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Processo nº 758/2010
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar A, com os sinais dos autos, pela prática de um crime “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n° 4, al. a) do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos, sob a condição de, no prazo de 1 ano, pagar ao ofendido/assistente B a indemnização no montante de HKD$920.000,00.

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Inconformado, o assistente B recorreu.
Motivou para concluir que:
“1. O presente Acórdão viola o disposto no art. 65°, do Código Penal, por erro de direito na graduação da medida da pena concretamente aplicável ao arguido, pois deveria ter sido aplicada a pena de prisão efectiva ao arguido pelo crime de que vem acusado.
2. O presente Acórdão viola os pressupostos legais para a suspensão da execução da pena de prisão previstos no art. 48°, do Código Penal.
3. O arguido agiu com premeditação para espoliar o assistente e depois de obter o montante aproximado de HKD$1.000.000,00 apropriou-se ilegitimamente dessa quantia e fugiu, saindo de Macau imediatamente no mesmo dia, o que revela a intenção de inverter o título da posse do dinheiro que lhe havia chegado às mãos com base na confiança que astuciosamente o mesmo tinha fingido merecer, no único intuito de lograr viciosamente o aqui assistente /recorrente.
4. Não se pode de forma alguma aceitar que o Douto Tribunal a quo descurasse estas altamente censuráveis circunstâncias de facto, pois apenas aplicou ao arguido uma punição que se revela patentemente ineficáz , por desadequada, em termos de prevenção geral e especial, sempre atendendo ao risco de perda de confiança da comunidade na vigência efectiva das normas jurídicas violadas e à perigosidade que a conduta do agente/arguido oferece para a segurança do tráfego jurídico e paz e ordem públicas.
5. Considerando as circunstâncias supra referidas (o montante do prejuízo patrimonial é muito elevado e o arguido pôs-se a monte), a culpa do arguido é maior, o grau de ilicitude do dano causado pelo arguido e a intensidade do dolo são muito graves e elevadas, sendo que a sua confissão, no caso presente, não pode ser tida como manifestação de arrependimento, uma vez que o mesmo nada fez para evitar, ou mesmo diminuir, as consequências danosas da sua conduta, sendo esta confissão, portanto, um mero ardil para conquistar, como conseguiu, a benevolência do Tribunal a quo, para mais facilmente se escapulir e novamente se pôr a monte, para evitar manhosamente, o cumprimento da injunção que sobre ele impende.
6. Razão pela qual, no que respeita à graduação da medida da pena aplicada, resulta à transparência do Dispositivo do Aresto ora posto em crise não terem sido consideradas estas circunstâncias extremamente importantes para apurar a medida da culpa do arguido.
7. É de notar que o montante burlado/espoliado é uma enorme quantia, quase sete vezes superior ao mínimo montante do valor legalmente tido por consideravelmente elevado e que colocou a vítima numa situação de graves e difíceis condições económicas (cfr. art. 196°, alínea b), do Código Penal).
8. Os crimes desta gravidade devem ser punidos com uma pena suficiente, proporcional e adequada para ameaça especial que constituem para a confiança da comunidade na vigência efectiva das normas violadas, e, consequentemente, da segurança dos seus bens patrimoniais, bem como para acautelar também a justiça social, sem a qual o prestígio dos tribunais é gravemente afectado.
9. O presente Acórdão viola o art. 355°, n° 2 do Código de Processo Penal, na parte onde referido está que na sentença deve constar uma enumeração dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.
10. O presente Acórdão, enquanto acto decisório, viola o dever de fundamentação, previsto no art. 87°, n° 4, do Código de Processo Penal, o que o infirma de nulidade nos termos do art. 360.°, n.°1 , do mesmo diploma legal.”; (cfr., fls. 295 a 306).

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Respondendo, conclui o arguido (recorrido) que:
“1) Os Juízes do Tribunal Colectivo a quo proferiram acórdão em 28 de Julho de 2010, e o prazo para interposição do recurso termina em 7 de Setembro de 2010, mas o assistente apenas recorreu em 8 de Setembro de 2010, por isso, o recurso é extemporâneo e deve ser rejeitado.
2) Atendendo a que o recorrido é primário, confessou, por iniciativa própria, os factos que lhe foram imputados e manifestou-se arrependido, os Juízes do Tribunal Colectivo a quo condenaram-no na pena de prisão de 2 anos e 6 meses. Mais, atendendo à personalidade do recorrido, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, os Juízes do Tribunal Colectivo a quo entenderam que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que, nos termos do art.º 48º, n.º 1 do Código Penal, se suspende a execução da pena supra referida por 3 anos, sob condição de pagar ao assistente a indemnização no montante de HKD$920.000,00, e, é necessária a apresentação, dentro de 1 ano, do comprovativo do pagamento integral e efectivo da indemnização.
3) Os Juízes do Tribunal Colectivo a quo, nos termos do art.º 355º, n.º 2 do Código Penal (sic), fundamentaram a aplicação da pena logo a seguir ao relatório no acórdão.
4) Se existir alguma relação directa entre a aplicação ou não da pena de prisão efectiva ao recorrido que prestou confissão por iniciativa própria e manifestou-se arrependido, e a indemnização de HKD$920.000,00 obtida pelo assistente?
5) Neste momento, o recorrido está a juntar dinheiro com os seus familiares para que possa efectuar o pagamento a pronto da indemnização ao assistente, já que seria revogada a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi decretada, caso o recorrido não conseguir apresentar o comprovativo do pagamento integral e efectivo da indemnização, dentro de 1 ano contado desde o trânsito em julgado do acórdão.
6) Não se deve considerar pena como instrumento de ódio e vingança.
7) Uma das finalidades da pena é a reintegração do agente na sociedade.
8) A essência da pena não consiste em retribuir a crimes, mas sim em concretizar certas finalidades; in casu, os Juízes do Tribunal Colectivo a quo causaram receio ao recorrido e a outros membros da sociedade através da aplicação da pena ao recorrido, e, a partir daí, ninguém tem a coragem de se dedicar à criminalidade, realizando assim as finalidades da pena.
9) Dada uma visão geral ao acórdão, não verificamos a existência de qualquer prejuízo provocado ao interesse do assistente.
10) Nos termos do art.º 391º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não pode recorrer quem não tiver interesse em agir. Assim sendo, deve rejeitar-se o recurso interposto, uma vez que o assistente não tem interesse em agir nem legitimidade para recorrer.”; (cfr., fls. 313 a 318 e 354 a 362).

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Remetidos os autos a este T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exm° Representante do Ministério Público o seguinte Parecer:
“No âmbito do presente recurso, afigura-se-nos, desde logo, não deterem qualquer consistência as alegações, no domínio dos vícios formais alegados, quer pelo recorrente, quer pelo recorrido.
Com efeito,
- no que respeita à tempestividade, basta a mera consulta do 'fax" enviado para o tribunal por parte do recorrente (fls 284) para constatar ter o mesmo sido enviado a 7/9/10, revelando-se, inequivocamente tempestivo o recurso interposto;
- relativamente à legitimidade do recorrente, cremos revelar-se evidente o interesse processual pessoal, directo e imediato do mesmo, quer quanto à medida concreta da pena aplicada, quer quanto à fixação e forma de processamento do quantitativo indemnizatório fixado, razão por que mal se compreende a alegação a este nível;
- finalmente, não sendo exigível que o tribunal exponha, pormenorizada e completamente, todo o raciocínio lógico que seguiu ou indique individualmente os meios e prova em que fundou a sua convicção para dar como provados ou não provados determinados factos, constata-se, através da motivação externada pelo acórdão em crise, ter sido dado devido cumprimento ao estipulado pelo n° 2 do art° 355° CPPM, com indicação - ao contrário do pretendido pelo recorrente - dos fundamentos de facto e de direito que, congruentemente, conduziram à condenação do arguido e ao estabelecimento da pena concreta aplicada, não merecendo, pois, reparo o douto acórdão quanto à fundamentação.
Como o não merece, em nosso critério - pese embora a posição doutamente assumida pela Exma colega junto da 1ª instância - a determinação da medida concreta da pena àquele aplicada.
Atenta a moldura penal abstracta do ilícito imputado, todo o circunstancialismo apurado relativamente à ocorrência do mesmo, bem como, designadamente, o facto de o arguido ser primário, ter confessado, com manifestação de arrependimento, afigura-se-nos que a medida concreta de 2 anos e 6 meses de prisão, com suspensão da execução da pena por 3 anos, sob a condição de pagamento da indemnização fixada ao ofendido no prazo de 1 ano, se apresenta não só como justa e adequada, como sensata, mesmo em termos da efectivação do pagamento daquela indemnização, já que se não vê que da eventual não suspensão da execução da pena, com consequente reclusão do devedor, resultasse para o assistente maior garantia no recebimento da mesma.
No restante, não se vislumbra que com a suspensão da execução da pena decretada não se mostrem satisfeitas as finalidades da suspensão, não se apresentando, quanto ao caso, considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, nada permitindo, por outra banda, inferir que a simples ameaça da pena não seja suficiente para evitar novo decaimento criminoso, sendo que relativamente ao prognóstico sobre a personalidade do agente, em consonância com o princípio da imediação, só no julgamento efectuado em la instância os julgadores que o encararam directamente detêm melhor conhecimento ou informação recebida no decurso do julgamento, nada permitindo, de todo o modo, contrariar o que, a tal nível, se concluiu, apresentando-se, em nosso critério, o facto de o recorrido não ser residente na RAEM como não passível de contrariar decisivamente o núcleo do decidido.
Razões por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, somos a pugnar pela manutenção do decidido.”; (cfr., fls. 364 a 366).

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Passa-se a decidir:

Fundamentação

Dos factos

2. Estão dados como provados os factos seguintes:
“No início do mês de Fevereiro de 2009, o ofendido B, pela apresentação de amigos, conheceu o arguido A que exercia funções de bate-fichas em vários casinos em Macau.
Depois, o arguido e o ofendido combinaram que desenvolvessem, em conjugação, o negócio de bate-fichas em Macau, no sentido de que o ofendido responsabilizasse pelo fornecimento do capital enquanto o arguido responsabilizasse pela procura de clientes de casino. A comissão resultante deste negócio era repartida na seguinte forma: o ofendido ficava com 80% e o arguido com 20% da comissão.
Na dada altura, o ofendido não tinha telefone em Macau, pois, o arguido forneceu-lhe um telemóvel da marca Samsung, do modelo SCH-S189, com o número de contacto 62188XXX que foi anteriormente requerido perante China Telecom (Macau) Company, Limited, servindo como instrumento de comunicação entre o ofendido e o arguido em Macau.
Em 21 de Fevereiro de 2009, acompanhado pelo arguido, o ofendido abriu uma conta, sob n.º 786, na Sala VIP (XX貴賓廳) do Casino MGM para trocar fichas. Na altura, o ofendido fixou as seguintes condições: o arguido só pode levantar dinheiro ou ficha daquela conta quando o ofendido estiver presente na Sala VIP ou quando os trabalhadores daquela Sala obtiverem a autorização do ofendido por meio da chamada telefónica sob o número de contacto 62188XXX.
Nos meados do mês de Março de 2009, o ofendido parou de exercer a actividade de bate-fichas com o arguido, devido aos conflitos existentes entre os mesmos, e cancelou o direito do arguido no uso da referida conta.
O arguido considerou que o ofendido não tinha repartido com ele a comissão obtida durante o período do exercício da actividade de bate-fichas, bem como teve conhecimento de que o ofendido tinha deixado na aludida conta o montante de HKD$1.000.000,00, por isso, planeou tomar fraudulentamente a identidade do ofendido para levantar tal dinheiro.
Em 14 de Abril de 2009, cerca das 18H26, o arguido deslocou-se a Customer Services Department da China Telecom (Macau) Company, Limited, sita no 12º andar do Edf. Cnac na ZAPE, dizendo ao trabalhador daquela companhia que tinha extraviado o telemóvel com o número de contacto 62188XXX, em seguida, requerendo o novo cartão telefónico com o mesmo número de contacto. O arguido conseguiu obter o novo cartão telefónico, porque o aludido número de contacto (62188XXX) foi registado com o nome deste.
No mesmo dia, por volta das 19H32, o arguido ligou para o número de contacto 62208XXX da repartição de alojamento de quartos e de aluguer de carros da Sala VIP (XX貴賓廳) do Casino MGM, pedindo o levantamento de dinheiro e, em contrapartida, o trabalhador da repartição de alojamento de quartos transferiu aquela chamada telefónica para o trabalhador da tesouraria, C. No telefonema, o arguido imitou a voz do ofendido, dizendo fraudulentamente a C que era o titular da conta de troca fichas n.º 786 da Sala VIP (XX貴賓廳) e pedindo informações sobre o saldo da referida conta. No mesmo dia, cerca das 19H35, C, observando o guia de trabalho da Sala de jogos, depois de atender a referida chamada telefónica, ligou para o número de contacto 62188XXX, que foi registado pelo ofendido na Sala VIP (XX貴賓廳), para efeito de confirmação. Em seguida, o arguido atendeu o telefonema de C e referiu que tinha pedido alguém, mais tarde, para levantar o montante de HKD$1.000.000,00 na Sala VIP.
Dado que o trabalhador da Sala VIP (XX貴賓廳) não descobriu que o arguido tomou fraudulentamente a identidade do ofendido, no mesmo dia, por volta das 19H41, o arguido usou o seu telefone, sob número de contacto 62427XXX, para ligar ao número 66606XXX do condutor, D, foi quem o transportava frequentemente entre Macau e Zhuhai, pedindo-lhe para levá-lo da entrada principal do Hotel Venetian para o Casino MGM e pensando em pedir-lhe levantar dinheiro na Sala VIP (XX貴賓廳).
No caminho para o Casino MGM, o arguido mentiu a D que era titular da conta de troca fichas n.º 786 da Sala VIP (XX貴賓廳) do Casino MGM, e que não era permitida a sua entrada no casino, por isso, pediu-lhe levantar o montante de HKD$1.000.000,00 na referida Sala.
O arguido era cliente frequente de D, por isso, o segundo não pretendia desagradá-lo nem colocou dúvida sobre o pedido do mesmo. Enfim, D deslocou-se para a Sala VIP (XX貴賓廳) em conformidade com a orientação do arguido, enquanto o arguido ficou a aguardar na entrada principal do Casino MGM.
No mesmo dia, cerca das 20H10, D chegou à Sala VIP (XX貴賓廳), dizendo a C que pretendia ajudar o titular da conta de troca fichas n.º 786 a levantar o montante de HKD$1.000.000,00 e, em contrapartida, C pediu-lhe exibir o documento de identificação para ser fotocopiado e registado.
No mesmo dia, cerca das 20H20, C, observando o guia de trabalho da Sala de jogos, ligou para o número de contacto 62188XXX, que foi registado pelo ofendido na Sala VIP (XX貴賓廳), para efeito de confirmação. No telefonema, o arguido imitou a voz do ofendido, dizendo fraudulentamente a C que era o próprio ofendido e confirmando que tinha pedido a D para levantar o dinheiro. Quando C pediu ao arguido a conferir o número do documento de identificação, o arguido referiu, como pretexto, que não tinha trazido com ele o salvo conduto, por isso, não foi dito o número do documento. Dado que C, observando o guia de trabalho da Sala de jogos, ligou para o número de contacto 62188XXX, que foi registado pelo ofendido, para efeito de confirmação, e que, no telefonema, a voz do arguido era parecida com a do ofendido, C julgou que o arguido era mesmo o ofendido.
Posteriormente, C meteu o montante de HKD$1.000.000,00 em numerário num saco para documentos da cor amarela e com o tamanho da folha de papel A4, o que foi entregue a D, depois de ter sido conferido por outra trabalhadora do casino, E.
D abandonou a Sala VIP (XX貴賓廳) logo após a assinatura do recibo, e entregou o referido montante ao arguido. O arguido apropriou-se do dinheiro no montante de HKD$1.000.000,00 e, no mesmo dia, cerca das 21H29, saiu de Macau através das Portas do Cerco.
Em 1 de Maio de 2009, por volta das 11H00, o ofendido telefonou à Sala VIP (XX貴賓廳) e, a partir daí, tomou conhecimento de que alguém levantou o dinheiro no montante de HKD$1.000.000,00 que estava depositado na sua conta de troca fichas. Logo a seguir, cerca das 18H00 do mesmo dia, o ofendido deslocou-se à Sala VIP (XX貴賓廳) para tratar do assunto e, em 2 de Maio de 2009, por volta da 1H00, acompanhado pelo responsável da Sala VIP (XX貴賓廳), F, o ofendido apresentou queixa à Polícia Judiciária.
O arguido causou ao ofendido o prejuízo de HKD$1.000.000.
Para obter benefício ilegítimo, o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente o acto supra referido, ou seja, requereu o novo cartão telefónico e tomou fraudulentamente a identidade do ofendido para telefonar à Sala VIP (XX貴賓廳), daí, conduziu o trabalhador daquela Sala a cometer erro para que pudesse pedir alguém para levantar o dinheiro do ofendido, no montante de HKD$1.000.000,00, a fim de se apropriar dele, com que provocou ao ofendido o prejuízo patrimonial de valor consideravelmente elevado.
O arguido sabia perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou:
O arguido é delinquente primário, conforme o registo criminal.”; (cfr., fls. 271 a 274 e 332 a 349).

Do direito

3. Mostrando-se de confirmar o despacho proferido em sede de exame preliminar, (cfr., fls. 367 e 367-v), onde, para além do demais, (quanto à “tempestividade do recurso” e “legitimidade do recorrente”), se sugeriu a rejeição do presente recurso dada a sua manifesta improcedência, passa-se a expor este nosso entendimento.

Vejamos.

No seu recurso, coloca o assistente ora recorrente as questões seguintes:
– violação do art. 65° e 48° do C.P.M.; (cfr., concl. 1ª a 8ª); e,
– violação do art. 355°, n° 2 e 87°, n° 4 do C.P.P.M.; (cfr., concl. 9ª e 10ª).

— Afigurando-se-nos adequado começar pela alegada “violação do art. 355°, n° 2 e 87°, n° 4 do C.P.P.M.”, vejamos.

Nos termos do art. 87° do C.P.P.M..:
“1. Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de:
a) Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo;
b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior;
c) Acórdãos, quando se tratar de decisão de um tribunal colegial.
2. Os actos decisórios do Ministério Público tomam a forma de despachos.
3. Os actos decisórios referidos nos números anteriores revestem os requisitos formais dos actos escritos ou orais, consoante o caso.
4. Os actos decisórios são sempre fundamentados.”

Por sua vez, preceitua o art. 355° do mesmo código que:
“1. A sentença começa por um relatório, que contém:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) As indicações tendentes à identificação do assistente e da parte civil;
c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a pronúncia ou, se a não tiver havido, segundo a acusação ou acusações;
d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.
2. Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
3. A sentença termina pelo dispositivo que contém:
a) As disposições legais aplicáveis;
b) A decisão condenatória ou absolutória;
c) A indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime;
d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;
e) A data e as assinaturas dos juízes.
4. A sentença observa o disposto neste Código e na legislação sobre custas em matéria de imposto de justiça, custas e honorários.”

No ponto em questão, diz o recorrente que:
“O presente Acórdão viola o art. 355°, n° 2 do Código de Processo Penal, na parte onde referido está que na sentença deve constar uma enumeração dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal”; e que,
“O presente Acórdão, enquanto acto decisório, viola o dever de fundamentação, previsto no art. 87°, n° 4, do Código de Processo Penal, o que o infirma de nulidade nos termos do art. 360.°, n.°1 , do mesmo diploma legal.”

Porém, evidente é que inexiste a imputada “falta de fundamentação”.

Com efeito, e como de uma mera leitura ao Acórdão recorrido se pode constatar, o Colectivo a quo elencou os factos que considerou provados, pronunciou-se sobre os não provados, (consignando que nenhum facto ficou por provar), explicitando, também, em sede de “convicção”, o que segue: “a confissão voluntária sem reservas do arguido e os respectivos expedientes dos autos são suficientes para apurarem os factos acima expostos”; (cfr., fls. 272 a 273-v).

Por sua vez, em sede de qualificação jurídica e determinação da pena, consta do Acórdão recorrido o que segue:
“A al. a) do n.º 4 do art.º 211º do Código Penal dispõe:
“4. A pena é a de prisão de 2 a 10 anos se:
a) O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado;”
Pelos factos provados, este Tribunal Colectivo conclui que o arguido causou prejuízo patrimonial de valor consideravelmente elevado ao ofendido através de manha, com a intenção de se enriquecer ilegitimamente, sendo assim, este cometeu o crime imputado na acusação.
A determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, atendendo também a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
1) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
2) A intensidade do dolo ou da negligência;
3) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
4) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
5) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
6) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Em conformidade com o critério de determinação da pena supramencionado e, também, tendo em conta que o arguido é primário, confessou, por iniciativa própria, os factos que lhe foram imputados e manifestou-se arrependido, este Tribunal Colectivo considera que é mais adequado condená-lo na pena de prisão de 2 anos e 6 meses.
Atendendo à personalidade do arguido, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, este Tribunal Colectivo entende que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que, nos termos do art.º 48º, n.º 1 do Código Penal, se suspende a execução da pena supra referida por 3 anos sob condição de pagar ao ofendido a indemnização no montante de HKD$920.000,00, e, é necessária a apresentação, dentro de 1 ano, do comprovativo do pagamento integral e efectivo da indemnização.”

Ora, tem este T.S.I. entendido que em sede de fundamentação não se devem adoptar perspectivas maximalistas, e sendo de manter o assim entendido, óbvio é que não merece o Acórdão recorrido a censura que lhe é feita.

Com efeito, para além de elencar os factos provados e não provados, não deixou o Colectivo a quo de expor os motivos que o levaram a decidir da maneira que decidiu quanto à matéria de facto, tendo também feito uma exposição dos motivos que o levaram a condenar o arguido como autor de um crime de “burla” p. e p. pelo art. 211°, n° 4, al. a) do C.P.M., não deixando de justificar a pena decretada.

Pode-se não concordar com o que se expôs, contudo, tal não significa que omissa seja a fundamentação para se dar por verificado o vício pelo ora recorrente imputado.

— Quanto à “violação do art. 65° e 48° do C.P.M.”.

Inconformado com a medida da pena e a suspensão da sua execução, alega, o recorrente, e em síntese, que atento o “modus operandi” e o montante em questão, outra devia ser a pena, e que não devia ser suspensa na sua execução.

Alega pois que:
“Os crimes desta gravidade devem ser punidos com uma pena suficiente, proporcional e adequada para ameaça especial que constituem para a confiança da comunidade na vigência efectiva das normas violadas, e, consequentemente, da segurança dos seus bens patrimoniais, bem como para acautelar também a justiça social, sem a qual o prestígio dos tribunais é gravemente afectado.”

Ora, como já se deixou adiantado, outro é o nosso ponto de vista.

Como repetidamente temos afirmado:
“Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.”; (cfr., v.g., Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000).

In casu, sendo o arguido primário, e tendo confessado, na íntegra, os factos pelos quais estava acusado, não vemos motivos para discordar da pena de 2 anos e meio de prisão fixada, (notando-se que nem o recorrente indica qual a que considera adequada), sendo assim de concluir que violado não foi o art. 65° do C.P.M., (que, como é sabido, determina os critérios para a determinação da pena).

No que tange à suspensão da sua execução, pouco há também a dizer.

De facto, afigura-se-nos de subscrever o entendimento do Tribunal a quo, no sentido de que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, (cfr., art. 48° do C.P.M.), sendo de referir ainda que teve o mesmo Tribunal o cuidado de condicionar a referida suspensão com o efectivo pagamento de uma indemnização ao ofendido, o que, como é obvio, não deixa de revelar a preocupação em levar a cabo o estatuído em sede de “finalidades das penas”; (cfr., art. 40° do C.P.M.).

Dest’arte, e apreciadas que assim ficam as questões colocadas, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, e em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art°s 409°, n° 2, al. a) e 410°, n° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente a taxa de justiça de 5 UCs, e, pela rejeição, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n° 4 do C.P.P.M.).

Macau, aos 25 de Novembro de 2010

José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
João A. G. Gil de Oliveira
Proc. 758/2010 Pág. 26

Proc. 758/2010 Pág. 1