Processo nº 991/2010 Data: 20.01.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “tráfico de estupefacientes”.
“In dúbio pro reo”.
SUMÁRIO
1. Ainda que ao arguido não tenha sido apreendida droga, nem se tenha apurado a quem vendeu, em que quantidades, a que preço, ou quantas vezes, pode o seu comportamento ser enquadrado como a prática de um crime de “tráfico de estupefacientes em quantidades não diminutas”.
Com efeito, é irrelevante que não se tenha apurado no inquérito e no julgamento, a quem iria o arguido vender o produto, quando, em que local, etc, uma vez que tal circunstancialismo não integra os elementos objectivos do tipo criminal em questão.
De facto, o crime de tráfico de estupefaciente é um crime de perigo abstracto ou presumido, para cuja consumação não se exige a existência de 1 dano real e efectivo, bastando pois a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem protegido.
2. O princípio “in dúbio pro reo” identifica-se com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dúbio pro reo”, decidir pela sua absolvição.
3. Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”.
Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido versões dispares ou mesmo contraditórias, sendo antes necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador - e não no do recorrente - alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 991/2010
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Em audiência colectiva no T.J.B. respondeu A (XX), com os sinais dos autos, vindo a ser condenado pela prática como autor material e em concurso real de:
– um crime de “tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 6 anos e 2 meses de prisão;
– um crime de “consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. p. pelo art.º 14.º da mesma Lei, na pena de 45 dias prisão; e,
– um crime de “detenção indevida de utensílio ou equipamento”, p. p. pelo art.º 15.º da mesma Lei, na pena de 45 dias de prisão.
Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão; (cfr., fls. 151-v a 152 e 204 a 205, que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu:
Motivou para a final concluir nos termos seguintes:
“1. Salvo o devido respeito, o recorrente tem os seguintes pareceres sobre o acórdão do tribunal a quo:
2. O acórdão recorrido violou o princípio de “in dubio pro reo”;
3. Segundo os supracitados factos provados e os dados constantes dos autos, não apareceu qualquer comprador de estupefacientes ou qualquer pessoa suspeita de comprar estupefacientes junto do recorrente.
4. Os agentes da PJ só contaram explícita e objectivamente o decurso de interceptar o arguido, de encontrar estupefacientes na posse do arguido e de encontrar estupefacientes e instrumentos na residência do arguido, não contando o decurso do tráfico dos estupefacientes, nem os factos e as pessoas envolvidas; assim não se deve entender que o recorrente praticou o crime de tráfico de estupefacientes;
5. Conforme o princípio de “in dubio pro reo”, deve-se absolver o recorrente do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, e em consequência, libertar o recorrente.
6. Se assim não for entendido, e entende-se que o “crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas” praticado pelo recorrente tem apoio de factos provados e que o recorrente é culpado, então o acórdão recorrido padece dos seguintes vícios:
7. Como é referido no art.º 7.º dos factos provados: “O arguido A (XX) adquiriu os supracitados estupefacientes junto dum indivíduo de identidade desconhecida, com a intenção de consumir pessoalmente e principalmente fornecer a outrem.”
8. No acórdão recorrido não se apurou qual a quantidade dos estupefacientes encontrados para o fim de consumo pessoal ou para o fim de tráfico, razão pela qual o processo deve ser reenviado para novo julgamento.
9. Por isso, agora o recorrente não deve ser condenado pela prática dum crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, e pela prática dum crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. p. pelo art.º 14.º da mesma Lei”; (cfr., fls. 174 a 178 e 213 a 216).
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Em resposta assim conclui o Exm° Magistrado do Ministério Público:
“1. Quer segundo o art.º 8.º da vigente Lei n.º 17/2009, quer segundo o art.º 8.º do anterior DL n.º 5/91/M, a lei pune todos os actos de detenção e venda de estupefacientes.
2. Segundo o artigo 4.º (“O arguido A (XX) adquiriu os supracitados estupefacientes junto dum indivíduo de identidade desconhecida, com a intenção de vender aos compradores no local de negócio”) dos factos provados no acórdão do tribunal a quo, o recorrente deteve os estupefacientes com o objectivo de vender a terceiros, conduta essa que já constitui “detenção ilícita”, pelo que as respectivas condutas já constituem o crime previsto pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009.
3. Mesmo que não se indicasse concretamente a identidade do indivíduo que comprou estupefacientes junto do agente, não se impediu a condenação deste agente pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, porque a identidade de comprador de estupefaciente não é requisito constitutivo do art.º 8.º n.º 1 da lei acima referida.
4. O primeiro motivo do recurso do recorrente também não tem nada a ver com o princípio in dubio pro reo, e só é relacionado com a interpretação do art.º 8.º da Lei n.º 17/2009.
5. Por isso, o acórdão do tribunal a quo não violou o princípio de “in dubio pro reo”, os dispostos no art.º 400.º n.º 1 do Código de Processo Penal e no art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, e é improcedente o primeiro motivo do recurso interposto pelo recorrente.
6. Em relação ao segundo motivo do recurso interposto pelo recorrente, mesmo que o tribunal a quo não apurasse a quantidade destinada a consumo próprio ou a venda a outrem dos estupefacientes (“Metanfetamina” com peso de 1,890g) indicados no artigo 7.º dos factos provados, não se impediu a constituição do crime de tráfico de estupefacientes.
7. Nos artigos 3.º e 4.º dos factos provados, o tribunal a quo já provou que a “Metanfetamina” com peso de 1,321g detida pelo recorrente era para fornecer a outrem.
8. A “Metanfetamina” de 1,321g mencionada nos factos provados é 6 ou 7 vezes a quantidade de referência de uso diário de 0,2g, pelo que esta quantidade de estupefacientes já é suficiente para a constituição do crime previsto pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009.
9. Quer dizer, o tribunal a quo não precisou de distinguir os diferentes usos da restante “Metanfetamina” com peso de 1,890g e as respectivas quantidades, e o acórdão do tribunal a quo não padece do vício de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” do art.º 400.º n.º 2 al. a) do Código de Processo Penal.
10. Por isso, é improcedente o segundo motivo do recurso interposto pelo recorrente”;(cfr., fls. 180 a 183 e 227 a 229).
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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..
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Em sede de vista juntou o Exm° Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“A refutação plena da pretensa violação do princípio "in dubio pro reo" empreendida pelo Exmo colega junto do tribunal "a quo ", não podia ser mais clara : é inequívoco que a norma incriminadora prevê e pune expressa e autonomamente a detenção ilícita de estupefacientes, não constituindo a venda dos mesmos a terceiros elemento típico do crime de tráfico, razão por que se não pode fazer uso da eventual não prova dessa venda para tentar corporizar a persistência de qualquer dúvida razoável àcerca da prática do ilícito.
Por outra banda, tendo-se, no caso, dado como provado além do mais, que a Metanfetamina, como peso de de 1,321 gr se destinava a ser fornecida a terceiros, correspondendo tal peso a mais de 6 vezes a quantidade de referência de uso diário de 0,2 gr, não carecia o tribunal, melhor dizendo, não estava este vinculado, para a imputação empreendida, a apurar, com rigor, dentro da restante droga detida, qual a quantidade específica destinada para consumo próprio e para cedência a terceiros, uma vez que a quantidade de estupefacientes acima assinalada se revela, por si só, suficiente para a afirmação do ilícito p.p. pelo art° 8°, n° 1 da Lei 17/2009, inexistindo, assim, qualquer lacuna no apuramento da matéria de facto provada, a revelar insuficiência para a fundamentação da decisão proferida.
Tudo razões, por que, acompanhando de perto as doutas considerações empreendidas pelo Exmo colega junto da 1ª instância, somos a entender não merecer provimento o presente recurso.”; (cfr., fls. 231 a 232).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos seguintes:
“1. Em 23 de Outubro de 2009, pelas 3h15, o arguido A (XX) saiu da sua residência no Edf. XX e na porta do Edf. XXXXX situado na mesma rua, foi interceptado pelos agentes da PJ. O arguido ficava com ar nervoso e deixou no chão uma garrafa plástica de marca “EXTRA” que tinha na mão direita.
2. Os agentes da PJ apanharam a referida garrafa e encontraram nesta 5 pacotes de cristal de cor branca, 10 comprimidos redondos de cor de rosa embalados em 2 sacos plásticos transparentes; além disso, os agentes da PJ também encontraram na posse do arguido A (XX) duas chaves à sua residência.
3. Submetidos a exame laboratorial, os supracitados 5 pacotes de cristal de cor branca, com peso líquido de 1,936g, revelaram tratar-se de “Metanfetamina”, substância abrangida pela Tabela II-B anexa à Lei n.º 17/2009 (após análise quantitativa, a proporção de “Metanfetamina” foi verificada em 68,23%, com peso de 1,321g); os supracitados 10 comprimidos de cor de rosa, com peso líquido de 0,947g, revelaram tratar-se de “Efedrina”, substância abrangida pela Tabela V anexa à mesma Lei.
4. O arguido A (XX) adquiriu os supracitados estupefacientes junto dum indivíduo de identidade desconhecida, com a intenção de vender aos compradores no local de negócio.
5. No mesmo dia às 5 horas, os agentes da PJ dirigiram-se à residência do arguido A (XX) sita na Avenida da Amizade, Edf. XX, 5º andar D para buscar, encontrando debaixo do lençol da cama no quarto de dormir do arguido 6 pacotes de cristal de cor branca com a mesma embalagem acima referida, bem como 28 comprimidos de cor de rosa e 16 comprimidos redondos de cor vermelha embalados em 9 saquinhos plásticos transparentes; encontrando na cama um saco plástico de mercado San X contendo 4 canudos, uma tampa de cor branca na qual estava inserido um canudo de cor azul e vermelha, 7 papéis de estanho; e encontrando na gaveta da mesa de computador um saco plástico transparente, um pedaço de canudo de cor vermelha, uma tesoura e dois papéis de estanho.
6. Submetidos a exame laboratorial, os supracitados 6 pacotes de cristal de cor branca, com peso líquido de 2,419g, revelaram tratar-se de “Metanfetamina” (após análise quantitativa, a proporção de “Metanfetamina” foi verificada em 68,57%, com peso líquido de 1,659g); os supracitados 28 comprimidos de cor de rosa, com peso líquido de 2,591g, continham “Efedrina”; os supracitados 16 comprimidos de cor vermelha, com peso líquido de 1,490g, continham “Metanfetamina” (após análise quantitativa, a proporção de “Metanfetamina” foi verificada em 15,49%, com peso líquido de 0,231g); um saco plástico transparente e um pedaço de canudo de cor vermelha acima referidos estavam com vestígios de “Metanfetamina”, e uma tampa de cor branca na qual estava inserido um canudo de cor azul e vermelha estava com vestígios de “Anfetamina”, “Metanfetamina” e “N, N-dimetanfetamina”, substâncias abrangidas pela Tabela II-B anexa à mesma Lei.
7. O arguido A (XX) adquiriu os supracitados estupefacientes junto dum indivíduo de identidade desconhecida, com a intenção de consumir pessoalmente e principalmente fornecer a outrem.
8. A garrafa plástica, a tesoura, os papéis de estanho, os canudos e a tampa acima referidos são instrumentos utilizados pelo arguido A (XX) para o consumo de estupefacientes.
9. O arguido A (XX) conhecia bem a natureza e as características dos supracitados estupefacientes.
10. O arguido A (XX) adquiriu, transportou e deteve os supracitados estupefacientes, com a intenção de consumir pessoalmente e vender ou fornecer a outrem.
11. O arguido A (XX) deteve e utilizou a garrafa plástica, a tesoura, os papéis de estanho, os canudos e a tampa acima referidos como instrumentos de consumo de estupefacientes, sabendo bem que eram proibidas tais condutas.
12. O arguido A (XX) agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar dolosamente as condutas acima referidas.
13. O arguido A (XX) sabia bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
De acordo com o CRC, o arguido é delinquente primário.
O arguido alegou que era desempregado antes de ser preso, trabalhou como bate-fichas em Macau e tem a seu cargo a mãe; o arguido tem como habilitações literárias o 6º ano da escola primária”; (cfr., fls. 148 a 152 e 195 a 200).
Do direito
3. Concluindo como atrás se deixou relatado, assaca o arguido, ora recorrente, ao Acórdão objecto do presente recurso, a violação do “princípio in dubio pro reo”, afirmando também que “não se apurou qual a quantidade dos estupefacientes encontrados para o fim de consumo pessoal ou para o fim de tráfico, razão pela qual o processo deve ser reenviado para novo julgamento”.
Afigurando-se-nos porém que nenhuma razão lhe assiste, apresentando-se-nos o presente recurso como “manifestamente improcedente”; (cfr., art. 410°, n° 1 do C.P.P.M.), passa-se a expor o porque deste nosso entendimento.
— Diz o recorrente que “não se apurou qual a quantidade dos estupefacientes encontrados para o fim de consumo pessoal ou para o fim de tráfico, razão pela qual o processo deve ser reenviado para novo julgamento”.
Ora, lida a factualidade dada como provada, constata-se que incorre o recorrente em equívoco.
Com efeito, e ainda que seja verdade que em relação ao estupefaciente encontrado na sua residência, concretamente especificada não esteja a quantidade pelo mesmo destinada ao “tráfico” – tendo-se apenas consignado que o mesmo estupefaciente era “principalmente destinado à cedência a terceiros”; (cfr., ponto 7 da matéria de facto) – o mesmo já não se pode dizer em relação ao estupefaciente encontrado na sua posse, pois que, aqui, consignou o Colectivo a quo que o mesmo era (todo ele) para o tráfico; (cfr., ponto 4 da mesma matéria de facto).
Certo sendo que a quantidade de estupefaciente encontrada na posse do arguido não pode ser considerada “quantidade diminuta”, evidente é assim que censura não merece a sua condenação como autor de 1 crime de “tráfico” do art. 8°, n° 1 da Lei n° 17/2009.
Por sua vez, refira-se também que a expressão “principalmente”, empregue em relação ao estupefaciente encontrado na sua residência, implica que se considere que deste, a maior parte era pelo recorrente destinada ao “tráfico”, e nesta conformidade correcto não é dizer-se que apurada não está a quantidade de estupefaciente destinada a tal finalidade.
Reconhece-se que em relação ao estupefaciente encontrado na residência do arguido não quantificou concretamente o Colectivo a quo a porção de estupefaciente destinado ao tráfico.
Porém, o Tribunal não é uma “máquina da verdade”, podendo apenas ir até onde lhe for possível, e, “in casu”, a matéria de facto dada como provada permite efectivamente concluir, com a necessária segurança, que o estupefaciente pelo recorrente destinado ao “tráfico” é claramente superior ao que se podia considerar “quantidade diminuta”, e, nesta conformidade, (repete-se), há que confirmar condenação do ora recorrente como autor de 1 crime do art. 8° e de 1 outro do art. 14° – “tráfico” e “detenção para consumo” – condenação esta cuja discordância constitui o motivo do presente recurso.
Continuemos.
— Vejamos agora da alegada “violação do princípio in dubio pro reo”.
Como já tivemos oportunidade de afirmar:
“O princípio “in dúbio pro reo” identifica-se com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dúbio pro reo”, decidir pela sua absolvição.”; (cfr., v.g., o Ac. de 06.04.2000, Pro. n° 44/2000, do ora relator).
Por sua vez, e como entende a doutrina, segundo o princípio “in dubio pro reo” «a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido»; (cfr., Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, pág. 215).
Conexionando-se com a matéria de facto, este princípio actua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito - tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objectivo e tipo subjectivo - quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda, segundo uma terminologia mais actualizada, tipos justificadores, quer ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena.
Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”; (cfr., Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano”, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, vol. VIII, págs. 611-615) .
Por isso, para a sua violação exige-se a comprovação de que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido; (neste sentido, cfr. v.g., o Ac. do STJ de 29-4-2003, proc. n.º 3566/03, in “www.dgsi.pt”).
Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido versões dispares ou mesmo contraditórias; (neste sentido, cfr., v.g. o Ac. da Rel. de Guimarãs de 9-5-2005, proc. n.º 475/05, in “www.dgsi.pt”), sendo antes necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador - e não no do recorrente - alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”.
No caso, entende o recorrente que se terá violado o princípio em questão, dado que “Segundo os supracitados factos provados e os dados constantes dos autos, não apareceu qualquer comprador de estupefacientes ou qualquer pessoa suspeita de comprar estupefacientes junto do recorrente.”
Ora, também em relação a esta “questão” já se pronunciou este T.S.I. no seu Ac. de 31.10.2002, Proc. n° 156/2002, (do mesmo relator deste), consignando-se expressamente que:
“(…)
Ainda que ao arguido não tenha sido apreendida droga, nem se tenha apurado a quem vendeu, em que quantidades, a que preço, ou quantas vezes, pode o seu comportamento ser enquadrado como a prática de um crime de “tráfico de estupefacientes em quantidades não diminutas”.
Com efeito, é irrelevante que não se tenha apurado no inquérito e no julgamento, a quem iria o arguido vender o produto, quando, em que local, etc, uma vez que tal circunstancialismo não integra os elementos objectivos do tipo criminal em questão.”
De facto, o crime de tráfico de estupefaciente é um crime de perigo abstracto ou presumido, para cuja consumação não se exige a existência de 1 dano real e efectivo, bastando pois a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem protegido: (nomeadamente), a saúde pública, na sua dupla vertente, física e moral.
A Lei, (no caso), basta-se pois com a aptidão que as condutas revelem para constituir um perigo para determinados bens e valores, considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determina: isto é, a “lei faz recuar a protecção para momentos anteriores”; (cfr., neste sentido, e sobre a mesma questão, o recente Ac. da R. de Lisboa de 28.09.2010, Proc. n° 514/2009).
Dest’arte, e sem necessidade de mais alongadas considerações, impõe-se a rejeição do presente recurso.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, e em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art°s 409°, n° 2, al. a) e 410°, n° 1 do C.P.P.M.).
Pagará o recorrente a taxa de justiça de 6 UCs, e, pela rejeição, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n° 4 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$900,00.
Macau, aos 20 de Janeiro de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 991/2010 Pág. 24
Proc. 991/2010 Pág. 23