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Processo nº 217/2010
(Recurso Cível)

Data: 24/Fevereiro/2011

   
   Assuntos:

- Indemnização pelo divórcio; danos não patrimoniais

    
    SUMÁRIO :
    
    A obrigação de indemnização não nasce ope legis, pelo simples facto de o cônjuge ter sido declarado único culpado, sendo necessário que tenha causado factos que constituam dano a direitos ou interesses de ordem espiritual na esfera jurídica do cônjuge inocente, danos esses que têm de ser alegados e verificados.
    
O Relator,
  João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 217/2010
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 24/Fevereiro/2011
Recorrente: A
Recorrido: B

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, Ré na acção de divórcio que contra ela interpôs B, tendo sido decretado o divórcio e declarado este o único culpado, vem aquela recorrer, apenas da parte relativa ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, pedido que foi julgado improcedente e dele absolvido o A., reconvindo,
alegando fundamentalmente e em síntese:
1. Um divórcio decretado, como no presente caso, com fundamento no comportamento do A. que integra o conceito de violação culposa dos deveres de fidelidade e de respeito, tem como consequência natural a lesão de danos não patrimoniais da R. reconvinte.
2. No caso, esses danos consistiram, nomeadamente, na lesão de bens como a "sensibilidade", a "dignidade" da R. Reconvinte, que a douta sentença não pode de deixar de concretizar e reconhecer como consequência da conduta do A.
    3. Reconhecimento que a douta sentença faz por a existência de tais bens e a sua lesão se imporem, segundo a experiência comum de vida, como factos notórios.
    4. O que faz com que a douta sentença incorra, salvo o devido respeito, em contradição quando considera não se terem provado" factos concretos como base que consubstanciam os danos e sofrimentos emocionais sofridos pela reconvinte".
    5. Assim, em razão das conclusões precedentes, a douta sentença violou as disposições pertinentes dos artigos 489.º e 1647.º do Código Civil.
    6. Motivo por que, deve a mesma ser revogada na parte recorrida, reconhecendo-se à R. Reconvinte o direito à indemnização pedida por montante não inferior a MOP$50.000,00.

    B contra alega, em síntese:
    I - A sentença recorrida não merece qualquer reparo;
    II - O Douto Tribunal a quo aplicou correctamente a Lei em função dos factos que foram considerados assentes, valorando-os de acordo com o seu livre arbítrio e fundamentando a sua Douta Decisão no sentido da Lei bem como em Doutrina e Jurisprudência largamente aceite.
    III - A Recorrente não alegou nem provou todos os factos de que depende a invocação do seu direito de indemnização, à luz do exigido pela Lei e em harmonia com a interpretação feita por várias correntes Jurisprudenciais, nem tão pouco provou, porque razão o pedido de indemnização por danos não patrimoniais seria susceptíbildade de ser atendido em virtude dos factos que, no caso em concreto, directamente fundamentaram o decretamento do divórcio.
    IV - O Tribunal a quo decidiu em conformidade com o direito, tendo feito a correcta e a mais sensata aplicação do direito aos factos.
    
    II - FACTOS
    
    Vêm provados os factos seguintes:

    O A. reside em Macau desde o ano de 1984.
    Porém, em virtude da estreita ligação que sempre manteve com a sua terra natal, foi na República Popular da China que encontrou a mulher com quem se decidiu casar, em 28 de Outubro de 1992, na cidade de Zhongshan (Chong San), na província de Guangdong.
    O A. e a R. decidiram que seria do A. continuar a trabalhar em Macau, visto que somente assim poderiam ter melhores condições de vida.
    Sendo que a R. pediu ao A. para ela permanecer, na República Popular da China, por ainda não se sentir preparada para se desligar da sua família, da qual nunca se tinha distanciado.
    Durante os primeiros 14 meses, depois do casamento, o A. e a R. mantinham o contacto familiar, através das visitas frequentes que o A. fazia à República Popular da China bem como através de chamadas telefónicas que ambos efectuavam um para o outro.
   O A. tem um filho e uma filha frutos de uma relação extraconjugal.
Desde os finais de 1993 entre ambos começaram a ter desentendimentos e deixaram de estabelecer o normal contacto.
   Desde 1998, o A. coabita com uma senhora chamada C.

    III – FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa fundamentalmente por saber se se pode arbitrar indemnização por danos não patrimoniais ao cônjuge não culpado pelo divórcio apenas com base nos factos que constituem causa de pedir do divórcio.
    O recorrente defende que sim e cita aparentemente em abono da sua tese autorizada Doutrina.
    A questão não está em saber se há indemnização devida pelo culpado no divórcio.
    A questão reside em saber se, assinala-se, decretado o divórcio por culpa de um dos cônjuges, se os factos que constituem fundamento do divórcio e integram a culpa de um dos cônjuges são por si só base bastante para fundamentar uma condenação de indemnização a favor do outro cônjuge.
    
    2. Não será despiciendo referir que no caso sub judice a ré, A, a esposa, ora recorrente, reconveio na acção, pedindo também o divórcio por causas próprias e autónomas, relevando aí invocada relação adulterina do marido, mantida e reiterada no tempo, e formulou o pedido de indemnização, tendo invocado a este propósito factualidade pertinente relativa aos danos por si sofridos, referindo explicitamente que
    A vida da R. vem ao longo de todos estes anos a ser atormentada pelo sentimento de abandono a que a votou o A.;
    Sentimento de abandono que lhe causa sofrimento permanente;
    Agravando-se com a tristeza de não ter conseguido concretizar o sonho de ter filhos;
    E de se ver substituída por outra mulher.
    Sente um permanente vazio e uma grande infelicidade.
    Tudo danos patrimoniais a reparar por uma compensação não inferior a MOP$50.000.
    Ora acontece que este factos não foram provados.
    Não obstante será ainda de conceder a indemnização face aos que ficaram tão somente comprovados, tal como acima transcrito, como pretende a recorrente?
    
    3. A resposta a dar a esta pergunta afigura-se linear e não pode deixar de ser negativa.
    
    Nos termos do artigo 1647.º do CC o cônjuge declarado único ou principal culpado deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento.
    É já doutrina assente que os danos a indemnizar nesta sede são somente os resultantes da dissolução do casamento, o que significa que os danos não patrimoniais causados por factos que alicerçam tal dissolução ou que precedem o divórcio não são contemplados no referido preceito cujo ressarcimento dever ser pedido em acção autónoma com fundamento no art. 477º do CC, citando-se até Jurisprudência pertinente em termos comparados.1
    Não vem colocada, embora pertinente, a questão que já se tem posto2 de que antes de ser decretado o divórcio não pode haver danos resultantes da dissolução pela razão simples de que nesse momento o efeito da acto gerador dos mesmos ainda não podia produzir quaisquer efeitos.
    Para esta indemnização importa radicar os danos na situação causada por uma situação de ruptura conjugal que levará à dissolução juridicamente decretada, mas já previamente vivida e sentida por um dos cônjuges.
    Não interessa argumentar tanto com o facto de a lei contemplar os danos decorrentes da dissolução do casamento e não já os danos decorrentes de factos que servem de fundamento ao divórcio, pois há situações em que a interdependência entre umas causas e as outras não deixam de ser uma realidade.
    
    A este propósito acompanha-se o entendimento já sufragado por este Tribunal e na esteira do acórdão do STJ3, que aqui se cita – sempre em termos de Direito Comparado -, segundo o qual não se pode cair numa distinção especiosa, ausente da observação da realidade da vida, isolando a causa do efeito, esperando que este só aconteça, finda definitivamente a acção, e só então se avaliando a existência e a dimensão do dano não patrimonial sofrido pelo outro cônjuge.
    
    Os factos que são fundamento do divórcio conduziram à dissolução do casal, por culpa exclusiva do autor, considerado único e principal culpado.
    Não se pode fragmentar o conjunto, isolando a causa, o meio e o resultado. O elemento ponderativo é o conjunto que levou, por forma inevitável para a ré, ao resultado dissolutório do casal, sendo esse conjunto a dissolução que a lei refere, sem a dissociar da causa que lhe deu origem. Só quando tudo se liga e conduz ao resultado final, a que o A. subordinou o abandono do lar, após uma relação de amantismo com outra mulher, deliberadamente, como causa geradora do direito potestativo, o divórcio, que assim logrou obter, contra a vontade da ré.
    
    4. Mas os danos, o pretenso desgosto, o sofrimento, o vazio, a tristeza - aliás, alegados - onde estão?
    A obrigação de indemnizar pelo divórcio, ainda aqui, não se pode apartar dos respectivos pressupostos, quais sejam a ilicitude (desconformidade entre a conduta devida e a observada), culpa (imputação do acto ao respectivo agente), dano, nexo causal entre o facto e o prejuízo4.
    Desde logo o citado artigo 1647º do CC não prescinde desses pressupostos aludindo claramente à existência dos danos.
    Nada aponta ou permite que esses danos se presumam.
    Nesse mesmo sentido a própria Doutrina citada pelo recorrente, se se atentar bem nas posições assumidas pelos diferentes autores.
    É assim que D defendia esse pedido de indemnização com base no princípio geral do art. 477º do CC (mutatis mutandis)5
A própria E, igualmente citada pelo recorrente, não deixa de assinalar que a culpa do cônjuge culpado é condição necessária e suficiente para a atribuição da indemnização, contanto que o cônjuge prove posteriormente a existência de danos.6

A Jurisprudência comparada é bem elucidativa da posição que se vem defendendo. A obrigação de indemnização não nasce ope legis, pelo simples facto de o cônjuge ter sido declarado único culpado, sendo necessário que tenha causado factos que constituam dano a direitos ou interesses de ordem espiritual na esfera jurídica do cônjuge inocente, danos esses que têm de ser alegados e verificados.7

Assim sendo, na falta de verificação dos danos, a que o próprio artigo 1647º, n.º 1 não deixa de aludir, o recurso será julgado improcedente
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente.
Macau, 24 de Fevereiro de 2011,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Ac. STJ de 28/5/98, in BMJ, n.° 477, pg 521; Ac. STJ de 13/3/85, in BMJ, n.° 345, pg. 414
2 - Ac. TSI 248/2005, de 19/1/06
3 - Ac. STJ, proc. 02B4593, de 30/1/2003, http://www.dgsi.pt
4 - A. Varela, Das Obrigações em Geral, II, 91
5 - Curso de Direito da Família, 1970, 367
6 -Da Relevância da Culpa nos Efeitos Patrimoniais do Divórcio, Almedina, 2005, 114
7 - Acs. STJ STJ de 5/2/85, BMJ344, 357; de 31/7/80, BMJ 303, 271; RL, de 5/5/81, CJ1981, III, 21
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