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Processo n.º 387/2010 Data do acórdão: 2010-12-02
 Assunto:
– erro notório na apreciação da prova

S U M Á R I O
Não ocorre o erro notório na apreciação da prova, se depois de examinados todos os elementos probatórios carreados aos autos e referidos no texto da sentença recorrida como base para formação da livre convicção do tribunal a quo no julgamento da matéria de facto, não se vislumbrar que a valoração dos mesmos tenha sido feita com violação de qualquer regra da experiência da vida humana em normalidade das situações ou de quaisquer legis artis.
O relator,

Chan Kuong Seng

Processo n.º 387/2010
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Arguido recorrido: A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.° CR3-08-0369-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que absolveu, com fundamento na impossibilidade de comprovação do dolo, o aí melhor identificado arguido A do acusado crime de desobediência, p. e p. pelo art.o 121.o, n.o 7, da vigente Lei do Trânsito Rodoviário (Lei n.o 3/2007, de 7 de Maio), conjugado com o art.o 312.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal (cfr. o teor original dessa sentença, a fls. 55 a 57 dos presentes autos correspondentes, que se dá por aqui integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), veio a Digna Delegada do Procurador junto desse Tribunal recorrer para esta Segunda Instância para rogar a invalidação desse veredicto absolutório, tendo, para o efeito, imputado à decisão recorrida, na sua motivação ora a fls. 63 a 67v dos autos, o erro notório na apreciação da prova, a contradição insanável da fundamentação e a violação dos art.os 13.o e 14.o do Código Penal.
Ao recurso respondeu o arguido recorrido no sentido de manutenção do julgado (cfr. a resposta de fls. 73 a 76 dos autos).
Subidos os autos, emitiu a fls. 96 a 97 o Digno Procurador-Adjunto parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Feito subsequentemente o exame preliminar e corridos depois os vistos legais, procedeu-se à audiência em julgamento.
Cumpre, pois, decidir do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Como questão primordial do seu recurso, a Digna Delegada do Procurador recorrente critica que o Tribunal a quo errou notoriamente na apreciação da prova, ao não ter dado por provado o dolo do arguido na prática dos factos integrantes do crime de desobediência.
Mas, para este Tribunal ad quem, sem razão, porquanto depois de examinados todos os elementos probatórios carreados aos autos e referidos no texto da sentença recorrida como base para formação da livre convicção do Tribunal a quo no julgamento da matéria de facto, não se vislumbra que a valoração dos mesmos tenha sido feita com violação de qualquer regra da experiência da vida humana em normalidade das situações ou de quaisquer legis artis.
Na verdade, como o M.mo Juiz a quo já explicou concretamente, sobretudo desde o último parágrafo da página 4 até ao primeiro parágrafo da página 5 do texto da sentença recorrida (a fls. 56v a 57), as razões subjacentes à formação da sua convicção sobre a matéria de facto pertinente, e não sendo o respectivo resultado de julgamento de factos, a que chegou o mesmo Ilustre Juiz depois de examinados de modo crítico e global todos os elementos probatórios carreados aos autos, inaceitável para qualquer homem médio colocado na situação concreta da entidade julgadora do caso, ou incompatível com as regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou violador das legis artis vigentes na tarefa jurisdicional de julgamento de factos, é de respeitar o juízo de valor formado pelo mesmo M.mo Juiz, no sentido de não ter o arguido praticado os factos com dolo, pelo que a sentença impugnada não tem o esgrimido vício de erro notório na apreciação da prova.
Outrossim, foi acusada à sentença recorrida a contradição insanável da fundamentação. Mas, também sem razão, porque o facto de o arguido saber que tinha que entregar, em prazo determinado, a licença de condução ou documento equivalente à Polícia de Segurança Pública para efeitos de execução da pena de inibição de condução, não contradiz com o facto de não estar provado que ele agiu de modo livre e consciente com intenção de não cumprir o dever de entrega de tal documento em prazo fixado, nem tão-pouco contradiz com o facto de não estar provado que ele desprezou a anterior sentença que lhe tinha imposto o dever de entrega de tal documento à Polícia de Segurança Pública: é que tudo se explica cabalmente pela tese de falta de prova do dolo por parte do arguido na prática dos factos respeitantes à não entrega de tal documento à Polícia, e, por aí, também se vê que não há nenhuma contradição entre a matéria de facto julgada pelo M.mo Juiz a quo e a decisão de direito tomada na sentença, no sentido de inexistência do dolo por parte do arguido.
Por fim, da decorrência lógica do acima concluído no tocante à questão de erro notório na apreciação da prova, há-de decair também naturalmente a imputada violação dos art.os 13.o e 14.o do Código Penal.
É, assim, de julgar improcedente o recurso no seu todo, por improcedentes todas as questões concretamente levantadas na motivação do recurso, por um lado, e, por outro, por inexistência de outras questões de que cumpra a este Tribunal de recurso conhecer oficiosamente.
III – DECISÃO
Ante o exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Sem custas, dada a isenção subjectiva da Entidade Recorrente.
Fixam em oitocentas patacas os honorários devidos ao trabalho da Ilustre Defensora Oficiosa do arguido que então respondeu em nome deste ao recurso, e em seiscentas patacas os honorários devidos ao Ilustre Defensor Oficioso que representou o arguido na audiência desta Segunda Instância, honorários todos esses a suportar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 2 de Dezembro de 2010.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)



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