Processo n.º 40/2011. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: A.
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Burla. Modo de vida.
Data do Acórdão: 26 de Outubro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Lai Kin Hong.
SUMÁRIO:
A prática do crime de burla, previsto e punível pela alínea b) do n.º 4 do artigo 211.º do Código Penal (o agente fazer da burla modo de vida) não é incompatível com o exercício, pelo agente, de outra actividade, lícita ou não, remunerada ou não.
O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 29 de Outubro de 2010, condenou o arguido A, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, previsto e punível pelo artigo 211.º, n. os 1 e 4, alínea b) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão e em cúmulo jurídico com as penas aplicadas no Processo CR2-08-0338-PCC, na pena única de 8 (oito) anos de prisão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 7 de Julho de 2011, concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, e condenou-o pela prática do mencionado crime na pena de três (três) anos e 3 (três) meses de prisão e, em cúmulo jurídico com as penas aplicadas no Processo CR2-08-0338-PCC, na pena única de 7 (sete) anos e 3 (três) meses de prisão.
Ainda inconformado, recorre o arguido para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando com as seguintes conclusões:
i. O Tribunal Recorrida, na falta de prova suficiente que o recorrente tenha falsificado e usado documento falso com perfeito conhecimento disso, formou erradamente a sua convicção, dando por provada parte de factos. Evidentemente, violou a regra de limitação do valor de prova e o princípio da presunção de inocência (in dúbio pro reo), padecendo assim o vício de erro na apreciação da prova, previsto no art.º 400º, n.º2, al. c) do Código de Processo Penal;
ii. Pelo que, nos termos do princípio da presunção de inocência (in dúbio pro reo), devem os supracitados factos serem considerados não provados.
iii. Na falta de facto suficiente para a confirmação dos factos, deve o recorrente ser absolvido de um crime de falsificação de documento de especial valor e de dois crimes de falsificação de documento de que era acusado.
iv. O recorrente tem vindo a exercer profissões regulares, tendo como fonte económico suas receitas principalmente provenientes dessas profissões, mas não sempre praticava acto burloso e fazia da burla modo de vida tal como indicado pelo Tribunal recorrido;
v. O Tribunal recorrido, através da reprodução dos autos, vem provar que o recorrente cometeu e reuniu o elemento agravante de “agente fizer da burla modo de vida” previsto no art.º 211º, n.ºs 1 e 4, al. b) do Código Penal, mas o recorrente acha que o tribunal recorrido violou o princípio de “non bis in idem” e o princípio de adequação.
vi. Sendo assim, o recorrente considera que o seu acto não preencheu o elemento constitutivo do crime de burla qualificada previsto no art.º 211º, n.º4, al. b) do Código Penal.
vii. Além do mais, uma vez que o crime de burla é um crime semi-público e, como o ofendido já declarou a desistência da queixa (vd. fls. 498 a 499 dos autos), não sendo possível continuar o respectivo procedimento por causa da desistência da queixa feita pelo ofendido.
viii. Pelo que, deve o recorrente ser absolvido de todos os crimes.
ix. Caso os meritíssimos juízes do TUI assim não entendam, devem fixar ao recorrente uma pena de prisão de 2 anos e 8 meses ou inferior a essa, com base na proporção da determinação da medida de pena depois da atenuação especial de pena prevista no art.º 67º, n.º1, al. a) do Código Penal (em vez da pena de prisão de 4 anos aplicada pelo TJB, o TSI condenou-o na pena de prisão efectiva de 3 anos e 3 meses).
Na resposta à motivação do recurso a Ex.ma Procuradora-Adjunta defendeu a rejeição do recurso.
No seu parecer, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição já assumida na resposta à motivação.
II – Os factos
As instâncias consideraram provados os seguintes factos:
1. No dia 2 de Julho de 2007, B adquiriu o [Endereço (1)].
2. A conhece C, responsável da [Empresa de fomento predial (1)] e E, responsável da [Agência Imobiliária (4)]. Uma vez que o recorrente conhece muito bem as actividades de compra e venda de bens imóveis, e respectivas formalidades de compra e venda, com intenção de obter dados de identidade de proprietários de certos bens imóveis, através das supracitadas empresas de fomento predial, e depois fingia como proprietário de bens imóveis para vender os bens imóveis, no sentido de ganhar dinheiro com engano. Pelo que, o recorrente sempre frequentava as supracitadas empresas de fomento predial obtendo confiança dos dois proprietários das empresas de fomento predial acima referidas.
3. Por forma não apurada, o recorrente obteve a chave da supracitada fracção e por meios desconhecidos, falsificou o bilhete de identidade de residente permanente de Macau n.ºXXXXXXX(X) com nome do titular B. Quanto ao nome em chinês e respectivo número desse documento são iguais ao do proprietário do [Endereço (1)], com excepção a fotografia e os restantes dados de identidade não correspondem ao documento do senhor B.
4. Em determinado dia de Dezembro de 2007, o recorrente A deslocou-se à [Agência Imobiliária (4)] e disse à proprietária E de que tinha sido incumbido pelo senhor B, proprietário do [Endereço (1)], de vender a supracitada fracção pelo valor de HK$750.000, tendo o recorrente incumbido a empresa de fomento predial de E, de vender a dita fracção, entregado a E, a chave da fracção, a fotocópia do supracitado BIRPM falso n.ºXXXXXXX(X), bem como a informação escrita de registo predial (Busca) e, E, por sua vez, prometeu procurar o comprador da supracitada fracção.
5. No dia 21 de Dezembro de 2007, o ofendido F deslocou-se à [Agência Imobiliária (4)], tendo referido que pretendia adquirir o [Endereço (1)]. Após acompanhado pela senhora E para ter uma vistoria na fracção, o ofendido mostrou vontade de adquirir a fracção pelo valor de HK$750.000. E então telefonou para o recorrente A sobre o assunto, tendo este referido que o proprietário da fracção B aceitou a transacção.
6. No dia seguinte, o recorrente A deslocou-se à [Agência Imobiliária (4)] e mostrou a E o original do supracitado BIRPM falso n.ºXXXXXXX(X). Após ter conferido os dados, E elaborou um contracto de compra e venda de imóvel. No mesmo dia, cerca da uma hora, o recorrente conduziu veículo transportando E e o ofendido F, dizendo falsamente que iriam para encontrar-se com B e para assinar o contrato. No caminho, o recorrente disse falsamente ter recebido a chamada telefónica de B, dizendo que ele estava ocupado e não conseguia encontrar-se com eles.
7. Na parte da manhã do dia seguinte (23 de Dezembro), na [Agência Imobiliária (4)], o ofendido F assinou o contrato de compra e venda da fracção (na qualidade do comprador), tendo pago à senhora E, HK$20.000 a título de sinal. Depois, E comunicou ao recorrente A, tendo este exigido a E que lhe entregasse o contrato de compra e venda de imóvel e o sinal de HK$20.000, e cabendo-lhe entregá-los a B. E confiou na palavra do recorrente, entregando-lhe o respectivo contrato e o sinal de HK$20.000.
8. Ao sair da [Agência Imobiliária (4)], o recorrente A assinou o contrato de compra e venda de imóvel com o nome B tendo-se apropriado do referido montante de HK$20.000. No dia seguinte (dia 24 de Dezembro), o recorrente devolveu a E o supracitado contrato de compra e venda de imóvel no qual já constam a falsa assinatura de B e como testemunha, a assinatura de A.
9. Depois de vários dias, E exigiu por várias vezes ao recorrente A que contactasse B para tratar as restantes formalidades o mais breve possível, tendo o recorrente, contudo, todas as vezes respondido que B estava ocupado. Até dia 29 de Dezembro de 2007, o recorrente disse a E os números de telemóvel para contacto com B n.ºs XXXXXXXX e XXXXXXXX, dizendo-lhe para contactar B por si própria. E E, por sua vez telefonou por várias vezes para esses números de telemóvel, mas todas as vezes a sua tentativa foi infrutífera. Contudo quando E dizia ao recorrente no telefone que não era possível contactar com B, tendo o recorrente sempre prometido que ia contactar o B em nome dela (de facto, segundo os registos constantes do telemóvel do recorrente n.ºXXXXXXXX, não existe nenhum registo sobre a ligação telefónica com os dois números de telemóvel acima referidos). Pouco depois, o recorrente telefonou para E, com uma voz rouca para fingir como B, comprometendo-se a tratar as restantes formalidades junto da [Agência Imobiliária (4)] , mas todas as vezes não apareceu após ter feito a promessa.
10. Em Janeiro de 2008, o recorrente A entregou um recibo de empréstimo a E, de acordo com a indicação nela constante, B solicitou ao recorrente, um outro montante de HK$20.000 como sinal para a transacção da supracitada fracção, à qual ainda foi juntada uma fotocópia do supracitado BIRPM falso, com a intenção de fazer E acreditar a existência do tal B.
11. No mesmo mês (Janeiro de 2008), o ofendido F, munido do contrato de compra e venda de imóvel feito pela [Agência Imobiliária (4)], revendeu a supracitada fracção a D e este, mais tarde, pediu ao banco as formalidades de hipoteca.
12. Por outro lado, B, verdadeiro proprietário da fracção acima referida, em Janeiro de 2008, através de G, proprietária da [empresa de fomento predial (2)], vendeu a sua fracção a H da [empresa de fomento predial (3)]. B, ao tratar as formalidades de cancelamento de hipoteca bancária, foi informado de que havia outro comprador estava a requerer formalidades de hipoteca para a dita fracção, por isso, suspeitou que alguém fez-se passar por ele para revender a fracção.
13. No dia 14 de Fevereiro de 2008, B, na companhia de G e H, deslocaram-se à [Agência Imobiliária (4)], a fim de procurem saber o caso junto a E e para ver o contrato de compra e venda de imóvel fixado pela mesma empresa. Nessa altura, o recorrente A também estava presente nao local, e B disse que tinha que apresentar queixa à polícia. Nesse momento, de repente, o recorrente saiu para fora e regressando, menos de um minuto, à [Agência Imobiliária (4)], com uma fotocópia do supracitado contrato na mão, dizendo que acabou de recebê-la enviada por fax pelo senhor B, mas recusando-se a mostrar aos presentes o contrato, só estava disposto a ler o conteúdo do contrato. Na leitura, o recorrente, de propósito, leu erradamente o número de documento de identidade da parte vendedora constante do contrato, com a intenção de fazer os presentes acreditar a existência duma outra pessoa do nome B.
14. Contudo, B, que se encontrava no local, insistiu em verificar o endereço da fracção constante do contrato. O recorrente, por receio de que o caso falhasse, entrou com E num quarto da agência, tendo corrigido o número do documento de identificação da parte vendedor constante da fotocópia do contrato e acrescido a letra “E” à frente da letra “D” do endereço da fracção, e feito uma fotocópia desta. Depois, o recorrente ainda riscou os dados de identificação da parte compradora constante da fotocópia do contrato já corrigida. E, por sua vez, sentiu que era inadequado o acto feito pelo recorrente, contudo, com a intenção de acalmar os assuntos, não impediu o acto do recorrente. Depois, o recorrente mostrou a fotocópia a B, tendo este descoberto o vestígio de alteração no número do documento de identificação da parte vendedora e no endereço, considerou grave o caso, tendo juntamente com todas as pessoas se deslocado à Polícia Judiciária para apresentar queixa. No caminho, E, com a intenção de não agravar a situação, abandonou na rua a supracitada fotocópia do contrato já corrigida, a qual mais tarde foi encontrada por agentes policias.
15. Após inquirida pela Polícia Judiciária, E soube que a respectiva transacção podia envolver-se na venda dupla duma mesma fracção, e sentiu a gravidade do caso, exigindo ao recorrente que contactasse com o B para ela falar directamente com o mesmo. Depois E recebeu várias chamadas do indivíduo declarado ser B. Embora este tivesse mudado, de propósito, a sua voz, E sentiu que era a voz do recorrente A. Após feita a investigação pela Polícia Judiciária do registo das chamadas telefónicas de E, confirmou-se que havia duas chamadas eram provenientes do número XXXXXXXX. Quando a senhora I, requerente do dito número de telemóvel, foi inquirida em 5 de Maio de 2008 na Polícia Judiciária, tendo referido que não conhecia o recorrente A. Contudo, em 15 de Maio de 2008, I, por sua iniciativa, deslocou-se à Polícia Judiciaria e manifestou que conhecia o recorrente e que tinha dado ao recorrente o seu telemóvel com número XXXXXXXX para uso e, sido induzida pelo recorrente para dizer à PJ que não o conhece. Segundo C, tendo referido à Polícia Judiciária que o recorrente lhe tinha dado o tal número XXXXXXXX de telemóvel para efeito de contacto.
16. Quando inquirido na Polícia Judiciária, o recorrente A referiu que em Dezembro de 2007, quando ele conversava na companhia de obras de instalação de água e electricidade, sita na Areia Preta, altura em que um indivíduo de sexo masculino, do nome B, perguntou-lhe se tinha interesse em adquirir a supracitada fracção, e sobre isso os empregados da empresa podem servir de testemunha. Depois, inquiridos na Polícia Judiciária, J, K e L, todos empregados da empresa , disseram que conheciam o recorrente mas não ouviram do recorrente sobre a compra e venda de imóvel.
17. Segundo a resposta dada pela Direcção dos Serviços de Identificação, confirmou-se que o supracitado número do bilhete de identidade de residente permanente de Macau n.ºXXXXXXX(X) não corresponde aos dados constantes do arquivo daqueles Serviços.
18. No presente caso, o ofendido F sofreu prejuízo no valor de HK$20.000.00.
19. O recorrente agiu de forma livre, voluntária e consciente ao falsificar o bilhete de identidade de residente de Macau do nome do titular B, tendo exibido o documento a E no sentido de fingir como proprietário para vender o seu imóvel. No dia 23 de Dezembro de 2007, o recorrente, de propósito, imitou a assinatura do proprietário B, para assinar contrato de compra e venda de imóvel e mais assinar, em Janeiro de 2008, uma declaração de recebimento da quantia de HK$20.000, tendo, com sucesso, obtido a confiança de E, proprietária da empresa de fomento predial e do comprador F fazendo com que acreditassem que ele fosse mandatário de B, levando que F pagasse HK$20.000 como sinal para adquirir o bem imóvel. A fim de obter interesses ilegítimos, o recorrente usou o documento de identificação falso e o contrato de compra e venda de imóvel e a declaração com assinatura falsa, com a finalidade de fingir como B, proprietário do respectivo bem imóvel para vender o imóvel. O acto do recorrente afectou a fé pública e os efeitos do documento de identificação e de documento geral. Por outro lado, o recorrente usou os supracitados meios burlosos para enganar dinheiro a F, fazendo com que este sofresse prejuízo pecuniário.
20. O recorrente sabia que os seus actos eram proibidos e punidos por lei.
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Além disso, também foram apurados os seguintes:
21. De acordo com o registo criminal, o recorrente não é primário, tendo cometido:
- um crime de burla qualificada, no dia 7 de Junho de 2005, no Processo CR2-04-0130-PCC foi condenado na pena de prisão de 2 anos e 6 meses, com a suspensão de execução da pena por 3 anos e pagamento de indemnização no prazo de 3 meses. Tal decisão transitou em julgado em 1 de Setembro de 2005.
Quanto aos respectivos factos criminosos são os seguintes:
“Em Outubro de 1997, o arguido disse ao ofendido M que podia, para a sua esposa que residia na Província de Fujian, RPC, tratar o passaporte da República Popular da China para missão oficial, a fim de que a sua esposa pudesse vir a Macau, contudo, o ofendido tinha que pagar HK$31.000 a título de respectivas despesas
Além disso, o arguido também declarou que podia, para os residentes do Interior da China, tratar o documento para trabalhar em Macau, dizendo ao ofendido para servir como intermediário.
Face às palavras do arguido, o ofendido acreditou sem dúvida.
Na segunda dezena de Outubro de 1997, a fim de tratar o documento da sua esposa para vir a Macau, o ofendido pagou ao arguido MOP20.000,00.
Em Dezembro de 1997, o ofendido, na província de Fujian, contactou com vários indivíduos que se mostravam vontade a trabalhar em Macau (vd. fls. 27 dos autos), tendo falado com o arguido sobre isso.
Referiu o arguido que, a fim de tratar documento para trabalhar em Macau, era necessário cobrar de cada um dos indivíduos acima referidos, HK$10.000 a título de respectiva despesa.
No dia 25 de Dezembro de 1997, como intermediário, o ofendido entregou ao arguido HK$55.000 (vd. fls.28 dos autos), a título de despesas para tratar documento para os indivíduos para trabalhar em Macau.
O supracitado montante foi entregue pelos indivíduos constantes de fls.27 dos autos incluindo N (HK$8.000), O (HK$8.000), P (HK$8.000), Q (HK$8.000), R (HK$8.000), S (HK$5.000) e T (HK$10.000), ao ofendido e depois cabe a ele entregar ao arguido.
Na época do ano novo chinês de 1998, o arguido disse ao ofendido que o passaporte da República Popular da China para missão oficial não tinha sido autorizado, mas podia tratar outro tipo de documento de viagem para a esposa do ofendido, só que necessitava de pagar MOP30.000 a título de respectiva despesa.
A fim de obter para a sua esposa o documento para vir a Macau, o ofendido pagou ao arguido o supracitado montante.
No período entre Abril e Maio de 1998, o arguido disse ao ofendido que o documento da sua esposa já estava pronto, mas ainda necessitava de pagar mais MOP13.000 a título de respectiva despesa.
A fim de obter o documento o mais breve possível, face ao pedido do arguido, o ofendido pagou o dito montante.
Contudo, o arguido não tratou nenhum documento para a esposa do ofendido.
Além disso, também não tratou documentos solicitados pelo ofendido que este serve como intermediário, para trabalhar em Macau.
O ofendido, por várias vezes, exigiu ao arguido que restituísse os supracitados montantes já pagos.
A fim de responder ao ofendido, o arguido emitiu em 18/4/1998 e 3/6/1998, respectivamente, os cheques n.ºMAXXXXXX e MAXXXXXX (vd. fls.22 e 23), no valor de MOP17.000 e MOP63.000,00.
Mas, finalmente, os respectivos cheques não davam para converter em dinheiro.
Não tendo, o arguido, até à presente data, tratado qualquer documento para o ofendido que tinha prometido, nem lhe tinha restituído as despesas por si cobradas.
O arguido tinha perfeito conhecimento de que não tem capacidade de tratar os documentos acima referidos, ainda disse ao ofendido que podia tratar para a sua esposa e seus conterrâneos, o documento para vir a Macau.
O arguido aproveitou-se da ansiedade do ofendido na obtenção de documento, cobrando por várias vezes ao ofendido as respectivas despesas, com a intenção de obter para si, os interesses ilegítimos, de tal modo a causar prejuízo a outra pessoa.
O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar os actos acima referidos.
Tinha perfeito conhecimento de que os seus actos eram proibidos e punidos por lei.”
- um crime de burla de valor elevado, um crime de burla de valor consideravelmente elevado, um crime de burla consideravelmente elevado, um crime de burla de valor elevado e um crime de abuso de cartão de garantia ou de crédito, e no dia 4 de Junho de 2009 foi condenado no Processo CR2-08-0338-PCC (Processo CR3-08-0267-PCC foi apensado ao respectivo processo), na pena de prisão de 1 ano e 9 meses, 3 anos e 6 meses, 2 anos e 9 meses, 1 ano e 6 meses e 9 meses, e em cúmulo jurídico, numa única pena de prisão de 6 anos, e no pagamento de indemnização ao ofendido. No dia 5 de Novembro de 2009, o Tribunal de Segunda Instância proferiu acórdão, tendo decidido o reenvio dos autos para novo julgamento (quanto à indemnização civil). No dia 7 de Abril de 2010, o processo foi julgado novamente, segundo a decisão, foi mantida a pena de prisão aplicada ao recorrente A e foi condenado o mesmo no pagamento de indemnizações a E, à Companhia Expresso (Macau) Lda., às senhoras U e V pelos prejuízos patrimoniais por eles sofridos, nos valores de HK$80.000, MOP442.115,58, HK$162.868 e MOP40.000 respectivamente, acrescidos de juros legais contados a partir da data do trânsito em julgado do acórdão até seu integral e efectivo pagamento. Tal decisão transitou em julgado em 19 de Abril de 2010.
Quanto aos respectivos factos criminosos são os seguintes:
“E é proprietária da [Agência imobiliária (4)]situada em Macau, no [Endereço (2)].
Por volta de 2006, através duma transacção de compra e venda de imóvel, E conheceu o 1º arguido, tendo estes, desde então, mantido contactos.
A fim de obter vantagens ilegítimas, o 1º arguido disse falsamente a E que os seus familiares tencionavam vender um imóvel, bem como apresentou um preço acessível para lhe aliciar na compra deste, a fim de lhe enganar dinheiro.
Num dia indeterminado de Novembro de 2007, o 1º arguido deslocou-se à [Agência Imobiliária (4)] para procurar E, bem assim disse-lhe falsamente que as irmãs mais novas incumbiram-lhe a venda do [Endereço (3)], por um valor de HK$600.000, a qual pertencia às suas irmãs W e X. E acreditou na sua palavra e, após confirmação do registo predial da referida fracção decidiu adquiri-la.
Na altura, o 1º arguido disse falsamente que as suas irmãs não podiam estar presentes para a celebração do contrato de compra e venda, pelo que, sugeriu a E que fosse ele a entregar o sinal e o respectivo contrato às suas irmãs.
Em 19 de Novembro de 2007, uma vez que E não suspeitava tratar-se de uma armadilha, entregou ao 1º arguido o sinal de compra, no valor de HK$50.000 e o contrato de compra e venda (em triplicado), para que este entregasse às suas irmãs para efectuarem os respectivos procedimentos.
De facto, W e X nunca incumbiram o 1º arguido de proceder à venda do [Endereço (3)].
Assim, o 1º arguido imitou a assinatura de W e assinou no contrato de compra e venda de imóvel, levando E a acreditar que W estava a vender-lhe, no valor de HK$600.000, o[Endereço (3)], bem assim recebeu-lhe HK$50.000,00 como sinal.
Depois, E pediu, por várias vezes, ao 1º arguido que lhe entregasse as fotocópias dos documentos de identificação das proprietárias para tratar do contrato de compra e venda de imóvel e do processo de transferência de nome, no entanto, o 1º arguido sempre usou de pretextos para adiar e não lhe entregou.
Em 18 de Janeiro de 2008, E recebeu o telefonema de um indivíduo de sexo feminino, identificando-se como “X”, e pediu-lhe mais HK$30.000 como sinal, o que foi aceite pela mesma, que o entregou ao 1º arguido, o qual passou um recibo a E.
Mais tarde, E, por várias vezes, em contacto com o 1º arguido para organizar a celebração de contrato de compra e venda num escritório de advogado e o pagamento do remanescente do montante, tendo o 1º arguido, usado pretextos para adiar.
Até Fevereiro de 2008, E deslocou-se à acima referida fracção para se inteirar da situação, onde a mãe do 1º arguido referiu que nunca tinha incumbido ao 1º arguido a venda da fracção em questão. Em 21 de Fevereiro do mesmo ano, quando E enviou uma carta registada a W e X para que as mesmas se deslocassem ao escritório de advogado para celebrarem o contrato de compra e venda, tomou conhecimento através de W de que estas não tinham intenção de vender a acima referida fracção.
Pelo que, E telefonou ao 1º arguido para perguntar sobre a venda da acima referida fracção e pediu-lhe a devolução do sinal, mas, o 1º arguido usou pretextos para adiar e não lhe devolveu o sinal, o que levou E a sentir-se enganada, pelo que apresentou queixa à autoridade policial.
Após exame laboratorial efectuado pela Polícia Judiciária, foi confirmado que a assinatura “W”constante no acima referido contrato de compra e venda de imóvel, não foi feita pela própria senhora W e muito provavelmente foi feita pelo 1º arguido.
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“A Companhia Expresso (Macau) Lda. (companhia ofendida) explora principalmente serviços de transporte e entrega rápida de mercadorias.
A fim de obter vantagens ilegítimas, em data indeterminada, o 1º arguido obteve, por meio indeterminado, o número de conta do cliente de Singapura “Y”, a qual pertence a “Y1”, ou seja, com o referido número de conta era possível tratar em qualquer parte do mundo de processo de transporte de mercadorias e, depois, o detentor do número de conta podia pagar as despesas mensalmente, semanalmente ou em cada duas semanas. Ao mesmo tempo, o titular da referida conta podia conferir poderes a terceiro para o uso da mesma.
Em Agosto de 2007, o 1º arguido utilizou o número de conta da “Y”, tendo com intenção enganar a Expresso (Macau) Lda., para obter os serviços de transporte e de entrega rápida da referida companhia, enviando as mercadorias para o estrangeiro. Assim, o 1º arguido criou a “Z”, cuja actividade principal era a importação e exportação de mercadorias, e utiliza a RAEM como posto de trânsito, o qual consistia, em primeiro, transportar mercadorias para Macau e, posteriormente, através de companhia de correio rápido, transportar de Macau para o estrangeiro. A referida companhia era explorada pelo 1º arguido, o qual se encarregava pelos contactos sobre o transporte de mercadorias, bem assim pela entrega de mercadorias à companhia de correio rápido para efectuar o envio ou recepção de mercadorias.
A fim de esquivar da responsabilidade legal, o 1º arguido pôs a sua namorada AA , a ficar como titular de licença da “Z”. Em 13 de Novembro de 2007, o 1º arguido tomou de arrendamento, em nome de AA, uma loja no rés-do-chão do [Endereço (4)], para sede da referida companhia. Ao mesmo tempo, AA, efectuou, a pedido do 1º arguido, o registo com titular de licença de referida companhia. O 2º arguido ficou encarregado de incumbir o escritório de advogado Dr. AB para efectuar as formalidades de registo do registo da referida companhia.
Desde 22 de Novembro até 14 de Dezembro de 2007, o 1º arguido tinha perfeito conhecimento de que não possuía autorização da “Y”, mesmo assim, utilizou o seu número de conta (n.ºXXXXXXXXX) e enganou da Expresso (Macau) Lda., serviços de transporte e de entrega rápida de mercadorias, tendo enviado vinte e nove remessas de mercadorias, com um peso total de 3.128,50 quilos, para diversas partes do mundo, envolvendo um valor de $81.571,14 dólares de Singapura (correspondente a MOP442.115,58) de despesas de transporte.
Em 19 de Dezembro de 2007, a Expresso (Macau) Lda., recebeu queixas da “Y”, da Singapura, referindo que a “Z”, pediu o fornecimento de serviços de transporte e de entrega rápida a Expresso (Macau) Lda., sem a sua autorização, tendo assim, descoberto os acima referidos factos.
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O 1º arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, ao simular, com dolo, junto de E que seu familiar pretendia vender o seu imóvel, bem sabendo que não se tratar do proprietário do mesmo, imitou a assinatura do proprietário para celebrar com terceiro contrato de compra e venda de imóvel, enganando a ofendida para adquirir a acima referida fracção e em pagamento de sinal, bem assim, após receber o respectivo sinal, usou pretextos para não o devolver, a fim de obter vantagens ilegítimas, causando prejuízo patrimonial à ofendida.
O 1º arguido pôs em prática as acima referidas condutas, nas quais obteve, por meio indeterminado, o número de conta de transporte de mercadorias da “Y” e induzirem em erro a companhia ofendida que acreditava que os mesmos tinham autorização da respectiva companhia, pelo que, lhe prestaram serviços de transporte e entrega rápida, causando à companhia ofendida prejuízo patrimonial de elevado valor e obtiveram para si e para terceiros vantagens ilegítimas.
O 1º arguido tinha perfeito conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
(II)
A 1ª ofendida U trabalha na “Banca de Peixes”, sita no Mercado Iao Hon de Macau, a respectiva foi aberta pelos seus pais.
No mês de Abril de 2004, por o arguido A ter comprado peixe na Banca de Peixe pelo que, conheceu a 1ª ofendida U.
No mês de Janeiro de 2006, quando a 1ª ofendida ia a sair do edifício da sua residência sita no Bairro Toi San, [Endereço (5)], Macau, por duas vezes encontrou com o arguido e ambos se cumprimentaram.
Posteriormente, o arguido foi pedir namoro à 1ª ofendida e em Fevereiro de 2006, os dois iniciaram a relação de namoro.
No mês de Abril de 2006, o arguido usou vários pretextos para pedir dinheiro emprestado à 1ª ofendida, na altura, a 1ª ofendida registou numa folha de papel, todo o dinheiro emprestado e os assuntos relacionados com o empréstimo.
No mês de Maio de 2006, o arguido referiu à 1ª ofendida que tinha juntado capital com um amigo e abriu uma agência de automóveis (desconhece o nome da agência), o arguido disse ainda que a sua ex-namorada também tinha uma quota parte dessa agência, mas que pretendia vendê-la, por isso, o arguido queria que a 1ª ofendida comprasse a respectiva quota e para o efeito ela teria que pagar o valor de HK$92.000,00.
Dias depois, a 1ª ofendida por três vezes foi ao [Banco (1)], levantar respectivamente, HK$30.000, HK$30.000 e HK$32.000, bem como entregou o dinheiro por três vezes ao arguido, no valor total de HK$92.000,00.
Em finais de Maio de 2008, a 1ª ofendida e o arguido viram um automóvel particular estacionado na rua, com um anúncio de venda afixado, pelo que o arguido pediu à ofendida adiantamento de capital no valor de HK$20.000 para compra do veículo de matrícula MG-XX-XX, da marca Wagon-R, de cor branca.
Posteriormente, o arguido disse à 1ª ofendida que o respectivo veículo MG-XX-XX tinha problemas na caixa de mudança, portanto tinha necessidade de ser reparada, mas como estava à espera do envio dos acessórios, por isso a viatura ficou guardada na oficina è espera da reparação.
Depois da reparação do veículo MG-XX-XX, o arguido referiu à 1ª ofendida que o veículo continuava com problemas, pelo que aconselhou à 1ª ofendida para pôr o carro à venda na agência de automóveis de segunda mão que fica perto do Mercado Municipal do Patane.
Na altura, o arguido pediu à ofendida para assinar uns documentos e disse que tais documentos eram para declarar que o carro foi posto à venda na referida agência, mais disse que ainda que, se alguém comprar a viatura, ela teria que assinar ainda outros documentos.
No mês de Setembro de 2006, o arguido passou a trabalhar no Departamento de Compras do [Hotel (1)], exercendo funções de amanuense, e disse à ofendida que conhecia bem a “Loja de Peixe e o [Hotel (1)], além disso referiu que colaborava com a “Loja de Peixe na entrega das mercadorias ao [Hotel (2)] e que podia ajudá-la a comparar os peixes e depois entregá-los ao [Hotel (1)], mas em primeiro lugar a 1ª ofendida teria que entregar o dinheiro ao arguido para compra das mercadorias.
Na altura, a 1ª ofendida acreditou nas palavras do arguido, por isso entregou, por várias vezes, dinheiro ao arguido para compra dos peixes (durante Setembro a Dezembro de 2006), cada vez no valor de seis mil a quarenta mil, no total cerca de HK$150.000,00.
Durante o qual, o arguido chegou a entregar dois recibos com carimbo do [Hotel (1)] à 1ª ofendida, mas depois disse o arguido que os dois recibos tinham que ser devolvidos aos [Hotel (1)] para fazer o saldo mensal, por isso em princípios do mês de Outubro de 2006, ele recuperou os dois recibos.
Em meados de Outubro de 2006, através da loja de automóveis de 2ª mão, o arguido conseguiu vender a supracitada viatura MG-XX-XX ao proprietário da agência pelo preço de HK11.000, depois em 23 de Outubro de 2006, o proprietário da agência chamado AC vendeu a viatura pelo preço de HK$13.000 ao AD .
Em meados de Dezembro de 2006, a 1ª ofendida perguntou pela situação da venda do automóvel MG-XX-XX, na altura, referiu o arguido que a viatura ainda não foi vendida.
Por essa razão, a 1ª ofendida telefonou ao IACM e soube que o veículo MG-XX-XX já tinha alienado para outra pessoa em Outubro de 2006, posteriormente, a 1ª ofendida perguntou novamente ao arguido sobre a viatura, este respondeu que a viatura estava ainda à espera da venda.
A 1ª ofendida telefonou também ao responsável da “Loja de Peixe e ao chefe do Departamento de Compras do [Hotel (1)] e veio então a saber que o arguido nunca teve qualquer transacção com a “Loja de Peixe” nem com o [Hotel (1)].
Em finais de Dezembro de 2006, o arguido entregou HK$7.500 à 1ª ofendida, para devolução do dinheiro da venda do veículo MG-XX-XX, mas como na altura da compra do veículo, a 1ª ofendida tinha adiantado capital no valor de HK$20.000, por isso, a ofendida sofreu um prejuízo de HK12.500,00.
A 1ª ofendida sofreu um prejuízo total de HK$254.500, no dia 11 de Janeiro de 2007, a 1ª ofendida participou o caso à polícia.
Durante Janeiro a Maio de 2007, o arguido devolveu, por várias vezes, dinheiro à 1ª ofendida, que foram no total de MOP60.000 e HK$500, o referido montante foi devolvido respectivamente, por depósito bancário feito pelo arguido, na conta n.ºXXXXXXXXX do [Banco (2)], pertencente à AE, irmã da 1ª ofendida e através de alguém incumbido pelo arguido, para ir à “Banca de Peixe” entregar o dinheiro à 1ª ofendida.
No dia 31 de Maio de 2007, o arguido através do telefone n.ºXXXXXXXXXXX enviou uma mensagem à 1ª ofendida, com o seguinte conteúdo “amanhã às 3H30 da tarde encontro no Toi San, favor de trazer os documentos assinados por mim, depois da transacção, vou levá-los embora”.
Entretanto nesse dia, a 1ª ofendida ficou no restaurante à espera do arguido e ele não apareceu.
Posteriormente, a polícia interceptou o arguido.
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Em Julho de 2004, a 2ª ofendida AF conheceu o arguido, posteriormente, os dois começaram a namorar e a viveram maritalmente.
Em Julho de 2005, a 2ª ofendida deu à luz uma filha com o arguido, mas eles não registaram o casamento.
Em Junho de 2005, o arguido disse à 2ª ofendida que a viatura dela de matrícula MG-XX-XX, da marca Honda, modelo Civic, de cor branca, surgiu problemas na caixa de mudança e se tiver que reparar seria muito caro, por isso, aconselhou a à 2ª ofendida vender a viatura.
O arguido pediu à 2ª ofendida para assinar primeiro um documento para alienação da viatura, depois da assinatura, pediu ainda à 2ª ofendida para lhe facultar o documento de identificação, a fim de tratar das respectivas formalidades, a sua intenção era alienar a viatura MG-XX-XX para si próprio, para depois pôr à venda na agência de automóveis e quando aparecer alguém interessado, poder vender, de imediato, a viatura.
Posteriormente, a 2ª ofendida perguntou ao arguido sobre a situação da venda do veículo MG-XX-XX, na altura, o arguido referiu que a viatura estava ainda à venda.
No mês de Novembro de 2005, o arguido vendeu a viatura MG-XX-XX da 2ª ofendida, a um amigo seu chamado AG, pelo preço de MOP40.000,00.
No mês de Março de 2006, disse o arguido à 2ª ofendida que, como deu à luz a filha, por isso propôs comprar uma viatura para 7 passageiros de 2ª mão, bem como referiu que não necessitava de pagar qualquer dinheiro pela compra, apenas precisava dos cartões de crédito da 2ª ofendida para servir de garantia, pois sem a assinatura da ofendida na factura do cartão de crédito, a agência de automóveis não podia cobrar qualquer dinheiro, o arguido referiu ainda que, caso, no futuro realmente necessitar de comprar a viatura, seria ele a pagar o dinheiro e pediria a devolução das facturas dos cartões de crédito da 2ª ofendida, sem assinatura.
Por essa razão, a 2ª ofendida entregou os cartões de crédito n.ºXXXX-XXXX-XXXX-XXXX do [Banco (3)] e n.ºXXXX-XXXX-XXXX-XXXX do [Banco (4)], ao arguido para ir à agência de automóveis garantir o sinal.
Posteriormente, o arguido levou a ofendida para deslocar-se à agência de automóveis situada à oposição do supermercado da Areia Preta, no sentido de ver as viaturas de 2ª mão, dizendo que desejava comprar uma das viaturas para 7 passageiros, o preço era cerca de MOP80.000. O arguido disse à ofendida que o pagamento feito com apresentação dos cartões de crédito sem assinatura, o que serve apenas de garantia.
No dia 20 de Fevereiro de 2006, o arguido munido dos cartões de crédito da 2º ofendida com n.ºXXXX-XXXX-XXXX-XXXX do [Banco (3)] e n.ºXXXX-XXXX-XXXX-XXXX do [Banco (4)], chegou à agência de automóveis, a fim de pagar as despesas de reparação dos veículos MG-XX-XX e MG-XX-XX.
O arguido entregou os cartões de crédito da 2ª ofendida com n.º n.ºXXXX-XXXX-XXXX-XXXX do [Banco (3)] e n.ºXXXX-XXXX-XXXX-XXXX do [Banco (4)] a AH, proprietário da agência de automóveis, cada cartão foi levantado o valor de MOP10.000,00.
Posteriormente, o arguido pegou nas facturas dos dois cartões saiu da agência, em seguida, trouxe as facturas já assinadas e entregou-as a AH, proprietário da agência de automóveis.
No mês de Maio de 2006, a 2ª ofendida verificou que já há meses que não tinha recebido os extractos mensais dos cartões de crédito emitidos pelo banco, por isso foi pedir informação ao banco e descobriu que os dois cartões foram utilizados por alguém, cada um dos cartões no valor de MOP10.000, mas as assinaturas apostas nas respectivas facturas dos cartões de crédito não eram da 2ª ofendida.
No dia 10 de Maio de 2008, o cartão de crédito n.ºXXXX-XXXX-XXXX-XXXX do [Banco (4)] foi passado mais MOP3.500, mas a assinatura da factura também não era da 2ª ofendida.
No dia 11 de Janeiro de 2007, a 2ª ofendida e a 1ª ofendida foram participar o caso à polícia.
Durante esse período, o arguido já devolveu à 2ª ofendida o montante de MOP3.500, por isso, os prejuízos sofridos pela 2ª ofendida foram no valor total de MOP60.000,00.
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O arguido com vista a obter para si enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre os factos que astuciosamente provocou, determinou as duas ofendidas à prática de actos que lhes causaram prejuízos patrimoniais, a sua intenção era violar o património dos outros.
O arguido abusou a possibilidade, conferida pela posse de cartão crédito, levou o emitente a fazer um pagamento, causando prejuízo a este ou a terceiro, a sua intenção era violar o património dos outros.
O arguido livre, consciente e voluntariamente praticou a conduta supracitada, ele bem sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei.
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Factos não provados:
1. B incumbiu C, responsável da [empresa de fomento predial (1)], de vender a fracção [Endereço (1)], tendo entregado a C a chave dessa fracção para ser guardada e facilitar a vistoria da dita fracção por parte de comprador.
2. Em Novembro de 2007, o recorrente A referiu a C que, estava, em nome de proprietário duma empresa, a procurar uma fracção residencial para servir de dormitório de empresa, tendo C apresentado ao recorrente as várias fracções incluindo o [Endereço (1)]. Mais referiu C que ele detinha a chave da referida fracção.
3. Depois, o recorrente A sempre usava de pretextos para ir à [empresa de fomento predial (1)] e ter conversa com C e quando este saiu da empresa para trabalhar, o recorrente aproveitou-se da ocasião para ver os dados de imóveis existentes na empresa, tomando conhecimento de que B é proprietário da referida [Endereço (1)], obtendo assim os seus dados de identificação.
4. Mais tarde, o recorrente A disse falsamente ao C que havia cliente mostrava interesses em adquirir a [Endereço (1)], pedindo a C emprestasse a chave da fracção para que o recorrente pudesse levar cliente para fazer vistoria da fracção. Uma vez que o recorrente chegou a exercer funções como intermediário de agência imobiliária, C acreditou nas suas palavras, tendo-lhe entregado a chave da fracção. O recorrente, após ter duplicado a chave, devolveu-a a C.
5. Outros factos contrários aos factos provados.
III - O Direito
1. As questões a apreciar
Importa apreciar as seguintes questões:
- Se o Acórdão de 1.ª Instância enferma de erro notório na apreciação da prova;
- Se o Acórdão recorrido incorreu em erro de direito, por ter integrado os factos no tipo do crime previsto e punível pelo artigo 211.º, n. os 1 e 4, alínea b), do Código Penal, em vez do previsto e punível pelo artigo 211.º, n. º 1 do Código Penal, por ter considerado que o recorrente fazia da burla modo de vida;
- Se o Acórdão recorrido incorreu em erro de direito por não ter atenuado especialmente a pena do recorrente.
2. Erro notório na apreciação da prova
Como temos entendido, só existe erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores (entre muitos o Acórdão de 24 de Novembro de 2010, no Processo n.º 52/2010).
Os factos e a argumentação invocadas pelo recorrente não integram, manifestamente, o circunstancialismo mencionado, pelo que, em bom rigor, o que o recorrente contesta foi a apreciação da prova que o Tribunal Colectivo de 1.ª Instância fez. Poderia ser fundamento para recurso do julgamento de facto se a lei o previsse. Como não prevê, resta-nos julgar manifestamente improcedente a arguição do vício do erro notório na apreciação da prova.
3. Fazer da burla modo de vida
Trata-se de saber se o Acórdão recorrido incorreu em erro de direito, por ter integrado os factos no tipo do crime previsto e punível pelo artigo 211.º, n. os 1 e 4, alínea b), do Código Penal, em vez do previsto e punível pelo artigo 211.º, n. º 1 do Código Penal, por ter considerado que o recorrente fazia da burla modo de vida.
Na verdade, o recorrente foi condenado pelo mencionado crime de burla qualificada por se ter entendido que o recorrente fazia da burla modo de vida.
O recorrente é de opinião que não podia ser condenado com a agravante referida apenas com base nos seus antecedentes criminais, até porque, segundo alega, não estava desempregado, exercendo funções de taxista a tempo parcial e bate-ficha.
No Acórdão de 10 de Outubro de 2007, no Processo n.º 38/2007, considerámos que o conceito referido pode ser alcançado mediante a prova de um conjunto de factos que levem o Tribunal a concluir que o agente faz da burla modo de vida, tanto pela quantidade dos crimes de burla praticados, como da regularidade da sua prática, e do facto de o agente não exercer qualquer actividade, por conta própria ou alheia.
É evidente que a referência que fizemos ao facto de o agente não exercer qualquer actividade, por conta própria ou alheia não significava que se uma dada pessoa exercesse qualquer actividade estaria excluído que pudesse praticar o crime em questão, independentemente dos restantes factos provados. Quanto mais não fosse, porque qualquer pessoa pode exercer mais do que uma actividade habitual. Assim, ainda que um dado indivíduo tenha uma certa profissão, isso não significa que não possa fazer da burla modo de vida.
É o que explica JOSÉ FARIA COSTA1, sobre a mencionada locução, como agravante do crime de furto (“fazendo da prática de furtos modo de vida”), aplicável à burla2:
“Os modos de vida, hoje, mesmo os que se afirmam como os mais tradicionais ou comuns, não se espelham nem cristalizam em um só segmento. Aí está o pluri-emprego ou o emprego em tempo parcial a prová-lo. Para além de que hipermobilidade no trabalho e o trabalho à distância são manifestações inequívocas dessa precisa ausência de monolitismo na percepção dos modos de vida. As pessoas tendem a fazer várias coisas ao mesmo tempo, tendem a trabalhar em diferentes domínios ao mesmo tempo, e isso é o seu modo de vida. Ora, se isto é assim em uma chamada vida normal não temos a menor dúvida em considerar que o mesmo se passa quando alguém se lança na carreira criminosa da prática de furtos. Quer isto significar de forma muito clara que não é absolutamente preciso que o delinquente se dedique, de jeito exclusivo, aos furtos para que se possa dizer que dessa prática faz um modo de vida. Bem pode ter uma profissão socialmente visível – o que não poucas vezes até facilita a actividade ilícita que se realiza às ocultas – e, mesmo assim, poder considerar-se que a série de furtos que pratica seja factor determinante para que se possa concluir que ele disso – isto é, desse pedaço da vida – faça também um modo de vida. Mesmo nas situações ilegais ou criminosas os modos de vida devem ser compreendidos de maneira plural e susceptíveis de se cruzarem com modos de vida assumidamente legitimados pela sociedade”.
De resto, se é certo que não se provou que o recorrente não exercesse nenhuma outra actividade, também é certo que não se provou o que o recorrente alega, que exercesse funções de taxista a tempo parcial e bate-ficha.
Ora, os factos dos autos ocorreram em Dezembro de 2007 e Janeiro e Fevereiro de 2008.
E o recorrente foi condenado em 7 de Junho de 2005, por decisão transitada em julgado, por crime de burla qualificada por factos ocorridos entre Outubro de 1997 e Maio de 1998.
Em 4 de Junho de 2009 foi o recorrente condenado no Processo CR2-08-0338-PCC, na pena de prisão de 1 ano e 9 meses, 3 anos e 6 meses, 2 anos e 9 meses, 1 ano e 6 meses e 9 meses, e em cúmulo jurídico, numa única pena de prisão de 6 anos. No dia 5 de Novembro de 2009, o Tribunal de Segunda Instância proferiu acórdão, tendo decidido o reenvio dos autos para novo julgamento (quanto à indemnização civil). No dia 7 de Abril de 2010, o processo foi julgado novamente e condenado o recorrente nas penas mencionadas, por decisão transitada em julgado.
Os factos desta condenação ocorreram, num caso em Junho de 2005, noutro em Março de 2006, noutro em Abril e Maio de 2006, noutro entre Agosto e Dezembro de 2007, noutro entre Novembro de 2007 e Janeiro de 2008, noutro em Maio de 2008 e noutro em Setembro de 2008.
Ou seja, quando em Junho de 2005, o recorrente foi condenado por factos de Outubro de 1997 a Maio de 1998, estava a iniciar-se numa verdadeira profissão de burlão.
Ora, face a este panorama, aos respectivos factos e motivações, em que se incluíram burlas a duas namoradas, parece óbvio que se pode afirmar, com propriedade, que à data da prática dos factos dos autos - Dezembro de 2007 e Janeiro e Fevereiro de 2008 – o recorrente era um verdadeiro profissional da burla, independentemente de ter ou não outros modos de vida que, aliás, repete-se, se não provaram.
Bem andou o Tribunal em condenar o recorrente pelo crime de burla qualificada.
4. Atenuação especial da pena
Pretende o recorrente beneficiar de atenuação especial da pena. Não alega porquê. E não se vislumbra a que título, já que os factos dos autos não aponta para o condicionalismo previsto no artigo 66.º do Código Penal.
Quanto à fixação concreta da medida da pena, que não se percebe se o recorrente realmente pretende suscitar, nada a apontar à fixada, face aos critérios que temos seguido.
É, pois, o recurso manifestamente improcedente.
Impõe-se, portanto, a rejeição do recurso (artigo 410.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
IV – Decisão
Face ao expendido, rejeitam o recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 2 UC, suportando ainda a quantia de MOP$2.000,00 (duas mil patacas), nos termos do n.º 4 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
Fixam os honorários do defensor do arguido em mil patacas.
Macau, 26 de Outubro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai –
Lai Kin Hong
1 JOSÉ FARIA COSTA, Comentário Conimbricence do Código Penal, dirigido por J. Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 1999,Tomo II, 71.
2 A. M. ALMEIDA COSTA, Comentário..., p. 311.
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Processo n.º 40/2011
30
Processo n.º 40/2011