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Processo nº 804/2010
(Recurso Cível)

Data: 18/Novembro/2010

   
   Assuntos:

- Arrolamento de bens do casal

    
    SUMÁRIO :
    
    1. Se os cônjuges estão casados sob o regime da separação de bens, por terem casado e à data serem residentes em Hong Kong, se não há bens comuns do casal, estando as contas bancárias e os imóveis registados em nome do requerido não deve ser decretado o arrolamento como procedimento cautelar ao divórcio.
    
    2. Os bens em compropriedade registados em nome de ambos os Cõnjuges casados sob o regime da separação não são bens comuns do casal.
    
    
O Relator,
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira





























Processo n.º 804/2010
(Recurso Cível)

Data: 18/Novembro/2010

Recorrente: A

Objecto do Recurso: Despacho que indeferiu
            o requerimento do arrolamento

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A requerente melhor identificada nos autos de arrolamento, onde foi interposto recurso em devido tempo e admitido que foi o recurso da sentença de f1s. 49 e ss. que indeferiu o requerimento do Procedimento Cautelar Especificado de Arrolamento Especial dos bens contra seu marido B, por apenso ao divórcio, veio alegar, fundamentalmente e em síntese:
    O Meritíssimo Juiz a quo na sua Douta Sentença entendeu o seguinte: Aquando da celebração do casamento ambos os nubentes eram residentes em Hong Kong, pelo que, o regime de bens há-de ser definido nos termos da respectiva legislação – art. 51° n.° 1 do C. Civ. De acordo com o disposto no art. 368° do CPC o arrolamento pode ser pedido quanto aos bens comuns e bens próprios do requerente dos quais seja administrador o outro cônjuge. Assim sendo, vigorando no caso em apreço o regime da separação de bens, resultante dos autos que os bens cujo arrolamento se pede são do cônjuge marido, não pode o mesmo ser decretado. Nestes termos e pelos fundamentos expostos vai indeferido o requerido não se ordenando o arrolamento;
    Desde logo, contesta-se o referido entendimento do Tribunal a quo quanto ao indeferimento do Procedimento cautelar especificado de Arrolamento Especial de bens; vejamos:
    A Recorrente considera que, salvo devido respeito que é muito, que o Meritíssimo Juiz a quo julgou erradamente a matéria de facto e consequentemente, aplicou de forma errada as normas do artigo 368º do Código de Processo Civil e 51º do Código Civil; isto porque,
    É patente que a solução defendida, doutamente, pelo Tribunal a quo se encontra em contradição com os factos apresentados, id est, a decisão proferida, nesta matéria é, à luz do próprio entendimento do Tribunal a quo e dos factos apresentados, errada;
    No entender da Recorrente, a interpretação feita pelo Tribunal a quo sobre o regime de bens à aplicar tem um erro de base;
    Por um lado, o entendimento do Meritíssimo Juiz a quo baseia-se na errada aplicação dos factos: aquando da celebração do casamento ambos os nubentes eram residentes de Hong Kong, logo o regime de bens à aplicar in casu, ser o de separação de de bens por ser o regime geral da referida Região Administrativa Especial;
    Assim, surge a contradição entre os factos apresentados nos autos (vide, Doc. 2 e 3 junto à Petição Inicial da Acção de Divórcio Litigioso) e o entendimento do Tribunal:
    Sendo verdade que o casal contraiu matrimónio em Hong Kong, e igualmente, tendo a sua residência habitual sempre em Macau e não terem celebrado qualquer convenção antenupcial, ao abrigo do disposto no artigo 51º do Código Civil de Macau, o regime de bens é o supletivo à data da celebração, é o da comunhão de adquiridos que é o regime da residência habitual (RAEM);
    Por outro lado, o casal é titular do Bilhete de Identidade de Macau e residem na RAEM desde 1982 e 1980, respectivamente, antes e no decurso da data em que foi contraído o casamento (8 de Agosto de 1997);1
    Ademais, a residência habitual do casal sempre foi, RAEM, uma vez que, a RAEM é o centro da vida do casal e onde sempre tiveram a animus manendi;
     Para terminar, a contrario sensu, aquando da celebração do casamento ambos os nubentes eram residentes de Macau, logo, o regime de bens que vigorava, in casu, é o da comunhão de adquiridos;
     Assim sendo, os bens cujo arrolamento se pede são bens comuns do casal;
     Pelo que, a fortiori considera a Recorrente que o Procedimento Cautelar Especificado de Arrolamento Especial de bens requerido contra seu marido B deve ser decretado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 362° e art. ° 368°, ambos do Código de Processo Civil e 51° do Código Civil de Macau.
    Nestes termos requer seja decretado o arrolamento nos termos requeridos.
    B, ora recorrido do processo acima referido, com os demais sinais dos autos supracitados, recebeu as alegações da recorrente A em 1 de Setembro de 2010, veio contra alegar, dizendo em síntese:
    A recorrente pretendeu provar o facto referido no art.º 8.º das alegações mediante anexos 1 e 2 das alegações, contudo, o requerido entende que o documento supracitado se pode provar somente que a recorrente residia em Macau desde 1982, mas não desde 1980.
    Ao mesmo tempo, o documento supracitado não se pode provar também o facto constante no art.º 9.º das alegações, não sendo considerado como provado por ser alegações pessoais da recorrente.
    A certidão de casamento da recorrente e recorrido mostra-se claramente que ambos se casaram em Hong Kong e a residência alegada na certidão de casamento de ambos é a de Hong Kong, isto é XXXX Street, X/F, X, Tsuen Wan, N.T., quer dizer, ambos consideram residência habitual o lugar onde os dois têm o centro efectivo e estável de vida pessoal, cujo fundamento jurídico consistido no n.º 2 do art.º 30.º do Código Civil.
    Como a residência habitual de ambos situa-se em Hong Kong, é correcto que o juiz julga, nos termos do n.º 1 do art.º 51.º do Código Civil, que o regime de bens de ambos é o de separação de bens.
Pelo exposto acima, a decisão recorrida não tem erros nos factos provados e na aplicação da lei, pelo que, tem que ser mantida.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
    A, com os demais sinais dos autos, vem requerer contra seu marido B já identificado nos autos, o arrolamento dos bens que identifica, por apenso aos autos de divórcio litigioso.
    Das certidões prediais juntas aos autos resulta que só o marido é o sujeito activo nas fracções A8 e B8 do prédio descrito sob o n.º 19904, inscrição n.º 56068G); a fls 27, marido e mulher figuram como sujeitos activos, fracção K14 do prédio descrito sob o n.º 21688, inscrição n.º 37812C; a fls 35, apenas figurando aí como sujeito activo o requerido, relativamente a uma concessão por arrendamento da supra citada fracção A8; a fls 44, marido e mulher figuram como sujeitos activos, fracção K13 do prédio descrito sob o n.º 21688, inscrição n.º 955F.
    Das certidões juntas folhas 12 a 45 resulta que os imóveis estão inscritos na competente Conservatória do Registo Predial como tendo sido adquiridos pelo requerido ou por ambos no estado de casado em comunhão de adquiridos, com a requerente.
    As contas bancárias a folhas 7 e 10 estão em nome do requerido.
    A requerente e requerido casaram entre si em Hong Kong sem convenção antenupcial em 08/08/1997.
    Aquando da celebração do casamento ambos os nubentes eram residentes em Hong Kong.
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso foi reconduzido à questão do apuramento do regime de bens do casal para efeitos de eventual decretamento do arrolamento, o que deve ocorrer desde que se trate de bens comuns do casal ou próprios de um deles, desde que administrados pelo outro cônjuge, como prévio a uma acção de divórcio ao abrigo do disposto no art. 368º, n.º1.
    E como se entendeu que o regime aplicável era o da separação de bens, regime legal supletivo em Hong Kong, foi indeferido o arrolamento.
    Cremos, contudo, que o caminho a percorrer deve ir para além da determinação do regime de bens, relevando ainda apurar se os bens a arrolar são bens do casal ou são administrados pelo requerido.
    Só assim se cumprem os requisitos do artigo 368º, n.º 1 do C.P. Civil.
    É certo que para determinar essa natureza dos bens arrolandos será importante determinar qual o regime de bens aplicável.
    Mas isso não basta; os cônjuges podem estar casados no regime de bens da separação e os bens serem comuns, por terem sido adquiridos em conjunto, tal como duas pessoas não casadas adquirirem em comum um determinado bem.
    Nesse caso não ganham a natureza de bens do casal, apenas por força do regime de bens, a não ser que a adquiram por via de um qualquer fenómeno compensatório ou de comparticipação. Só que nesses casos tem de ser alegada a matéria pertinente à determinação de tal natureza, o que não decorre do regime legal supletivamente aplicável.
    
    2. Atentemos nas doutas razões aduzidas pelo Mmo Juiz:
    “(...)
    A requerente e requerido casaram entre si em Hong Kong sem convenção antenupcial em 08/08/1997 - cfr. fls. 20 do proc. de div. -, pelo que, se têm casados no regime de separação de bens por ser o regime geral em Hong Kong.
    Aquando da celebração do casamento ambos os nubentes eram residentes em Hong Kong, pelo que, o regime de bens há-de ser definido nos termos da respectiva legislação – art. 51º, n.º 1 do C. Civ.
    De acordo como disposto no art. 368º do CPC o arrolamento pode ser pedido quanto aos bens comuns e bens próprios do requerente dos quais seja administrador o outro cônjuge.
    Assim sendo, vigorando no caso em apreço o regime de separação de bens, resultando dos autos que os bens cujo arrolamento se pede são do cônjuge marido, não pode o mesmo ser decretado.
    Nestes termos e pelos fundamentos expostos vai indeferindo o requerido não se o ordenando o arrolamento.
    (...)“
    3. Quanto à questão do regime de bens aplicável assiste razão ao Mmo Juiz.
    O casamento foi celebrado em 1997, em Hong Kong e os nubentes eram residentes de Hong Kong.
    Essa é a morada certificada (tal como consignado pelo Mmo Juiz) e que consta de alguns registos prediais constantes dos autos.
    Acresce que a requerente só comprova a sua (só sua, dela) residência, em Macau, desde 2002.
    Ao abrigo do disposto no artigo 51º do CC o regime de bens é determinado pela lei da residência habitual dos nubentes, relevando sempre a lei da primeira residência conjugal - n.ºs 1 e 2 do citado artigo.
    Não se mostra indemonstrada essa primeira residência habitual dos nubentes. Temos apenas uma mera alegação da requerente que agora vem dizer, sem o provar, que, à data, moravam em Macau.
    Tomemos pois como certo o regime legal da separação como o aplicável ao caso.

4. O regime de bens assume-se como fulcral para regular o presente dissídio.
Importa determinar a natureza dos bens a arrolar.
E com o que deparamos nos autos é que, desde logo, em relação às contas bancárias é alegado e comprovado até que se encontram em nome do requerido, donde devermos ter essas contas como bens próprios do requerido e, assim, insusceptíveis de arrolamento.
Mas já em relação a alguns dos bens imóveis está provado nos autos que se trata de bens comuns adquiridos pelos dois, estando registados como tal e certificada a aquisição por ambos os cônjuges - cfr. fls 18 ( só o marido é o sujeito activo, fracções A8 e B8 do prédio descrito sob o n.º 19904, inscrição n.º 56068G); fls 27 (marido e mulher figuram como sujeitos activos, fracção K14 do prédio descrito sob o n.º 21688, inscrição n.º 37812C); fls 35 ( apenas figurando aí como sujeito activo o requerido, relativamente a uma concessão por arrendamento da supra citada fracção A8); fls 44 (marido e mulher figuram como sujeitos activos, fracção K13 do prédio descrito sob o n.º 21688, inscrição n.º 955F).
Desse relance pelas certidões matriciais ressalta a aquisição por ambos os cônjuges em relação a duas fracções (K13 e K14), figurando eles como sujeitos activos nos actos de aquisição respectivos.
    A referência ao regime de bens (de comunhão de adquiridos) constante do registo predial, como é bem de ver, não releva, nem tem a virtualidade atributiva face ao regime aplicável, decorrente da lei. Em todo o caso sempre reforçaria a comunicabilidade dos mesmos.

5. É certo que em relação a dois dos indicados prédios estamos perante bens comuns, pertencentes a ambos os cônjuges, por eles adquiridos enquanto casados, e, por isso, não obstante o regime de separação de bens, será de os configurar como bens em compropriedade.
Ora, esta situação, a de compropriedade não se deve confundir com a comunhão derivada da natureza de bens comuns do casal. Esta natureza resulta do regime de bens e, assim, ainda que só um dos cônjuges seja o adquirente, a propriedade transmite-se àquela comunhão se o regime de bens o permitir, como seja nas situações de comunhão geral, de adquiridos e, eventualmente no da comparticipação.
    Os bens do casal não são necessariamente de um ou de outro cônjuge, nem pertencem a ambos em compropriedade- são antes "bens comuns".2 Para os mesmos autores, o relacionamento dos bens comuns decorrentes da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, inclui os bens e os direitos qualificados como comuns pelas regras do regime de bens que vigorou durante o casamento, salvas as excepções previstas nos artigos 1568º e 1645º do CC.3
    Como é pacificamente entendido, os bens comuns dos cônjuges constituem objecto, não duma relação de compropriedade, mas duma propriedade colectiva, da qual são sujeitos ambos os cônjuges.4
    O património colectivo “ pressupõe uma relação, um vínculo pessoal (em regra, pelo menos, de ordem familiar) entre os componentes da colectividade. Essa relação ou vínculo tem as suas causas de extinção próprias, e depois de extinta ela é que cessa a propriedade colectiva, degenerando em comunhão ou compropriedade de tipo romano. Então poderá qualquer dos interessados dispor da sua parte ideal e pedir a divisão da massa patrimonial tornada comum.”5 Por "bens do casal" devem entender-se os bens que, perante a lei, adquirem essa qualidade por efeito do casamento, ingressando na "comunhão".
No caso de compropriedade, cada um dos titulares do direito pode alienar a sua quota parte sem autorização do outro, o que não acontece na comunhão conjugal.
Face ao exposto, só deparamos com bens próprios do requerido (as contas bancárias, a sua quota nos bens imóveis adquiridos em compropriedade e os bens imóveis só por ele adquiridos), considerando que o regime aplicável é o da separação de bens, pelo que não estamos perante bens comuns do casal, em sentido próprio, nem bens da requerida que estejam a ser administrados pelo requerido.
Perante isto e por inverificados os requisitos do art. 368º, n.º 1 do CPC, não será de decretar o arrolamento em relação aos referidos bens imóveis, assim se confirmando a decisão recorrida.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente com taxa mínima.
Macau, 18 de Novembro de 2010,

João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
Tam Hio Wa
Lai Kin Hong
    1 (Vide Doc. 2 e 3 Junto à Petição Inicial de Acção de Divórcio Litigioso) Apud acta.

2 - Pereira Coelho e Guilherme Oliveira, Curso de Direito da Família, 2ª ed., 2001, p. 370
3 - Ob. cit. p. 430
4 - Antunes Varela, Direito da Família, 1982, pág. 374 e 375
5 - Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, 225
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