Processo n.º 769/2010 Data do acórdão: 2011-01-27
(Autos de recurso penal)
Assuntos:
– crime de fuga à responsabilidade
– aplicação da lei mais favorável ao arguido
– art.o 2.o, n.o 4, do Código Penal
– liberdade na condução automóvel
– valor patrimonial na multa
S U M Á R I O
Em sede de opção pela aplicação, nos termos do art.o 2.o, n.o 4, do Código Penal de Macau, da lei concretamente mais favorável a um arguido condenado em multa e suspensão da validade da licença de condução pela prática do crime de fuga à responsabilidade, é de atender a que a liberdade na condução automóvel é um bem mais precioso do que o valor patrimonial em causa na pena de multa.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 769/2010
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A (A)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Em 30 de Julho de 2010, foi proferida sentença em primeira instância no âmbito do processo comum singular actualmente n.° CR4-08-0419-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, condenatória do arguido A, aí já melhor identificado, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de cem patacas, o que perfaz o montante total de MOP6.000,00 (seis mil patacas), convertível em 40 (quarenta) dias de prisão, no caso de não ser paga a multa nem esta substituída por trabalho, e na inibição de condução por cinco meses, pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de fuga à responsabilidade, previsto, à data dos factos, pelo art.o 64.o do texto então vigente do anterior Código da Estrada (CE), e concretamente punido, por decisão da Mm.a Juíza autora da sentença, pelos art.os 89.o e 94.o, alínea 2), da actual Lei do Trânsito Rodoviário (LTR) (Lei n.o 3/2007, de 7 de Maio, revogatória nomeadamente do Código da Estrada) (cfr. o teor dessa sentença, a fls. 92 a 95v dos presentes autos correspondentes).
Inconformado, veio o arguido recorrer para esta Segunda Instância, imputando, na sua motivação apresentada a fls. 114 a 122v dos autos, material e concretamente à decisão recorrida a violação dos art.os 2.o, n.o 4, e 65.o do Código Penal de Macau (CP), e dos art.os 355.o, n.o 2, e 87.o, n.o 4, do Código de Processo Penal de Macau (CPP).
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador no sentido de manutenção do julgado (cfr. o teor de fls. 126 a 128v).
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto douto parecer (a fls. 155 a 157), pugnando pela aplicação da lei antiga ao caso em sede de medida da pena.
Feito subsequentemente o exame preliminar e corridos os vistos legais, procedeu-se à audiência em julgamento.
Cumpre, pois, decidir do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Atento o teor da sentença recorrida (constante de fls. 92 a 95v, que se dá por aqui integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) em que se mostra patentemente feita a fundamentação fáctica e jurídica da decisão final aí tomada, é de improceder, desde já, a imputada falta de fundamentação, porquanto está aí observado, pela Mm.a Juíza a quo, o disposto nos art.os 355.o, n.o 2, e 87.o, n.o 4, do CPP.
E agora quanto à problemática da aplicação da lei concretamente mais favorável ao arguido (art.o 2.o, n.o 4, do CP):
Como se sabe, o crime de fuga à responsabilidade era outrora punível, nos termos do art.o 64.o e do art.o 73.o, n.o 1, alínea b), do CE, em conjugação com o art.o 45.o, n.o 1, do CP, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa de 10 a 360 dias, e com suspensão da validade da licença de condução pelo período de 1 mês a 2 anos, enquanto à luz da nova LTR, passa o mesmo delito a ser punido com prisão até 1 ano ou multa até 120 dias, e com inibição de condução pelo período de 2 meses a 3 anos (cfr. os art.os 89.o e 94.o, alínea 2), da LTR).
No caso, a Mm.a Juíza a quo graduou, nos termos da lei antiga (i.e., mormente do CE), a pena de multa em 75 dias, à taxa diária de cem patacas, o que totaliza 7500 patacas de multa, convertível esta em 50 dias de prisão, e graduou o período de suspensão da validade da licença de condução em quatro meses; ao passo que na lei nova (LTR), já graduou a pena de multa em 60 dias, à taxa diária de cem patacas, o que totaliza 6000 patacas de multa, convertível em 40 dias de prisão, e graduou o período de inibição de condução em cinco meses.
E o arguido pede na sua motivação de recurso que lhe seja aplicada a lei antiga em sede de punição, porquanto entende que “Claramente, o período de suspensão da validade da licença de condução, conforme o Código da Estrada (período de 4 meses) é mais curto do que o que resulta da Lei do Trânsito Rodoviário (período de 5 meses)”.
Para este Tribunal ad quem, de facto, o período de quatro meses de suspensão da validade da licença de condução achado pela Mm.a Juíza a quo à luz da lei antiga é concretamente mais favorável ao arguido. Mas, se assim fosse, por força da aplicação da lei em bloco, ele já não poderia afastar a imposição, em simultâneo, da pena de 75 dias de multa, então encontrada pela Mm.a Juíza a quo nos termos da lei antiga, pese embora essa pena de multa fosse mais gravosa do que a pena de 60 dias de multa achada pela mesma Mm.a Juíza ao abrigo da lei nova. (Entretanto, é de notar que tal pena concreta de 75 dias de multa, dentro da respectiva moldura penal, já foi graduada com maior benevolência por parte da Mm.a Juíza a quo). De resto, afigura-se a este Tribunal de recurso que a liberdade na condução automóvel é um bem mais precioso do que o valor patrimonial em causa na pena de multa.
Face ao exposto, deverá o arguido passar a ser condenado na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de cem patacas, convertível em 50 dias de prisão, e na suspensão da validade da licença de condução por quatro meses.
III – DECISÃO
Nos termos expendidos, acordam em conceder parcial provimento ao recurso do arguido A, passando a condená-lo, pela autoria material de um crime consumado de fuga à responsabilidade, p. e p. pelo art.o 64.o do então vigente Código da Estrada, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de cem patacas, o que perfaz o montante total de MOP7.500,00 (sete mil e quinhentas patacas) de multa, convertível esta em 50 (cinquenta) dias de prisão no caso de não ser paga nem substituída por trabalho, e na pena prevista no art.o 73.o, n.o 1, alínea b), do mesmo Código, de suspensão da validade da licença de condução pelo período de quatro meses.
Custas do recurso pelo arguido na parte que ora decaiu, com quatro UC de taxa de justiça correspondente.
Macau, 27 de Janeiro de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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