Processo nº 965/2010 Data: 27.01.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Processo sumário.
Direito de defesa.
Pedido de adiamento da audiência.
SUMÁRIO
1. A todo o arguido assiste o direito de dispôr de tempo razoável para preparar a sua defesa.
2. Em processo sumário, e perante um pedido de adiamento da audiência, invocando o arguido a necessidade de prazo para preparar a sua defesa e o seu estado físico e mental, deve o juiz, atento o estatuído no art. 367°, al. a) do C.P.P.M., acolher o peticionado.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 965/2010
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os restantes sinais dos autos, respondeu em processo sumário no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática de um crime de “condução em estado de embriaguez”, p. p. pelo art.° 90.° n.° 1 da Lei n.° 3/2007 - Lei do Trânsito Rodoviário - na pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e na inibição de condução pelo período de 1 ano; (cfr., fls. 21 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado com o assim decidido, o arguido recorreu para produzir as conclusões seguintes:
“1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Senhor Juiz a quo no âmbito de um processo sumário relativamente a condução sobre efeito de álcool e bem assim da decisão do mesmo em não adiar a audiência de discussão e julgamento nos termos e para os efeitos da alínea a) do artigo 367° do Código de Processo Penal.
2. Sendo que em relação ao processo propriamente dito incidirá apenas e tão só na questão da não suspensão da inibição de condução por um período de um ano.
3. Ao não deferir o pedido de adiamento da audiência nos termos solicitados, o Senhor Juiz a quo viola o disposto na norma legal acima referida, pelo que a sua decisão padece de vício de nulidade.
4. O Senhor Juiz a quo, laborou em erro, na medida em que considerou que constituía direito do arguido aceitar a realização de julgamento no mais curto espaço de tempo, atendendo a natureza e o tipo de processo em causa, violando claramente a norma legal constante da alínea a) do referido artigo 367°.
5. O adiamento da audiência até ao limite máximo de 30 dias não altera em nada a natureza do processo que continuará a ser sumário, certo sendo que tal expediente é admitido por lei, constituindo direito potestativo do arguido.
6. A restrição do recurso prende-se com o facto de o arguido entender que a suspensão prevista nos termos admitidos pelo n.°1 do art. 109° da Lei 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário), se justificaria no presente caso por existirem motivos atendíveis à sua verificação.
7. Padecendo por isso, a douta sentença recorrida do vício de erro de interpretação e de aplicação de direito previsto no n. ° 1 do art. 400° do Código de Processo Penal.
8. O arguido é um cidadão português que reside em Macau há mais de trinta anos, sendo que, sempre trabalhou, em regime de turnos, na Central Eléctrica da CEM, localizada na Ilha de Coloane, pelo que necessita do veículo pessoal para se deslocar de e para ri seu local de serviço.
9. A Central Eléctrica de Coloane, localiza-se na zona de Ka Hó, sem acesso de transportes públicos, pelo que, com a inibição de condução o arguido teria de se deslocar todos os dias para o serviço de táxi.
10. Sendo que, por trabalhar em regime de turnos, há dias em que sai à uma da manhã, outros em que entra por volta das quatro horas também da manhã, e por aí adiante.
11. O Recorrente aufere um rendimento mensal na ordem das vinte mil patacas, sendo que grande parte do dinheiro que aufere é para fazer face às despesas com o seu próprio sustento, com o pagamento da renda, telefone, água, electricidade e alimentação.
12. Entende o Recorrente que as razões supra indicadas seriam susceptíveis de ser compreendidas no âmbito dos motivos atendíveis para a verificação da suspensão da execução da sanção de inibição de condução a que se alude no n.° 1 do art. 109° da Lei n.° 3/2007, caso ao arguido tivesse sido dada a possibilidade de, pelo menos, juntar meios de prova que os sustentassem.
13. Nem se diga que tal medida não é censurável, porquanto a pena terá de constituir um sacrifício real para o condenado, proporcional à sua culpa e de forma a satisfazer as necessidades de prevenção que o caso concreto justifique e nunca superior a esta.
14. Sendo então de concluir que, no caso concreto, a finalidade da pena é perfeitamente alcançável com a pena que foi aplicada ao recorrente a título de pena principal, de dois meses de prisão suspensa por um período de um ano.
15. Ao fazer o juízo favorável do agente em face da sua posição na audiência de discussão de julgamento, traduzido na aplicação de uma pena de 2 meses de prisão, estamos em crer que o tribunal a quo acabaria por fazer a mesma leitura em relação a inibição de condução,
16. Ao não decretar a suspensão da execução da sanção de inibição de condução aplicada ao Recorrente, nos termos admitidos no n.° 1 do art. 109° da Lei n° 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário), a douta sentença recorrida padece do vício de violação da lei expressa, nos termos do disposto nos artigos 40°, 48° e 65° todos do Código Penal e do n° 1 do artigo 109° da Lei n° 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário).”; (cfr., fls. 25 a 34).
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Respondendo, conclui o Exm° Magistrado Ministério Público que:
“1. O requerimento do arguido solicitando o adiamento da audiência de julgamento de acordo com o art.° 367.° al. a) do Código de Processo Penal não tem que ser fundamentado.
2. Deve-se aprovar o requerimento para garantir o direito de defesa do arguido.
3. O prazo de adiamento depende da situação real, e segundo a circunstância concreta deste processo não deve ser superior a 5 dias.
4. O recorrente não é condutor profissional, e a sua situação não constitui "motivo atendível" previsto pelo art.° 109.° n.° 1 da Lei do Trânsito Rodoviário”; (cfr., fls. 38 a 40 e 67 a 68).
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Admitido o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixadas, vieram os autos a este T.S.I..
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Em sede de vista, juntou o Exm° Procurador-Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Subscrevem-se as doutas considerações empreendidas pela Exma Colega junto da 1ª instância, desde logo no sentido de que, perante o requerimento do recorrente atinente ao adiamento da audiência, para preparação da defesa, quer a nível de junção de documentação e apresentação de testemunhas, quer a respeito da sua devida condição física e psicológica, deveria aquele ter sido deferido, fornecendo-se ao arguido todos os meios para uma defesa eficaz, em obediência ao preceituado na al a) do art° 367°, CPP, até por que tal solicitação de prazo para organização de defesa não tem que ser fundamentado e não admite oposição, sendo ainda certo que a motivação do decidido por parte do, Mmo Juíz "a quo" a tal propósito se baseia, pura e simplesmente, na “percepção sensorial” do mesmo quanto à condição física e psicológica do arguido, sem mais, bem como na análise do que pensava ser a defesa que aquele visava preparar, designadamente o que as testemunhas a indicar visariam esclarecer, o que, no mínimo, se revela audacioso ...
Seja como for, o certo é que, em nosso critério, se mostra com a decisão em questão, neste específico, atropelado o sagrado direito de defesa do recorrente, o que não poderá deixar de conduzir à anulação do decidido e reenvio do processo para novo julgamento, mostrando-se, obviamente, prejudicado o conhecimento da 2ª questão suscitada, atinente à medida acessória de inibição de condução, concretamente aplicada.
Este, o nosso entendimento.”; (cfr., fls. 70 a 71).
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Cumpre apreciar e decidir.
Fundamentação
2. Vem o arguido ora recorrente recorrer da sentença proferida pelo Mm° Juiz do T.J.B. que o condenou pela prática de um crime de “condução em estado de embriaguez”, p. p. pelo art.° 90.° n.° 1 da Lei n.° 3/2007 - Lei do Trânsito Rodoviário - na pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e na inibição de condução pelo período de 1 ano.
Colhe-se da motivação e conclusões de recurso que o seu inconformismo reside
(1) no facto de lhe ter sido indeferido um pedido de adiamento da audiência de julgamento a que foi submetido,
(2) discordando também da não suspensão da pena de inibição de condução que lhe foi decretada.
Vejamos se tem razão.
— Comecemos pelo “pedido de adiamento da audiência”.
Da acta de julgamento colhe-se que depois de declarada aberta a audiência de julgamento, a Exmª Defensora do arguido pediu tempo para dialogar com o arguido, e, após tal, formulou o referido pedido de adiamento, tendo-se consignado em acta o que segue:
“Nos termos do art.° 367.° al. a) do Código de Processo Penal, a defensora nomeada solicitou que a audiência de julgamento fosse adiada por mais de 7 dias para preparação da defesa do arguido e de testemunha de conduta. A defensora também disse que por ter idade avançada, e durante o período relativamente longo de detenção desde as 4 horas da madrugada até a presente audiência, o arguido não comeu bem, e não estava de boa condição física e mental, por isso, receou que o arguido não podia defender si próprio bem na audiência, além disso, o respectivo requerimento fazia parte do direito processual do arguido.
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Despacho
A defensora nomeada apresentou requerimento de adiamento da audiência de julgamento, e o Tribunal entende improcedente o requerimento.
Primeiro, o processo sumário exige que o arguido seja apresentado, no mais curto prazo possível, ao tribunal para julgamento, e segundo o princípio de celeridade de julgamento, o arguido tem direito de receber julgamento mais cedo que possível; e quanto à exposição de motivos da defensora nomeada, em que solicita o adiamento da audiência por o arguido estar de má condição física, o Tribunal, através de observação do arguido que ainda pode manter-se firmemente em pé perante o Juiz, não entende que o arguido está de má condição física e mental.
As testemunhas que a defensora pretende apresentar mais tarde são apenas testemunhas de conduta que não têm um papel substancial para a descoberta da verdade. Além disso, a defensora já encontrou-se com o arguido e falou com este no início da audiência de julgamento, e este processo só é relacionado com um simples crime de condução em estado de embriaguez praticado em flagrante delito, o Tribunal entende que o supracitado encontro já é suficiente para a defensora preparar da defesa. Com base nisso, indefere-se o requerimento da defensora e a audiência de julgamento continua”; (cfr., fls. 18 a 21 e 53 a 62).
Constatando-se que sobre tal despacho foi de imediato interposto recurso, que foi também de seguida admitido pelo Mm° Juiz a quo, motivos inexistem para não se conhecer da questão.
Nesta conformidade, a tanto se passa.
Pois bem, preceitua o (invocado) art. 367°, n° 1 do C.P.P.M. que:
“Sem prejuízo da manutenção da forma sumária, a audiência pode ter início ou ser adiada até ao limite do trigésimo dia posterior à detenção:
a) Se o arguido solicitar esse prazo para preparação da sua defesa;
b) Se ao julgamento faltarem testemunhas de que o Ministério Público, o assistente ou o arguido não prescindam; ou
c) Se o tribunal, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, do assistente ou do arguido, considerar necessário que se proceda a quaisquer diligências de prova essenciais à descoberta da verdade e que possam previsivelmente realizar-se dentro daquele prazo.”
Comentando tal preceito legal afirmam L. Henriques e S. Santos que com o mesmo “pretende-se dar ao arguido todos os meios para uma defesa eficaz, não se exigindo fundamentação do pedido nem se admitindo oposição”; ( in “C.P.P.M.”. pág. 765).
E, perante isto, à vista está a solução.
Seja como for, sempre se dirá o que segue:
De facto, sendo o adiamento da audiência um direito que a todo o arguido assiste, mostra-se de consignar, independentemente do demais, que o pedido então deduzido se nos apresenta como razoável e compreensível, já que, para além da invocada necessidade de preparar a sua defesa, invocou também o arguido a sua idade e o facto de não se encontrar em boas condições físicas e mentais.
E, sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, não nos parece que devesse o Mm° Juiz concluir que outra era a condição física e mental do arguido com base no facto de o mesmo conseguir ficar em pé.
Como acertadamente, se salienta no douto Parecer, “a motivação do decidido por parte do, Mmo Juíz "a quo" a tal propósito se baseia, pura e simplesmente, na "percepção sensorial"”, o que, no caso, não se nos mostra suficiente.
Ademais, de menosprezar também não é o direito que a qualquer arguido assiste de dispor de prazo razoável para preparar a sua defesa, não nos parecendo assim adequada a algo precipitada conclusão no sentido de que “As testemunhas que a defensora pretende apresentar mais tarde são apenas testemunhas de conduta que não têm um papel substancial para a descoberta da verdade”, já que nada que dos autos consta permite tal consideração.
Por fim, o invocado “princípio da celeridade do julgamento” afigura-se-nos também indevidamente enfatizado, bastando, para tal atentar no facto de o preceito em questão – art. 367° do C.P.P.M. – estar precisamente inserido no Capítulo referente ao “Processo Sumário”, como é o caso dos autos.
Dest’arte, há pois que reconhecer razão ao arguido, com o que se impõe revogar a sentença prolatada, (o que torna também inútil a apreciação da questão da pretendida suspensão da execução da pena de inibição de condução).
Decisão
3. Nos termos que se deixam expendidos, em conferência, acordam revogar o despacho que indeferiu o pedido de adiamento da audiência, devendo assim os autos voltar ao T.J.B. para se proceder em conformidade.
Sem custas.
Macau, aos 27 de Janeiro de 2011
José Maria Dias Azedo (Relator)
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 965/2010 Pág. 2
Proc. 965/2010 Pág. 1