Processo n.º 632/2010
(Recurso Penal)
Data: 28/Outubro/2010
Assuntos :
- Despedimento de trabalhador
- Falta de justa causa
Sumário :
1. Se para o empregador há uma supremacia de deveres, tal supremacia deve ficar bem vincada e não se percebe porque não actuou primeiro, antes de despedir, se constatou que o empregado não apreendeu aquela hierarquia de deveres.
2. Não é legítimo despedir logo um trabalhador se ele estava a monitorizar uma sala de jogo, devendo também monitorizar uma operação de transferência de fundos, sem que se lhe comunique primeiramente qual o procedimento mais correcto.
3. Este dever, que incumbe à autoridade patronal de moderação e ponderação, devendo intervir e sancionar gradativamente e que resulta de um entendimento que se tem por razoável e sensato, é válido para o tratamento algo rude do trabalhador em relação ao seu superior, interpelado sobre o facto de presumidamente ter estado a dormir.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.ºº 632/2010
(Recurso Penal)
Data: 28/Outubro/2010
Recorrente: Sociedade de Jogos de Macau, S.A.
Objecto do Recurso: Sentença condenatória da 1ª Instância
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
SOCIEDADE DE JOGOS DE MACAU, SA, infractora, melhor identificada nos autos acima referenciados, notificada da sentença que a condenou na multa de MOP$ 4,000.00 pela prática de uma contravenção p.p. pelo artigo 48° n.º 1 e artigo 50° n.º 1 alínea a) da lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, não se conformando com essa decisão proferida, vem da mesma interpor recurso para este Tribunal de Segunda Instância, alegando, a título de conclusões:
1 - Entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que ficou provado em Audiência de Julgamento que a ora Recorrente despediu sem justa causa o trabalhador A e que por isso violou o disposto no artigo 48º n.º 1 e artigo 50º, n.º 1 alínea a) da lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
2 - Fundamentando com o facto de a entidade empregadora, ora Recorrente, não tinha regras estabelecendo que o gerente de segurança tem de estar presente no local de transferência de dinheiro e que a entidade empregadora não foi possível fornecer provas de que tinha transmitido instruções ao trabalhador que o mesmo deveria permanecer no local de transferência do dinheiro, pelo que o trabalhador não violou o regulamento interno.
3 - Ora a Recorrente, com todo o respeito, não pode concordar com a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, considerando que aqui existiu erro na apreciação da prova produzida em julgamento, nos termos do disposto no artigo 400º, n.º 2, alínea c) do Código do Processo Penal. Senão vejamos:
4 - Conforme o Regulamento Interno da Sociedade de Jogos de Macau, S.A., relativo à execução do trabalho a efectuar no departamento de segurança, menciona claramente que o assistente quando se encontra de serviço tem de monitorizar o trabalho dos seus subordinados. (Cfr. Fls. 63 dos autos).
5 - Ora o procedimento de transferência de dinheiro realiza-se duas vezes por dia, aliás conforme confirmou o trabalhador através do seu depoimento.
6 - Procedimento esse que requer responsabilidade acrescida de monitorização por parte do trabalhador, A.
7 - Ou seja, o gerente de segurança "assistente para efeitos do regulamento" na altura da transferência do dinheiro do Departamento de Tesouraria para a camioneta de transporte de dinheiro, deveria permanecer no átrio onde se processava a transferência do dinheiro.
8 - Sendo esse, o local de trabalho indicado onde obrigatoriamente o gerente de segurança deveria permanecer na altura de transferência do dinheiro, ora vejamos;
9 - O trabalhador A, gerente de segurança, na altura da transferência de dinheiro optou por permancer dentro da sala do departamento de segurança onde se encontram as televisões de controlo da área do casino.
10 - Acontece porém que nenhum dos televisores que se encontram dentro da referida sala permite visionar o que se passa no local de transferência de dinheiro.
11 - Aliás conforme depoimento da testemunha e do trabalhador A, o televisor da sala de segurança apenas permite visionar a sala do casino.
12 - Pelo que se conclui, que o trabalhador A não cumpriu o estipulado no regulamento interno da entidade empregadora, quando menciona que o gerente tem de monitorizar o trabalho dos seus subordinados. (Cfr. Fls. 63 dos autos).
13 - Por outro lado, entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que o departamento de segurança para além da transferência de dinheiro também é responsável pelo trabalho de vigilância da sala principal do casino e como na altura de transferência de dinheiro o trabalhador A estava na sala do departamento de segurança, onde se encontram as televisões de controlo da sala principal do casino, o trabalhador não violou o regulamento de interno de trabalho da entidade empregadora.
14 - E, como a entidade empregadora não consegue provar que o trabalhador A não cumpriu a sua função quando estava na sala de segurança, o Tribunal considera que o trabalhador estava a cumprir o seu trabalho.
15 - Também aqui, e é com todo o respeito que o afirma, a Recorrente não pode concordar com a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, considerando que também aqui existiu erro na apreciação da prova produzida em julgamento. Senão vejamos:
16 - Ora é certo que, para além de supervisonar a transferência do dinheiro, o trabalhador A tinha também a tarefa de supervisionar a sala do casino e que o faz por visionamento através das camaras instaladas na sala de segurança.
17 - E conforme já acima mencionado no nosso artigo 10º, "nenhum dos televisores que se encontram dentro da referida sala permite visionar o que se passa no local de transferência de dinheiro",
18 - No entanto o meritíssimo Juiz entende que apenas pelo facto de o trabalhador A se encontrar dentro da sala de segurança o mesmo estava a cumprir o seu trabalho;
19 - Conclusão que a Recorrente não pode aceitar de forma alguma;
20 - Ora, a monitorização dos procedimentos de transferência de dinheiro é a tarefa que requer maior empenho por parte do trabalhador A, pois em caso de qualquer falha poderá resultar em avultados prejuízos de difícil reparação para a entidade patronal facto este que a recorrente pretende evitar.
21 - Pelo que, o controlo da sala do casino também é tarefa da responsabilidade do trabalhador A, mas na altura de transferência de dinheiro não pode o responsável optar por efectuar outras tarefas em detrimento daquela que requer maior responsabilidade e a que exige maior zelo e diligência.
22 - E que apenas se efectua duas vezes ao dia.
23 - Apesar de o trabalhador A saber que a tarefa de transferência de dinheiro é a tarefa que exige maior responsabilidade e a que requer maior zelo e diligência, o certo é que o mesmo optou por permanecer dentro da sala do departamento de segurança.
24 - Local esse onde se encontram apenas as televisões de controlo da área do casino.
25 - Assim, o trabalhador A no local onde se encontrava não poderia visionar o que se passava no átrio onde se procedia à transferência de dinheiro.
26 - Pelo que naquela altura, de forma alguma, poderia o trabalhador estar a cumprir o seu trabalho.
27 - Ou seja, o trabalhador A na altura da transferência de dinheiro, além de se não encontrar no local de trabalho apropriado que permitisse supervisionar a transferência do dinheiro, agiu em total desrespeito às instruções constantes no regulamento interno da entidade empregadora.
28 - O qual menciona que o assistente tem de supervisonar o trabalho dos seus subordinados. (Cfr. Fls. 63 dos autos).
29 - Por outro lado, entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que a recorrente não provou que tinha efectuado qualquer instrução oral ao trabalhador A, relativamente ao local de permanência na altura de transferência de dinheiro
30 - E que conforme regulamento interno o gerente de segurança deve ficar mais tempo na sala de vigilância e só quando à necessidade é que efectua vigilância no local.
31 - Assim o Tribunal considera que no dia 6/10/2008, durante a transferência de dinheiro o trabalhador não violou o seu regulamento interno de trabalho.
32 - Também aqui, e é com todo o respeito que o afirma, a Recorrente não pode concordar com a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, considerando que também aqui existiu erro na apreciação da prova produzida em julgamento. Senão vejamos:
33 - A verdade é que pelas declarações da testemunha B, o trabalhador A sabia perfeitamente que na altura da transferência do dinheiro, o mesmo deveria permanecer no átrio onde se processava a transferência de dinheiro
34 - Ora, o gerente de segurança A perante tal tarefa de acrescida responsabilidade e que apenas se efectua duas vezes por dia, muito estranho seria que relativamente ao procedimento de transferência de dinheiro o trabalhador A não soubesse qual o local onde deveria de permanecer, para efeitos de supervisão e monitorização dos trabalhos.
35 - Aliás e conforme o regulamento interno "o gerente de segurança quando à necessidade deve efectuar vigilância no local".
36 - Ora é precisamente na altura da transferência do dinheiro que pelos motivos já acima mencionados que o gerente tem necessidade de efectuar a vigilância no local.
37 - Por outro lado, entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que de acordo com os factos provados durante a transferência de dinheiro no dia 6/10/2008, o trabalhador não violou o seu regulamento interno de trabalho e no dia 24/10/2008 o trabalhador A entrou no gabinete do supervisor sem autorização e com uma atitude rude perguntou porque é que o supervisor diz que ele estava a dormir dentro da sala de segurança e este facto não foi tão grave que possa levar a impossibilidade de manter a relação laboral.
38 - Também aqui, e é com todo o respeito que o afirma, a Recorrente não pode concordar com a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, considerando que também aqui existiu erro na apreciação da prova produzida em julgamento. Senão vejamos:
39 - Conforme depoimento da testemunha, B, o trabalhador A, durante todo o tempo em que se efectuava a transferência do dinheiro, o mesmo permaneceu dentro da sala do departamento de segurança e só abriu a porta na altura em que o Sr. B, bateu e pediu para entrar.
40 - Seguidamente, o Sr. B apercebeu-se que o Autor mantinha uma cara de sono o que levava a crer que o mesmo teria estado a dormir.
41 - Assim sendo, o Sr. B terá mencionado à entidade patronal que o trabalhador A se encontrava a dormir durante as horas de serviço.
42 - Na sequência desse episódio, o trabalhador A, no dia 24 de Outubro de 2008, deslocou-se às instalações do gerente do Departamento de Segurança e dirigiu-se ao seu superior de forma bastante incorrecta.(Cfr. Fls. 173 dos autos)
43 - Com efeitos, os dois episódios que ocorreram sequencialmente, um em 6 de Outubro de 2008 e logo a seguir o outro em 24 de Outubro do mesmo ano, colocou em crise a relação laboral e a relação de confiança que existia entre a entidade patronal e o trabalhador A.
44 - Ora o Trabalhador A não obedeceu em tudo o que respeita à execução e disciplina no trabalho.
45 - Sem outra alternativa e atendendo à gravidade dos factos ocorridos no dia 6/10/2008 e no dia 24/10/2008, foi efectuado o relatório interno de ocorrência. (Cfr. Fls. 172 dos autos)
46 - Esclareceu a testemunha B que, por sua vez e seguindo os trâmites do processo disciplinar interno, o referido relatório foi enviado à comissão disciplinar da entidade empregadora.
47 - Pelo que o cumprimento das normas estabelecidas no Regulamento Interno da entidade empregadora é imperativo e o seu desrespeito implica uma infracção disciplinar grave na qual resulta o despedimento do trabalhador infractor. (Cfr. Fls 143 dos autos)
48 - Pelo que para além da desobediência às normas e instruções dadas pelo empregador e superior hierárquico, o trabalhador agiu com falta de correcção e atitude beligerante e agressiva para com o seu superior hierárquico, que levou a entidade empregadora a perder toda a confiança que tinha no trabalhador A.
49 - Por se tratar de um facto grave que toma impossível a subsistência da relação de trabalho, a comissão disciplinar decidiu rescidir com justa causa o contrato de trabalho com o trabalhador A.
50 - Esclareceu a testemunha B que, por sua vez o trabalhador recorreu da decisão da comissão disciplinar da entidade empregadora.
51 - No entanto a Comissão disciplinar decidiu manter a decisão anterior ou seja despedir com justa causa o trabalhador A.
52 - Ou seja, houve um motivo tão forte que abalou de forma irremediável e definitiva a confiança que existia e era exigida na relação laboral.
53 - Por outro lado, considera ainda o Meritíssimo Juíz a quo de que apenas com vários avisos prévios e continuação de desrespeito das obrigações por parte do trabalhador é que estamos perante justa causa para despedimento.
54 - Também aqui, e é com todo o respeito que o afirma, a Recorrente não pode concordar com a decisão proferida pelo meritíssimo Juiz a quo, considerando também aqui existiu erro na apreciação da prova produzida em julgamento. Senão vejamos:
55 - Qual será a entidade patronal que, em face do ocorrido, teria de se sujeitar a que o trabalhador efectua-se várias violações dos seus deveres, e só depois de vários avisos ao trabalhador, poderia assim a entidade patronal estar perante justa causa para despedimento.
56 - Ora, a transferência de dinheiro é a tarefa de maior responsabilidade do departamento de segurança e a que requer maior supervisão por parte do trabalhador A.
57 - Tratando-se de procedimentos relativos ao transporte de avultadas quantias de dinheiro, teria efectivamente a entidade empregadora de esperar que o trabalhador A viola-se os seus deveres repetidamente e com possíveis consequências de vir a ocorrer danos irreparáveis?
58 - Nomeadamente o desaparecimento ou furto das quantias de dinheiro em trânsito, para que a entidade trabalhadora estivesse assim em situação de despedimento com justa causa?
59 - Ora, não é por acaso que no regulamento interno para o departamento de segurança menciona claramente que o cumprimento das normas estabeleci das no Regulamento Interno são imperativas e o seu desrespeito implica uma infracção disciplinar grave na qual resulta o despedimento do trabalhador infractor. (Cfr. Fls. 143 dos autos)
60 - Qual seria a entidade patronal que iria tolerar a continuidade de um trabalhador que devido à sua conduta culposa, não só violou os deveres estipulados nos procedimentos internos e do contrato, que poderia resultar em danos irreparáveis para a entidade patronal, mas que também teve uma atitude de desrespeito e falta de urbanidade para com o seu superior hierárquico.
61 - Ora o trabalhador A não obedeceu ao empregador em tudo o que respeita à execução e disciplina no trabalho e não realizou o trabalho com zelo e diligência.
62 - Ou seja, em total incumprimento ao estipulado no artigo 8º número 1 alínea b), c) e h) do Decreto Lei 24/89/M de 3 de Abril.
63 - Atendendo ao disposto no artigo 80 número 2 "O dever de obediência respeita tanto às normas e instruções dadas directamente pelo empregador como às emanadas dos superiores hieráquicos".
64 - O Trabalhador A actuou em completo desrespeito perante as normas e instruções dadas directamente pelo empregador como às emanadas dos superiores hierárquicos.
65 - Assim como, teve uma atitude de desrespeito e falta de urbanidade e lealdade para com o superior hierárquico, em total incumprimento com o estipulado no artigo 8º número 1 alínea a) do Decreto Lei 24/89/M de 3 de Abril.
66 - Conforme depoimento da testemunha se retira que todos os regulamentos internos e instruções foram devidamente transmitidos ao trabalhador.
67 - Pelo que, o trabalhador bem sabia que estava a agir em contrário às normas e instruções do empregador e seu superior hieráquico.
68 - Atendendo ao disposto no artigo 44º número 1 alínea a), "Constitui justa causa para o empregador rescindir a relação de trabalho, a conduta culposa do trabalhador que viole os deveres emergentes do Decreto- Lei e do Contrato."
69 - Ora, perante uma conduta culposa do trabalhador A trata-se de um facto grave que toma impossível a subsistência da relação de trabalho.
70 - Pelo que, não restou outra alternativa à recorrente se não despedir o trabalhador A, o qual foi despedido com justa causa.
71 - Neste sentido, foi o trabalhador A, que com o seu comportamento não só violou as regras que obrigam os trabalhadores e se encontram estatuídas no artigo 8º, número 1, alíneas a), b), c) h) e número 2 da Decreto-Lei 24/89/M de 3 de Abril, assim como violou o estatuído nos Regulamentos Internos da Sociedade de Jogos de Macau, S.A., não restando outra alternativa à recorrente senão o seu despedimento, o qual foi com justa causa e nos termos do disposto nos artigos 43º , número 2 e 44, número 1, alínea a) do Decreto-Lei 24/89/M de 3 de Abril.
72 - E por isso ilegal se mostra igualmente a condenação da Recorrente no pagamento da multa de MOP$4,000.00 por alegada violação ao artigo 48º, n.º 1 e artigo 50º, n.º 1 alínea a) da lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril
73 - Tendo por isso, a douta sentença recorrida incorreu em erro na apreciação da prova, violando o disposto nos artigos 8º, n.º 1, alíneas a), b),c), h) e n.º 2, 43º número 2 e 44º número 1, alínea a) e 48º n.º 1 e 50º do Decreto-Lei 24/89/M de 3 de Abril, devendo a mesma ser revogada quanto à condenação da Recorrente em multa a pagar no âmbito do artigo 50º, número 1 do Decreto-Lei 24/89/M de 3 de Abril e substituída por douta decisão que absolva a recorrente.
74 - Destarte, e sempre com o mui douto arbítrio de V. Exas, a Recorrente desde já requer, caso venha a ser mantida a sentença proferida pelo Tribunal "a quo" - o que só concede por mera hipótese académica que lhe sejam arbitradas as multas em valor mínimo.
Nestes termos, entende a recorrente que deve o presente recurso ser totalmente procedente, revogando-se a decisão recorrida em conformidade com a matéria colocada em crise neste recurso.
O Digno Magistrado do MP oferece douta resposta, pronunciando-se, em síntese:
1. Quando o resultado final do conhecimento de facto do juiz viola as regras de experiência quotidiana, cai-se no erro notório na apreciação da prova referido no art.º 400.º n.ºº 2 al. c) do Código do Processo Penal.
2. Nos contrato de trabalho e regulamento para os empregados não se dispõe expressamente que o empregado tem que apresentar-se no local da transferência dos fundos, e para provar a existência desta obrigação de trabalho o patronato só teve uma testemunha que confirmou o modo de trabalho que ele considerava correcto, e também admitiu que não tinha informado de forma verbal o empregado desta obrigação de trabalho.
3. Depois de ter apreciado objectivamente todas as provas, o juiz a quo não podia provar que o empregado A (XXX) violou a obrigação de trabalho, e as condutas de tratamento descortês do superior praticadas por este também não podem ser consideradas tão graves que resultaram na impossibilidade de manutenção da relação de trabalho.
4. A prova do despedimento com justa causa deve ser objectiva em vez de subjectiva.
5. A gravidade prevista por lei significa que a gravidade das condutas resulta na impossibilidade de manutenção da relação de trabalho, ou seja que, após receber conselho e advertência, o empregado ainda pratica condutas iguais, causando a impossibilidade de manutenção da relação entre as duas partes.
6. O tribunal a quo não violou os dispostos nos art.º 43.º n.ºº 2 e art.º 44.º n.ºº 1 al. a) do DL n.ºº 24/89/M.
7. A sentença do tribunal a quo não tem “erro notório na apreciação da prova”.
Pelo exposto, deve ser indeferido o pedido apresentado pela recorrente por carecer de fundamentos.
O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
A nossa Exmª. Colega evidencia, muito claramente, a sem razão da recorrente.
E nada se impõe acrescentar, efectivamente, às suas judiciosas considerações.
Inexiste, desde logo, o alegado erro notório na apreciação da prova.
A fundamentação da decisão, na verdade, não consente quaisquer dúvidas a esse respeito.
É incontroverso, por outro lado, que a conduta em causou não integra a noção de justa causa.
A impossibilidade de subsistência do vínculo laboral, como é sabido, constitui a linha vectorial determinante dessa noção (cfr., a propósito, ac. deste Tribunal, de 25-9-2003m proc. n.º 172/2003).
E tal condicionalismo não pode, de facto, “in casu”, ter-se como verificado.
O “quantum” da multa, finalmente, não pode ter-se como excessivo.
Pretendendo a recorrente a sua fixação no mínimo, o certo é que o mesmo já se encontra muito próximo desse limite.
E, atendendo às circunstâncias apuradas, só pecará, realmente, por defeito.
Deve, em conformidade, o recurso ser julgado improcedente.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Com pertinência, respiga-se da sentença recorrida o seguinte:
”(...)
Discutida a causa em julgamento, provaram-se os seguintes factos:
1) O empregado A (XXX) começou a trabalhar na Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A em 16 de Maio de 1981; em 1 de Julho de 2002 foi contratado pela Sociedade de Jogos de Macau, S.A como gerente do Departamento de Piquete, e foi despedido pela supracitada sociedade em 29 de Outubro de 2008, com o último vencimento mensal de MOP$15.145,00.
2) Em 1 de Julho de 2002, a Sociedade de Jogos de Macau, S.A celebrou com A (XXX) um contrato de trabalho, cujo anexo dispõe que para os empregados que trabalharam anteriormente na Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A, depois de assinarem o contrato de trabalho com a Sociedade de Jogos de Macau, S.A, as sua antiguidades de trabalho na Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A serão transferidas directamente à Sociedade de Jogos de Macau, S.A para a cumulação.
3) O gerente do Departamento de Piquete também é tratado por assistente, e de acordo com o anúncio emitido pelo empregador em 4 de Março de 2003, quando o assistente está de plantão, deve tratar de todos os eventos no campo, bem como supervisionar activamente o trabalho dos subordinados; passar grande parte do tempo na sala de monitores a monitorar, através de circuito interno de televisão, se os capatazes e os membros do piquete das várias zonas permanecem firmes nos seus postos, fazer os trabalhos da sua responsabilidade e fazer rondas de inspecção no campo se for necessário. Também deve dirigir os assistentes do campo como coordena o trabalho dos capatazes.
4) O patronato não deu aos empregados instruções verbais de que no tempo da transferência dos fundos, o gerente tem de apresentar-se no local para monitorar.
5) O gerente do Departamento de Piquete tem como as suas funções monitorar não só a segurança da transferência dos fundos, mas também a segurança no salão.
6) Em 6 de Outubro de 2008, durante a transferência dos fundos, o empregado A (XXX), como de sempre, viu através do monitor ao lado da sua secretária que veio a coluna de automóveis para a transferência dos fundos, e deu ordem ao escriturário para abrir a porta. Depois, em vez de apresentar-se no local para monitorar, A (XXX) dirigiu-se à sala de monitores ao lado para observar a situação no salão (de todas as mesas de jogo).
7) Em 24 de Outubro de 2008, o empregado A (XXX) entrou sem autorização na sala de chefe (escritório de B), interpelando com atitude descortês o seu superior porque é que este acusou-o de dormir durante o serviço na reunião habitual, entendendo que a acusação não correspondeu ao facto.
***
A convicção do tribunal baseou-se em:
O juízo do tribunal foi feito com base nas análise e comparação rigorosas dos depoimentos das testemunhas, e nas provas documentais dos autos apreciadas na audiência de julgamento.
A testemunha C(XXX) alegou na audiência de julgamento que, através da investigação realizada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, o empregador não podia prestar documentos que dispuseram que o gerente do Departamento de Piquete tivesse de apresentar-se no local da transferência dos fundos para monitorar o processo, e de acordo com 「pessoal do Departamento de Piquete – penalidade das infracções de assiduidade e de trabalho」, as condutas do empregado A (XXX) não são tão graves que é impossível manter a relação de trabalho, razão pela qual entendeu injustificado o despedimento feito pelo patronato.
Embora a testemunha B alegasse na audiência de julgamento que, na realização da transferência dos fundos, o gerente do Departamento de Piquete tinha de apresentar-se no local para monitorar em vez de ficar na sala de monitores, de acordo com os documentos constantes dos autos, especialmente o anúncio de 4 de Março de 2003 (fls. 63 dos autos) prestado pelo patronato, não foi disposto que o gerente (ou seja o assistente) tem de monitorar no local, só que deve fazer rondas de inspecção no campo se for necessário e passar grande parte do tempo na sala de monitores a monitorar, através de circuito interno de televisão, a situação do trabalho dos subordinados.
Pelo que este Tribunal entende que o patronato não dispõe expressamente que o gerente do Departamento de Piquete tem de apresentar-se no local da transferência dos fundos. Além da segurança da transferência dos fundos, o Departamento de Piquete também é responsável pelo trabalho de monitorar a segurança no salão (ou seja todas as mesas de jogo), e na altura o empregado A (XXX) ficava na sala de circuito interno de televisão, não violando o regulamento do trabalho.
Por o patronato não poder provar que na altura o empregado A (XXX) não cumpriu as suas funções na sala de circuito interno de televisão, e conforme o ambiente na referida sala e as situações concretas, este Tribunal entende que na altura, o empregado A (XXX) estava a cumprir as suas funções.
O patronato entende que apesar de não existir disposição expressa, o subordinado também deve trabalhar segundo instrução verbal do superior. Porém, o patronato não podia provar na audiência de julgamento que tinha dado ao respectivo empregado instrução (verbal) de “na transferência dos fundos, o gerente tem de estar no local para monitorar”. O Tribunal entende que com base só na alegação da testemunha B de que o gerente do Departamento de Piquete tem de apresentar-se no local da transferência dos fundos, não se prova que o patronato deu esta instrução verbal ao empregado A (XXX) durante o período de exercício.
Além disso, conforme o supracitado anúncio, o gerente do Departamento de Piquete deve “passar grande parte do tempo na sala de monitores a monitorar, através de circuito interno de televisão, se os capatazes e os membros do piquete das várias zonas permanecem firmes nos seus postos, fazer os trabalhos da sua responsabilidade e fazer rondas de inspecção no campo se for necessário.” (o sublinhado e o itálico são nosso).
Daí se pode constatar que o gerente do Departamento de Piquete deve passar grande parte do tempo na sala de monitores a monitorar através de circuito interno de televisão e só fazer rondas de inspecção no campo se for necessário.
Por isso, o Tribunal entende que durante o período da transferência dos fundos em 6 de Outubro de 2008, o empregado não violou o regulamento de função.
(...)”
III - FUNDAMENTOS
1. Muito embora o erro assacado à sentença recorrida seja o de erro na apreciação da prova, o certo é que a recorrente, no fundo, o que faz é atacar aquela decisão por entender que terá havido uma indevida aplicação do Direito no que toca à integração típica de uma situação correspondente a uma legítima causa de despedimento do referido trabalhador.
Esta confusão na identificação do vício ter-se-á ficado a dever, porventura, a uma postura processual menos adequada da recorrente na sua motivação de recurso, ao apresentar como conclusões da sua motivação a mera transcrição das suas alegações. Não é manifestamente a forma mais correcta de intervir em desrespeito dos comandos processuais pertinentes – art. 402º, n.º 1 do CPP.
Arrostamos nós com a censura de termos deixado passar tal falha, ónus suportado em nome da celeridade inerente à natureza dos presentes autos.
2. Quanto à questão do erro na apreciação das provas não se alcança onde ele possa residir, não se vislumbrando que tenha havido uma insuficiência evidenciada no texto e no contexto da decisão recorrida, ou os autos a evidenciem, exista ou se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que se esteja perante uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.
Qualquer incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da experiência comum.
E na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se as descontinuidades imediatamente apreensivas nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.
A nossa Jurisprudência uniforme entende que "O erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o recorrente, irrelevante sendo, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal."1
Até porque a livre convicção do Tribunal é insindicável: "É insindicável a livre convicção do juíz do abrigo do art. 114º do CPP, salvo casos de manifesto erro por regras de experiência humana ou as artis legis".2
Nada disto se observa no caso presente e a bem ver nem sequer a recorrente concretiza qualquer dessas situações.
3. Passemos então à questão relativa à integração da causa de justificação para o despedimento.
Fundamentalmente o que a recorrente alega é que houve violação do Regulamento, violação essa grave, pelo que não terá sido necessário dar uma ordem no sentido do acatamento do dever de vigilância directa e supervisão da actividade referente à transferência de fundos.
Analisando objectivamente os documentos e os depoimentos das testemunhas, apesar de o Regulamento constante das fls. 63 dos autos dispor que o assistente deve “supervisionar activamente o trabalho dos subordinados” e “fazer rondas de inspecção no campo se for necessário”, estas disposições não são concretas, não definindo especificamente a obrigação de presença no processo da transferência dos fundos, não obstante este ocorrer apenas duas vezes ao dia.
E se assim era, se assim se evidenciava essa importância, não se vê razão para que em termos de procedimento normal, logo que detectada uma primeira “falha” não fosse o trabalhador em causa avisado para passar a supervisionar directamente as referidas transferências.
Para mais quando parece resultar uma divergência quanto ao alcance dos deveres do trabalhador despedido, relativamente à transferência dos fundos segundo o depoimento de diferentes testemunhas.
4. Isto mesmo foi observado pelo Mmo Juiz na sentença ora recorrida, salientando ainda que “além da segurança da transferência dos fundos, o Departamento de Piquete também é responsável pelo trabalho de monitorar a segurança no salão (ou seja todas as mesas de jogo), e na altura o empregado A (XXX) ficava na sala de circuito interno de televisão, não violando o regulamento do trabalho.
(...)
Além da segurança da transferência dos fundos, o Departamento de Piquete também é responsável pelo trabalho de monitorar a segurança no salão (ou seja todas as mesas de jogo), e na altura o empregado A (XXX) ficava na sala de circuito interno de televisão, não violando o regulamento do trabalho.
O patronato não tem qualquer testemunha para provar que esta obrigação de trabalho é conhecida por todos os empregados, mas ao contrário, a sua testemunha admitiu na audiência de julgamento que não tinha informado de forma verbal o empregado desta obrigação de trabalho.
O contrato celebrado pelos assalariado e patronato não dispõe que o assistente tem que apresentar-se no local da transferência dos fundos, isso também não é disposto no regulamento para os empregados, e os empregados nunca receberam instruções verbais desta obrigação.
Por isso, neste processo não há provas suficientes de que o empregado A (XXX) violou a obrigação de trabalho, mesmo que a sua forma de trabalhar seja diferente do que a do superior, ele considera sempre estes actos como o que deve fazer, e não violou dolosamente a obrigação de trabalho.”
5. É certo, como diz a recorrente, que conforme o Regulamento constante de fls 63 o empregado em causa deve monitorizar o trabalho dos seus empregados, mas não é menos certo que deve supervisionar também as salas dos casinos.
Se para a recorrente há uma supremacia de deveres, tal supremacia deve ficar bem vincada e não se percebe porque não actuou primeiro, antes de despedir, se constatou que o empregado não apreendeu aquela hierarquia de deveres.
Não merece aqui censura o entendimento do Mmo Juiz sobre esta questão
6. Aliás, ainda de acordo com o regulamento constante das fls. 63 dos autos, mesmo que se entenda que o empregado não está a cumprir uma dada obrigação, deve-se optar primeiramente por uma advertência verbal.
Ora este dever, que incumbe à autoridade patronal e que resulta de um entendimento que se tem por razoável e sensato, é válido para o tratamento rude do trabalhador em relação ao seu superior, interpelado sobre o facto de presumidamente ter estado a dormir.
Ainda aqui o julgamento havido pelo Mmo Juiz nos parece ponderado.
7. É verdade que o dever de respeito, urbanidade e acatamento das ordens e instruções é um dever fundamental do trabalhador, mas não podemos esquecer que cada trabalhador é um ser humano, pode ter os seus altos e baixos, um momento, um dia menos bom, pelo que sancionar com a bitola máxima uma atitude isolada de rudeza parece-nos excessivo.
Porque não chamar a atenção, advertir primeiro e se essa atitude persistisse, revelaria, aí sim, uma incompatibilidade e impossibilidade de manutenção da relação funcional.
Isto é o que nos parece razoável. Isto foi o que pareceu também ao Mmo Juiz, enquanto disse que “O Tribunal considera incorrecto o tratamento descortês do superior, e que isso viola a devida obrigação de cortesia do empregado. Mas o Tribunal também entende que a violação pela primeira vez não resulta na impossibilidade de manutenção da relação de trabalho. Depois da primeira violação, o patronato deve advertir o empregado em vez de concluir de imediato que não pode manter a relação de trabalho com o empregado com base numa só violação.
Só constitui justa causa do despedimento a violação repetida das obrigações após advertência prévia.”
8. Finalmente quanto à medida da sanção.
Não merece qualquer censura a multa de MOP4.000,00, perante uma moldura abstracta de MOP3.000,00 a MOP15.000,00, considerando que ela deve ser fixada nos termos do disposto no art.º 51.º do DL n.º 24/89/M de 3 de Abril, em função da gravidade da infracção, da culpabilidade do infractor e da capacidade económica deste.
O excesso de voluntarismo na atitude da empregadora no despedimento a que procedeu, ao arrepio da lisura de procedimentos a que habituou a Comunidade e os seus trabalhadores, as consequências que determinou e a sua capacidade económica, tudo aponta para que a multa não fosse fixada pelo mínimo.
Assim entendeu o Mmo Juiz e bem.
9. Face ao exposto, configura-se o presente recurso como manifestamente improcedente, devendo, consequentemente, ser rejeitado nos termos dos artigos 407º, n.º 3 - c), 409º, n.º 2 - a) e 410º, do C. P. Penal.
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em rejeitar o recurso por manifestamente improcedente.
Custas pela recorrente, fixando em 6 UCs a taxa de justiça, devendo pagar ainda o montante de 3 UCs, a título de sanção, ao abrigo do disposto no artigo 410º, n.º 4 do CPP.
Macau, 28 de Outubro de 2010,
João A. G. Gil de Oliveira
Tam Hio Wa
Lai Kin Hong
1 - Acs do TSI de 2004/10/14, proc. n.º 249/2004; de 2004/2/12, proc. n.º 21/2004; de 2003/10/23, proc. n.º 216/2003, para além de muitos outros
2 - Ac. de 2002/7/2002, proc. n.º 119/2002 para além de muitos outros
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632/2010 29/29