatuído no art. 410°, n° 1 do C.P.P.M., impõe-se rejeitar o presente recurso.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, e em conferência, acordam rejeitar o recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça de 6 UCs, e, pela rejeição, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n° 4 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$1,200.
Macau, aos 13 de Janeiro de 2011
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 829/2010 Pág. 12
Proc. 829/2010 Pág. 1