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Processo n.º 668/2010
(Recurso Penal)
  
  Data: 2/Dezembro/2010

  Assuntos :
- Tráfico de estupefacientes

Sumário :

1. Fortíssimas razões de prevenção geral se impõem na presente situação, vista a abertura da RAEM ao exterior e daí a sua vulnerabilidade.
    
    2. O Código Penal assenta as “suas prescrições na liberdade individual e na correspondente responsabilização de cada um de acordo com o princípio da culpa”, enaltecendo-se o “sentido pedagógico e ressocializador do sistema penal, respeitando os direitos e a personalidade dos condenados” enquanto “repare a violação dos bens jurídicos protegidos e sirva de referência tranquilizadora para a comunidade.
    
    3. Um elevado estatuto sócio profissional é compaginável com uma actividade de traficância de estupefacientes, não devendo ser por essas razões que, em nome da afronta das regras da experiência comum, se afasta um veredicto de culpabilidade nesse domínio.
    4. Para a integração típica da cedência de estupefacientes a terceiros não tem que ser concretizado o circunstancialismo em detalhe dos destinatários, de tempo e modo do consumo final.
    
    5. Não é pelo facto de o arguido não ter sido condenado como consumidor e os dados existentes apontarem nesse sentido, não obstante a sua negação pelo arguido, que tal significa que não podia ceder estupefacientes a terceiros, não se evidenciando aí erro que a existir seria em seu benefício.
                O Relator,
                João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 668/2010
(Recurso Penal)

Data: 2/Dezembro/2010

Recorrentes: A
           B
           C

Objecto do Recurso: Acórdão condenatório da 1ª Instância

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    
    1. A, ora 1ª arguida dos autos do processo à margem indicados, tendo sido condenada, pela prática de um crime de tráfico de drogas, p. e p. pelo art.º 8º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 4 anos de prisão, vem recorrer, alegando no essencial:
    1. É impossível apurar na audiência de julgamento o teor do artigo 1º dos factos provados, designadamente: “A arguida D mandou A a transportar, várias vezes, estupefacientes para Macau, dissimulando o acto através de comprimidos medicinais, medicamentos e frascos de medicamentos”.
    2. Realmente, quanto ao facto de que a arguida D mandou A a transportar estupefacientes, dissimulando o acto através de comprimidos medicinais, medicamentos e frascos de medicamentos, só é apurado pelas provas testemunhal (nomeadamente pelas declarações prestadas pela 1ª e 2ª arguidas) e material, mas não por expedientes. A 2ª arguida D foi ausente na audiência de julgamento; e, embora fossem lidas pelo Tribunal a quo na audiência de julgamento as declarações prestadas pela 2ª arguida no MºPº, o teor destas declarações não indicou que a 1ª arguida sabia que os objectos referidos neste caso eram drogas.
    3. Mais, a 1ª arguida negou que na altura estava ciente que os objectos trazidos com ela eram drogas, mais negou que tinha previsto que os respectivos objectos eram provavelmente drogas, ou seja, não só nesta vez a 1ª arguida não previu que os respectivos objectos eram provavelmente drogas, mas antes disso, também não tinha previsto que os objectos trazidos com ela eram drogas e, além disso, não existem quaisquer testemunha e prova material (tal como o exame laboratorial que confirma que os produtos ao longo trazidos pela mesma são drogas) nos autos que possam apurar o facto, razão pela qual é impossível apurar na audiência de julgamento: “D mandou A a transportar, várias vezes, estupefacientes para Macau, dissimulando o acto através de comprimidos medicinais, medicamentos e frascos de medicamentos”.
    4. Daí, vislumbra-se que o Tribunal recorrido cometeu erro notório na apreciação da prova, pelo que o douto acórdão daquele tribunal padece de vício referido no art.º 400º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, ou seja, erro notório na apreciação da prova.
    5. Assim sendo, deve ser anulada a referida parte do acórdão e absolvida a recorrente do crime que lhe foi imputado.
    6. É impossível apurar na audiência de julgamento o teor dos artigos 49º a 51º dos factos provados: “49. Os arguidos A, D, (...) agiram livre, voluntária e deliberadamente os actos supracitados; 50. Os arguidos A, D, (...) tinham perfeito conhecimento sobre a natureza e as características dos estupefacientes em apreço; 51. A arguida A transportava e oferecia os aludidos estupefacientes a outrem, com a finalidade de obter interesse pecuniário”.
    7. A 1ª arguida negou que na altura estava ciente que os objectos trazidos com ela eram drogas, mais negou que tinha previsto que os respectivos objectos eram provavelmente drogas; a 2ª arguida foi ausente na audiência de julgamento; embora fossem lidas pelo Tribunal a quo na audiência de julgamento as declarações prestadas pela 2ª arguida no MºPº, o teor destas declarações não indicou que a 1ª arguida sabia que os objectos referidos neste caso eram drogas; e, o indivíduo chamado “E” nunca prestou declarações perante o presente caso, por isso, não se apurou que a 1ª arguida sabia que os objectos trazidos com ela eram drogas.
    8. A par disso, segundo o artigo 10º dos factos provados: “a referida nota de RMB$100,00 apreendida é a retribuição da arguida A pelo auxílio prestado por ela à arguida D e a “E” no transporte de estupefacientes”; e, tal como referido na primeira parte da convicção do tribunal: “a 1ª arguida admitiu que tinha prestado auxílio a “E” e a D para transportar objectos para Macau”, verifica-se que a 1ª arguida especificou expressamente o sucedido na audiência de julgamento e disse que a retribuição pelo auxílio prestado aos dois referidos indivíduos no transporte de objectos para Macau era de RMB$100,00, entretanto, essa era apenas retribuição pelo transporte de objectos, mas não pelo transporte de drogas.
    9. Pelas regras da experiência, o valor da retribuição pelo transporte de drogas é, geralmente, fixado entre MOP$300,00 e MOP$500,00, mas não em valor de RMB$100,00, sendo três a cinco vezes inferior a do valor fixado na situação real, pelo que RMB$100,00 não deve ser ponderado como retribuição pelo transporte de drogas.
    10. Agentes da P.J., ora testemunha, também alegaram na audiência de julgamento que sabia que a 1ª arguida exercia funções de “Soi Hac (水客)” como trabalho a tempo parcial e, normalmente, “Soi Hac (水客)” recebe dos seus clientes o valor de $100,00 como retribuição pelo transporte de mercadorias (não sejam drogas).
    11. Daí, vislumbra-se que a 1ª arguida era simplesmente “Soi Hac (水客)” que prestava apenas serviço de transporte de mercadorias aos clientes e o referido valor de RMB$100,00 era compatível com o valor, geralmente, recebido por “Soi Hac (水客)” como retribuição pelo transporte de mercadorias.
    12. Ora, devido à inexistência de outras provas concretas para provarem que a 1ª arguida soubesse perfeitamente que os objectos por ela transportados eram drogas, conjugado com o facto de que se verifica que a 1ª arguida era “Soi Hac (水客)” que prestava serviço de transporte de mercadorias e recebia com isso a retribuição de RMB$100,00 (sendo um valor notoriamente baixo em relação ao da retribuição pelo transporte de drogas), o Tribunal a quo não consegue provar que a 1ª arguida soubesse perfeitamente que os objectos por ela transportados eram drogas.
    13. Assim sendo, in casu não existe qualquer circunstância que levou o Tribunal a quo a considerar que a 1ª arguida agiu livre, voluntária e deliberadamente os actos supracitados; que a 1ª arguida tinha perfeito conhecimento sobre a natureza e as características dos estupefacientes em apreço; e que a 1ª arguida transportava e oferecia os aludidos estupefacientes a outrem, com a finalidade de obter interesse pecuniário.
    14. Ora, o Tribunal recorrido cometeu erro notório na apreciação da prova, pelo que o douto acórdão daquele tribunal padece de vício previsto no art.º 400º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, ou seja, erro notório na apreciação da prova.
    15. Assim sendo, deve ser anulada a referida parte do acórdão e absolvida a recorrente do crime que lhe foi imputado.
    16. Na determinação da pena, o Tribunal recorrido apenas atendeu a que a 1ª arguida não confessou sinceramente o seu acto criminoso, mas não ponderou a circunstância que favorece à referida arguida, tal como, durante o processo da audiência de julgamento, a 1ª arguida especificou expressamente o sucedido (só negou que tinha conhecimento sobre os estupefacientes). Desde a investigação até ao julgamento, a recorrente tinha especificado expressamente o sucedido e fornecido provas relevantes na captura dos outros agentes do crime, pelo que a colaboração prestada pela mesma era compatível com o disposto no art.º 18º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 5/91/M. Ora, segundo a circunstância da livre atenuação da pena, o Tribunal recorrido não devia impedir a concessão da oportunidade de atenuar livremente a pena imposta à 1ª arguida por esta ter negado que sabia que os respectivos objectos eram drogas, sobretudo, era aplicável o disposto no art.º 18º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
    17. Quando a 1ª arguida auxiliou à 2ª arguida a transportar mercadorias, ela teve o raciocínio de que estava a prestar serviço a um cliente normal e transportar mercadorias ordinárias, mas, nunca imaginou, nem sabia que as respectivas mercadorias eram drogas. Caso a 1ª arguida soubesse que as mercadorias eram drogas, não deveria receber apenas $100,00, mas sim uma retribuição do valor mais elevado (sendo compatível com o valor, geralmente, recebido por “Soi Hac (水客)” como retribuição pelo transporte de mercadorias (não sejam drogas)).
    18. Mais, a testemunha F, ora agente da P.J., alegou que, na dada altura, um outro agente da P.J. encontrou três frascos de medicamentos na maior divisão da bolsa para a cintura da 1ª arguida. Os frascos foram cobertos por papeis de embrulho e tapados por tampas, por isso, não era visível a parte interna dos mesmos. Conclui-se que a 1ª arguida não sabia que os respectivos objectos eram drogas, já que esta colocou juntos os frascos que continham drogas com os outros frascos de medicamentos na maior divisão da bolsa para a cintura, em vez de esconder os frascos de drogas nas partes ocultas da bolsa para a cintura ou do próprio corpo da arguida.
    19. Daí, mostra-se que o grau da intensidade do dolo da 1ª arguida não é alto, ou até se considera que o referido acto foi praticado por negligência.
    20. Todavia, o Tribunal recorrido não atendeu às aludidas circunstâncias, muito menos ter em conta o grau da intensidade do dolo ou da negligência da 1ª arguida para proferir a decisão.
    21. Pelos expostos, é excessivamente pesada a pena de 4 anos de prisão aplicada pelo Tribunal recorrido à 1ª arguida sem ter o atendimento suficiente a todas as situações acima referidas.
    22. Assim sendo, o acórdão recorrido violou os dispostos nos art.ºs 40º e 65º do Código Penal.
    23. Pelas informações constantes dos autos, a recorrente manteve sempre o bom comportamento e, antes deste caso, nunca foi envolvido em nenhum crime. O artigo 18º dos factos provados apurou que, após a detecção do caso em apreço, a arguida A recusou-se a transportar estupefacientes para Macau.
    24. São poucos nojentos a forma, o meio e a circunstância adoptados pela recorrente na execução dos factos criminosos, além disso, a recorrente colaborou com a P.J. na captura da 2ª arguida, bem como, posteriormente, recusou-se transportar drogas para Macau.
    25. A pena de 4 anos de prisão aplicada pelo Tribunal recorrido à recorrente é notória e excessivamente pesada.
    26. Deste modo, o acórdão recorrido violou os dispostos nos art.ºs 40º e 65º do Código Penal.

Nestes termos vem requerer que se julgue procedente o recurso interposto e se revogue o acórdão recorrido, bem como, em consequência se:
1. Absolva a recorrente do crime que lhe foi imputado; ou
2. Aplique pena mais leve.

    1.2. A Digna Magistrada do MP, responde a este recurso doutamente, dizendo no essencial:
    1. A recorrente considerou que o Tribunal a quo não devia ter dado como provado o teor do artigo 1º dos factos provados, nomeadamente, quanto ao facto de que a arguida D mandou a recorrente a transportar, várias vezes, estupefacientes para Macau, dissimulando o acto através de comprimidos medicinais, medicamentos e frascos de medicamentos, uma vez que, na audiência de julgamento, a recorrente negou sempre que sabia que os objectos por ela trazidos eram drogas e, também, negou que tinha previsto que os respectivos objectos eram provavelmente drogas, além disso, a 2ª arguida D foi ausente na audiência de julgamento e, quando foram lidas as respectivas declarações, não se indicou que a recorrente soubesse que os objectos supracitados eram drogas, assim sendo, a recorrente duvidou que o acórdão do Tribunal a quo padece de vício do erro notório na apreciação da prova.
    2. Reparamos que, com base nas questões sobre se a recorrente sabia ou não que os objectos por ela trazidos eram drogas, ou se ela tinha previsto ou não que os respectivos objectos eram provavelmente drogas, podemos verificar se a recorrente praticou ou não dolosamente o acto, ou seja, requisito subjectivo exigido pela incriminação. Teoricamente, ninguém era capaz de saber o que é que a recorrente estava a pensar no momento da prática do acto, entretanto, estamos convencidos de que, pela análise objectiva feita aos factos, podemos chegar à conclusão de que, in casu, embora a recorrente tivesse sempre negado que sabia que os objectos por ela trazidos eram drogas ou negado que tinha previsto que os respectivos objectos eram provavelmente drogas, bem como, não tivesse indicado nas declarações da 2ª arguida D que a recorrente soubesse que os objectos supracitados eram drogas, a recorrente não conseguiu responder a questão de porque é que ela nunca duvidou sobre o acto de que “E” e 2ª arguida D compraram um frasco de “Tong Kuai Pin (當歸片)” e dois frascos de “Bac Van San Foc Fong Chun Sam Lin Pin (白雪山复方穿心蓮片)” pelo preço de dois mil e tal Renminbis e depois pagaram-lhe um montante elevado como “remuneração de transporte”, a par disso, sub judice, segundo os meios probatórios adoptados pelo Tribunal a quo, reparamos que a sua convicção é formada com base nas declarações prestadas na audiência de julgamento pelos outros arguidos e por agentes da P.J., nos depoimentos fornecidos pelas testemunhas, especialmente pela amiga da recorrente G, no relatório do exame laboratorial constante dos autos, nos objectos apreendidos, nas provas documentais e nas demais provas, por outras palavras, verificamos que o Tribunal a quo não actuou tal como referido pela recorrente, já que aquele tribunal não atendeu meramente às declarações prestadas na audiência de julgamento pela 2ª arguida D e recorrente na apreciação da prova.
    3. Segundo o que se disse a recorrente, vimos que, efectivamente ela pretendia revelar as suas diferentes opiniões perante os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, mediante as dúvidas expostas sobre o reconhecimento de factos efectuado pelo mesmo tribunal. Evidentemente, o raciocínio da recorrente é inviável, sendo exactamente um desafio contra a livre convicção do Tribunal a quo, e, nos termos do art.º 114º do Código de Processo Penal, não é censurada a convicção do julgador.
    4. Além disso, com base no mesmo fundamento, a recorrente duvidou sobre os artigos 49º: “Os arguidos A, D, B e C agiram livre, voluntária e deliberadamente os actos supracitados”; 50º: “Os arguidos A, D, B e C tinham perfeito conhecimento sobre a natureza e as características dos estupefacientes em apreço”; e 51º “A arguida A transportava e oferecia os aludidos estupefacientes a outrem, com a finalidade de obter interesse pecuniário” dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, bem como, considerou que o montante de cerca de RMB$100,00 por ela recebido era o valor geralmente auferido por “Soi Hac (水客)” como retribuição pelo transporte de mercadorias, por isso, não se devia provar que a recorrente soubesse que os objectos trazidos eram drogas, averiguando assim a existência do erro notório na apreciação da prova.
    5. Reparamos que no artigo 3º dos factos provados indicou-se: “Antes de efectuar a transacção de estupefacientes, “E” metia antecipadamente as drogas no frasco de medicamentos, em seguida, entregava-o à arguida A e pagava-lhe entre RMB$100,00 e RMB$400,00 como “remuneração de transporte””; por outras palavras, o que se disse a recorrente desconforma com a realidade, isto é, ela não recebia apenas RMB$100,00 como “remuneração de transporte”, mas sim ganhava um montante de $100,00 a $400,00. Por outro lado, vimos que o Tribunal a quo apreciou objectivamente todas as provas constantes dos autos e, em consequência, formou a sua convicção. In casu, não detectamos o vício supra referido, pelo que o fundamento em apreço deve ser denegado.
    6. A recorrente também entendeu que não era alta a sua intensidade do dolo, eram poucos nojentos o meio e a circunstância da prática do crime, além disso, tinha colaborado com a P.J. na captura da 2ª arguida D e recusado o transporte de drogas, por isso, considerou que era excessivamente pesada a pena que lhe foi aplicada, violando assim os dispostos nos art.ºs 40º e 65º do Código Penal.
    7. Sub judice, a recorrente praticou o crime de tráfico de drogas. Como é sabido que as drogas causaram influências negativas à saúde pública, a recorrente não confessou sinceramente o seu acto criminoso e, embora tivesse colaborado com a Polícia, o comportamento desta é insuficiente para atenuar a sua culpa, deste modo, está desconforme com a situação da atenuação livre da pena ou da isenção da pena. A colaboração prestada pela recorrente à Polícia será apreciada como comportamento posterior ao crime.
    8. Segundo o teor do acórdão, constatamos que o Tribunal a quo ponderou plenamente os dispostos nos art.ºs 40º, 64º e 65º do Código Penal na determinação e na escolha da pena, não havendo absolutamente nenhum vício, pelo que o fundamento em apreço deve ser denegado.
    
    Pelo exposto, solicitar que seja rejeitado o recurso interposto e se mantenha o acórdão a quo.
    
    2.1. O recorrente B, 3º arguido, identificado nos autos, tendo sido condenado na pena de 7 anos e 9 meses de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de drogas, p. e p. pelo art.º 8º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, por discordar do acórdão proferido em 7 de Julho de 2010 pelo T.J.B., vem interpor recurso, alegando, em síntese:
     O recorrente B foi condenado, em 7 de Julho de 2010, no acórdão do T.J.B., pela prática, na forma consumada, de um crime de tráfico de drogas, p. e p. pelo art.º 8º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 7 anos e 9 meses de prisão.
    O recorrente entendeu que o Tribunal a quo violou efectivamente os dispostos nos art.ºs 40º e 65º do Código Penal na determinação da pena, e que a pena que lhe foi aplicada é excessivamente pesada, pelo que se deve atenuar a pena.

Pelo exposto, solicita se admita o recurso interposto, à luz do Código de Processo Penal, se evogue o acórdão supramencionado e se aplique ao recorrente uma pena mais leve.

    2.2. A Digna Magistrada do MP oferece a seguinte douta resposta a este recurso, dizendo em sede conclusiva:
    1. O recorrente interpôs recurso perante o T.S.I. por não concordar com o acórdão condenatório proferido em 7 de Julho de 2010 pelo Tribunal a quo, contudo, a motivação do recurso só foi apresentada em 22 de Julho de 2010. O recorrente considerou que existia justo impedimento e devia admitir o recurso interposto.
    2. No prazo da interposição do recurso ordinário contra o acórdão condenatório da primeira instância, o recorrente decidiu pedir ao tribunal para designar-lhe defensor para recorrer contra o aludido acórdão, por isso, a contagem do prazo de 10 dias para o recurso supra referido deve ser reiniciada desde o dia posterior ao da notificação do despacho do Juiz à defensora que foi designada para apoiar o recorrente a recorrer. Tal notificação foi enviada, por via postal, em 20 de Julho de 2010, e, em seguida, a defensora apresentou a petição de recurso em 22 de Julho de 2010, dentro do prazo legal de 10 dias, pelo que se deve admitir o recurso interposto.
    3. Por ser primário e por ter confessado, na audiência de julgamento, a prática do crime de tráfico de drogas, o recorrente achou que era excessivamente pesada a pena de 7 anos e 9 meses de prisão que lhe foi aplicada, sendo assim, duvidou que o acórdão do Tribunal a quo violou os dispostos nos art.ºs 40º e 65º do Código Penal.
    4. In casu, embora o recorrente fosse primário e tivesse confessado o crime que lhe foi imputado, não se deve esquecer que o recorrente praticou o crime de tráfico de drogas e, como se sabe que as drogas causaram influências negativas à saúde pública, mais, o recorrente deteve grande quantidade e variedade de drogas, o grau de ilicitude dos factos é alto, as consequências são graves, bem como, é necessária a defesa do interesse da saúde pública.
    5. Na determinação da pena, à luz da interpretação revelada nos anteriores acórdãos dos tribunais superiores:
     “Na graduação das penas de prisão em consequência do julgamento, o Tribunal pondera todas as circunstâncias constantes dos autos conforme as regras de medida de pena previstas nos artigos 40º, 45º e 65º do Código Penal de Macau, sobre tudo, os elementos disponíveis para a determinação da pena conforme a regra referida no artigo 65º do CPM, de harmonia com a “teoria da margem da liberdade” segundo a qual a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”. (Processo n.º 159/2001, de 24/01/2002, do T.S.I.)
    6. A pena aplicada pelo Tribunal a quo ao recorrente é correcta e equilibrada, pelo que a determinação da medida da pena não padece de qualquer vício e, assim, deve-se manter o acórdão a quo.

Pelo exposto, solicita que seja rejeitado o recurso interposto e se mantenha o acórdão a quo.

     3.1. C, 4º arguido nos autos à margem epigrafados e neles melhor identificado,vem interpor recurso para este Tribunal do acórdão de 7 de Julho de 2010 do Tribunal Judicial de Base de Macau que o condenou, pela prática de:
    (a) de um crime de tráfico de quantidades diminutas previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 9º do Decreto-Lei 5/91/M, na pena de um ano e cinco meses de prisão e multa de MOP 10.000;
    (b) um crime de detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem previsto e punido no art. 15º da Lei n.º 17/2009, na pena de 45 dias de prisão; e
    (c) um crime de resistência e coacção previsto e punido pelo art. 311º do Código Penal, na pena de um ano e três meses de prisão; e
    (d) em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos e três meses de prisão efectiva e na pena de multa de MOP$10.000,00,
    Produz as seguintes alegações em síntese conclusiva:
1.ª Limita o recurso aos crimes de tráfico de quantidades diminutas e de resistência e coacção e, concomitantemente, ao quantum da pena resultante do cúmulo jurídico encontrado para crimes por que for mantida a sua condenação e respectivas penas concretas e única, incluído o crime que não constitui objecto do recurso.
2.ª Apenas para a hipótese de proceder total ou parcialmente o recurso - e virem, eventualmente, a ser excluídos os crimes de tráfico de quantidades diminutas e de resistência e coacção ou apenas um deles ou determinado o abaixamento da pena relativamente ao último -, pronunciar-se, ainda, sobre o quantum da pena resultante do cúmulo jurídico dos crimes de que se tratar e à questão da (eventual) suspensão da pena única aplicada.
3.ª A decisão recorrida padece dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e da contradição insanável na fundamentação relativamente ao crime de tráfico de quantidades diminutas e a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada relativamente ao crime de resistência e coacção, os quais redundaram em erro de julgamento ou erro de direito ao aplicar os referidos preceitos num quadro que exigia a sua desaplicação.
4.ª Tendo o arguido ora recorrente sido detido num acto de aquisição de estupefacientes em que foi adquirente, é surpreendente e contraria as regras da experiência comum, a conclusão, infundamentada, de que o recorrente, adquirente do produto, não as destinava ao seu próprio consumo.
5.ª Sobretudo quando, no seu gabinete de trabalho, no armário de documentos do gabinete, a polícia descobriu uma mala de viagem contendo instrumentos e utensilagem, incluído o cartão de saúde do recorrente dentro da qual se continha um pacote de cristais cúbicos brancos contendo estupefacientes, existindo vestígios também nas palhinhas apreendidas, sendo que os utensílios ali localizados são instrumentos destinados ao consumo de droga.
6.ª Todos os instrumentos e utensilagem com sinais evidentes de terem sido utilizados no consumo de estupefacientes foram encontrados, acto imediato à detenção do recorrente, num acto de aquisição de droga em que foi adquirente.
7.ª As regras da experiência comum, perante tal factualidade, apontam para que o recorrente fosse e seja consumidor de estupefacientes.
8.ª O tribunal recorrido, perante tais factos provados, não poderia, em absoluto, concluir que a droga apreendida ao recorrente, quer no acto de detenção, quer no seu gabinete de trabalho, eram por si destinadas a venda ou cedência a terceiros sem que, obviamente, essa conclusão lógica na articulação dos factos tivesse sido ilidida pela demonstração efectiva de que tenha estado envolvido num ou mais acto(s) de tráfico de estupefaciente totalmente inexistente(s).
9.ª Mesmo admitindo que, ao ser-lhe apreendido um produto estupefaciente, a si incumbiria ilidir a presunção de que não destinava tais produtos ao seu próprio consumo, a detecção e apreensão daqueles instrumentos e utensilagem constitui claramente uma ilisão de qualquer suspeita de ser um traficante de droga.
10.ª A condenação pelo crime de tráfico por que foi condenado é fruto de uma conclusão arbitrária, à margem da lógica e à margem das regras da experiência comum, tratando-se, em consequência, de uma decisão infundamentada.
11.ª O facto de se ter apurado que, no seu domicílio, foram encontrados vinte e dois sacos plásticos transparentes em cima da mesa do bar da sala de estar não permite a conclusão do Ilustre colectivo em 1.ª instância, uma vez que os referidos sacos podiam ter destino totalmente diferente e eram, presumivelmente utilizados para guardar cartões de jogo, inscritos na actividade profissional regular do recorrente, sendo que os vestígios de produtos estupefacientes foram localizados no seu gabinete de trabalho e se os sacos foram encontrados na sua residência.
12.ª A conclusão de que «pelo menos três vezes o arguido C comprou, adquiriu e possuiu as drogas referidas para fornecer parte delas a terceiros» assume mesmo foros de verdadeira ficção tão manifesta é a infundamentação dessa afirmação.
13.ª O recorrente é é Director Executivo da sociedade comercial XX, auferindo uma remuneração anual de US$225,000.00, tem o grau académico de Mestre em Ciências de Computador e é pai de três crianças menores -como o demonstram documentos cuja junção aos autos vai ser requerida.
14.ª A apreciação dos aspectos da personalidade pessoal e profissional do recorrente impunha a dúvida quanto à conclusão de que traficava estupefacientes.
15.ª O recorrente fora acusado por um crime de detenção de estupefacientes que deveria ter sido dado por provado como consequência da absolvição do crime de tráfico de quantidades diminutas.
16.ª O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto verifica-se quando houve uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária à condenação, o qual se verifica no caso porque o arguido recorrente não podia, no quadro que se deixou traçado, ser condenado pelos crimes de tráfico de quantidades diminutas e de resistência e coacção, sem que tenham sido apurados actos concretos de cedência a terceiros (no que respeita ao primeiro crime) ou actos integradores do conceito de violência (no que concerne ao segundo).
17.ª Para que este vício se verifique (tal como o do erro de direito ou do erro de julgamento) é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à decisão de direito encontrada.
18.ª No caso, o vício imputado resulta de uma lacuna já verificada na acusação, a qual não imputa um qualquer acto concreto de cedência de estupafacientes a terceiro por parte do recorrente, no que respeita ao crime de tráfico de quantidades diminutas, nem descreve factos que preencham o tipo legal de resistência e coacção.
19.ª Quando se entenda não ter havido lacuna e se afaste o vício da insuficiência, verifica-se, na forma articulada que se deixou expressa, erro de direito no enquadramento jurídico dos factos.
20.ª Existe contradição insanável na fundamentação quando se verifica uma incompatibilidade entre factos dados como provados e factos não provados, como entre os factos provados e não provados e a fundamentação probatória da matéria de facto, desde que se apresente insanável ou irredutível, ou seja, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.
21.ª No caso, é manifesta essa contradição entre factos provados e provados, entre factos provados e não provados e entre factos provados e não provados e a fundamentação fáctica do Acórdão, pois é dado por provado que o recorrente foi comprador do produto, é dado por assente que, apesar de adquirente da droga, não a destinava ao seu próprio consumo, é dado como provado que o recorrente utilizava os instrumentos e utensilagem apreendida para consumo, uma vez que se não provou que mais alguém tivesse acesso ao seu gabinete e fosse lá consumir, que os utensílios apreendidos, entre eles o cartão de saúde do recorrente, eram destinados ao consumo de droga, que o recorrente utilizava a utensilagem apreendida para consumo, sendo contra as regras da experiência que cedesse o seu próprio cartão de saúde a terceiros para consumo de drogas e que os sacos de plástico apreendidos em local distinto, que poderiam ter as mais distintas utilizações, se destinassem a acondicionar estupefacientes para venda, sendo que a droga estava num local e os produtos considerados destinados a acondicionar estupefacientes para venda estivavam noutro local.
22.ª Dá-se por provado que o arguido possuía e consumia parte das drogas que lhe foram apreendidas, sem se extrair a devida consequência desse facto na avaliação da actuação do arguido.
23.ª Deu-se por provado, implicitamente, que o recorrente cedia drogas a terceiros, sem que se haja identificado um qualquer acto de cedência, o que se figura pouco compreensível perante o quadro fáctico global ao mesmo tempo em que se deu implicitamente, por provado que o recorrente consumia estupefacientes.
24.ª Admite-se a possibilidade de o arguido recorrente destinar parte dos estupefacientes para consumo próprio, deixando-se a dúvida quanto a saber se o arguido recorrente detinha os instrumentos e utensilagem para consumir drogas ou para permitir o consumo de terceiros.
25.ª O Ac. recorrido reconhece uma dúvida que não logrou ultrapassar, com fundos reflexos na decisão no que respeita à prática do crime de detenção de estupefacientes para consumo ou à prática do crime de tráfico de quantidades diminutas, dúvida que não podia ser resolvida em prejuízo do arguido, como aconteceu, mas em seu benefício, pois o princípio in dubio pro reo impõe que, numa situação de dúvida, o julgador decida em favor do arguido.
26.ª Mostram-se provadas contradições - totais ou parciais - e, de todo o modo, incompatibilidades entre factos provados e factos provados, entre factos provados e não provados e entre factos provados ou não provados e a fundamentação probatória da matéria de facto, com natureza insanável ou irredutível, ou seja, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.
27.ª Tais vícios são patentes no próprio texto do douto Ac. recorrido e não passam despercebidos a um observador comum colocado na posição do homem médio.
28.ª Impunha-se uma decisão no sentido da absolvição do arguido pelo crime de tráfico de quantidades diminutas e pela sua condenação, tão só, por um crime de detenção de estupefacientes para consumo.
29.ª O Ac. recorrido não obedece aos padrões mínimos de fundamentação da sentença penal e, por isso, ferido de nulidade.
30.ª É excessiva e desproporcionada a pena aplicada ao crime de resistência e coacção.
31.ª O recorrente, quando foi surpreendido pelas agentes da Brigada de Narcóticos da PJ, deu três empurrões com o corpo, com o corpo (dois) e com a mão (um), em dois momentos distintos, a dois dos agentes que o tinham sob vigilância e assistiram à transacção, recusou-se a entrar no carro, obrigando os seus captores a recorrerem à força para o dominarem e, sendo de sete o número de agentes da Brigada de Narcóticos da PJ, constituindo uma força altamente preparada para diligências como a dos autos, a factualidade apurada não permitia o preenchimento do tipo legal de resistência e coacção em questão.
32.ª Da jurisprudência mais relevante quanto à dicotomia estabelecida entre o mero funcionário e o funcionário suposto ser altamente preparado para lidar com situações imprevistas resulta que os destinatários da coacção possuem, nalgumas das hipóteses deste tipo legal, especiais qualidades no que diz respeito à capacidade de suportar pressões e estão munidos de instrumentos de defesa que vulgarmente não assistem ao cidadão comum.
33ª Elementos das forças de segurança não são, para efeitos de atemorização, homens médios, pelo que o grau de violência ou ameaça necessários para que se possa considerar preenchido o tipo não há-de medir-se, por conseguinte, pela capacidade de afectar a liberdade física ou moral de acção de um homem comum.
34.ª A utilização do critério objectivo-individual (...) há-de assentar na idoneidade dessa violência ou ameaça para perturbar a liberdade de acção do funcionário.
35.ª A situação dos autos traduzi da em dois empurrões com o corpo a dois agentes da Brigada de Narcóticos da PJ não permite, ressalvado o devido respeito, a integração do ilícito do art. 311.º do CP.
36.ª A desproporcionalidade entre o coactor e os coagidos impõe a desvalorização da reacção concreta do arguido recorrente em termos de poder ela integrar o conceito de violência idónea para dificultar a acção policial e conduzir ao preenchimento do aludido tipo legal.
37.ª Reconhecidos que viessem a ser os vícios imputados ao Colectivo e excluídos que viessem a ser os crimes de tráfico de quantidades diminutas e de resistência e coacção ou um deles ou decidido o abaixamento da pena aplicada pelo segundo, e entendendo o TSI que poderia decidir da causa, sem necessidade de reenvio do processo, teria, ressalvado o devido respeito, que proceder à reformulação do cúmulo jurídico resultante da sua condenação pelos dois crimes excluídos do objecto do recurso.
38.ª Fazendo a aplicação das regras da punição do concurso de crimes restringida aos crimes de tráfico de quantidades diminutas e de detenção de cachimbos e outra utensilagem constantes do art. 71.º do C.P., a pena aplicável ao recorrente, na eventualidade da exclusão do crime do art. 311.º, deveria situar-se na pena global aproximada de 1 ano 5 meses e 23 dias.
39.ª O crime de resistência e coacção previsto no art. 311.º do C. Penal é punido com pena que oscila entre o 1 mês e os 5 anos e, atentos os actos do arguido, empurrão a dois agentes da PJ e recusa de entrar no carro da polícia, não assumiu uma gravidade que justificasse a pena de 1 ano e 3 meses de prisão.
40.ª A pena concretamente encontrada há-de ser uma consequência da concreta acção do agente, movimentando-se o julgador, dentro do escalão penal que oscila entre o 1 mês e os 5 anos, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
41.ª Pensa-se que, face à factualidade apurada no que respeita à actuação do agente, ela não revelou uma especial, gravidade que justificasse a medida concreta aplicada dentro do escalão penal respectivo, admitindo-se como suficientemente disuasora uma pena não superior a seis meses de prisão, do que resultaria, na aplicação das regras de quantificação feita pelo tribunal recorrido, uma pena global sensivelmente fixada no 1 ano e 9 meses de prisão.
42.ª Em qualquer das duas situações equacionadas, isto é, (a) o reconhecimento do vícios imputados à l.ª instância e excluídos que fossem os crimes de tráfico de quantidades diminutas e resistência e coacção - ou de um deles - e reformulado o cúmulo jurídico; ou (b) na improcedência dessa parte do recurso mas julgado subsistente o abaixamento da pena do segundo crime e a condenação do arguido; ou (c) ainda mesmo na hipótese limite da improcedência dos três degraus de impugnação que se deixaram descritos e na manutenção das penas parcelares e da pena global encontrada pelo tribunal recorrido se justificaria fazer a ponderação da suspensão de execução da pena.
43.ª O CP, no seu art. 64°., determina que o Tribunal dê preferência à pena não privativa da liberdade, desde que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
44.ª O Tribunal, colocado perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a 3 anos, não só deve fundamentar especificamente a pena concretamente aplicada como a denegação da suspensão da execução da pena.
45.ª O art. 65.º do mesmo Código manda atender, para o cálculo da medida da pena, dentro dos seus limites abstractos, à culpa do agente e às exigências de prevenção criminal e, nomeadamente, ao grau de ilicitude do facto.
46.ª O Exmº. Colectivo, estando colocado diante de um caso que permitia a opção entre a pena de prisão efectiva e a suspensão da pena, não ofereceu motivos suficientemente compreensíveis para a opção feita no sentido da primeira ao invés de pela segunda.
47.ª Os crimes por que foi condenado, tendo em atenção a sua actuação no mais gravoso, o de resistência e coacção, não podem considerar-se crimes de especial gravidade, pois esta antes de mais, pela medida da pena aplicável em concreto.
48.ª O terceiro crime por que foi condenado, de resistência e coacção mesmo na hipótese limite de, na improcedência dos dois degraus de impugnação, o crime não ser excluído (1.ª hipótese) ou não ver a sua pena concreta reduzida (2.ª hipótese) - mau grado a sua relativa gravidade, pois é punido com uma pena que pode atingir os 5 anos, foi executado de modo que não implica uma particular censura.
49.ª É de admitir que tenha tido influência na decisão o facto de se ter considerado que o recorrente é um estrangeiro que cometeu crimes em Macau, do que resultou, na perspectiva do tribunal recorrido, uma maior intensidade do dolo mas a nacionalidade não pode ser considerada um indício de um mais elevado grau de dolo por a tal consideração se opôr o ordenamento jurídico da RAEM na sua totalidade e, nomeadamente, a Lei Básica.
50.ª A suspensão da execução da pena depende da verificação cumulativa de dois pressupostos: um formal - exigindo-se que a pena de prisão aplicada não exceda 3 anos - outro material - consistindo num juízo de prognose, segundo o qual, o Tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclui que a simples censura do facto e a ameaça de prisão bastarão para afastar o delinquente da criminal idade, salvaguardando as exigências mínimas da prevenção geral.
51.ª No caso, mostra-se preenchido o pressuposto formal para a suspensão da execução da pena e terá que se concluir que, relativamente ao pressuposto material, o Tribunal recorrido não procedeu a uma avaliação de acordo com os padrões mínimos de fundamentação.
52.ª A ponderação da sua conduta anterior para recusar a suspensão da pena poderá ter sido consequência de uma citação desligada da norma, sendo certo que é delinquente primário, uma atenuante de relevo quando se trata de um indivíduo com 43 anos de idade.
53.ª No caso, a simples ameaça da pena de prisão cumpre a finalidade geral, ou seja, a protecção dos bens jurídicos em questão.
54.ª A finalidade primeira das penas reside na tutela dos bens jurídicos, devendo traduzir a sua aplicação a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da(s) norma(s) violada(s) pelo arguido, não se podendo, porém, perder de vista, na medida do possível, a reinserção social do arguido.
55ª Estão em questão, pois, não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois a opção feita pelo Exmo. Colectivo por uma pena de prisão efectiva, ao invés de uma pena alternativa de suspensão, dependeu de motivos que se ignoram de todo por não constarem da sentença e não serem susceptíveis de ser apreendidos.
56.ª Para justificar a sua opção pela pena de prisão efectiva ao invés de pela pena suspensa na sua execução, o tribunal recorrido fundou-se numa ponderação global dos crimes objecto do processo, praticados por outros arguidos que não têm qualquer relação com o recorrente.
57.ª A suspensão exige equilíbrio entre a retribuição e a prevenção geral (e a prevenção especial) e esse equilíbrio, in casu, está atingido, sabido que no Direito Criminal moderno -que não é, apenas, o direito de aplicar penas mas, sobretudo, um direito de moldar penas -, o julgador deve movimentar-se com a possível flexibilidade relativamente a determinadas vertentes: uma das que conta precisamente com o importante papel dessa flexibilidade, é a do instituto da suspensão da execução da pena.
58.ª A possibilidade legal de subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta com o fim de reparar o mal do crime, por um lado, e de facilitar a readaptação social, por outro, reforça o carácter pedagógico desta medida, a qual garante suficientemente a salvaguarda das exigências mínimas essenciais de defesa do ordenamento jurídico.
59.ª A culpa e a ilicitude foram graduadas em níveis não muito elevados, desaptadas ao caso.
60.ª O Ac. recorrido violou o disposto no artigos 48.° do CP e os artigos 64.° e 65.° do CPP. Violou, ainda, o art. 9.°, n.º 1 do DL 5/91/M e o art. 311.° do C. Penal, ao fazer a sua aplicação num caso que exigia a sua desaplicação.
62.ª Violou ainda o art. 23.° do DL 5/91/M ao não fazer a sua aplicação num quadro que a exigia.
63.ª Violou o princípio da igualdade dos cidadãos indepentemente da nacionalidade, o princípio in dubio pro reo e o princípio da proporcionalidade das penas.
PEDIDO
Nestes termos requer:
(a) caso se entenda estar este tribunal em condições de decidir a causa, seja dado provimento ao recurso e, em consequência, alterada a decisão recorrida e condenado o recorrente pelos crimes detenção de estupefacientes para consumo e detenção de cachimbos e outra utensilagem e absolvido do crime dos crimes de tráfico de quantidades diminutas e de resistência e coacção e, de qualquer modo, condenado em pena de prisão suspensa na sua execução, impondo-se-lhe certas obrigações ou fixando-se alguns dos deveres ou das regras de conduta previstos nos artigos 49.° e 50.° do Código Penal; ou
(b) caso se entenda não reunir este Tribunal condições decidir, a anulação do julgamento e o reenvio do processo.

    3.2. A Digna Magistrada do Ministério Público oferece a seguinte douta resposta, em sede conclusiva:
1 - O recorrente questionou a douta sentença recorrido o vício por insuficiência para a decisão da matéria de facto provado quanto ao crime de tráfico de quantidades diminutas e de resistência e coacção.
2 - N o que concerne ao crime de tráfico de quantidades diminutas, o recorrente põe em causa a douta sentença que o Tribunal a quo deu como facto provado que o recorrente adquiriu os estupefacientes não destinado ao seu consumo próprio confrontado com os utensílios localizados no gabinete do recorrente, incluído o cartão de saúde em nome do recorrente, alguns deixados indícios de ter sido utilizados para tomar droga, alegando que não se identifica qualquer acto de cedência de estupefaciente a terceira pessoa.
3 - Como se sabe só existe a insuficiência da matéria de facto provada, quando do texto da decisão não constam todos os factos pertinentes à subsunção no preceito penal incriminador por falta de apuramento de matéria, ou seja o vício ocorre quando se verifica uma lacuna no apuramento dessa matéria que impede a decisão de direito; quando puder concluir que sem ela não é possível chegar-se à solução de direito encontrada ou, quando o Tribunal não investigue tudo quanto à acusação, a defesa ou a discussão da causa suscitarem nos autos.
4 - Para enquadrar no crime de tráfico de quantidade diminuta exige que os factos dados como provados resultam o agente "cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcional a outrém, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 23º, substâncias e preparados dos estupefacientes proibidos em quantidade que não excede o necessário para o consumo individual durante três dias.
5 - Perante a comprovada aquisição e subsequente detenção pelo recorrente, e não legalmente autorizadas de um total de 1.524 g de Metanfetamina e 0.637 g de Metanfetamina e Anfetamina, parte não apurada não destinada para o seu consumo pessoal, é de accionar o tipo legal do crime de tráfico de quantidade diminuta.
6 - É manifestamente improcedente o fundamento do recurso que veio apenas discordar o que foi dado por provado pelo Tribunal a quo, ou seja, uma pretensão de contradizer o que foi consignado como assente na matéria de facto.
7 - No que respeita ao crime de coacção e resistência, o recorrente questionou os empurrões feito pelo recorrente aos agentes da Polícia Judiciária que a douta sentença do Tribunal a quo deu como facto provado, sejam violências ou ameaças idóneas para perturbar a liberdade de acção destes agentes militarizados.
8 - Nos termos do art. 311 ° do C.P.M.
"Quem empregar violência ou ameaça grave contra funcionário ou membro das forças de segurança para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão até 5 anos"
9 - Por violência entende-se todo o acto de força ou hostilidade que seja idónea a coagir o funcionário ou membro das Forças de Segurança. Há ameaça grave sempre que a acção afecte a segurança e a tranquilidade da pessoa a quem se dirige e seja suficientemente séria para produzir o resultado pretendido.
10 - In casu, o recorrente tem perfeito conhecimento de que esteja interceptado pelos agentes de autoridade, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções, ofereceu-lhes resistências e empurrões. Actos esses constituem violências idóneas capazes de levar os agentes não puderem exercer as suas funções de um modo livre.
11 - Não se verifica qualquer vício por insuficiência para a decisão da matéria de facto provado invocado pelo recorrente.
12 - O recorrente tente entrar numa matéria que lhe é vetada, ou seja está em causa o princípio de livre apreciação da prova segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e livre convicção do tribunal (art. 114° do C.P.P.M.)
13 - O recorrente questionou a douta sentença do tribunal a quo argumentando que dos factos apurados dá-se implicitamente por provado que o recorrente consumia estupefacientes, mas nos factos não provados deu-se como não assente.
14 - O vício de contradição insanável da fundamentação só se verifica quando se constata qualquer incompatibilidade, não ultrapassável da própria decisão do tribunal, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
15 - Que não é o presente caso.
16 - É manifestamente improcedente o fundamento do recurso que veio apenas discordar o que foi dado por provado pelo Tribunal a quo, ou seja, uma pretensão de contradizer o que foi consignado como assente na matéria de facto.
17 - O recorrente opõe a decisão do Tribunal a quo, discordando a medida da pena aplicada, reclamada a suspensão de execução da pena.
18 - Como se sabe, o bem jurídico que se procura proteger no tipo de crime de tráfico de quantidade diminuta prevista no art. 9° n.° 1 do Dec-Lei n°. 5/91/M de 28 de Janeiro é a saúde pública, na dupla vertente física e moral.
19 - Como tem sido entendido que o bem jurídico que se procura proteger no tipo de crime de resistência e coacção prevista no art°. 311° do C.P.M. é a tranquilidade pública e a protecção da autoridade pública no exercício das funções.
20 - Nos presentes autos, o recorrente negou os factos que lhe imputado, o grau de intensidade de dolo é intenso e as consequências são graves.
21 - Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art°. 65° a teoria da margem de liberdade, segundo o qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.
22 - A liberdade atribuída ao julgador na determinação da medida da pena não é arbitrariedade, é antes, uma actividade judicial juridicamente vinculada, uma verdadeira aplicação de direito.
23 - No que diz respeito a suspensão da execução da pena de prisão, nenhum elementos encontrados a favor do recorrente, dos autos não resulta uma prognose favorável ao recorrente, de modo que a tal suspensão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.
24 - Considerando a natureza dos crimes condenados, que provocou não só perigo para a saúde pública como também perturbar a ordem e a tranquilidade pública, contra a autoridade pública no exercício das funções, as exigências da sociedade pela reprovação, punição e prevenção desses crimes, cremos correcta a decisão recorrida que não decretou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
25 - A pena aplicada ao recorrente é justa e equilibrada.
26 - Pelo que, os tais fundamentos devem ser rejeitados.
Nestes termos, pede, deve ser julgado o recurso improcedente, mantendo-se o douto acórdão recorrido na íntegra.

4. O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
A nossa Exmª, Colega demonstra, cabalmente, a sem razão dos recorrentes.
E apenas vamos tentar complementar, num ou noutro ponto, as suas judiciosas considerações.
A 1ª arguida, ao invocar o erro notário na apreciação da prova, mais não faz, realmente, do que manifestar a sua discordância em relação ao julgamento da matéria de facto, afrontando o princípio da livre apreciação da prova estabelecido no art. 114º do C. P. Penal.
A pena que lhe foi aplicada, por outro lado, mostra-se justa e equilibrada.
O douto acórdão ponderou a actuação da recorrente no âmbito da norma do art. 18º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º, 5/91/M correspondente à do art. 18º da Lei n.º 17/2009.
E é incontroversa, “in casu”, a bondade do afastamento do benefício em apreço.
O Tribunal, de qualquer forma, não deixou de valorar a sua colaboração na fixação da respectiva medida concreta.
Mais longe, a nosso ver, é que não poderia ter ido.
A pena imposta ao 3º arguido não merece, também, qualquer reparo.
A seu favor, há a considerar, apenas, a confissão dos factos.
E essa circunstância tem um valor muito reduzido. Não se divisa, nomeadamente, que tenha contribuído, de qualquer forma, para a descoberta da verdade.
E, muito menos, que haja sido acompanhada de arrependimento.
Em termos agravativos, por seu turno, impõe-se realçar a quantidade e variedade da droga em causa.
O 4º arguido impugna, antes do mais, a sua condenação pelos crimes de resistência e coacção e tráfico de quantidades diminutas.
Cremos que não lhe assiste razão.
Deve ter-se como verificada, desde logo, a "violência" que o primeiro ilícito pressupõe.
É certo que "o critério de avaliação do grau de violência ou de ameaça para se considerar preenchido o (respectivo) tipo há-de assentar na idoneidade dessa violência ou ameaça para perturbar a liberdade de acção ao funcionário, sendo natural que uma acção integre o conceito de violência relevante nos casos em que o sujeito passivo for mero funcionário e seja desvalorizada quando utilizada para defrontar um militar" (cfr. ac. de STJ, de 18-02-2004, proc. n.º 2291/03/3ª - citado na motivação).
No caso presente, entretanto, a conduta do recorrente - dando, além do mais, empurrões aos agentes da P.J. integra o elemento em foco.
   Um outro entendimento poderia ter, aliás, efeitos perigosamente dissolventes.
   E emerge como líquida, igualmente, a prática do segundo ilícito.
   Não se vislumbra, realmente, como se frisa na resposta do Mapa, a existência de qualquer dos vícios do n.º 2 do art. 400º do citado C. P. Penal.
   E é descabida, do mesmo passo, a chamada à colação do princípio" in dubio pro reo".
   O Tribunal, na verdade, apenas chegou a uma situação de dúvida em relação ao crime de consumo.
   E não deixou de retirar, a propósito, as devidas consequências.
   As penas aplicadas pelos referidos ilícitos, por outro lado, não devem ter-se como excessivas.
   Nada de significativo se apurou em benefício do recorrente.
   O facto de ser primário, designadamente, tem um valor despiciendo.
   E, contra o mesmo, impõe-se realçar a grande intensidade de dolo que presidiu à sua actuação.
   A pena única, finalmente, não deve ser suspensa na sua execução.
   O condicionalismo apurado não propicia, efectivamente, uma prognose favorável à luz de considerações de prevenção especial.
   Não pode deixar de salientar-se que o recorrente se remeteu a uma negativa pertinaz.
   E esse comportamento inculca adequação dos factos à sua personalidade.
   As razões de prevenção geral contrariam, também, a aplicação da pena de substituição em questão.
   Em sede de prevenção positiva, há que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade relativamente à validade das normas violadas, através do "restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada ... " (cfr. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, 106).
   E, a nível de prevenção geral negativa, não pode perder-se de vista o efeito intimidatório subjacente a esta finalidade da punição.
   Não pode concluir-se, em suma, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
   O que vale por dizer que não se verifica o pressuposto material exigido pelo art. 48º, n.º 1, do C. Penal.
   Devem, pelo exposto, os recursos ser julgados improcedentes.
   
   5. Foram colhidos os vistos legais.

    II - FACTOS
Com pertinência, respiga-se do acórdão recorrido o seguinte:
“(...)
Factos provados:
1. A arguida D, sendo distribuidora de drogas (receptora), e o traficante de identidade desconhecida (“E” que usou o telefone n.º XX) (fornecedor) mandaram a arguida A a transportar, várias vezes, estupefacientes para Macau, dissimulando o acto através de comprimidos medicinais, medicamentos e frascos de medicamentos, com intenção de vender os respectivos estupefacientes em Macau pela arguida D, após a aquisição dos mesmos.
2. Sempre que a arguida D entregue à arguida A, no seu domicílio que sita na ZAPE, Edf. XX, Xº andar B, o dinheiro para a aquisição de estupefacientes, “E” combinaria com a arguida A sobre a hora e o local concreto em Zhuhai para realizarem a transacção de estupefacientes.
3. Antes de efectuar a transacção de estupefacientes, “E” metia antecipadamente as drogas no frasco de medicamentos, em seguida, entregava-o à arguida A e pagava-lhe entre RMB$100,00 e RMB$400,00 como “remuneração de transporte”.
4. Depois de ter transportado os estupefacientes para Macau, a arguida A contactava, no mesmo dia, com a arguida D e entregava-lhe os respectivos estupefacientes no referido domicílio da arguida D.
5. Em 5 de Março de 2009, a arguida D e “E” tornaram a pedir a arguida A para transportar os estupefacientes de Zhuhai para Macau.
6. Naquele dia, por volta das 15H00, a arguida D entregou à arguida A MOP$1.200,00 e HKD$1.300,00, posteriormente, a arguida A converteu essa quantia em RMB$2.164,00 e, às 17H00, deslocou-se a Zhuhai, a fim de adquirir estupefacientes de “E” no Hotel XX (XX酒店) e entregar-lhe a quantia acima referenciada, em contrapartida, recebendo RMB$100,00 como retribuição. Depois, às 18H16, a arguida A transportou os estupefacientes para Macau.
7. Por volta das 19H15, a arguida A foi interceptada por agentes da Polícia Judiciária na entrada do Edf. XX quando esta se deslocou ao domicílio da arguida D para entregar-lhe os estupefacientes.
8. Agentes da P.J. encontraram, in loco, na mala de mão da arguida A: um frasco plástico de medicamentos descerrado onde está escrito “Tong Kuai Pin (當歸片)”, contém na parte superior do mesmo 32 comprimidos de medicamentos, enquanto na parte inferior contém um saco plástico transparente com 9 saquetes de objectos cristalizados e existem no meio do frasco 6 sacos plásticos transparentes para separarem os respectivos comprimidos dos objectos cristalizados; dois frascos plásticos descerrados onde estão escritos “Bac Van San Foc Fong Chun Sam Lin Pin (白雪山复方穿心蓮片)”, contêm, respectivamente, 89 e 79 comprimidos de medicamentos; duas notas de RMB$100,00; e, uma agenda da cor azul.
9. Após o exame laboratorial, averigua-se que os referidos 9 saquetes de objectos cristalizados transparentes contêm “Metanfetamina” abrangida pela tabela II-B anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M (a actual Lei n.º 17/2009), com peso líquido de 3,425 gramas (após a análise de métodos quantitativos, verifica-se que a percentagem de “Metanfetamina” é de 66,28% e tem o peso de 2,270 gramas).
10. Os aludidos estupefacientes foram adquiridos pela arguida A de “E” em Zhuhai, com o objectivo de os entregar à arguida D; a referida nota de RMB$100,00 apreendida é a retribuição da arguida A pelo auxílio prestado por ela à arguida D e a “E” no transporte de estupefacientes; e, o referido telemóvel servia de instrumento de comunicação usado pela arguida A no transporte de estupefacientes.
11. No período em que a arguida A estava interceptada pela Polícia, a arguida D telefonou-lhe com o seu telemóvel, cujo número é XXX.
12. Depois, a arguida A colaborou voluntariamente com agentes da P.J., no sentido de combinar com a arguida D para entregar-lhe os estupefacientes na entrada do domicílio da mesma (Edf. XX).
13. Naquele dia, às 19H21, a arguida D, que estava a telefonar com o seu telemóvel à arguida A, foi interceptada por agentes da P.J. ao sair do Edf. XX.
14. Em seguida, agentes da P.J. apreenderam da arguida D um telemóvel de n.º XXX.
15. A arguida D pediu à arguida A para adquirir estupefacientes de “E”, com o objectivo de arranjar oportunidade de vender todos os estupefacientes a outras pessoas em Macau.
16. No mesmo dia, agentes da P.J. realizaram investigação no domicílio da arguida D, com a presença da mesma, sito no Edf. XX, Xº andar B, e encontraram um frasco plástico vazio onde estava escrito “Tong Kuai Pin (當歸片)” no caixote de lixo posto na porta do quarto do referido domicílio; um frasco plástico de medicamentos cerrado, onde estava escrito “Hau Tau Kuan Pin (猴頭菌片)”, que continha 100 comprimidos de medicamentos amarelos, e um outro frasco plástico de medicamentos descerrado, onde estava escrito “Hau Tau Kuan Pin (猴頭菌片)”, que continha também 100 comprimidos de medicamentos amarelos na gaveta da mesa de cabeceira do quarto; 69 palhinhas e 1 rolo de papeis de alumínio no roupeiro do quarto; e, 1 telemóvel, HKD$2.800,00 e MOP$1.400,00 na mala de mão posta em cima da cama.
17. O frasco plástico vazio e os frascos plásticos com medicamentos acima referidos são instrumentos usados pela arguida D para empacotar e esconder os estupefacientes, bem como dissimular o tráfico de drogas por ela praticado. As palhinhas e os papeis de alumínio supracitados são instrumentos de consumo de drogas fornecidos pela arguida D aos compradores dos estupefacientes que são conhecidos por “Ice”. O dinheiro e os dois telemóveis supramencionados são instrumentos de comunicação e que foram adquiridos pela arguida D na prática do tráfico de drogas.
18. Após a detecção do caso em apreço, devido a que a arguida A se recusou a transportar estupefacientes para Macau, “E” arranjou B para transportar estupefacientes para Macau a partir de 9 de Março de 2009, a fim de manter o tráfico de drogas, e, pela indicação de “E”, o arguido B responsabilizou-se pela entrega de estupefacientes aos compradores ou a outros distribuidores de drogas (receptores) e pela recolha do dinheiro de venda de estupefacientes.
19. Às vezes, “E” mandava um indivíduo de identidade desconhecida, chamado “H”, a trazer do Interior da China para o arguido B pães ou aparelhos de VCD em que foram escondidos os estupefacientes.
20. O arguido B escondia os estupefacientes no seu domicílio, sito na ZAPE, Edf. XX, Xº andar F, e esperava o telefonema e as indicações de “E” para proceder à transacção de drogas; simultaneamente, usava telemóvel n.º XXX para contactar com “E” e os compradores de estupefacientes.
21. Mais, o arguido B registava todas as informações do tráfico de drogas na folha de papel ou na agenda, simbolizando os estupefacientes “Ice” por quadrado e “Magu” por círculo.
22. Em 16 de Março de 2009, às 16H47, o arguido C telefonou a “E”, pedindo-lhe fornecer estupefaciente “Ice” no valor de $3.000,00 e combinando que seja feita a transacção nas proximidades do “XX Hotel”.
23. Em 8 de Abril de 2009, às 15H54, o arguido C telefonou a “E”, pedindo-lhe fornecer estupefaciente “Ice” no valor de $3.000,00 e combinando que seja feita a transacção nas proximidades da “Sauna XX (XX桑拿)”.
24. Em 8 de Abril de 2009, às 15H56, 16H12 e 16H22, o arguido B atendeu o telefonema de “E”, onde foi ordenado por “E” para levar 5 saquetes de estupefacientes “Ice” até a entrada da “Sauna XX (XX桑拿)” e vendê-los ao arguido C pelo preço de $3.000,00.
25. Em 30 de Abril de 2009, no período entre 16H36 e 16H44, o arguido B contactou com o arguido C e efectuou a referida transacção de drogas.
26. Em 30 de Abril de 2009, às 17H22, o arguido C telefonou a “E”, pedindo-lhe fornecer estupefaciente “Ice” no valor de $3.000,00 e combinando que seja feita novamente a transacção na “Sauna XX (XX桑拿)”.
27. Em 30 de Abril de 2009, às 17H23, 17H24, 17H27 e 17H39, “E” contactou com o arguido B, pedindo-lhe meter 4 saquetes de estupefacientes “Ice” num pacote e levá-los até “Sauna XX (XX桑拿)” para serem vendidos ao arguido C pelo preço de $3.000,00.
28. Às 17H55, o arguido B chegou à entrada da “Sauna XX (XX桑拿)” e telefonou ao arguido C, com o telemóvel n.º XXX, para combinar sobre a realização da transacção de drogas.
29. Às 18H05, o arguido C chegou ao referido local combinado e teve encontro com o arguido B.
30. Em seguida, os dois arguidos deslocaram-se ao passeio junto do n.º XX da Rua Cidade de Coimbra e, naquela altura, o arguido B entregou ao arguido C um saco de estupefacientes que estava dentro dum pacote de lenço de papel e, em contrapartida, o arguido C pagou-lhe HKD$3.000,00.
31. Finda a transacção, os dois arguidos foram interceptados por agentes da P.J. que estavam anteriormente permanecidos naquele local a observá-los.
32. Na dada altura, o arguido C resistiu à detenção, deu empurrões e choque corporal ao agente da P.J., I, ao mesmo tempo, gritou em voz alta “a polícia bateu nas pessoas”, com intenção de atrair atenção de outrem.
33. O arguido C, aproveitando a situação confusa causada pela multidão que se aproximou dele, tirou do bolso direito do seu fato os objectos cristalizados escondidos dentro dum pacote de lenço de papel e deitou-os para o chão, em seguida, pretendia dar pontapé naqueles objectos com o pé esquerdo. Mesmo que agentes da P.J. mandassem parar o acto, o arguido C continuou a empurrá-los e só parou de resistir quando agentes da P.J. usaram de violência.
34. Depois, agentes da P.J. prepararam conduzir o arguido C até o posto da P.J. para efeito de investigação, mas este resistiu em entrar no carro e deu choque corporal ao agente J que estava ao lado dele; e, após o uso de violência, agentes da P.J. conseguiram finalmente metê-lo no carro de Polícia.
35. Após o exame laboratorial, averigua-se que os referidos objectos cristalizados deixados no chão contêm “Metanfetamina” abrangida pela tabela II-B anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M (a actual Lei n.º 17/2009), com peso líquido de 1,524 gramas (após a análise de métodos quantitativos, verifica-se que a percentagem de “Metanfetamina” é de 71,16% e tem o peso de 1,084 gramas).
36. Os aludidos estupefacientes foram adquiridos pelo arguido C dum indivíduo de identidade desconhecida, que não foram destinados ao consumo pessoal.
37. Em seguida, agentes da P.J. realizaram investigação no domicílio do arguido B, com a presença do mesmo, sito na ZAPE, Edf. XX, Xº andar F, e encontraram na parte inferior da cama que estava no quarto do arguido B: uma caixa metálica verde onde foram colocados 1 saco plástico com 6 saquetes de pós brancos, 1 saco plástico com 6 saquetes de objectos cristalizados, 1 saco plástico que continha 1 saquete com 5 comprimidos da cor de rosa e 4 saquetes de plantas herbáceas, e 1 saco plástico com 52 comprimidos vermelhos; uma caixa de papel preta onde foram colocados 1 saco plástico com 47 saquetes de objectos cristalizados transparentes, 1 saco plástico com 13 saquetes de pós brancos, 1 saco plástico com 47 saquetes de objectos cristalizados transparentes, 1 saco plástico com 90 comprimidos vermelhos, 1 saco plástico com 62 sacos plásticos transparentes (dos quais haviam 4 sacos plásticos do tamanho médio-grande, 16 sacos do tamanho médio e 42 sacos do tamanho pequeno); 74 palhinhas; 1 rolo de papéis de alumínio; e uma folha de papel onde foram registadas as informações do tráfico de drogas. Encontraram-se na gaveta do toucador do quarto: 1 agenda; 1 cartão de embarque da “Air Asia”; 1 factura de venda a pronto; 1 nota de abonos e 3 cartões do telefone. Encontraram-se no roupeiro do quarto: 1 Passaporte da R.P.C. cuja titular é K; 1 aparelho de VCD com a parte exterior danificada.
38. Após o exame laboratorial, averigua-se que os referidos 6 saquetes de pós brancos contêm “Ketamina” abrangida pela tabela II-C anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M (a actual Lei n.º 17/2009), com peso líquido de 11,833 gramas (após a análise de métodos quantitativos, verifica-se que a percentagem de “Ketamina” é de 78,61% e tem o peso de 9,302 gramas), além disso, entre 6 saquetes de objectos cristalizados supracitados: 1 saquete de objectos cristalizados transparentes contêm “Metanfetamina” abrangida pela tabela II-B anexa ao mesmo Decreto-Lei, com peso líquido de 0,474 gramas (após a análise de métodos quantitativos, verifica-se que a percentagem de “Metanfetamina” é de 72,11% e tem o peso de 0,342 gramas) e os outros 5 saquetes de objectos cristalizados amarelos contêm “Metanfetamina”, com peso líquido de 3,235 gramas (após a análise de métodos quantitativos, verifica-se que a percentagem de “Metanfetamina” é de 70,17% e tem o peso de 2,270 gramas). Os referidos 5 comprimidos da cor de rosa contêm “Ketamina”, com peso líquido de 1,134 gramas; 4 saquetes de plantas herbáceas contêm “Canabis” abrangida pela tabela I-C anexa ao mesmo Decreto-Lei, com peso líquido de 6,866 gramas; 52 comprimidos vermelhos contêm “Metanfetamina”, com peso líquido de 4,781 gramas (após a análise de métodos quantitativos, verifica-se que a percentagem de “Metanfetamina” é de 15,28% e tem o peso de 0,731 gramas); 47 saquetes de objectos cristalizados transparentes contêm “Metanfetamina” e “Anfetamina”, com peso líquido de 18,613 gramas (após a análise de métodos quantitativos, verifica-se que a percentagem de “Metanfetamina” é de 65,21% e tem o peso de 12,138 gramas); 13 saquetes de pós brancos contêm “Ketamina”, com peso líquido de 35,344 gramas (após a análise de métodos quantitativos, verifica-se que a percentagem de “Ketamina” é de 77,64% e tem o peso de 27,441 gramas); 47 saquetes de objectos cristalizados transparentes contêm “Metanfetamina”, com peso líquido de 18,995 gramas (após a análise de métodos quantitativos, verifica-se que a percentagem de “Metanfetamina” é de 65,86% e tem o peso de 12,510 gramas); 90 comprimidos vermelhos contêm “Metanfetamina”, com peso líquido de 8,263 gramas (após a análise de métodos quantitativos, verifica-se que a percentagem de “Metanfetamina” é de 15,05% e tem o peso de 1,244 gramas).
39. Os aludidos estupefacientes foram adquiridos pelo arguido B de “E”, com a finalidade de obter lucro por meio de fornecimento de drogas a outras pessoas em conformidade com as indicações dadas por “E”; os referidos 62 sacos plásticos são instrumentos de embalagem de estupefacientes usados pelo arguido B na prática do tráfico de drogas; as 74 palhinhas e 1 rolo de papeis de alumínio acima referidos são instrumentos de consumo de drogas fornecidos pelo arguido B aos compradores dos estupefacientes; a agenda, o aparelho de VCD e os cartões do telefone supramencionados são instrumentos usados pelo arguido B na prática do tráfico de drogas.
40. Em seguida, agentes da P.J. realizaram investigação no escritório do arguido C, com a presença do mesmo, sito no NAPE, n.º XX, China Civil Plaza, XXº andar XX, e encontraram no armário de documentos do referido escritório uma mala de viagem onde se descobriram: 1 rolo de papeis de alumínio; 2 tampas de frasco (com dois buracos pequenos); 1 chave de fenda; 1 tesoura; 1 faca; 1 alicate; 1 rolo de adesivos pretos; 1 alicate para unhas; 1 cartão plástico de assistência médica em que está escrito o nome C; 2 isqueiros; 4 palhinhas; e 1 caixa metálica verde. Na referida caixa metálica verde encontrou-se 1 saco de objectos cristalizados brancos.
41. Após o exame laboratorial, averigua-se que os referidos objectos cristalizados encontrados no interior da caixa metálica verde contêm “Metanfetamina” e “Anfetamina” abrangidas pela tabela II-B anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M (a actual Lei n.º 17/2009), com peso líquido de 0,637 gramas; e verifica-se que nas referidas palhinhas estão pegadas as substâncias da “Metanfetamina”.
42. Os aludidos estupefacientes foram adquiridos pelo arguido C dum indivíduo de identidade desconhecida, que não foram destinados ao consumo pessoal; e, os papeis de alumínio, as tampas de frasco, a chave de fenda, a tesoura, a faca, o alicate, o rolo de adesivos pretos, os isqueiros, as palhinhas e o cartão plástico de assistência médica são instrumentos de consumo de drogas.
43. Em seguida, agentes da P.J. realizaram investigação no domicílio do arguido C, com a presença do mesmo, sito na Taipa, Nova City, Torre XX, XXº andar A, e encontraram em cima da mesa do bar que estava na sala de estar do apartamento em apreço 22 sacos plásticos transparentes.
44. Os referidos 22 sacos plásticos transparentes são instrumentos de embalagem de estupefacientes usados pelo arguido C no fornecimento de drogas a outras pessoas.
45. No mesmo dia, agentes da P.J. encontraram na posse do arguido B RMB$1.300,00, HKD$3.000,00 (dinheiro pago pelo arguido C para a aquisição de drogas) e um telemóvel de n.º XXX.
46. O dinheiro e o telemóvel supramencionados são instrumentos de comunicação e que foram adquiridos pelo arguido B na prática do tráfico de drogas.
47. No mesmo dia, agentes da P.J. encontraram na posse do arguido C um telemóvel de n.ºs XXX (número de Macau) e XXX (número de Hong Kong).
48. O referido telemóvel é instrumento de comunicação usado pelo arguido C na aquisição de drogas.
49. Os arguidos A, D, B e C agiram livre, voluntária e deliberadamente os actos supracitados.
50. Os arguidos A, D, B e C tinham perfeito conhecimento sobre a natureza e as características dos estupefacientes em apreço.
51. A arguida A transportava e oferecia os aludidos estupefacientes a outrem, com a finalidade de obter interesse pecuniário.
52. A arguida A colaborou com agentes da P.J. e auxiliou concretamente na recolha de provas, contribuindo finalmente para a identificação e captura da arguida D.
53. A arguida D adquiriu estupefacientes, com intenção de oferecer e vendê-los a outras pessoas.
54. O arguido B adquiriu estupefacientes, com intenção de fornecer e vendê-los a outras pessoas, a fim de obter interesse pecuniário.
55. O arguido C sabia perfeitamente que não podia empregar violência ou ameaça grave contra funcionário, com o intuito de se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções.
56. O arguido C comprou, adquiriu e deteve, pelo menos três vezes, os referidos estupefacientes, com a finalidade de oferecer parte destes a outrem.
57. O arguido C detinha os referidos instrumentos e equipamentos de consumo de drogas, tais como, papeis de alumínio, tampas de frasco, chave de fenda, tesoura, faca, alicate, rolo de adesivos pretos, isqueiros, cartão plástico de assistência médica e palhinhas, e alguns destes foram já usados para consumir drogas, mesmo que soubesse que isso não era permissível.
58. Os arguidos A, D, B e C sabiam perfeitamente que a conduta supramencionada era punida e proibida por lei.
*
Os quatro arguidos são primários em conformidade com o certificado de registo criminal.
Alegada a 1ª arguida que é a auxiliar que leva comida take away, auferindo o salário mensal de cerca de MOP$5.600,00, fica a seu cargo o seu marido que sofre de apoplexia. Tem como habilitações literárias o 1º ano do ensino secundário geral.
As situações social, familiar, educacional e económica da 2ª arguida são incógnitas.
Alegado o 3º arguido que, antes de ficar preso preventivamente, era desempregado. Tem o pai a seu cargo e tem como habilitações literárias o 2º ano do ensino primário.
Alegado o 4º arguido que é comerciante, auferindo mensalmente uma receita de HKD$100.000,00 a HKD$150.000,00, tem a esposa e três filhos a seu cargo; tem como habilitações literárias o mestrado.
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Factos não provados:
Não foram provados os restantes factos relevantes constantes da acusação que não se conformam com os factos provados, designadamente:
- Os estupefacientes encontrados no escritório do arguido C foram adquiridos por ele do arguido B, com a finalidade de guardar uma parte para o consumo pessoal;
- O arguido C usou os papeis de alumínio, as tampas de frasco, a chave de fenda, a tesoura, a faca, o alicate, os adesivos pretos, os isqueiros, as palhinhas e o cartão plástico de assistência médica, que foram encontrados no seu escritório, para consumir drogas.
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Convicção do Tribunal:
A 1ª arguida prestou declarações na audiência de julgamento, onde admitiu que tinha prestado auxílio a “E” e a D para transportar objectos para Macau, mas negou que na altura estava ciente que os objectos trazidos com ela eram drogas, mais negou que tinha previsto que os respectivos objectos eram provavelmente drogas. A 1ª arguida não respondeu a seguinte questão: porque é que ela nunca duvidou sobre o acto de que “E” e D compraram um frasco de “Tong Kuai Pin (當歸片)” e dois frascos de “Bac Van San Foc Fong Chun Sam Lin Pin (白雪山复方穿心蓮片)” pelo preço de dois mil e tal Renminbis e depois pagaram-lhe um montante elevado como “remuneração de transporte”.
A 2ª arguida foi ausente no julgamento.
O 3º arguido B prestou declarações na audiência de julgamento, onde confessou, livremente e fora de qualquer coacção, que tinha praticado o tráfico de drogas.
O 4º arguido prestou declarações na audiência de julgamento, onde negou integralmente os factos que lhe foram imputados. O 4º arguido especificou que naquele dia teve contacto com o arguido B para ver telemóvel, uma vez que antes tinha contactado com “E” para comprar o telemóvel Virtus de segunda mão pelo preço de $3.000,00 enquanto o novo custava $30.000,00. O 4º arguido afirmou que não era consumidor de drogas, nem comprava ou recebia quaisquer estupefacientes.
O 3º arguido B confirmou que, naquele dia, tinha entregado duas vezes os estupefacientes “Ice” ao 4º arguido C (cada vez com quantia que custava $3.000,00), mais confirmou que os estupefacientes encontrados no chão eram aqueles que, anteriormente, foram entregues por ele ao 4º arguido e, também, foi o 4º arguido que tinha deitado os estupefacientes no chão. Declarado o 3º arguido que não havia ódio entre ele e o 4º arguido.
Agentes da P.J. prestaram declarações na audiência de julgamento, onde relataram expressa e objectivamente o decurso da intercepção da 1ª arguida; da captura da 2ª arguida pela colaboração da 1ª arguida; da observação da transacção feita entre o 3º e o 4º arguidos; da resistência à detenção feita pelo 4º arguido e das empurrões e choque corporal dada pelo mesmo a agentes da P.J.; da realização da busca no domicílio do 3º arguido e da detecção de drogas; da detecção de vários sacos plásticos no domicílio do 4º arguido; da detecção da mala de viagem no escritório do 4º arguido e que foi aberta pelo mesmo com chave, para efeito de investigação.
A testemunha G, sendo amiga da 1ª arguida, alegou na audiência de julgamento que sabia que a 1ª arguida era “Soi Hac (水客)”, ajudando as outras pessoas a transportar mercadorias, por isso, a testemunha aconselhou-a a ter cuidado com que fosse aproveitada por delinquentes.
As testemunhas L e M prestaram declarações na audiência de julgamento, onde confirmaram que no dia 30 de Agosto, pelas 18H30, o 4º arguido estava com eles numa reunião importante em MGM. As duas testemunhas também contaram sobre a personalidade do 4º arguido.
A testemunha N declarou que chegou a morar em casa do 4º arguido, mais referiu que os respectivos sacos plásticos serviam para colocar cartões.
A testemunha D alegou que era namorada do 4º arguido; a respectiva mala de viagem foi posta por ela em casa do 4º arguido, mas, enfim, foi removida pelo mesmo. A testemunha não conseguiu explicar como é que o 4º arguido possui a chave da mala de viagem em apreço.
A testemunha O declarou sobre a personalidade do 4º arguido, sobretudo ele mostrou-se bastante entusiasmado em participar nas actividades cáritas.
O relatório do exame laboratorial constante dos autos verificou as espécies e os respectivos pesos dos estupefacientes contidos nas substâncias apreendidas.
Analisadas objectiva e sinteticamente as declarações prestadas na audiência de julgamento pelos três arguidos e testemunhas, conjugado com as provas documentais, objectos apreendidos e as demais provas apreciados na audiência, este Tribunal Colectivo formou a sua convicção.
*
3. Motivos e determinação da pena
Motivos:
Pelos factos provados, embora a 1ª arguida A tivessem perfeito conhecimento sobre a natureza e as características dos respectivos estupefacientes, ainda prestava auxílio a “E” e à 2ª arguida D a transportar livre, voluntária e conscientemente, por várias vezes, os estupefacientes e, uma dessas vezes, transportava drogas que continham Metanfetamina, com o peso líquido de 2,270 gramas.
Sendo assim, a arguida A praticou, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de drogas, p. e p. pelo art.º 8º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, é punida com pena de prisão de 8 a 12 anos e multa de 5.000,00 a 700.000,00 patacas.
A 2ª arguida D praticou, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de drogas, p. e p. pelo art.º 8º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, é punida com pena de prisão de 8 a 12 anos e multa de 5.000,00 a 700.000,00 patacas.
O 3º arguido B detinha grande quantidade de drogas e vendia-as a outras pessoas. Excluindo as drogas que foram já entregues ao 4º arguido, o 3º arguido detinha Ketamina com o peso líquido de 37,877 gramas, Metanfetamina com o peso líquido de 26,936 gramas e Canabis com o peso de 6,866 gramas. O 3º arguido oferecia os respectivos estupefacientes a outrem, mesmo que soubesse a natureza dos mesmos. O referido arguido praticou, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de drogas, p. e p. pelo art.º 8º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, é punido com pena de prisão de 8 a 12 anos e multa de 5.000,00 a 700.000,00 patacas.
O 4º arguido C comprava e detinha drogas. Apurou-se que uma parte das drogas compradas e detidas pelo referido arguido era destinada ao fornecimento a outras pessoas, em vez de consumo pessoal, contudo não foi confirmada a quantidade concreta da aludida parte de drogas, pelo que lhe foi imputado o crime de tráfico de quantidades diminutas; mais, ainda não se comprovou que uma outra parte de drogas detida pelo referido arguido era destinada ao consumo pessoal, por isso, nos termos da interpretação mais favorável ao arguido, perante essa parte de factos, não lhe foi imputado o crime de tráfico de drogas.
Deste modo, o 4º arguido praticou:
Em autoria material de na forma consumada, de um crime de tráfico de quantidades diminutas, p. e p. pelo art.º 9º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, é punido com pena de prisão maior de 1 a 2 anos ou multa de 2.000,00 a 225.000,00 patacas; e
- Absolverá o arguido dum crime de aquisição ou detenção ilícita de drogas para consumo pessoal, p. e p. pelo art.º 23º, al. a) do Decreto-Lei n.º 5/91/M por não ser provado.
Mais, o arguido C detinha os instrumentos de consumo de drogas, tais como, as tampas de frasco, a chave de fenda, a tesoura, o alicate, os isqueiros, as palhinhas e o cartão plástico, que já foram usados para o consumo de drogas. Independentemente da intenção do arguido em usar propriamente os referidos instrumentos para o consumo de drogas ou a intenção de fornecê-los a outras pessoas, o respectivo acto constitui o crime de uso indevido de cachimbos e outra utensilagem, p. e p. pelo art.º 12º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, é punido com pena de prisão de até 1 ano ou multa de 500,00 a 10.000,00 patacas.
Ao 4º arguido foi imputado um crime de resistência e coacção, p. e p. pelo art.º 311º do Código Penal.
Os elementos constitutivos do crime de resistência e coacção são: 1) Empregar violência ou ameaça grave; 2) Impedir o pessoal da Administração a exercer, de forma livre e bem sucedida, a suas funções, ou obrigá-lo a praticar acto contrário aos seus deveres.
Sub judice, o 4º arguido, mesmo que soubesse perfeitamente que foi interceptado por agentes da P.J. que estava a exercer as suas funções, ainda tentou impedir o pessoal da Administração a exercer as suas funções, bem como resistiu com toda a força e deu empurrões e choque corporal aos respectivos agentes, com intenção de fugir da Polícia. A violência empregada pelo arguido é adequada e suficiente para impedir os agentes da Polícia a exercer, de forma livre, ordinária e bem sucedida, as suas funções. Finalmente, não são considerados elementos constitutivos do crime de resistência as questões: conseguir ou não resistir às funções exercidas pelo respectivo pessoal da Administração; e ter causado ou não lesão corporal aos trabalhadores da Função Pública.
Assim sendo, o acto do referido arguido constitui o crime de resistência e coacção, p. e p. pelo art.º 311º do Código Penal, é punido com pena de prisão de 1 mês a 5 anos.
(...)”

    III - FUNDAMENTOS

A - Recurso de A
    1. Vêm colocadas duas questões:
    - Vício do erro notório na apreciação da prova
- Medida da pena

2. Quanto à primeira das questões a 1ª arguida, A, ao invocar o erro notário na apreciação da prova, mais não faz do que manifestar a sua discordância em relação ao julgamento da matéria de facto, afrontando o princípio da livre apreciação da prova estabelecido no art. 114º do C. P. Penal.
Para se poder conhecer desse vício, não abrindo a lei processual penal as portas a uma reapreciação ilimitada da prova nesta Instância, tal vício tem de se evidenciar a partir dos elementos constantes dos autos.
Vejamos então se do texto e contexto do acórdão recorrido e demais elementos dos autos se evidentia tal erro de apreciação.
Começa a recorrente por dizer que o Tribunal a quo não devia ter dado como provado o teor do artigo 1º dos factos provados, nomeadamente, quanto ao facto de que a arguida D mandou a recorrente transportar, várias vezes, estupefacientes para Macau, dissimulando o acto através de comprimidos medicinais, medicamentos e frascos de medicamentos, uma vez que, na audiência de julgamento, a recorrente negou sempre que sabia que os objectos por ela trazidos eram drogas e, também, negou que tinha previsto que os respectivos objectos eram provavelmente drogas, para além de que a 2ª arguida D esteve ausente na audiência de julgamento e, quando foram lidas as respectivas declarações, não se indicou que a recorrente soubesse que os objectos supracitados eram drogas.
Como está bem de ver, mal andaria a Justiça se os Tribunais acreditassem cegamente nas declarações das testemunhas e, pior ainda, dos próprios arguidos.
Se é verdade que há arguidos condenados que não deixaram de proclamar até ao limite a sua verdadeira inocência, não é menos verdade que não há menos condenados que apregoam até à morte a sua falsa inocência.
Depois, quanto ao elemento subjectivo do tipo, trata-se de um facto do foro íntimo, de conceptualização intelectual que não tem demonstração directa. Por palavras algo toscas, não se pode abrir a cabeça de uma pessoa e saber o que ela pensa, quer, sente.
A factualidade dessa ordem há-de corresponder a um processo lógico-dedutivo que o Tribunal deve elaborar a partir das diferentes provas de forma a poder concluir pela sua verificação.
Não se deixa de observar até que o Tribunal teve a preocupação em explicar como chegou a essa conclusão, ao motivar a sua convicção, nomeadamente balanceando uma remuneração alta paga pelos frascos transportados e o pagamento de uma remuneração também elevado pelo transporte desses mesmos frascos.
Para além de que houve ainda outras provas que não terão deixado de contextualizar e integrar a actuação da arguida, tudo isso ajudando o Tribunal a formar a sua convicção necessariamente aí lógico dedutiva e que não se mostra infirmada pela argumentação ora submetida à apreciação deste Tribunal.
Além disso, com base ainda na mesma argumentação, a recorrente põe em causa a matéria fixada nos artigos 49º, 50º e 51º.
Ainda aqui a argumentação da recorrente não abala as conclusões a que o Tribunal chegou, na medida em que se trata aí de matéria fáctico conclusiva que vem na sequência dos outros factos concretamente descritos e não se afastam das regras que ditam um encadeamento e interpretação normal dos factos praticados.
Sendo de registar ainda que o argumento de que a arguida não se sujeitaria a praticar tais actos tão graves apenas por MPOP 100,00 não colhe, na medida em que a racionalidade não explica o cometimento de crimes, muitas vezes a sua prática até se mostra irracional e incompreensível, para além de que, no caso sempre podia estar um valor remuneratório acima das MOP 100,00, que podia ir até MOP400,00 (cfr. art. 3º da matéria de facto), não sendo de desprezar que uma reiteração de condutas dessa natureza, tudo somado, até já podia ter uma expressão mais significativa em termos de valor es auferidos.

3. Da medida da pena
   A punição seria excessivamente pesada, violando o disposto nos art.ºs 40º e 65º do Código Penal
A recorrente alega não ser alta a intensidade do dolo, eram pouco graves o meio e as circunstâncias da prática do crime, além disso, colaborou com a P.J. na captura da 2ª arguida D e recusado o transporte de drogas, por isso, considerou que era excessivamente pesada a pena que lhe foi aplicada, violando assim os dispostos nos art.ºs 40º e 65º do Código Penal.

A afirmação da pequena gravidade da conduta da arguida fica com ela; a essa afirmação pode-se rebater com a afirmação contrária, bastando pensar que foi por acção dela que a droga foi introduzida em Macau e chegava aos destinatários finais com todos os malefícios daí advindos.
E tanto mais grave quanto pela mera acção de transporte, não deixaria de ser fácial à arguida livrar-se dessa incumbência, não se vislumbrando uma razão de peso para essa incumbência, face até às razões remuneratórias que estaria subjacentes a esse transporte.
De qualquer forma, importa não esquecer que a pena se situou apenas a um ano, mais um ano do que a pena mínima de 3 anos, face a uma moldura abstracta de 3 a 15 anos.
A colaboração, tal como revelado no acórdão não deixou de ser atendida em sede de comportamento posterior ao cometimento do crime.
Vistos os critérios legais constantes dos artigos 40º e 65º do CP, a pena encontrada equilibrada, face à ilicitude e à culpa do caso concreto, bem com à necessidade de protecção dos bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade.
Este recurso não deixará, pois, de improceder.
    

B - Recurso de B
1. Fundamentalmente este 3º arguido, discorda da pena concretamente encontrada, por ser ser primário e por ter confessado, na audiência de julgamento, a prática do crime de tráfico de drogas. Acha que a pena de 7 anos e 9 meses de prisão que lhe foi aplicada é excessivamente pesada, entendendo ter havido violação dos artigos 40º e 65º do Código Penal.
    
    2. A pena concreta deve reflectir os critérios plasmados nos artigos 40º e 65º do C. Penal.
    A lei aponta quais as finalidades das penas no artigo 40º do C. Penal:
   
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.”

    Daqui se colhe a interpretação sintetizada na afirmação de Roxin1, delimitando o sentido e limites do direito penal, como “protecção subsidiária de bens jurídicos e prestação de serviços estatais, mediante prevenção geral e especial que salvaguarde a personalidade no quadro traçado pela medida de culpa individual.”
    
    Sentido tanto mais reforçado quanto ganha foros programáticos logo no preâmbulo do Dec.-Lei 58/95/M de 14/Nov. ao proclamar-se que o Código Penal assenta as “suas prescrições na liberdade individual e na correspondente responsabilização de cada um de acordo com o princípio da culpa”, enaltecendo-se o “sentido pedagógico e ressocializador do sistema penal, respeitando os direitos e a personalidade dos condenados” enquanto “repare a violação dos bens jurídicos protegidos e sirva de referência tranquilizadora para a comunidade.”
    
    Por outro lado, os critérios legais para a determinação da pena concreta, são os previstos no art. 65º, n.º 1 do C. Penal, onde se enfatizam as razões já proclamadas relativas aos fins das penas, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”.

3. Perante estas linhas orientadoras, descendo ao concreto, o recorrente é um homem sem emprego, oriundo do Interior da China e que aqui praticou crimes que abalam e intranquilizam muito a Sociedade.
Não é um ignorante, a quantidade de produto estupefaciente é muito expressiva, importando não esquecer o número de pessoas que podiam ser abrangidos por esse malefício.
A confissão não se mostra relevante, já que os factos evidenciavam por si a prática do crime.
O modus operandi é muito repovável e essa reprovação é exponenciada pela introdução em Macau de produtos estupefacientes em quantidade e diversidade expressiva.
A primariedade, sendo uma atenuante, não assume especial relevância, para mais desacompanhada do trajecto desta pessoa em concreto.
Fortíssimas razões de prevenção geral se impõem na presente situação, vista a abertura da RAEM ao exterior e daí a sua vulnerabilidade.
Aquelas razões de prevenção geral ganham assim uma dimensão incontornável e devem sobrelevar para desincentivar quem quer que tenha alguma veleidade em fazer algum dinheiro por essa via.
A pena encontrada, no quadro fáctico encontrado e na conjuntura concreta, não se mostra desajustada.
    Não assiste, pois, razão ao recorrente na argumentação deduzida.
    
    C – Recurso de C
1. São as seguintes questões que cabe apreciar:
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - quanto aos crimes de tráfico de quantidades diminutas e de resistência e coacção
     - Contradição insanável na fundamentação
     - Erro de julgamento
      - Erro na apreciação da prova; livre apreciação da prova; compreensão da convicção
     - Violação do princípio in dubio pro reo
     - Medida da pena
     - Suspensão de execução da pena
    
1. A propósito da insuficiência expende o recorrente em linhas gerais a seguinte argumentação:
    Face à matéria dada como provada pelo Tribunal, o arguido C adquiriu o referido produto estupefaciente, em quantidade diminuta, mas não o destinava ao seu consumo.
    No seu gabinete de trabalho foi descoberta no interior de uma mala de viagem alguns objectos e utensílios, incluindo o cartão de saúde com o seu nome, com vestígios de Metanfetamina e Anfetamina, sendo utilizados para o consumo de tais produtos estupefacientes.
    Em sua casa a Polícia descobriu 22 sacos plásticos transparentes, que seriam usados para embalar drogas fornecidas pelo arguido a terceiros.
    O recorrente não destinava tal produto ao seu próprio consumo.
    Perante este quadro fáctico começa o recorrente por estranhar que, contrariando as regras da lógica e da experiência comum, sem se dar a conhecer o respectivo iter cognoscitivo, o Tribunal tenha extraído arbitrariamente esta última conclusão, tudo levando a crer que ele seria consumidor de tais produtos.
    Isto, porque o produto adquirido era o mesmo do encontrado na mala que estava no seu gabinete de trabalho;
    não se demonstrou qualquer envolvimento num acto de cedência a terceiro a qualquer título;
    não se demonstrou que o seu gabinete de trabalho fosse repartido por outrem;
    O destino dos sacos bem podia ser compatibilizado, nada vindo provado da sua conexão com os estupefacientes, com qualquer outra afectação;
    Uma testemunha até chegou a dizer que morou na residência do arguido e nada viu, por alguns períodos e lhe chegou a pedir para utilizar alguns sacos para meter cartões de jogo e aquele nem sabia que os tinha;
    Assume foros de pura ficção o dar-se como provado que pelo menos três vezes o arguido C adquiriu e possuiu as drogas referidas para fornecer parte delas a terceiros, sem se haver demonstrado, sequer por aproximação, um único acto de cedência;
    Os elevados rendimentos, a actividade profissional de Director Executivo, o seu grau académico de nível superior, a sua situação familiar e o ser pai de três crianças desenvolvida pelo arguido não se compaginam com tal actividade e com tais conclusões;
    Todo este quadro impunha a dúvida quanto às conclusões atingidas pelo Colectivo do TJB e levariam a concluir que o arguido também era um consumidor de droga.
    Para concluir ainda o recorrente:
    “A decisão recorrida mostra-se, em consequência, ferida pelos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (esta em articulação com erro de julgamento) e da contradição insanável da fundamentação, previstos, respectivamente, nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 400.º do C. P. Penal.”
    
    3. Ainda que não identificado como tal, afigura-se que o recorrente, face a tais aparentes incongruências e inconcludências terá em mente a invocação do vício de erro na apreciação da prova.
    Chegados a este ponto, analisemos, então, cada um dos vícios de per se colocados explicita ou implicitamente.
    
    4. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
    Ainda que correctamente caracterizado este vício, falha o recorrente na sua concretização, quando o pretende integrado no caso “subjudice”.
    No que se refere à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada invocada, resulta dos termos em que o é feito pelo recorrente, que o mesmo incorre em erro quanto à estrutura de tal vício, confundindo-o com a eventual insuficiência da prova produzida para se poder ter por estabelecida a factualidade apurada pelo Tribunal recorrido. A al. a) do nº. 2 do artigo 400º do CPP refere-se à insuficiência da matéria de facto provada indispensável à decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito da livre apreciação da prova (art. 114º do CCC), que é insindicável em reexame da matéria de direito.2
    
    Ou seja, é indispensável que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada.
    Em suma, para que este fundamento se tenha por verificado é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.3
    Daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 114º), que é insindicável em reexame da matéria de direito.
    Ocorre este vício quando, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição.
    Chama-se aqui muito sumariamente a Jurisprudência do TUI4, definidora de princípios orientadores, ao sancionar a doutrina no sentido de que ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando, no decurso da audiência, resulta fundada suspeita da verificação de factos relevantes e necessários para uma boa decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, mas não descritos na acusação ou na pronúncia, e que não importem uma alteração substancial dos factos descritos e o tribunal os não considera na sentença, não procedendo nos termos do art. 339.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal.
    Ou numa outra asserção, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada só ocorrerá quando, da factualidade vertida na dita decisão, se colher faltarem elementos que, podendo e devendo serem indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de não condenação.5
    Para que este fundamento se tenha por verificado é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.6
    

    5. Mas atentemos na integração do vício a que o recorrente procede.
    Diz ele que o vício imputado resulta de uma lacuna já verificada na acusação, a qual não imputa um qualquer acto concreto de cedência de estupefacientes a terceiro por parte do recorrente, no que respeita ao crime de tráfico de quantidades diminutas, nem descreve factos que preencham o tipo legal de resistência e coacção.
    A questão que se coloca é a de saber se a cedência a terceiros é um facto qua tale, ou se terá de ser concretizada de forma a descrever o circunstancialismo detalhado de tempo, lugar e modo que preencha aquele facto.
    Temos para nós que só um excesso, pernicioso, de garantismo imporia tal descrição em todas as situações de tráfico de estupefacientes (no sentido mais amplo da lei), contentando-se a norma com uma formulação apresentada como residual em relação todas as formas de manipulação do produto, desde que não destinado ao consumo próprio.
    Como se percebe facilmente seria impossível descrever todas as transacções feitas por um traficante de alto coturno, ainda que ele fosse apenas apanhado com alguns quilos de droga e nem se provasse sequer uma única cedência.
    Toda a gente compreenderia que uma acusação se contentaria com uma formulação genérica de destino a terceiros.
     O que é diferente de descrever apenas esse facto - e há factos que por sua vez são o desenvolvimento de outros -, sem que houvesse mais nada, ou seja que se afirmasse tão somente que se acusava X porque tinha droga para ceder a Y e Z, sem que se descrevessem os factos que apontassem para aquele facto conclusivo, embora facto, ainda.
    Ora, não é isso que se passa no nosso caso. Descrevem-se os factos de aquisição da droga, o circunstancialismo e comprovação de um consumo e afirma-se o destino a terceiros.
    Aliás, e aí tem razão o recorrente, tal produto só podia ter duas finalidades usuais: o consumo próprio ou a cedência a terceiros. Em termos algo ilógicos ainda podia ocorrer uma terceira finalidade, qual seja a do desperdício, isto é, para deitar fora, o que se pode configurar apenas em termos de racionalidade, ainda que não razoável, mas que não é despiciendo descurar se se configurar uma situação de desistência dos propósitos inicialmente prosseguidos, ainda que apenas relevante a partir de um certo momento.
    Ora, o que se diz é que a droga era destinada a terceiros, o que terá acontecido pelo menos três vezes.
    Isto é um facto. Como se chega até ele, essa é outra questão e aí entraremos no domínio da prova.
    Adiante lá voltaremos.
    
    6. Mas o arguido diz ainda que, quando se entenda não ter havido lacuna e se afaste o vício da insuficiência, verifica-se erro de direito no enquadramento jurídico dos factos.
    Para além de uma referência a um acórdão deste TSI, o recorrente limita-se a enunciar a existência de erro de direito sem o concretizar.
    Sinceramente, se pretende dizer que a factualidade comprovada não integra o elemento objectivo e subjectivo do tipo de crime do tráfico de quantidades diminutas não tem razão na medida em que todos esses elementos constam da acusação e do acórdão.
    
    7. Da apontada contradição insanável na fundamentação
    Como é jurisprudência uniforme, entende-se que existe contradição insanável quando se verifica um incompatibilidade entre factos dados como provados, bem como entre facto dados como provados e factos não provados, como entre os factos provados e não provados e a fundamentação probatória da matéria de facto, desde que se apresente insanável ou irredutível, ou seja que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.7

    O arguido encomendou a droga.
    O arguido foi o comprador e foi buscá-la a um determinado lugar e a uma determinada hora, até nem muito longe do deu local de trabalho.

Sublinha o recorrente que se dá como provado que o recorrente foi o adquirente da droga, mas não a destinava ao seu consumo.
    Sobre este ponto não há incompatibilidade entre este dois factos. Essa é até a prática entre consumidores em conjunto ou individualmente. Há um que vai buscar para os outros.
    Depois, foi a Polícia ao seu escritório e que aí encontrou os utensílios, objectos e vestígios, pertença do arguido, daí resultando provado que o arguido utilizava os instrumentos e utensilagem para consumo, uma vez que se não provou que mais alguém tivesse acesso ao seu gabinete e fosse lá consumir.
    Também se afigura não haver aqui contradição. Basta pensar em alguém que fosse muito próximo ou do relacionamento do arguido para usar tais utensílios no seu próprio consumo, não vindo comprovado que ninguém deixou de aceder ao gabinete do arguido ou aos objectos que estavam na sua mala, ali ou noutro local.
    Por não se ter provado que alguém ali entrou também não resulta provado o contrário; isto é que ninguém ali entrou.
    
    Sobre os sacos, ter-se-á consignado que se destinavam a acondicionar estupefacientes para venda, quando podiam ter outras utilizações, era um contrasenso a droga estar num local e os sacos em sítio diverso e se não tivesse comprovado um único acto de cedência.
    Antes de mais, frisa-se, que o acórdão não deu como provado que os referidos sacos eram para acondicionar estupefacientes para venda.
    Depois, se é verdade que os sacos podiam ter outro destino, também não é menos certo que podiam servir para tal.
    Então, aí, estaremos com uma dificuldade que é a da apreciação da prova, podendo dizer-se que não se comprovou tal destino. Mas para isso é necessário demonstrar o erro do Tribunal e ele, por si só não se evidencia, nem tem este tribunal meios de reapreciação, não se evidenciando tal erro.
    Cabe a este propósito referir que a reapreciação da matéria de facto pressupõe a observação do disposto no art. 402º, n. º3 - o que não se mostra observado no presente caso - e sempre a ocorrência de um vício referido no art. 400º, n.º 2, conforme dispõe o art. 415º, n.º 1 do CPP.
    Donde termos de ter sempre por assente a matéria que vem comprovada, mesmo a considerar a eventualidade de evidência de algum dos referidos vícios.
    Continuemos, pois, a descortinar a existência de algum vício que inquine a decisão proferida.
    
    8. O facto de não se comprovar um acto de cedência em concreto não significa que tal não se possa extrair da restante factualidade apurada.
    Tal como na maior parte dos crimes, eles são cometidos ao abrigo da verificação presencial por outrem; esconde-se o criminoso e esconde-se o crime para que possa passar impune.
    Do facto não provado do destino das drogas para seu consumo pessoal e do facto de possuir instrumentos e utensilagem pretende o recorrente retirar uma contradição insanável, mas ainda aí não lhe assiste razão.
    Não se deu como provado que as drogas se destinavam ao seu consumo, bem as podendo destinar a terceiros, tal como com a utensilagem a si pertencente.
    Contrariamente ao afirmado, não se diz que o arguido utilizava aqueles objectos para tomar drogas, mas sim que elas eram destinadas ao consumo de drogas. São realidades completamente diferentes.
    Quanto ao número de 3 vezes em que pelo menos terá adquirido também não impressiona a argumentação do recorrente.
    Desde logo a convicção do Tribunal não se mostra abalada e são insondáveis, que não insindicáveis, os concretos pressupostos de tal convicção. E até num mero ensaio, não é difícil conceber que uma da vezes foi materializada com a droga adquirida, outra com a droga consumida a partir dos vestígios da utensilagem apreendida no seu escritório, outra em encomendas anteriores, não sendo despiciendo referir que um dos arguidos identifica claramente o arguido ora recorrente como um adquirente de produto estupefaciente.
    
    9. Há um aspecto que merece alguma atenção e respeita à afirmação no acórdão recorrido de que não é evidente que o arguido possuía parte das drogas para consumo próprio, por isso esta parte não pode ser considerada como tráfico de drogas, conforme interpretação mais favorável ao arguido.
Aqui admite-se, afirma o recorrente, a possibilidade de o arguido recorrente destinar parte dos estupefacientes para consumo próprio.
E nós diremos que não.
O Tribunal afirma claramente que pelo menos uma parte era para outrem; na dúvida sobre se o restante seria para seu consumo, absolve o arguido. Não há aqui contradição. O Tribunal enuncia uma certeza e uma dúvida; se se remove a dúvida quanto ao destino de uma parte para consumo próprio, então isso significa que toda a droga era para terceiros.
É legítima e prudente a formulação do Tribunal e estranha-se até que o arguido venha esgrimir com uma não condenação por um crime de consumo de estupefacientes, para daí retirar benefício, quando foi ele próprio que assumiu peremptoriamente a negação quanto ao cometimento de tal crime em julgamento.
O facto de ter sido absolvido não significa que não fosse consumidor. De uma absolvição não se comprova o facto contrário à integração típica do crime em causa. Se o arguido é absolvido de um crime, tal não significa a prova dos factos contrários. Se se prova que A é absolvido de um crime, tal significa tão somente que se não provou que tenha praticado os factos. Uma coisa é a realidade das coisas e outra é a sua demonstração. Pelo facto de se não lograr provar algo, tal não significa que isso não tenha acontecido.
Falece assim ainda neste segmento razão ao recorrente.

10. Assim se entra na análise de um outro capítulo que o recorrente designa por violação do princípio in dubio pro reo, pretendendo ainda que seja nula a sentença e se decrete a anulação do julgamento.
“Não se afigura possível a ultrapassagem de uma dúvida razoável sobre as conclusões atingidas pelo tribunal recorrido, sendo que a dúvida teria sempre de funcionar a favor do arguido e não contra este. Impunha-se uma decisão favor libertatem e não favor societatem. A qual, no caso, teria de se ter traduzido na absolvição do arguido pelo crime de tráfico de quantidades diminutas e pela sua condenação, tão só, por um crime de detenção de estupefacientes para consumo.
É o que decorre, seja do princípio in dubio pro reo, seja do princípio da aplicação mais favorável da lei criminal,”
diz o recorrente.

11. A propósito do princípio in dubio pro reo, tratando de desenhar os contornos desse princípio e a sua relação com o da livre apreciação das provas pelo tribunal, é verdade que a solução pro reo dos casos de dúvida ou empate judicial apresenta-se como uma quase constante teórica do património cultural da humanidade.

A ideia segundo a qual é preferível absolver um culpado a condenar um inocente aparece, com estas mesmas palavras em inúmeros documentos do pensamento filosófico e jurídico.
Mas o que deve entender-se por dúvida insanável a motivar uma decisão «pro reo»?
Não é, naturalmente, qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido.

Se a verdade que se procura é, uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais , mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.
Uma tal convicção existirá quando e só quando – parece-nos este um critério prático adequado, de que se tem servido com êxito a jurisprudência anglo-americana – o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável. Não se tratará pois, na convicção, de uma mera opção voluntarista pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável, ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para que pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse.

12. Rebatendo as dúvidas, tal como configuradas pelo recorrente, diremos que facilmente elas são removíveis.
E aqui volvemos alguns passos atrás, onde se elencaram as perplexidades suscitadas pelo recorrente, para dizer que aquilo que parece fugidio ganha foros de certeza quando se constata ser manifestamente desproporcionada uma over reaction do arguido, aquando da intercepção pela Polícia no acto de aquisição, não sendo normal, isso sim, que uma pessoa tão bem colocada social e economicamente reagisse assim, negasse um ilícito de menor gravidade, quer quanto à mera detenção, quer quanto ao consumo, fizesse acusação pública injusta contra a actividade de interceptação da Polícia, persistisse nessa postura, mesmo em julgamento, para agora vir afirmar que afinal era consumidor.
Refugia-se o recorrente numa argumentação que não colhe de todo. Como podia ele, pessoa tão bem posicionada, ser um traficante de droga? Convenhamos que se trata aqui de um conceito legal de traficante onde se inclui a actividade de mera cedência ou transporte de produto estupefaciente desde que não seja para consumo próprio.
Todos sabemos que essa adição perpassa pelos mais altos estrato da sociedade, não sendo ignorado que certas elites do mundo da arte, da finança, da música, da cultura, são por vezes consumidoras de estupefacientes e é com eles que se libertam e enfrentam os desafios dos seus diferentes e exigentes desempenhos.
Nada de estranho aí, no que concerne ao recorrente.
Estranho é, estranha foi a sua postura de negação de algo que parecia evidente e de menor monta.
Mas daí a retirar que é inconsistente a conclusão de cedência a terceiros, não há elementos que permitam afirmar que houve erro do Tribunal. O quadro fáctico apurado compagina-se perfeitamente com essa tese, corroborado até pelo depoimento da testemunha D que disse ser namorada do recorrente e que a mala onde foram encontrados os elementos probatórios respeitantes ao consumo lhe pertencia.
Procurando descortinar friamente, como cabe a um Tribunal, sinceramente que tudo bate certo.
É verdade que tudo aponta - e aí tem razão o recorrente - para que também ele fosse consumidor. Só que foi ele que abriu as portas a tal tese, sendo que em caso algum, dessa absolvição não pode retirar proveito, já que a versão restante que comprovada vem subsiste por si só. O que se pode dizer é que também devia ter sido condenado pelo consumo; não se evidencia erro ou abalada a convicção formada pelo Tribunal de que também cederia a outrem.

    13. Da pretensa insuficiência da matéria de facto para a decisão relativamente ao crime de resistência e coacção
A partir da matéria de facto apurada deu-se como assente que o recorrente, quando foi surpreendido pelas agentes da Brigada de Narcóticos da Polícia Judiciária deu três empurrões com o corpo (usando o ombro em duas situações e a mão noutra), em dois momentos distintos, a dois dos agentes que o tinham sob vigilância e assistiram à transacção, recusou-se a entrar no carro, obrigando os seus captores a recorrerem à força para o dominarem.
Afigura-se ao recorrente que tal factualidade não permite o preenchimento do tipo legal em questão, porque era de sete o número de polícias, estariam os agentes altamente preparados para lidar com situações imprevistas, equipados com armas que lhes conferem a natureza de uma força policial altamente preparada, encontravam-se de vigilância e atalaia no local, porque tinham interceptado comunicações telefónicas entre dois arguidos, por cuja chegada ao local da transacção esperavam a todo o momento, razão porque se mostra verificada, na situação, a aludida desproporcionalidade entre o coactor e os coagidos, o que impõe a desvalorização da reacção concreta do arguido recorrente em termos de poder ela integrar o conceito de violência idónea para dificultar a acção policial virada para a intercepção e detenção dos dois arguidos, incluído o recorrente e conduzir ao preenchimento do aludido tipo legal.
Afigura-se-lhe, pelo exposto, dever ser o recorrente absolvido do aludido crime.

14. Não acompanhamos esta brilhante tese, pela razão simples de que na previsão típica da norma contida no art. 311º do CP se fala apenas em violência ou ameaça grave.
A conduta observada preenche a primeira das alternativas, não sendo de pressupor que a violência tenha de ser grave ou expressiva.
Basta que seja violência.
A este propósito actualizamos as palavras do Exmo senhor Procurador Adjunto:
«Deve ter-se como verificada, desde logo, a "violência" que o primeiro ilícito pressupõe.
É certo que "o critério de avaliação do grau de violência ou de ameaça para se considerar preenchido o (respectivo) tipo há-de assentar na idoneidade dessa violência ou ameaça para perturbar a liberdade de acção ao funcionário, sendo natural que uma acção integre o conceito de violência relevante nos casos em que o sujeito passivo for mero funcionário e seja desvalorizada quando utilizada para defrontar um militar"8No caso presente, entretanto, a conduta do recorrente - dando, além do mais, empurrões aos agentes da P.J. integra o elemento em foco.
   Um outro entendimento poderia ter, aliás, efeitos perigosamente dissolventes.»
Atentemos na concretização dessa violência para que não restem dúvidas:
O arguido resistiu à detenção;
Deu empurrões e choque corporal ao agente da PJ I, ao mesmo tempo, gritou em voz alta “a polícia bateu nas pessoas”;
Mesmo que agentes mandassem parar o acto, o arguido C continuou a empurrá-los e só parou de resistir quando os agentes usaram de violência;
...
Mas este resistiu ao entrar no carro e deu choque corporal ao agente J que estava ao lado dele; e, após o uso de violência, agentes da PJ conseguiram finalmente metê-lo no carro de Polícia.
A violência do arguido está bem patenteada na descrição e só pela violência teve de ser sustada.

15. Face a todo o exposto, prejudicado fica o conhecimento de nulidade da sentença, anulação do julgamento ou do sugerido reenvio.

16. Da medida da pena
Que a pena é excessiva e desproporcional. Sugere uma pena de 6 meses de prisão para o crime de resistência e coacção e que o cúmulo devia ser fixado entre o mínimo de 1 ano e 5 meses de prisão e os 2 anos e 15 dias, resultante das penas concretamente aplicadas.
Não se afigura que o seja.
O Tribunal fixou a pena ao nível do primeiro quarto da moldura abstracta para o crime de resistência e coacção.
Em termos parcelares só esta pena se mostra impugnada.

17. A pena concreta não deixa de reflectir os critérios plasmados nos artigos 40º e 65º do C. Penal.
    
    A lei aponta quais as finalidades das penas no artigo 40º do C. Penal:
    “1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.”

    Daqui se colhe a interpretação sintetizada na afirmação de Roxin9, delimitando o sentido e limites do direito penal, como “protecção subsidiária de bens jurídicos e prestação de serviços estatais, mediante prevenção geral e especial que salvaguarde a personalidade no quadro traçado pela medida de culpa individual.”

    
    Por outro lado, os critérios legais para a determinação da pena concreta, são os previstos no art. 65º, n.º 1 do C. Penal, onde se enfatizam as razões já proclamadas relativas aos fins das penas, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”.

18. Perante estas linhas orientadoras, descendo ao concreto, a gravidade do caso é algo expressiva.
Se desproporção houve foi na conduta do arguido que como pessoa socialmente responsável persistiu numa conduta muito censurável, para mais, forjando uma actuação ilegítima e ilícita da autoridade, procurando até concitar animosidade dos passantes contra a autoridade.
Ora isto é muito grave e não se compagina com uma personalidade de respeitabilidade que o recorrente procura transmitir.
A violência por si usada gerou violência.
Foi usada contra diferentes agentes e continuada no tempo.
A pena não se tem por excessiva ou desproporcionada, como correcto se mostra o cúmulo, tudo visto e ponderado com a globalidade dos factos e a personalidade do arguido.
    
    19. Pugna o recorrente pela suspensão da execução da pena de prisão.
    Ainda aqui sem razão.
    Basicamente o critério que deve presidir à suspensão da execução da pena é o de um juízo em termos tais que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
    
    O que decorre do disposto no art. 48° do C. Penal que prevê:
   
    “1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão.”
    
    Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável, ou seja, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e de que não cometerá no futuro nenhum crime10.
    
    20. E como se pode formular esse juízo perante uma atitude de confrontação e negação aberta e frontal do arguido, para mais tarde se desdizer, pretendendo tirar proveito dessa atitude pouco frontal.
    Que atenuantes, confissão ou arrependimento o arguido pode oferecer ao Tribunal, perante a sua pertinaz obstinação em negar evidências?
    
    Qual a sua atitude colaboradora com a Justiça?
    Não se vê como se possa suspender a pena a este homem em concreto, visto o descrito circunstancialismo e o seu quadro comportamental, sócio, familiar e económico.
    Para já não falar das necessidades de reforço da imagem da autoridade perante a Comunidade.
    
    Os crimes relacionados com a condução e o reforço do respeito pelas ordens das autoridades traduzem um desvalor que está muito presente e a que a Comunidade é muito sensível. O peso e a força da autoridade, aqui e agora, é um factor não estigmatizante, mas um valor muito preservado no nosso ordenamento jurídico.
    
    A sociedade não estaria descansada se este arguido não cumprisse a pena que lhe foi imposta.
    
    Assim se afasta a possibilidade de suspensão, não merecendo qualquer censura a decisão recorrida.
    
    Nestes termos, face a tudo o que fica exposto, o recurso do arguido C não deixará de improceder.

    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento aos diferentes recursos, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pelos recorrentes com taxas de justiça de 4 Ucs para a 1ª, 6 Ucs para o 3º e 8 Ucs. para o 4º arguido.
    Fixam-se aos Exmo Defensores Oficiosos, a título de honorários, a quantia de MOP 1300,00, a adiantar pelo GABPTUI.
Macau, 2 de Dezembro de 2010,
João A. G. Gil de Oliveira (Relator)
Tam Hio Wa
Lai Kin Hong
1 Ob. cit. pág. 43.
2 - Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal de Macau, 1997, pág. 820
3 - Germano Marques da Silva, Processo Penal III, 1ª ed., 325
4 - Proc. 7/2002, de 30/5/2002, proc. 3/2002, de 20/3/2002
5 - Ac. do STJ de 14/03/2002, proc. nº. 3261/01-5
6 - Germano Marques da Silva, Processo Penal III, 1ª ed., 325
7 - cfr. Acórdão do TSI de 29 de Maio de 2003, proc. n.º 100/2003 e ainda, entre muitos outros, Acórdão do TSI de 27 de Março de 2002, proc. n.º 228/2001; de 16 de Março de 2000, proc. n.º 25/2000; de 7 de Março de 2002, proc. n.º 228/2001; de 13 de Fevereiro de 2003, proc. n.º 181/2002; de 20 de Março de 2003, proc. n.º 90/2002; de 20 de Março de 2003, proc. n.º 8/2003; de 25 de Setembro de 2003, proc. n.º 1/2003
8 - cfr. ac. de STJ, de 18-02-2004, proc. n.º 2291/03/3ª - citado na motivação

9 Ob. cit. pág. 43.
10 - JESCHECK, citado a fls. 137 do Código Penal de Macau de Leal-Henriques/Simas Santos
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